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Daniel Aarão Reis Filho

B O Ano Vermelho-- Reflexosda Revolução Russa.no Brasil URSS: O SOCIALISMO REAL


Moniz Bandeira
8 Crítica ao Sorex -- Debatendo as Idéias de Rudolf Bahro -- ( 1921-1964
)
Diversos Autores
B Diante da Guerra -- C. Casf0/7a(Éb
e Marxismo Heterodoxo --/Uau/íc/'o 77agfe/7be/g
B PCB 1922/1982 Memória Fotográfica D/versos
Autores
B Um Socialismo a Inventar -- Z.úc/o Z.. Radfce

Coleção Primeiros Passos


e O que é' Capitalismo .urna/do SP/'nde/
B O que são Comissões de Fábrica -- /?/ca/do C. .4nfunes/4
Nogueira
e O que é Comunismo -- .4rna/doSp/nde/
e O que são Ditaduras -- .4rna/do Sp/'nde/
B O que é Imperialismo .4Érán/o /L#endes Calam/
e O que é Socialismo -- .4rna/do S»/hde/
e O que é Stalinismo rosé Pau/o /Veria

Coleção Tudo é História


B A Primavera de Praga -- Sono Go/dfeder
e A Guerra Fria -- Déa/?. rena/0/7
e Revolução Cubana; De José Marti a Fidel Castro (1868-1959)
-- Abelardo Branco e CardosA. Daria
B Êússia {1917-1921) -- Os Anos Vermelhos -- Dana/ .4a/ão
Reis Filho 40 anos de bons livros
Copyright © Daniel Aarão Reis Filho

Capa :
' 123 (antigo 27)
Artistas Gráficos

Revisão :
Rosângela M. Dons

ÍNDICE

/nfrodução 7
Cronsta dt e aNEP 9
As contradiçõesdaNEP 18
A revoluçãopeloalto 31
A URSS e a llGuerra Mundia! 48
O apogeudo stalinismo 58
O reformismo pelo alto ou a desestaliniza ção 67
A URSS e o movimento comunista internacional 84
A URSS - (.) socialismo real 99
Indicações para leitura 109

editora brasiliense s.a.


01223 -- r. general jardim. 160
são paulo -- brasil
INTRODUÇÃO

Neste livro procura-se estudar a história da cons-


trução do socialismona IJRSS, da formulação da
Nova Política Económica -- NEP --, em 1921, à
queda de N. Kruchtcheli e à revogação da política
reformista associada a seu nome, em 1964. Pros-
segue-se, assim, o trabalho iniciado: em Rússía, os
anos verme/Àos; . /9.Z 7-.192.Z (vo1. 61 desta coleção) .
Começamos com a analise da NEP, de suas
motivações, características, êxitos, contradições e da
crise que levou a seu abandono(caps. l e 2). Ana-
lisa-se, em seguida, o processo da revolução pelo alto
(cap. 3) que marcaria até os diasde hoje a fisionomia
da URSS, condicionada sua participação na ll Guer-
ra (cap. 4) e a elevaria à condição de superpotência
mundial (cap. 5). Mas a faria também conhecerum
outro aspecto essencial do modelo económico-social
Para Pipsi então implantado -- o terror político indiscriminado,
Sempre, infinitamente praticado numa escala que surpreenderia os mais cé-
8 Danie} Aarão Reis Filho

tacos.A política de N. Kruchtchev pretendeu refor-


mar os mecanismos do terror e outras características,
consideradas anomalias e deformações do socialismo
-- o alcance e os limites desta política constituem o
tema do cap. 6. Nos dois últimos capítulos estudam-
se as relações entre a URSS e o Movimento Comu-
nista Internacional (cap. 7) e as características e
bases sociais do modelo soviético que é, atualmente,
a encarnação viva do socialismo -- o socialismo real-
mente existente (cap. 8).
CRONSTADT E A NEP
Neste final de século XX, não só o capitalismo,
mas o regime socialista e o próprio conceito de socia-
lismo estão em crise. A dependência do bloco socia-
Março, 1921: fracassa a revolução alemã. Mar-
lista ao mercado internacional, suas contradições in-
ço, 1921: os marinheiros de Cronstadt, a base ver-
ternas (guerras, invasões, lutas sociais), a crise ideo- melhada revoluçãorussa, levantam-se
em armas
lógica em que se encontra mergulhado o movimento contra o governo bolchevique e exigem uma ''terceira
comunista internacional fazem parte de um mesmo
revolução". Março, 1921: o X Congresso do partido
processo que torna atual o debate e a reflexão crítica comunista (bolchevique) russo formula as primeiras
sobre a história da URSS. medidas da Nova Política Económica -- a NEP. Os
Participar do detnte aberta e francamenteé a três acontecimentosconstituem aspectos de uma
melhor homenagem a tantos que tanto lutaram para nova fase que se abre para a revolução russa.
que o regime socialista não.fosse apenas o mais efi-
caz, mas o mais democrático, o mais igual e o mais
livre
A revolução alemã jâ sofrera derrotas em 1919 e
1920. A realidade impunha uma nova tâtica. Mas o
11 Congresso da Internacional Comunista e os bol-
cheviques consideravam a revolução madura e impu-
seram uma nova direção aos comunistas alemães que
passaram à ofensiva: foi a ''ação de março'', um fra-
cassoest)etacular que marcou o fim das esperanças
10 l)aniet Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 11

