daniellagmarrese@gmail.com Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) - Fisiopatologia • HPN é causada pela expansão clonal não-maligna de uma ou mais células-tronco hematopoéticas que adquiriram mutação(ões) somática(s) no gene da fosfaditilinositolglicana classe-A (phosphatidyl inositol glycan-class A, PIG-A), localizado no cromossomo X.
• Estas mutações resultam no bloqueio precoce da
síntese de âncoras de glicosil-fosfaditilinositol (GPI), responsáveis por manter aderidas à membrana plasmática dezenas de proteínas com funções específicas. Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) - Fisiopatologia • A falência em sintetizar uma molécula madura de GPI gera ausência de todas as proteínas de superfície normalmente ancoradas por ela. • Consequentemente, as células sanguíneas advindas do clone HPN têm algum grau de deficiência destas proteínas, que pode ser parcial (células HPN tipo II, com cerca de 10% da expressão normal) ou total (células HPN tipo III, com ausência completa da proteína) Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) - Fisiopatologia HPN - Fisiopatologia - Dentro destas proteínas encontram- se: o inibidor de lise reativa da membrana MIRL (CD59) fator acelerador da degradação do complemento DAF (CD55)
Uma vez que a célula tronco hematopoiética
adquira uma das centenas de mutações no gene PIG-A, todas as células daquele clone serão deficientes em proteínas ancoradas pela GPI HPN - Fisiopatologia INIBIDORES FISIOLÓGICOS DA ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO
• As hemácias são mais sensíveis a ação lítica,
produzindo hemólise e ativação plaquetária entre outros efeitos HPN - Fisiopatologia • O sistema complemento consiste em mais de 20 proteínas séricas que interagem em sequências precisas de ativação enzimática e ligação à membrana celular, gerando produtos com propriedades imunoprotetoras, imunorregulatórias, pró-inflamatórias e citolíticas. Pode ser ativado por três vias: via clássica, via da lecitina e via alternativa. • Células HPN são vulneráveis à ativação do complemento por qualquer das três vias; como a via alternativa mantém um estado de ativação baixa, porém contínua, isto explica porque os pacientes com HPN têm hemólise crônica contínua. HPN - Fisiopatologia • A ausência de CD59 na superfície dos eritrócitos os torna susceptíveis à lise mediada pelo complexo de complemento terminal, o que explica a hemólise intravascular crônica com exacerbações, manifestação clínica primária da doença.
Das duas proteínas, CD59 é a mais importante
na proteção contra lise celular mediada por complemento. HPN - Fisiopatologia • O óxido nítrico (NO) é o maior regulador da fisiologia vascular, e muitas das manifestações clínicas da HPN são facilmente explicadas pela depleção tecidual de NO. Normalmente, a óxido nítrico sintetase do endotélio utiliza oxigênio e arginina para produzir NO. Este age na parede vascular para manter tônus e limitar ativação plaquetária. Hemoglobina livre tem enorme afinidade pelo NO e o retira de circulação. • Na HPN, a falência em regular o complemento na superfície eritrocítica leva à ampla hemólise intravascular, com liberação de grandes quantidades de hemoglobina livre e arginase eritrocitária no plasma, que depletam o NO e também a arginina, substrato para a sua síntese. HPN - Fisiopatologia • Depleção tecidual de NO se manifesta clinicamente como astenia, dor abdominal, espasmo esofagiano, disfagia, impotência sexual masculina e possivelmente trombose. Todas estas manifestações clínicas são mais comuns no paciente com grandes populações de clone HPN. Em contraste com o conhecimento abundante em relação à hemólise, pouco se sabe sobre o mecanismo fisiopatológico da trombofilia. Apesar de o mecanismo não estar completamente esclarecido, hemólise foi implicada na inicialização de ativação e agregação plaquetárias. HPN - Fisiopatologia • A ativação do complemento induz alteração das membranas de eritrócitos com formação de microvesículas, o que potencialmente contribui para a trombogênese. A ausência de proteínas normalmente ancoradas pela GPI também pode contribuir para o aumento de incidência de trombose. • Na HPN, a hematopoese ineficaz é secundária à redução da produção de células sanguíneas por hipoplasia medular. Sabe-se que estes pacientes estão sob risco aumentado de desenvolverem anemia aplásica, e porcentagem significativa dos pacientes com diagnóstico estabelecido de anemia aplásica podem ser portadores de clones de HPN sem manifestações clínicas. HPN - Fisiopatologia • Anemia