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Estamos todos acostumados com a narrativa do ano novo. Faça algumas resoluções.
Reinvente-se — ou pelo menos melhore em uma ou duas áreas. Mas mesmo os mais
entusiastas entre nós sabem que não devem se deixar levar pelo entusiasmo. Algumas coisas
é possível mudar, mas outras nunca mudam. Ir à academia? Pode ser que sim. Dizer
“obrigado” mais vezes? Claro, mas onde fica a linha de demarcação? O que é que não muda?
Por um lado, esta deve ser uma pergunta fácil. Vivemos em uma cultura que categoriza mais e
mais coisas como” mutáveis”. Não só temos habilidades crescentes para mudar as coisas em
nós mesmos, mas nossa cultura defende o direito — e até mesmo a necessidade — de mudar
para seguir nossos corações. Portanto, não é fácil encontrar a linha de demarcação em nossa
cultura mais ampla. E, se formos honestos, os cristãos também estão perdendo a visão disso.
Não o estamos fazendo intencionalmente; está acontecendo devagar. Nós simplesmente
assimilamos esta narrativa mais ampla — não apenas a “Narrativa do Ano Novo, mas a
“História do Construa-se a Si Mesmo”. Você pode ser o que você quiser ser. Você deve ser fiel
a si mesmo.
Podemos seguir o transumanismo através de três etapas. Vamos pensar nisso como um
progresso (ou digressão?) para cada vez mais longe do corpo humano e cada vez mais
próximos dos cenários de ficção científica que temos tanta certeza estarem ainda distantes.
Vou explicar brevemente cada movimento e depois responder a duas perguntas: (1) Por que
isto é um problema hoje? e (2) Por que isto é um problema para os cristãos?
A liberdade morfológica talvez não lhe pareça demasiadamente assustadora. Mas, ao darmos o
próximo passo na lógica transumanista, as coisas podem ficar um pouco menos estáveis.
Pode parecer que estamos falando apenas sobre o uso de ferramentas, mesmo que estas
ferramentas sejam particularmente invasivas. Os próprios transumanistas notam essa conexão,
mas argumentam a favor de uma diferença. Estudiosos tal como Andy Clark enfatizam uma
certa visão do ser humano que compele a esta visão da realidade aumentada. Segundo Clark,
os seres humanos estão essencialmente abertos a uma reestruturação profunda e
transformadora, que pode ser facilitada pela realidade aumentada (113). Em outras palavras, o
que significa ser humano está em aberto e é mutável. Este aumento da realidade não é apenas
algo que ligamos e desligamos; é algo que nos alterará profundamente. Segundo os
transumanistas, temos direito a esta transformação de nossa visão de mundo e de vida.
A realidade aumentada inclui uma ampla variedade de processos. Trata-se da interface entre o
biológico e o mecânico, o que obviamente pode tomar várias formas. Por exemplo, cientistas
estão estudando o efeito em macacos. Eles incorporam chips em seus cérebros que lhes
permitem mover um braço robótico com seus pensamentos. Isso altera a maneira como eles se
envolvem com a realidade ao seu redor, a maneira como pensam sobre si mesmos e o modo
como se comportam em seu mundo (Clark, 118). A fusão de macaco e máquina altera o
macaco profundamente.
A realidade aumentada não envolve apenas o que podemos fazer, mas também como
enxergamos. Alguns transumanistas estão promovendo a ideia de filtros de realidade. Um
deles colocou desta maneira:
Os filtros de realidade podem ajudá-lo a filtrar todos os sinais vindos do mundo da mesma
forma que o seu aplicativo de e-mail favorito filtra suas mensagens, com base nas suas
preferências declaradas ou nos conselhos de seus colegas. Com estes filtros, você pode optar
por ver apenas os objetos que merecem sua atenção e remover completamente os sons e
imagens inúteis e irritantes (tais como anúncios) da sua visualização. (141)
Neste exemplo, o mundo em que uma pessoa habita muda radicalmente.
Além disso, a realidade aumentada promove ainda mais a visão de apego ao controle e
domínio sobre nossos mundos, em vez de viver fielmente diante de Deus, que está no controle
e que nos chama para servir. Considere as palavras do futurista secular Yuval Noah Harari:
Dispositivos como o Google Glass e jogos como Pokémon Go são projetados para apagar a
distinção entre online e offline, mesclando-os em uma única realidade aumentada. Em um nível
ainda mais profundo, os sensores biométricos e as interfaces diretas entre o cérebro e o
computador, visam corroer a fronteira entre máquinas eletrônicas e corpos orgânicos e,
literalmente, deixá-los sob nossa pele. Uma vez que os gigantes da tecnologia tenham um
entendimento maior sobre o corpo humano, eles podem acabar manipulando nossos corpos
inteiros da mesma forma que manipulam nossos olhos, dedos e cartões de crédito. É possível
que venhamos a sentir falta dos bons e velhos tempos quando o online estava separado do
offline. (92)
A erosão da distinção entre online e offline pode prometer grandes possibilidades, mas trará
limitações que devem preocupar os cristãos, especialmente quando se trata da desigualdade e
de viver humildemente como seres limitados no serviço a Deus.
Agora, passamos do transumanismo como um direito à liberdade morfológica, a um uso
potencial dessa liberdade: fundirmo-nos com as máquinas. Mas e o próximo passo, o passo da
ficção científica, o passo de deixar completamente o biológico?
Transumanistas discordam sobre como o upload da mente pode ser alcançado. Alguns
apontam para a dificuldade de mover a consciência para um computador: embora algum dia
possamos ser capazes de transferir todos os dados de um cérebro biológico para um
computador, de que maneira teríamos mais do que uma cópia naquele ponto? Como poderia a
consciência ser transferida e se tornar imortal? Outros observam que já estamos colocando
muito de nossos “cérebros” online, ao colocarmos muito de nós nas mídias sociais. Martine
Rothblatt explicita algumas das possibilidades:
A tecnologia da informação (TI) está cada vez mais capaz de replicar e criar seus níveis mais
altos: as emoções e insights. Isto é chamado de consciência cibernética. Embora ainda esteja
em sua infância, a consciência cibernética está aumentando rapidamente em sofisticação e
complexidade. Paralelamente a este crescimento está o desenvolvimento de um software
poderoso, porém acessível, chamado mindware, que ativará um arquivo digital de seus
pensamentos, memórias, sentimentos e opiniões — um arquivo mental — e operará em um
gêmeo tecnológico, ou um clone mental. (3)
Para Rothblatt, já avançamos bastante no caminho de criar seres que existem — digitalmente,
mas independentemente — e que merecem direitos e outras considerações. De acordo com
ela, cada vez que publicamos algo nas mídias sociais, estaremos indo em direção à criação de
clones mentais.
Poucos cristãos hoje optariam por este aspecto do transumanismo. Eu confio que poucos em
seu pequeno grupo queiram criar um clone mental ou fazer o upload de sua consciência para
um computador. Mas, como vimos nestas três etapas da lógica transumanista, não estamos tão
longe disso quanto poderíamos pensar, dado nossos diferentes graus de aceitação da
liberdade morfológica e da realidade aumentada. Em outras palavras, podemos estar mais a
caminho dessa visão da existência — devido à nossa aceitação de outras práticas e ideias —
do que gostaríamos de admitir.
Quem é Você?
Mas quem é você? E quanto de “novo” você pode alcançar de forma razoável e fiel?