de uma revolução a curto prazo na Alemanha. radas e um exército de cerca de. 50 mil homens.
A derrota na Alemanha somava-se à passividade Desempenharamum papel decisivona denota dos
dos operários poloneses, que não se sensibilizaram generaisbrancos, mas não queriam aceitar a política
com a aproximação do exército vermelho no verão de bolchevique. Para dobrar sua resistência foi necessá-
1920, ao recuo do proletariado italiano face à ofen- rio utilizar o ferro e o fogo do exército vermelho.
siva fascista e ao reformismo dos operários escandi- Em fevereiro de 1921 chegaria a vez de Petro-
navos, ingleses e norte-americanos. A revolução in- grado. No dia 24, param os moinhos Trubetzkoi: os
ternacional não eclodira. operários exigem rações melhores e combustível para
O 111Congresso da Internacional Comunista, o aquecimentode suas casas. Os bolcheviquesres-
em 1921, assumiria a realidade: a etapa do ''assalto'l pondem com a repressão, mas o movimento se am-
ao poder estava encerrada, passava-se ao ''cerco'' plia: entram em greve as fábricas Baltisky, Laferme,
Na verdade, era a revoluçãorussa que estava cer- A. Teiski, G. Bormann e as célebresusinas Putilov.
cada. Surgem novas reivindicações: liberdade de ir e vir,
fim da militarização do trabalho, melhores condições
de vida e de trabalho. Os marinheirosde Cronstadt
Os bolcheviquestambém estavam isolados no solidarizam-se com os grevistas e, desde o dia 2 de
plano interno. A polícia política indicava, em feve- março, declaram-se em estado de rebelião.
reiro de 1921, a existência de 118 movimentos insur- Cronstadt tinha uma sólida tradição revolucio-
reiçonais camponeses em todo o país: localizavam-se nária. Conformava com Petrogrado o eixo principal
na bacia do Volga, na Sibéria, no norte do Cáucaso e da revolução de outubro. Logo depois de fevereiro de
na l.Jcrânia. Os camponesesjá não suportavam mais 1917, os marinheiros tomaram a base prendendo e
os rigores do comunismo de guerra e exigiam o fim executando os oficiais hostis à revolução. Foram dos
das requisições de cereais e a liberdade de comércio. pHmeiros a instituir a elegibilidade do comando e a
Um camponês, criticando os bolcheviques, resumirá supressão dos símbolos e emblemas hierárquicos;
o estado de espírito do povo: ''A terra é nossa, mas o Desde maio de 1917a base dialogava de igual para
pão é vosso, a agua é nossa, mas o peixe é vosso, as igual com o governo provisório; em .julho, os mari-
florestas são nossas, mas a madeira é vossa...". As nheiros participariam das manifestações de Petro-
revoltas camponesas revestiam as características tra- grado, em agosto da luta contra l(ornilov e em outu-
dicionais:. espontâneas, violentas, localizadas. Na bro da.vitória que levara os bolcheviquesao poder.
Ucrânia, os camponesesformaram, sob direção do Os marinheiros não eram revolucionários por
anarquista N. Makhno, um sistema de comunas fede- acaso. Apesar de possuírem qualificação profíssio-
12 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 13

nal, devido à complexidade de armamentos e maqui- da base. No dia seguinteum primeiro ataque frus-
naria dos navios de guerra modernos, suportavam trado radicalizará os ânimos de parte a parte. Os
péssimascondiçõesde trabalho: alimentação precá- marinheiros formularão um segundo manifesto ex-
ria, repouso insuficiente, castigos corporais etc. Ao pondo as condições de repressão em que vivem, de-
se declararem em estado de rebelião, os marinheiros nunciando o partido comunista e anunciando o início
retomavam a tradição dos anos vermelhos da revolu- de uma terceira revolução, ''contra a constituinte
ção russa. O manifesto dos rebeldes formulada rei- com seu regime burguês e cota.ra, a.ditadura do PC
vindicações semelhantes às dos operários de Petro- com sua Cheka e seu capitalisãio de Estado". Os
rebeldes defendem um socialismo ''diferente da cons-
grado: liberdade de expressãoe de imprensa para
todas as correntes políticas (citam-se anarquistas e trução comunista, mecânica e governamental''. Pro-
SRs de esquerda), liberdade de reunião para a orga- põem um regime de sovietelivres e de sindicatos não
nização de sindicatos, libertação dos presos políticos estatizados.A partir de agora, os campos estão de-
e constituição de uma comissão para investigar a marcados e será impossível a conciliação. A luta
existência de campos de concentração. Os marinhei- continuaráaté 18 de março, quando a resistência,
ros exigem uma conferência de operários, soldados e afinal, será silenciada. Cerca de 12 mil mortos e feri-
marinheiros de Cronstadt e de Petrogrado sem a pre- dos dos dois lados, mais de 2 500 prisioneiros entre os
sença dos partidos políticos, a abolição do apoio marinheiros, que serão deportados ou fuzilados, por
estatal a qualquer partido, a eleição de novos soviets pequenos grupos.
na base do \rotosecreto. Pede-se ainda a liberdade de Terminara o movimento de Cronstadt. A con-
movimentos e de comércio para camponeses e arte- fiança do povo na revolução chegara ao ponto mais
sãos. Constitui-se um comité provisório revolucioná- baixo. Os bolcheviquesestavamatordoadoscom o
rio que reivindica a publicação do manifesto na im- próprio isolamento.Soara a hora da Nova Política
prensa e conclama as forças armadas a se juntarem Económica -- a NEP. Ela terá como objetivoso cres-
ao movimento. cimento da produção agrícola, a reconquista da con-
Os bolcheviques tentam fazer o movimento re- fiança dos camponesese a garantia de um mínimo de
cuar. Uma série de concessõesdiminui o ímpeto das estabilidade. A Rússia revolucionária estava pas-
greves, suspensas em 3 de março. Em 5.de março, sando fome, e, como dizia Innin, não se tratava de
Trotsky, em nome dos bolcheviques, envia um ulti- lutar pelo socialismo, mas de manter um país civili-
mato aos revoltosos, que é recusado. Cronstadt tor- zado
a
nou-se um abscesso intolerável para o governo bol- A política de requisições foi substituída por um
chevique. Em 7 de março, começará o bombardeia imposto em géneros. Depois que o pagassem, os
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Daniel barão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 15

