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Engajamento e dialogismo

Introdução aos Estudos de Língua Portuguesa II


Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo
Aula 23 – Engajamento e dialogismo
Introdução
[...] pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é,
não apenas como comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face
a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. [...]
Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma
discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,
refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura
apoio, etc. Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que
seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação
verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao
conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal
ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução
contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado
(Voloshinov, 2004: 123).

Nesse quadro, o enunciado é concebido como uma estrutura


intrinsecamente respondente a outros enunciados. Como corolário, ele entra em
alguma forma de engajamento — resistente ou complacente — em relação às
representações de outros atores ou grupos sociais. Isso implica tomar o texto
como um produto discursivo que sinaliza de que maneira as vozes autorais
esperam que posições valorativas e suas versões da realidade sejam lidas pelos
consumidores textuais.
A noção de Engajamento
O sistema de Engajamento, proposto por Martin & White (2005), a
partir de uma abordagem funcionalista sobre a linguagem, visa a
apresentar um conjunto de recursos linguísticos que contribuem para o
estabelecimento da negociação intersubjetiva nos textos, na medida em
que sinalizam a relação do que é enunciado com aquilo que já foi ou que
ainda será dito/escrito.

A perspectiva foca em dois aspectos centrais. O primeiro


relaciona-se ao papel que os recursos linguísticos assumem na
constituição do posicionamento intersubjetivo, no sentido de
permitirem à voz autoral construir alinhamento ou
desalinhamento em relação ao consumidor textual potencial ou
real no que tange aos seus posicionamentos atitudinais, suas
crenças ou suas suposições acerca do mundo natural, social,
histórico e cultural. O segundo aspecto concerne à negociação de
tal alinhamento no que se refere à construção discursiva do leitor
ideal ou visado e de que maneira os recursos linguísticos operam
na confrontação ou na identificação de valores com esse leitor
ideal antecipado pela voz autoral (Gonçalves Segundo, 2011:
175-6)
O sistema de Engajamento

monoglóssico
CONTRAPOSIÇÃO- negação
contraposição
ENGAJAMENTO- TYPE contra-expectativa
engajamento CONTRAÇÃO-
TYPE contração-dialógica
DIALÓGICA-TYPE expectativa-confirmada
PROPOSIÇÃO-
HETEROGLÓSSICO- proposição pronunciamento
heteroglóssico TYPE
TYPE endosso
EXPANSÃO- ponderação
expansão-dialógica
DIALÓGICA-TYPE ATRIBUIÇÃO- reconhecimento
atribuição
TYPE distanciamento
A noção de Engajamento
A MONOGLOSSIA diz respeito aos recursos por meio dos
quais são construídas concepções de realidade que
simulam a anulação da heterogeneidade constitutiva.
Em outros termos, trata-se de construções que
simulam ser verdadeiras, aceitas, de modo geral, por
uma dada comunidade discursiva. Apresentam-se em
modalidade categórica de polaridade positiva —
validação e/ou responsabilização máximas.

Ex. Eduardo Cunha será cassado neste ano.


Ex. O ano letivo está acabando.
A noção de Engajamento
A HETEROGLOSSIA abrange os recursos por meio dos
quais a voz autoral assume uma relação de
ponderação/aceitação (expansão dialógica) ou de
rejeição parcial ou total (contração dialógica) de
alternativas dialógicas. Em outros termos, trata-se de
recursos que permite solidarizar-se ou não com outras
concepções de realidade.

Ex. Dizem que Eduardo Cunha será cassado neste ano.