aplásica é considerada doença imunomediada, com destruição ativa das células-tronco hematopoéticas por linfócitos T autorreativos. Existe evidência experimental que células deficientes de proteínas ancoradas pela GPI sejam mais resistentes ao ataque de células NK e linfócitos T, o que daria ao clone HPN uma vantagem adaptativa, num contexto de destruição imunomediada de células-tronco normais. • A relação fisiopatológica definitiva entre estas duas doenças ainda não está bem determinada, mas acredita-se que os processos envolvidos no desenvolvimento de ambas as doenças sejam semelhante HPN - Histórico • Relatos em 1793, porém a descrição da doença como síndrome clínica foi feita apenas em 1882 por Paul Strubing. • O epônimo síndrome de MarchiafavaMicheli caiu em desuso pelo relato tardio e pequena contribuição destes autores para o entendimento da doença. • O termo hemoglobinúria paroxística noturna refere-se à descrição de destruição de eritrócitos com liberação de hemoglobina na urina, notada principalmente por coloração marrom-escura na primeira urina da manhã. • O termo “noturna” se refere à crença inicial de que a hemólise seria desencadeada por acidose durante o sono; esta ativaria o complemento, que destruiria eritrócitos com membrana celular desprotegida. Sabe-se hoje que a hemólise acontece durante todo o dia, mas a observação de hemoglobinúria ocorre pela manhã por causa do aumento da concentração urinária durante a noite. HPN – Incidência • Qualquer idade
• Sua incidência não é totalmente conhecida, não só pela sua
raridade como pela dificuldade diagnóstica que ela impõe
• Maior incidência na terceira década de vida
• Prevalência de 2 a 6 por milhão
• Proporção entre gêneros: aproximadamente 50%
• Taxa de mortalidade pode atingir 35% cinco anos após o
diagnóstico HPN - Clínica Caracteriza-se por: • Hemólise intravascular • Citopenias no sangue periférico (tendência a anemia e trombose) • Insuficiência medular • Órgãos implicados: fígado, rim, SNC, pulmão e ou coração HPN - Clínica • Consequência direta da hemólise e sequestro de óxido nítrico pela hemoglobina livre intravascular. • Depleção de óxido nítrico produz: - Vasoconstrição periférica - Disfagia, disfuncão erétil, dores abdominais, dor toráxica e frequentemente astenia profunda HPN - Clínica Trombose – principal causa de morte
Principalmente venosas
- Hipertensão pulmonar
- Insuficiência renal crônica
HPN - Classificação Esquema que considera as circunstâncias clínicas em que o clone da HPN é identificado, proposto pelo International PNH Interest Group:
3) HPN Clássica – grandes clones e hemólise
intravascular
2) HPN na situação de outra desordem medular
(Anemia Aplásica ou SMD)
1) HPN subclínica – pequenos clones são
detectados na ausência de hemólise HPN - Diagnóstico • Classicamente ensaio de lise com soro acidificado – ativação do complemento (Teste de Ham)
• Teste da sensibilidade à lise por complemento
• Gold Standard – Citometria de fluxo
HPN - Diagnóstico • A citometria de fluxo avalia a expressão de proteínas ancoradas pela GPI com alta sensibilidade e especificidade
• Recomendável utilizar pelo menos dois anticorpos
monoclonais, direcionadas contra duas proteínas ancoradas pela GPI diferentes, em pelo menos duas linhagens celulares
• Transfusões recentes não alteram o diagnóstico, tendo em
vista que podem ser avaliados granulócitos e monócitos, células que não têm sua meia-vida alterada por transfusões ou pela presença da mutação
• A porcentagem de células com deficiência de proteínas GPI-
ancoradas é reflexo direto do tamanho do clone HPN HPN – Citometria de fluxo A seleção de antígenos relevantes que são avaliados e as células em que estão expressos, estão representados na tabela: HPN – Citometria de fluxo • A abordagem inicial na citometria foi através da avaliação de CD55 e CD59 devido serem os primeiros antígenos reportados por ser regularmente perdidos nas células vermelhas, leucócitos e plaquetas nos pacientes HPN • Com o contínuo desenvolvimentos de novos anticorpos monoclonais um espectro de outros epítopos ligados a GPI podem agora ser analisados HPN – Citometria de fluxo - Novo método - aerolisina fluorescente (FLAER) - proteína derivada de toxinas bacterianas que se liga diretamente à âncora de GPI, mas não às proteínas ligadas à membrana celular por essa âncora, como ocorre com outros reagentes usados no diagnóstico da HPN. - Possível identificar até uma célula derivada de um clone HPN, dentre 10.000 células normais, enquanto os testes convencionais, com anticorpos monoclonais apenas para os antígenos CD55 e CD59, têm um limite de sensibilidade de, no máximo, 1%. - Permite o diagnóstico de pequenos clones HPN em outras síndromes de falência medular em que a presença desses clones pode ter significado clínico, como ocorre na SMD hipoplástica e na anemia aplásica. HPN – Citometria de fluxo • Indicações para o screening