No plano financeiro, criou-se umasérie de insti-


tuições: um banco do Estado, com funções regula-
doras de um banco central, um banco de crédito para
a indústria, outro para as cooperativas, além de ban-
recebe- cos municipais, mutuais e caixas económicaspara
largar força de trabalho, arrendar terras, e
riam incentivos morais e materiais para aumentar a captar a poupança popular. Valorizou-se a estabi-

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lidade da moeda, criando-se o chervonetz, baseado

6
no padrão ouro, que funcionavacomo unidade de
contabilidade.
A NEP extinguiu o trabalho obrigatório e esta-
beleceu a remuneração segundo a quantidade e a
qualidade do trabalho prestado. Consagrou-se,no
mesmo ano. . ' âmbito das indústrias, os estímulos materiais e o sa-
A indústria também foi contemplada com me- lário por produção.
didas especificas.porque era necessáriogarantir a A NEP favorecia as tendências capitalistas no
existência de produtos industrializados pelos.quais o campo e na cidade. Os bolcheviques admitiam que a
camponêstrocaria sua produção. Apelou-se à inicia- luta contra elas seria árdua. Afinal de contas, os
tiva 'particular para que retomasse as pequenas e. revolucionários ''não haviam aprendido a comerciar
médias empresas, cuja produção destinava-seao con- nas cadeias''
sumo dos camponeses. O Estado decidiu arrendar Como enfrentar o desafio?
empresas nacionalizadas ou devolver ao controle pri- Os bolcheviques responderam no próprio con-
vado as que empregassem até 20 operários. A indús- gresso de 1921. A ''abertura económica'' seria com-
plementada,no plano político, por um fechamento
sem precedentes. Os soviets, já bastante desfigu-
rados, seriam totalmente avassalados pelos bolche-
viques, que, se já gozavam de confortáveis e inamo-
víveis maiorias desde 1918, passariam, desde 1921,

Êz.:===:ün=\H Êsm
lucro. O Estado suspendeuos subsídios -- assumia-
a contar com até 99%odos delegados nos congress(is.
Os sindicatos, também controlados pelos bolchevi-
ques, dilaceravam-se entre as tarefas opostas de de-
se que as empresas ineficientes deveriam fechar. fender os interesses dos trabalhadores e estimular a
URSS: O SocialismoReal 17
Daniel Aarão Reis Filho
16
do Trabalho.
Certas questões, porém, permaneciam no ar: a
NEP seria Capaz de conseguiralgo mais do que a
recuperação imediata da produção agrícola? Ou seja,
e considerando-se o isolamento internacional da Rús-
sia soviética, ela seria capaz de dar resposta às exi-
gências da construção do socialismo num só país? De
destinos da sociedade: o partido bolchevique. outro lado, até quando os camponeses se satisfariam
apenas com as liberdades económicas? Até quando
seria possível manter uma abertura parcial e sob
controle? Até quando seria possível preservar um
poder político ultracentralizado numa sociedade com
relativa liberdade económica?

O mais significativo, entretanto, foi a ascensão,

donariam mais ó centro do Palco ..


A Nova Política Económica ----a NEr -- nao ioi
URSS: O SocialismoRea! 19

junto. A população voltara a crescer e em 1926/1927


já ultrapassarao nível anteriorà guerra. As grandes
cidades repovoavam-se. O índice dos empregados
nas indústrias alcançava 88,9 para uma base igual a
100 referente a 1913.
O governo concentrara-se em reativar a indús-
tria leve. Era a seguinte a situação de alguns de seus
ramos principais (base = 100 em 1913): tecidos --
81; calçados -= 103; açúcar -- 77; sal -- 109; quero-
AS CONTRADIÇÕES DA NEP sene ;-- 98; fósforos -- 104. No conjunto (indústria
leve e indústria pesada), a atividade industrial atin-
gira em 1927o índice 110,5, mas o resultado .enco-
bria o lento ritmo de recuperação da indústria pe-
sada.
A aplicação da Nova Política Económica -- NEP
-- permitiu a rápida recuperaçãoda produçãoagrí- A reativação económica gerava efeitos positivos
cola. A situação caótica posterior à guerra civil, agra- nas condiçõesde vida da população.Os trabalha-
vada pela fome, que matou mais de 5 milhões de dores urbanos ainda foram beneficiados por uma
pessoas no inverno de 1921-1922, apresentava sinais legislação social avançada: assistência médica gra-
de superação. Em 1926/1927, para uma base igual a tuita, férias de oito semanas para ãs parturientes,
100, correspondente a 1913, a superfície semeada seguro-doença, seguro social contra o desemprego,
atingia o índice de 93,2, a produção de cereais, 91,7, aposentadoria para os empregados de certos ramos
e a média de produção por pessoa, 85,6. Entretanto, industt'tais, melhores salários para as tarefas mais
como a produção de exportação decresceu propor- penosas. O salário médio operário em 1927 ultra-
cionalmente,caindo de 13%oem relação ao total passavaem 15%oos índices de 1913. Além disso, uma
(1913) para apenas 3%o em 1925, a disponibilidade certa mobilidade social era garantida pelas ''facul-
dos cereais no mercado interno aumentava ligeira- dades operárias'', criadas para formar técnicos e
mente (514kg por pessoa em 1926/1927 contra 501kg administradores de base e compensar, assim, as per-
em 1913). A criação de animais também se recupe- das em quadros motivadas pela emigração maciça de
rava. Equinos, bovinose porcinos alcançavam,res- pessoal qualificado (cerca de 2 milhões até o fim da
pectivamente, os índices 87, 121e 98,5. guerra civil) .
A recuperação agropecuária estimulava o con- A população rural beneficiava-secom o imposto
20 21
Z)azzíe/ .barão Reis .Filão l t/X.ss.- O .Sacia/limo Rea/

