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Recife, 2012
abre-caminho
Germano Rabello
poeta e desenhista
casa amarela, 2012.
tenho dito
que a carne cobre o espaço
cumpre os dias e passa
o eterno da passagem
é sua pele.
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o corpo
não canta
o corpo
não encontra
canção
o corpo não
nu
sem voz
em vão.
a fala vegetal de meus ossos
e a estrela bailarina
se confundem
no teu colo
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árvora
pra fruto
tudo se esparramando
no chão
devir
doida (várias)
porodegata?
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queda
preso
às rudes amarras
da gravidade
cai do alto
meu corpo
dois minutos.
sonhar o pássaro
que eu nunca serei.
amenidades
e só chuva
ssssssss chuva
chuva
caindo lá fora
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a fêmea
seu cio
será céu?
minha raiva
é quase
quasar.
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deixo na boca
a sugestão da tempestade
anoto
os haicais
da chuva
e recolho
o horizonte
do antebraço
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coisas da pele
a fresta
a farpa
azul somente.
estar nu
nu como um dente
estar coisa
cio S/A
estarestar
estar éter.
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tragam rosa
colher na boca e outros poemas
o silêncio dos minerais azuis
e o abraço cego
do poeta aproximado
acendam um lampião
e risquem a minha cabeça
no chão da linguagem iluminada
eu ficarei no incêndio.
a primavera me assusta
com seu perfume
inesperado e novo
eu preciso
abandonar o velho corpo
e tocar fogo em minha cabeça
para acordar
o século e atrair
os leopardos.
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a imensidão e depois
a pálpebra do inverno
aquecendo nossa memória
o objeto esquecido
derrubando calendários
a garganta azul
escondendo a palavra:
palavra.
atiro contra o céu
o peito aberto
o sangue a
gengiva e
todo medo
é sobre
os escombros que
caminho
toda ruína
é imagem.
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a cabeça pousa
numa pedra:
a rebelião.
esse silêncio
que resiste e
se aninha no
ventre:
a rebelião.
desrumo
atravessado
de inícios.
não.
e o cheiro do sol
cobre
de ouro
meus olhos.
e a órbita do breu
é breve
e escorre
por meus poros.
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estamos
no Monte da Aranha
e vemos o mundo.
acima do tempo
nossos avós
se divertem.
debaixo do rio
nossas crianças
invertem
o curso
das águas
com sorrisos.
e estamos
dentro de sua respiração.
ouço
o que roço
/ ruído
/ palavra
/ barulho
todo som
tem pele.
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põe as auroras
sobre a mesa
enquanto toma
um café amargo
devolve a luz
que o horizonte
deixou embaixo
dos lençóis
apodrece e
cria os musgos
que não sabem
de teu rosto
trago os abismos
no peito e você
se encosta em mim
nas nuvens
somos raros
como um afeto
sem memória
e dançamos
l e n t a m e n t e.
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com espinhos
deixo o corpo aberto
num rumo sem rumo
na presença do silêncio
rabisco um conto
e tiro
os passarinhos do bolso
pra pintar o vento
a noite inteira
a noite inteira
a noite inteira
e vôo.
repouso num galho,
sem sonho.
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escavo
a consciência do poema
para construir bússolas
como um clarão
o poema
pode acontecer
amo
as
coisas que
se apartam
amo
as palavras
que se afogam
no banheiro do apartamento.
amo
os dias
que são quentes
amo
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osmeuspassos
no corredor e na cozinha
amo
os jardins
fora de casa
e amo
as janelas
amo sobretudo
as janelas.
fico quieto
e risco
o céu
discreto
(com as
mãos no
bolso)
depois
apago
deus
ou
cubro
com um desenho.
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a médula
o verão
a moeda
o inverno
a mudança
o outono
a moça
a primavera.
você tem olhos pequenos e
me deixa perto de seu coração
como se colasse uns pedaços meus
junto de você.
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encosto
meu ouvido
em teu ouvido
pois
também quero
ouvir a noite
e os grilos
que ficam
lá dentro.
eu não quero
nada
que seja limpo. esse teu sorriso
e o céu branco como o teu olho.
não quero.
essa infância
estúpida como dentes
guardados. eu não quero
e não tenho
medo.
mordo.
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meus ossos crescem e eu
fico velho. essa barba
esse rosto essa pele tudo
está dançando dentro da gravidade.
o espelho e o escuro
se trancam
nos bolsos de minha mente.
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renovo
os segredos da infância
e escondo num livro
meu corpo
essa fuga abençoada
o vôo
e todos os soluços.
Water - 29.10.91
ruminando
o líquido
e essas voltas
pela cidade
dentro da vértebra
andando como
um sopro
à noite
caminhando
com a cabeça
violenta
e o espírito
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a água
(essa sede)
cruzando
as ruas
livremente
n ossos corpos
delicados
como a noite/açúcar
e esse som sujo
colado em
nossosolhos
nossas mentes
rolando sobre a grama
(essa água): o mar.
as maçãs
estão me fazendo sorrir
e as mensagens vêm pela garrafa
e as maçãs
me fazem sorrir
eu não me encontro só
e olho o oriente
e o horizonte
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algo
que ninguém sabe
nem sente
algo
que não se
move
algo
que nega
o céu
algo
que é noturno
e palavra
algo
que seja.
nublado
como esses dias
o azul do chumbo
esse cinza
meus olhos
caminhando
contra o horizonte
mirando
a origem
da noite
vigiando
lentamente
a manhã
lentos
abertos como os poros.