1)Hemólise intravascular com hemoglobinúria
2)Trombose envolvendo locais atípicos: a) Veias esplênicas, hepáticas, portais b) Veias dérmicas c) Veias cerebrais 3)Deficiência medular com: a) Hipoplasia medular b) Displasia unilinhagem c) Citopenias periféricas sem causa aparente HPN – Citometria de fluxo • O sangue periférico é o material mais apropriado para o diagnóstico de HPN por ser facilmente obtido, proporcionando um número de tipos de células para análise • Na medula a maturação dependente da expressão de antígenos, particularmente CD16 e CD15, pode prejudicar a análise do clone • A expressão de CD55 parece aumentar sequencialmente com a maturaçao na medula de precursores mielóides. HPN – Citometria de fluxo • Material para análise: sangue periférico fresco. Coletado em até 48 horas (EDTA) • Adquirir pelo menos 50.000 eventos em cada linhagem. Nos casos de pequenos clones, adquirir a maior quantidade de eventos possível • Marcação sugerida: • Tubo de hemácias: CD55 e CD59 • Tubo de granulócitos: FLAER, CD33, CD15, CD45, CD61, CD24, CD14 HPN – Citometria de fluxo - Análise da população de eritrócitos As hemácias são facilmente avaliadas e os antígenos frequentemente estudados são CD55 e CD59. As células podem apresentar expressão normal (tipo I), deficiência parcial (tipo II) ou deficiência completa (tipo III) HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo • A proporção relativa de cada população deficiente pode ser quantificada – relevância para as características representadas e para potenciais consequências clínicas futuras da doença para o paciente. • Todos os pacientes com HPN hemolítica apresentam o tipo III. • Pacientes HPN hipoplásticos são mais suscetíveis para apresentar populações pequenas tipo III e são muito menos inclinados para hemólise. HPN – Citometria de fluxo • O tipo II apresenta alguma preservação de CD55 e CD59, e a hemólise, se presente, tende ser amena. • O risco de complicações trombóticas está relacionada ao tamanho do clone. Para cada 10% de alteração no tamanho total do clone, o risco de trombose aumenta por um ratio de 1.64, sendo a trombose a maior causa de morte por HPN. HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo • O tamanho da população anormal de hemácias, é sempre menor que o quantificado nos granulócitos na HPN hemolítica devido a perda preferencial das hemácias suscetíveis através da hemólise mediada pelo complemento. • A diferença nas populações deficientes quando comparadas hemácias e granulócitos pode ser de mais de 3 vezes. HPN – Citometria de fluxo - Análise da população de granulócitos: Assim como na série vermelha, é recomendado que a deficiência de mais de um antígeno seja demonstrada. Os granulócitos podem ser selecionados usando a estratégia FSC/SSC ou CD15, CD33 ou CD45 versus SSC, por exemplo, previamente para analisar a potencial deficiência antigênica. HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo • É importante não usar um antígeno que seja ligado a GPI no gate de seleção dos neutrófilos. • Atenção aos neutrófilos hipogranulares que podem ser encontrados na SMD. • CD16, CD24, CD55, CD59 e CD66 são apropriados para o screening de HPN nos granulócitos. HPN – Citometria de fluxo • O uso combinado de FLAER com CD16, CD24 ou CD66 também é muito indicado que produz tipicamente uma população homogênea e definida, permitindo uma maior acurácia na quantificação do clone HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo HPN – Citometria de fluxo - Análise da população de monócitos: Menos frequente no screening de HPN (análise de neutrófilos.) Os monócitos podem ser selecionados usando a estratégia CD33, CD64, ou CD4 versus SSC. O CD14 não pode ser usado para definir linhagem por ser ligado a GPI, mas fornece boa discriminação do clone HPN, uma vez que os monócitos sejam bem selecionados. Uma combinação de CD45, CD33, CD24 e FLAER permite um screening simultâneo do sangue periférico de granulócitos e monócitos em um tubo HPN – Citometria de fluxo - Os monócitos devem ser a opção de célula no screening nas circunstâncias: • Pacientes com severa neutropenia • Eosinofilia relativa (CD13+CD16-) • Desvio a esquerda (CD13+CD16fraco) HPN – Citometria de fluxo - Análise da população de linfócitos: A análise de linfócitos e células NK não é rotineiramente recomendada. Linfócitos são células com maior sobrevida e em pacientes que adquirem o clone HPN, isto pode levar um tempo para chegar a ser evidente na população linfocitária. O clone pode ainda ser detectado em linfócitos após remissão da doença e quando o clone de granulócitos não esta mais presente HPN – Citometria de fluxo - Análise da população de plaquetas: Como a trombose é a maior característica da HPN, a análise de plaquetas é indicada. O clone HPN tem sido identificado nas plaquetas e seu tamanho parece estar correlacionado com os granulócitos, mas as plaquetas são difíceis de manipular quando comparadas aos leucócitos ou eritrócitos e atualmente não fornece nenhum diagnóstico adicional. HPN e SMD • O clone da HPN não é infrequente em pacientes com insuficiência medular devido a SMD e pode ser encontrado em até 18% dos casos. • Tal como na Anemia aplásica, eles podem prosperar devido a carência da imuno vigilância em um ambiente medular ineficiente HPN e SMD Este exemplo mostra um pequeno clone HPN Identificado em um paciente com SMD com tranfusão de plaquetas. HPN e SMD • Estudos evidenciam que pacientes com o clone HPN parecem ter uma doença com um comportamento mais favorável em termos do subtipo de SMD (todos com anemia refratária), risco de progressão para leucemia aguda, prevalência de anormalidades citogenéticas e resposta a ciclosporina. • Outros estudos encontraram populações de HPN em um grupo mais favorável de pacientes com Anemia refratária, mas destacaram as dificuldades técnicas devido a intrínsica alteração na expressão antigênica na SMD e a hipo-granulação neutrofílica influenciando a acurácia da seleção das populações, dificultando a interpretação. HPN - Tratamento - Ferro - perda constante de ferro na urina (hemossiderinúria e hemoglobinúria). Assim, muitas vezes é necessária a reposição deste elemento, já que a deficiência de ferro limita a eritropoese - Folato - que são espoliados pela eritropoese aumentada secundária à hemólise crônica. A associação entre hemólise contínua e hematopoese ineficaz pode levar à dependência transfusional. HPN - Tratamento - Anticoagulação - indicada profilaticamente para pacientes com grandes clones e outros fatores de risco para complicações trombóticas. Por outro lado, pacientes que já apresentaram um evento tromboembólico deverão ser anticoagulados por toda a vida - Transplante de medula ou tratamento imunossupressor - Em pacientes com anemia aplásica grave e sintomas mais relacionados a esta doença que à própria HPN HPN - Tratamento - O único tratamento curativo para HPN é o transplante de medula, porém este está associado a morbimortalidade considerável - Atualmente indica-se transplante apenas para os pacientes com fatores de risco para pior evolução de doença e morte, especialmente nos casos de síndromes de falência medular com citopenias graves HPN - Tratamento - Eculizumab - Trata-se de um anticorpo monoclonal humanizado que bloqueia a ativação do complemento terminal no nível C5 e previne a formação de C5a e o complexo de ataque à membrana C5. HPN - Considerações finais • Apesar da alta sensibilidade e especificidade da citometria de fluxo no diagnóstico da HPN, e da disponibilidade de novos anticorpos, existe ainda a necessidade de um consenso para uma melhor abordagem • O guideline de Borowitz tenha clarificado algumas situações, não existe um consenso real sobre o que constitui um clone significante, embora a maioria concorde que 1% seria um cutoff razoável HPN - Considerações finais • A alta sensibilidade dos protocolos de citometria para o clone HPN estão ainda em desenvolvimento, sendo ainda necessário estabelecer a exata significância de um valor mínimo para as populações encontradas • A padronização da metodologia é de extrema importância uma vez que a HPN é uma doença rara e a quantificação do tamanho e a natureza do clone tem considerável impacto clínico HPN - Considerações finais Tendo em vista os avanços recentes no entendimento da doença, sua alta morbimortalidade e a disponibilidade de tratamentos eficazes, inclusive com potencial de cura, é fundamental que os médicos pensem neste diagnóstico Pacientes que devem ser submetidos à pesquisa para HPN: • anemia hemolítica adquirida • Coombs-negativo • tromboses inexplicadas especialmente em sítios pouco comuns • citopenias e síndromes de falência medular, disfagia, odinofagia, dores abdominais e impotência sexual masculina sem causa aparente Obrigada!