em gêneros., pedra angular da NEP. As obrigações do como os progressos industriais não alcançavam o
camponês com o Estado baixaram em mais de 50%o campo: a produção de eletricidadesaltara de 897
em relação a 1913. Quanto à alimentação, assinale- para 5325 milhões de kw/h, entre 1923 e 1927. No
se a recuperação dos índices anteriores à guerra. entanto, as atividades agrícolas, responsáveispor
Estes eram os êxitos. Vejamos os problemas. quase 50%oda renda nacional, consumiam apenas
A NEP objetivava a recuperação da produção menos de 1%oda eletricidade produzida.
agrícola. Supunha-se que, pagos os impostos, os Ora, a produção agrícola só continuaria a cres-
camponeses comercializariam os excedentes com o cer se a indústria fosse capaz de aumentar a produ-
Estado. Mas a indústria não estava sendo capaz de ção de bens de consumo corrente. Se o camponês não
fazer chegar ao camponês os produtos de consumo encontrasse nos mercados rurais o fósforo, o tecido,
corrente. O mercado rural destesprodutos ainda não o sal, o querosene,o calçado, o arado etc., não teria
atingira os índices de 1913e, em 1926/1927, absorvia interesse em vender sua produção. Na pior hipótese,
apenas 1/4 da produção, que era basicamentedirá-. e ela era provável, diminuiria, por falta de estímulos,
gida para os mercados urbanos. a superfície semeada. Por maiores que fossem os
A NEP também deveria fornecer máquinas e preços pagos aos produtos agrícolas, se com o di-
implementos agrícolas ao campo. Com isso atingia- nheiro o camponês nada pudesse comprar, também
se um duplo objetivo: mais cereais em troca destes não produziria. Na comparaçãode preços, alias, os
produtos e mais produtividade no campo, bara- camponeses vinham perdendo. A exceção de um
teándo o custo dos cereais, ou seja, alimentos mais breveperíodoconsecutivoao fim da guerra civil, a
baratos, o que significava um custo real mais baixo relação do índice de preços a varejo dos produtos
da força de trabalho assalariadana indústria. Mas industriais e o índice dos preços pagos pelos produtos
havia também dificuldades nesta área. A entrega de agrícolas fora sempre desvantajosa aos camponeses.
mâqüinas à agricultura, em 1927, não chegava a Já em 1923,.começou-sea falar da ''crise das tesou-
superar em 5%oos índices de 1913. A de adubos quí- ras'': verificava-se que os preços industriais afasta-
micos efa maior em 7%o. O total de arados, em ferro vam-se velozmente dos preços agrícolas, como se
e madeira, em 1927, mantinha-se inferior a 1910. afastamas duas pontasde uma tesoura. Para um
O parque de tutores dera um salto: de 600, em 1914, afastamento calculado em 1,0, em 1913, saltara-se
para 24504 em 1927, mas era uma gota d'água no para um de 2,38, em 1923/1924.Em 1927, o afas-
oceano.Basta conferir o consumo de energia nos tra- tamentocontinuava em 1,82, o que era altamente
balhos agrícolas -- energia animal: 73,7%o; humana: insatisfatório para os interesses camponeses. Assi-
24,3%o;mecânica: 2%o. Um outro indicador mostra nale-se que o afastamento era bem menor para as
22 Daniet Aarão Reis Filho

matérias-primas industriais, ou seja, o camponês


produtor de alimentos, de cereais, estava sendo pena-
lizado pela política económica.
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URSS. O Socialismo Rea /

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23

gg
O problema era que o fornecimento de bens de
uso corrente e o enfrentamento da ''crise das tesou-
ras'' garantiriam apenas o atingimento dos índices de
1913, talvez até mesmo um certo acréscimo. Mas a

K
União Soviética necessitava de muito mais para cons-

g gÊ
tituir um parque industrial significativo.Para isso
era necessária uma verdadeira revolução tecnológica
no campo, condição indispensávelpara a constitui-
ção de uma indústria em condições de enfrentar a

K
concorrência e as ameaças internacionais, para abas-
tece-la de matérias-primas, para alimentar os operá-
rios e os empregados dos serviços que ela criaria e dos
quais dependeria. Como conseguir recursos para em-
preender a revolução tecnológica no campo? Seria
possível faze-la nos moldes da NEP?
@ /

IJma outra questão dizia respeito à indústria


pesada, de modesto desenvolvimento na época ante-
rior à guerra. Aqui não se tratava apenas de reativar

'a8
equipamentos, mas de criar todo um setor ainda ine-
xistente e que era essencial à revolução tecnológica
/

no campo,à independência
da URSS e à própria
existência da revolução. A preocupação com o desen-
volvimento da indústria pesada começou, desde 1927,
a atropelar a NEP. Em 1926, fixou-se um montante
de investimentos de 900 milhões de rublos, conside-
rado exagerado pelos mais decididos partidários da
NEP. Ainda no mesmo ano os cálculos foram revistos
para 991 milhões e, mais tarde, para 1.068 milhões. (;omeçou-se a falar da ''crise das tesouras
24 Z)ante/,4arão Reü .F}/&oll URSS: O Socialismo Real 25