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elas permanecem lá
(eu posso ver por algum tempo.)
antes do susto.
permaneço
no ar
limpo
feito
o fogo
desses dias.
como
um anjo
sem asas.
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saudades eletrônicas
e a atividade. pequena memória de
esgrimas.
os nomes doces
da noite.
desconcerto e piedade
e um aceno
assobios.
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morrer lentamente
como uma grande estrela agonizante
dentro do tempo.
cair friamente
no esquecimento do século
e dormir.
vejo mulheres chorando violinos
e alguns sapos
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a música possível
da medula
elétrica e doce
como uma grande chuva
sem memória
incinerando
os pensamentos mais leves.
o sol esquartejado
sobre os ombros de meu amor
e a faca lúcida
em sua pele.
cruel
como os lindos olhos
do passado
devastando o sossego.
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solta a fumaça
como num eterno adeus.
o sabor delicado
do grito
no escuro.
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o gato
sobre o
muro
como um
senhor
olhando
pra mim
e meus
sonhos
calmo
como quem tem
um cigarro
na mão.
oh meu amor
você espalhou
alguns
segredos
pelas ruas
oh meu amor
você escondeu
cinco
canções
sobre mim.
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chove:
o meu rosto
se assombra
e faz um rio.
II
sobre o chão
espalho
meu corpo
feito um deus.
III
o corpo de lua
no jardim.
eu dormia,
junto à árvore.
IV
(a noite passada)
no abraço
que inventamos.
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materno
coração tranquilo
na nuvem da voz.
desço ao profundo
de seu mundo
sob os lençóis.
refazendo a manhã
sou a tecelã
dos sons.
II
agora
o menino dorme
familiar
chovia lá fora
uma palavra
que traduza meu sorriso de criança
e o arco-íris: viagem.
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diante do mar
quieto
em meu silêncio
pelos olhos
e vai repousar
II
sentado
sem canção
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nascer o ser
.
romper manhã
.
ave
.
andar com fé
ao léu
.
palavras
.
palavras não salvam
.
poiesis
.
um demiurgo
aguando as plantas
.
eu vi
.
um vôo
.
verei o sol
.
não-só
.
o corpo
.
a mente
.
o manto
.
um navajo
deixou mãe
.
o rio lavava
para longe
.
Campo Vasto
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me aproximo da morte
atravesso
através
do avesso
o corpo a cor
o leve e louco
mergulho da alma
o mesmo a outra
o vivo e antilúcido
terreno da carcaça
o toque a luz
o belo e sujo
descanso nas estrelas.
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polara
estrela branca do absurdo
menor de teus olhos
polara
coisa viva, cavalo-asa
no gozo
extremo da palavra
polara
brasa nova
calçada-temporal
da aurora
polara
breve, deitada
nas bordas
do insano.
circulo
o
círculo
e fico
no
circo
lou
co
e só
no oco.
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quis escrever
outra canção
com açúcar
e afago
ficou acordado
a noite toda
registrando assobios
num caderninho
verde
e desenhos
no antebraço
descendo
lentamente
sobre
as cabeças
assustadas
dormindo
em aquários.
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do espírito igual
os corpos em luz
e a mãe afetuosa
nos põe a ninar
no ninho
o ventre comum
dos irmãos
coberto pelo manto
de seu canto.
poente
o sol
como se sangrasse
se despede
do mundo dos homens
em vermelho
pendurado no azul celeste
um soluço breve
ocidente.
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a poesia
alumbramento do mundo
visão
ou perene aurora
o sono me transfigura
volto a ser um enigma
retorno ao clarão do útero
telúrico
a dança primeira.
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aceno distante
e vou.
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josé juva
(Olinda - PE, 1984) – poeta,
pousa-tigres e mamífero.
Formado em jornalismo e
mestre em teoria da literatura
pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Ainda
por lá, atualmente pesquisa
as relações entre a poesia, o
mundo natural e o sagrado
para o doutoramento. Realizou
alguns vídeos experimentais,
performances e intervenções
urbanas com o coletivo casa de
marimbondo. Este ano, publicou
o ensaio deixe a visão chegar:
a poética xamânica de Roberto
Piva, pela editora multifoco.
Guarda poemas por aqui:
josejuva.blogspot.com
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Este trabalho foi licenciado
com uma licença Creative
Commons - Atribuição - Não-
Comercial - SemDerivados
3.0 Não Adaptada
escritos de
JOSÉ JUVA
coordenação editorial
tratamento de imagens
projeto & produção gráfica
Camilo Maia
revisão
JOSÉ JUVA
ilustrações
fotografias em alto contraste de riscos
abstratos feitos sobre areia de praia
JOSÉ JUVA
capa
Tom Green - of this world 1
Primeira Edição
Recife, dezembro de 2012
tiragem limitada de 200 exemplares
Este livro foi
composto com a
tipografia Rockwell nos
corpos 7 a 11, impresso a
laser digital sobre papel
Sulfite de gramatura 75 e
capa em Colorplus
de gramatura 180
93