Ex. De fato, Eduardo Cunha será cassado neste ano.
Ex. Eduardo Cunha não será cassado neste ano.
A Expansão Dialógica
Sistema Subsistemas Subsistemas Exemplo
PONDERAÇÃO: voz autoral
assinala que existem 1. É possível que a
outras possibilidades de Câmara dos
concepção de realidade Deputados aprove
e, muito embora possa mais um projeto
ter preferências, assume conservador.
2. Talvez Eduardo
as alternativas como Cunha vá cair antes
EXPANSÃO válidas. de Dilma.
DIALÓGICA: vozes 3. Pode ser que
externas são Realização: recursos Eduardo Cunha caia
modais epistêmicos, antes de Dilma.
ponderadas e/ou
mobilizadas no prototipicamente.
texto, de forma RECONHECIMENTO: voz autoral
que o espaço é assume uma atitude 1. Eduardo Cunha
aberto para a ATRIBUIÇÃO: voz autoral (aparentemente) neutra em
pluralidade de traz, para o texto, outras relação ao discurso relatado. disse/falou que não cai
representações concepções de realidade, Realização: verbos dizer, antes de Dilma.
da realidade. explicitando que se trata falar, etc.
de visões de outros
atores ou grupos sociais. DISTANCIAMENTO: voz autoral
não valida ou assume o 1. Eduardo Cunha
Realização: discurso conteúdo proposicional do alegou/blasfemou que
relatado direto e discurso relatado, não cai antes de
indireto. minimizando a solidarização. Dilma.
Realização: verbos alegar,
ouvir dizer, blasfemar, etc.
A Contração Dialógica: Contraposição
Sistema Subsistemas Subsistemas Exemplo
NEGAÇÃO: voz autoral
anula totalmente uma 1. Eduardo Cunha não
CONTRAPOSIÇÃO: voz dada concepção de cai antes de Dilma.
autoral rejeita realidade, válida para 2. Ninguém vai cassar
totalmente uma dada outro. o Presidente da
CONTRAÇÃO DIALÓGICA: concepção de realidade Realização: marcas de Câmara.
vozes externas são ou sua aplicação a um polaridade negativa.
rejeitadas, em maior ou caso específico. CONTRAEXPECTATIVA: voz
menor grau, no texto.
autoral rejeita a 1. PT hostiliza Cunha,
Os recursos são Realização: marcas de
aplicação de uma dada mas mantém
orientados a desafiar e polaridade negativa,
restringir as conjunções concessivas concepção da realidade aliança com PMDB
ao evento enunciado. (congressoemfoco.uol.co
alternativas dialógicas. e adversativas, m.br).
“advérbios” concessivo- Realização: conjunções 2. A CPMF não será
temporais, dentre concessivas e aprovada, apesar da
outros. adversativas e reforma ministerial
“advérbios” concessivos (www.valor.com.br)
temporais, etc.
A Contração Dialógica: Proposição
Sistema Subsistemas Subsistemas Exemplo

EXPECTATIVA CONFIRMADA: voz autoral constrói


uma representação da realidade, de forma a
assinalar que o leitor/ouvinte (ou o leitor ideal) 1. É óbvio que Cunha
partilha desse mesmo posicionamento. cairá antes de
Às vezes, aparece combinada com recursos de Dilma.
CONTRAÇÃO contraexpectativa. 2. De fato, a CPMF
PROPOSIÇÃO: Realização: advérbios, como naturalmente, será aprovada.
DIALÓGICA:
vozes voz autoral evidentemente, de fato; orações matrizes,
rejeita
externas são parcialmente como é óbvio que, etc.
rejeitadas,
em maior ou outras da PRONUNCIAMENTO: voz autoral assume haver
menor grau, versões polêmica em relação a uma dada versão da 1. O fato é que Cunha
no texto. Os realidade, realidade e explicita enfaticamente seu cairá antes de
recursos são restringindo
escopo posicionamento, confrontando o leitor/ouvinte Dilma.
orientados a seu ou um discurso outro. 2. Na verdade, a
desafiar e de aplicação. Realização: advérbios, como na verdade, CPMF será
restringir as Realização: orações matrizes, como o fato é que, você tem aprovada.
alternativas diversificada. que concordar que, a verdade é que, ou foco
dialógicas. contrastivo com ênfase prosódica.
ENDOSSO: voz autoral constrói o conteúdo
proposicional do discurso relatado como 1. Eduardo Cunha
correto, válido, inegável ou garantido. provou/demonstrou
Realização: verbos mostrar, provar, assinalar, que não cai antes de
demonstrar, descobrir, etc. Dilma.

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