Para 1927/1928, as estimativas chegaram a 1.304 prava-se menos em 1927 do que em 1926. E os planos
milhões, elevando-se para 1.679 milhões, em 1928/ exigiam melhores índices para abastecer cidades em
1929. O dispêndio de recursos públicos -- mais 41%o crescimento e para comprar máquinas para a indús-
-- não correspondia ao aumento da arrecadação tria pesada em expansão. A crise ameaçava subverter
(mais 6,3%o). A ênfase na indústria pesada já estava os planos, punha em perigo a indústria pesada e o
levando ao desaquecimento da indústria leve, ou seja, abastecimentodas cidades. Como enfrentar o pro-
à escassez de bens de consumo corrente, particular- blema? Reafirmando ou abandonando a NEP?
mente nos mercados rurais. A contrapartida seria a O partido bolcheviquedividia-seem duas ten-
escassezde cereais. E, no entanto, o desenvolvimento dências.
da indústria pesada exigia o aumento da produção de A primeira, sempre derrotada até dezembro de
alimentos. Era como se os soviéticosestivessemco- 1927 nas conferências e congressos. do partido bol-
brindo a cabeça e.descobrindo os pés. chevique, previa a revisão, e mesmo o abandono da
Os camponeses começaram a .reagir. Se, antes NEP, em proveito de investimentosmaciços na. in-
da guerra, entregavam26%oda produçãoao mer- dústria pesada. A liberdade económica da NEP seria
cado, em 1926/1927 comercializariam apenas 13%o. substituída por Planos progressivamente mais rigo-
Já vimos que a produção de cereais atingia, em 1927, rosos nas previsões, estimativas e controles. A agri-
91,7%o da de 1913. Pois bem, o montante comer- cultura seria coletivizada e mecanizada para ganhar
cializado caíra mais de 50%oem relação a 1913. Os níveis mais altos de produtividade, liberando mão-
camponeses estocavam, ou deixavam de semear. Ou de-obra para o crescimento industrial que a abasté-
ambas as coisas. Os camponesespobres e médios ceria de máquinas, tutores, arados etc. Conside-
asseguravam 85,3%oda produção. Mas só estavam rava-se que a pequena produção era incapaz de cor-
jogando no mercado 11,2%o de sua produção. Ã es- responder às exigências de um desenvolvimento ace-
cassez de bens industriais de consumo corrente, os lerado da indústria. A exposição mais sistemática
camponeses respondiam com a escassez de cereais. desta concepção fora realizada por Preobrazensky,
Os órgãos estatais encarregados de comprar cereais que enunciava a Lei da Acumulação Socialista Primi-
no ano agrícola de 1927/1928ainda equilibraram a tiva: ''Quanto mais um país que passe à organização
situação em julho e agosto de 1927.Mas a partir de socialista da produção for economicamente atrasado
então as compras começaram a despencar: em se- e de carâter camponês...- mais deverá contar, para a
tembro, menos 3%oem relação ao mesmo mês do ano acumulação socialista, com a exploração das formas
anterior; em outubro, menos 30%o; menos 56%o em pré-socialistas de economia'.'. Para Preobrazensky,
novembro. O mesmo déficit em dezembro. Com- era preciso dirigir a economia do ponto de vista da
26 Daniet Aarão Reis Filho

produção, e não do consumo. A resistência campo-


nesa deveria ser enfrentada com uma política fiscal
mais rigorosa do que a aplicada pela NEP e com o
r
1
URSS: O Socialismo Real

l cativo e suscetível de coexistir com a liberdade co-


mercial que a NEP assegurava. Condenava os inves-
1 timentos maciços na indústria pesada e lutava pela
2n

estímulo à produção coletiva no campo. 1 1 noção de ''combinação 6tima'' entre a produção eo


O projeto era altamente centralizador, mas o l consumo. Quanto ao ritmo de desenvolvimento,pre-
autor, paradoxalmente,alertava contra tendências conizava o ''ritmo mais elevado a longo prazo'' e não
parasitárias, resultantes da hipertrofia previsível no o ''ritmo máximo no próximo ano ou em qualquer
aparelho estatal, e reclamava métodos democráticos ano isoladamente". Bukharin criticava a tendência
e maior liberdade de discussão, ao menos ao nível do 1 1 de Preobrazensky e de Trotsky por não compreender
partido, levantando-se contra as resoluções partidá- que se ''a indústria é o elemento dirigente na econo-
rias de 1921. O prometoprivilegiava, nà prática, a mia nacional, a agricultura é a base sobre a qual a
construção do socialismo na URSS, mas o autor nossa indústria pode se desenvolver". Bukharin pro-
insistia na necessidade da revolução mundial, adver- põe a defesada NEP não como um recuo tático
tindo que o isolamento da URSS no plano interna- devido às condições de um dado momento, mas como
cional conduziria a revolução russa ao fracasso. uma nova estratégia, a longo prazo, de construir o
Em torno desta tendência agrupar-se-iam Trots- socialismobaseado na aliança com o campesinato e
ky, Antonov-Ovseenko,Muralov, Smirnov, Piata- contando com sua atavaparticipação.
kov, Smilga, Radek, Racowsky, Serebriakov, Sapro- Mas Bukharin e Stalin não queriam saber de
nov e, depois dç 1926, mas sem muita firmeza, Ka- democratização do partido, e muito menos na socie-
menev, Zinoviev, Krupskaya, entre outros. A tendên- dade como um conjunto. Aferravam-se às definições
cia reunia boa parte da velha guarda bolchevique e a do X Congresso, e ameaçavam com punições admi-
maioria dos intelectuais da organização interdistrital nistrativas os adversários, classificando qualquer
que, sob a liderança de Trotsky, se haviam incorpo- tentativa organizada de travar a luta política contra a
rado aos bolcheviques em 1917. direção como ''fracionismo'' , ou seja, passível de ex-
A segunda tendência organizou-se sob a direção pulsão do partido. Brandiam a seu favor o argu-
de Bukharin e Stalin. Bukharin afirmava que a Lei mento leninista de que o partido precisava precaver-
da Acumulação Socialista Primitiva de Preobra- se contra as ameaças intemas e externas. E entra-
zensky levaria ao massacre do campesinato e, em vam, assim, em contradição com seus próprios obje-
conseqüência, ao rompimento da aliança operário- tivos de consolidar a NEP como uma alternativa a
camponesa, e à criação de uma nova classe de explo- longo prazo.
radores. Advogava um plano flexível, de carâter indi- No plano internacional, a tendência acompa-
28 Dente! Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 29

nhava Stalin: o isolamentoera um fato consumado. execução. Eficientes, disciplinados, homens de apa-
Aos revolucionários russos restava perseverar dentro relho, constituíam a chamada geração de ''secretá-
de suas fronteiras. Stalin apressava-sea dizer, para rios": laroslavski, secretario na Sibéria; Kagano-
salvar as aparências, que a vitória ''definitiva'' fica- vitch, secretáriono Turquestão;Kirov, no Azer-
ria sempre na dependência da revolução interna- baidjan; l(ossior, sucessorde laroslavski; Mikoyan,
cional. Mas enquanto esta não viesse, os bolchevi- secretário no Cáucaso; Ordjonikidze, na Transcau-
ques não poderiam ficar de braços cruzados à espera câsia; Kuibychev, presidenteda Comissão Central de
de uma esperança. . . Controle; Solts, . sucessor de Kuibychev; Molotov, se-
A tendência de Bukharin e Stalin foi vitoriosa na cretário do partido em 1921; e, finalmente, o diri-
XIV Conferência do Partido em abril de 1925, afir- gente supremo, o secretário-geral, Stalin, que acu-
mou-se no XIV Congresso em fins do mesmo ano, mulava as funções de membro do gabinete político,
por 559 a 65 votos, e se consolidou no XV Congresso, do gabinete de organização e da Inspeção Operârio-
que se realizaria em dezembro de 1927jâ sem a pre- Camponesa. Os secretários haviam crescido com o
sença de uma oposição digna deste nome. Os vence- partido, suas criaturas e também seuscriadores. Era
dores removeriam da cena política legal os adversá- de certo modo sintomático que o poder no partido se
rios através da expulsão do partido por ''fracio- deslocasse da direção política para as secretarias exe-
nismo'', da prisão e do exílio. O processode desvi- cutivas, ou melhor, que a direção política passasse a
talização dos sovietse dos sindicatos atingia agora o ser exercida a partir das secretarias executivas. Bu-
próprio partido. Não só um partido único na socie- kharin era o mais brilhante dirigente político desta
dade, mas uma tendênciaúnica no partido. maquina. Mas não a controlava porque não detinha
A chamada ''Oposição Unificada'' (formada por o controle de nenhuma secretaria importante. A ri-
Trotsky, Kamenev e Zinoviev) tentará todos os meios gor, não passava de um refém cumprindo funções
para inverter a correlação de forças. Mas em nenhum determinadas.
momento empolgaria qualquer setor da população As grandes linhas da NEP foram preservadas
em torno de suas idéias ou do debate que se travava pelo XV Congresso, em 1927. Mas acoplavam-se
no interior do aparelho partidário. O próprio Trotsky estranhamente com um superaparelho partidário e
admitiria que os efetivosde seus simpatizantes nunca estatal num país isolado internacionalmente em seu
passariamde 8 mi]. Era uma gotano oceanode prometode revolução política e social. As orientações
750 mi] filiados ao partido comunista da União So- de Bukharin correspondiam a um prometode aliança
viética. a longo prazo com o campesinato. Os aparelhos
Os vitoriosos eram homens de organização e de ultracentralizados secretavam o rompimento desta
30 Dancei Aarão Reis Filho

aliança. As contradições da NEP, já assinaladas, e


que se acirravam em fins de 1927, precipitariam
novas e imprevisíveis reviravoltas.

A REVOLUÇÃO PELO ALTO

A crise anunciada em 1927, e que se agravaria


em 1928,levaria à adição de um novo modelo--
o dos Planos Qüinqüenais -- baseado na coletivi-
zação forçada da agricultura, na industrialização
acelerada -- com ênfase na indústria pesada = e na
utilização do terror político em larga escala.

Em lo de janeiro de 1928, apenas 39,3%o das


compras previstas de cereais foram realizadas. No
ano anterior, na mesma época, 63,7%odo programa
estava cumprido. O partido comunista decretara
então ''medidas extraordinárias'', enquadrando pe-
nalmente kulaks e especuladores e autorizando a
requisição dos estoques que fossem encontrados. Mas
os kulaks detinham apenas 20%o da produção comer-
cializada. Assim, para atenderàs previsõese às or-
dens recebidas, as autoridades locais estenderão as
32 Dance!barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 33

medidas aos camponesesmédios, que controlavam ano de 1929/1930são mais do que sombrias. Nada
85%oda produção e 74%odos cereais comercializa- indica uma mudança de atitude por parte dos cam-
dos. As requisições implicarão prisões, confiscos ile- poneses. Que fazer?
gais, utilização de grupos armados, empréstimos ar- O partido optará pela coletivização forçada.
bitrários etc. Em fevereiro de 1928, o próprio Stalin Há muito que a pequenaexploraçãoera consi-
lamentará os ''excessos'' cometidos e dará conselhos
derada incapaz de alcançar a produtividade reque-
de moderação. Mas o relaxamento da pressão é catas- rida por uma indústria avançada. Mas as teses vito-
trófico: de uma média mensal equivalente a cerca de riosas no XV Congresso e a própria filosofia da NEP
1,5 milhão de toneladas compradas no primeiro tri- previamum processode coletivização
lento,ex-
mestre, cai-se para apenas 250..mil toneladas em cluindo-se a violência. Os dados relativos a 1929 são
abrj]. O cumprimento das metas industriais exigirão ilustrativos: 1,7%o de explorações coletivas em ja-
novas medidas de força em maio e junho, o que neiro; 3,9%oem junho; 7,6%oem outubro. O l Plano
permitirá fechar o ano agrícola com um resultado Qüinqüenal previa para 1933 um limite não superior
ligeiramente inferior ao de 1926/1927. a 17%a. Os ritmos serão agora acelerados. Mesmo
O êxito, contudo, é relativo. Os camponeses, que isto signifique repressão em massa aos campo-
desconfiados, reduzirão a super'fície semeada. Nos neses
primeiros seis mesesdo ano agrícola de 1928/1929, A marcha da coletivizaçãoé rápida: 7,6%oem
as autoridades só conseguirão comprar metade dos outubro de 1929, cerca de 60% em março de 1930.
cereais, comparando-secom o ano anterior. O par- Na região de Moscou passa-se de 3,2%o.para 73%o.
tido decretara novas "medidas extraordinárias'' e a
Nos Urais, de 6,3%opara 68%o. Na IJcrânia atinge-se
política de força agora abate-se sobre o conjunto dos 82%o. Os camponeses revoltam-se, matam comissá-
camponeses. Os que não entregam as quotas fixadas rios comunistas, incendeiam os campos, abatem os
sofrem multas e podem até perder terras e bens ou animais, mas serão impotentes para deter o processo.
mesmo serem presos ou deportados. Mas os resul- A violência é tamanha que as próprias autoridades
tados são medíocres: menos 20%oem relação ao ano criticarão (mais uma vez) os ''excessos'', recomen-
anterior. As exportaçõesde cereais baixam de forma dando-se a inscrição voluntária nas explorações cole-
brutal: de pouco mais de 2 milhões de toneladas para tivas, as cooperativasou kolkhozes. A conseqüência
menos de 100 mil. A brecha é coberta com expor- é que a proporção de camponeses coletivizados desce
tações de petróleo, manteiga, madeiras, peles etc., para 21%o. Na Ucrânia o índice cai para 18%o. A
abrindo-se com isso novas frentes de escassez nos
partir de novembro de 1930o partido voltará a apelar
mercados urbanos e rurais. As perspectivas para o para a violência,combinando-acom medidasadmi-
34

nistrativas e estímulos económicos


Daniel barão Reis Filho

(isenção
postos, direito a sementesetc.). O índice de coleti-
de im-
T
URSS: O Socialismo Real

das; a de petróleo, de 12 para 32 milhões; a de aço,


de 4 para 17 milhões; a de cimento, de 1,8 para 5,5
35

vização voltará a crescer: 52,7%oem junho de 1931, milhõesde toneladas.A de automóveis,de 7 para
61,5%oem 1932, pausa até 1934, quando se registra 200 mil unidades; a de máquinas/ferramentas, de 2
71,4%o. Em 1940, 96,8%o das explorações estarão para 50 mil; a de tutores, de 1,3 para 51 míl. A de
coletivizadas: 25 milhões de pequenas propriedaties eletricidade, de 5,3 para 11,2 milhões de kw/h. Em
haviam dado lugar a 240 mil kolkhozes e a 5 mil pouco mais de 10 anos a URSS passara à terceira
sovkhozes (fazendas estaduais). A agricultura fora nação industi'ial do mundo e segunda da Europa. E
coletivizada. Mas custara caro. certo que a produção da indústria leve não acompa-
Os recenseamentos soviéticosindicam em 1939 nhava o ritmo. A de lã cresce apenas 8%o; a de algo-
um déficit de 10 milhões de pessoas. Mantidas as dão, 28%. As de sabão, de calçados, de açúcar refi-
taxas de crescimentoda década de 1920, deveria nado etc. registram resultados bem mais modestos.
estar em 180 milhões e não passava de 170 milhões. O esforço concentrava-se na indústria pesada e nos
Há outras estimativas mais sombrias, indicando per- grandes projetos: barragens, centrais elétricas, mi-
das humanas em torno de 20 milhões de pessoas. Do nas, siderurgia, estudas de ferro etc.
ponto de vista da produção agrícola, os índices de Mas a vida não é fácil para os operáriose para
1928 só seriam igualados em 1948. A criação de os trabalhadores urbanos. Em 1933, 75%odos operá-
animais sofreu um imenso recuo: em 1934reduzia-se rios são pagos de acordo com a produção. E as nor-
a menos da metade do rebanhoexistenteem 1929. mas de produçãosão fixadas de forma arbitrária,
Foi necessário reintroduzir o racionamento, que só muito altas para as possibilidades da maioria. Em
foi suspenso em 1935. Mas a coletivização permitira 1938, cerca de 60%odos operários metalúrgicos não
ao partido um estrito controle da produção agrícola, atingem as normas. A conseqüênciaé a queda no
das margens de comercialização e das disponibili- salário real: em 1937, o salário médio real equivale a
dades para a exportação. E era isto que contava para cerca de 60%odo de 1928. Três anos depois registra-
as metas.industrializantes. se uma nova queda de 10%o.A sistemática das nor-
Desenvolvera indústria era o aspecto essencial mas de produção estimula a concorrência entre os
dos Planos Qüinqüenais. Foram criados novos se:to- operáriose uma crescentediferenciaçãono interior
res: química, eletrotécnica,aeronáutica, automóveis, das fábricas. Os trabalhadores de choque -- udar-
construção de máquinas. A metalurgia foi moderni- niks -- e os stakhanovistas (do nome de um mineiro.
zada e impulsionada. Entre 1928 e 1939 a produção A. Stakhanov), que se dedicam a conceber novos
de carvão saltara de 35 para 146 milhões de tonela- métodos de intensificação do trabalho ou/e do apro-
36 Daniet barão Reis Filho URSS: O Socialismo Rea! 37

veitamento dos instrumentos de produção, desta- privada nas cidades e os camponeses ricos -- os ku-
cam-se do conjunto em termos salariais ( 1.800 rublos laks -- na área rural. Estimados em cerca de 5 mi-
mensais contra uma média de 100 rublos pagos aos lhões, desaparecerão do mapa. A grande maioria dos
trabalhadores não qualificados) e pelo acesso a um 75 milhões de camponesesmédios tornar-se-ãokol-
certo número de privilégios: prioridade no acesso a khozianosou entãoemigrampara as cidades.Os
novas habitações, a bolsas de formação profissional, assalariados urbanos e os kolkhozianos constituem
a colónias de férias, a géneros escassos etc. A jornada 90%o da população.
de trabalho é aumentada para 56 horas semanais, Os trabalhadores intelectuais são os grandes
relaxa-sea segurançado trabalho, e são péssimasas beneficiários: funcionários da máquina estatal e do
condiçõesde habitação: 25%oda população urbana aparelhopartidário, dirigentesde empresas,enge-
mora em dormitórios, 5%oem corredores, 23,6%ovive nheiros, administradores, pesquisadores, planeja-
''num canto'', 40%oem habitações de uma só peça... dores, militares, professores, médicos, técnicosquali-
As transformações na agricultura e na indústria ficados etc. Eles se localizarão na cúpula da pirâmide
modificam a fisionomia da sociedade. Novos eixos de social e é deste setor que sairá a maioria dos que
desenvolvimento económico no espaço soviético (Tur- detêm o poder de decisão política. Compreendem,
questão, Sibéria Ocidental, Urais etc.) rompem o incluindo as famílias, de 7 a 13 milhões de pessoas,
antigo exclusivismo nas regiões ocidentais. A popu- ou seja, entre 4 a 7,5%oda população total. Molotov,
lação urbana evolui, entre 1926e 1939, de 26 para 56 em 1939, falará de 9,5 milhões. As principais cate-
milhões de habitantes (mais de 112%o), enquanto a gorias seriam formadas pelos quadros. do partido, do
populaçãototal passaria de 147 para 170 milhões exércitoe da polícia, cerca de 1,5 milhão, ou 16,3%o;
(mais 15%o).Em alguns grandes centros a população pelos chefes de empresas rurais e urbanas, 1,7S mi-
chega a duplicar, sem falar nas cidades que nascem lhão,ou 18,4%o; e pelos engenheiros e técnicos traba-
do nada. Grandes movimentos populacionais inter- lhando na indústria, cerca de 1,0 milhão, ou 11,1%o.
regionais e do campo para a cidade subvertem tra- Os salários deste setor social são consideravel-
dições e laços de coesão enquanto novas oportuni- mente maiores em relação ao conjunto: um técnico
dades de trabalho abrem horizontes para jovens e qualificado pode chegar a ganhar 80 a 100 vezes o
mulheres. Na URSS 45%oda população tem menos salário médio operário. Mesmo os escalões inferiores
de 20 anos, 63%omenos de 30. Em 1937, as mulheres são privilegiados: um secretário de célula, numa fá-
constituem 82%odos novos assalariados e, em 1940, brica, ganha o dobro do salário médio operário.
1/3 da força de trabalho. Além do salário mais elevado, destacam-se as van-
Os Planos Qüinqüenais sepultam a burguesia tagens especiais: pensões e prêmios, direitos de he-
38 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 39

rança, isenção de impostos, habitações melhores,


res ilimitados e não regulado por nenhum tipo de
acessoa lojas especiais, transporte melhor, utilização legislação. Trata-se de um aspecto essencial do mo-
prioritária de colónias de férias, acesso prioritário à delo dos Planos Qüinqüenais e da nova fisionomia da
educação etc. Registre-se um grau relativamente ele- URSS.. Neste terreno, e particularmente no interior
vado de mobilidade social -- quase metade deste
do partido comunista, se elaborarão as práticas e as
setor é originária de famílias operárias ou campo- ideologiasde dominação: o terror político e os mitos
nesas.
do socialismo real -- o culto ao Estado todo-podem
Os trabalhadores intelectuais desempenham um roso, ao progressoindustrial e à defesa nacional.
papel-chave nas instâncias de direção política da so- O terror abate-sesobre os trabalhadoresdo
ciedade soviética. Em 1934, constituirão 21%o dos
campo e da cidade. No campo assume, num primeiro
delegadosao XVll Congresso do PCUS; cinco anos momento,- a forma de luta pela ''dekulakzação'', ou
mais tarde, serão 54%odos delegados ao XVlll Con- seja, da luta pelo extermínio dos kulaks como classe.
gresso do partido comunista. Em 1938, 70%o dos
Na prática, trata-se de uma guerra contra o campo-
novos recrutas do partido originam-se neste setor, nês porque o conceito de kulak amplia-se conforme
enquanto se estima que os operários diretamente li-
as circunstâncias. Ao kulak propriamente dito, isto
gados à produção não ultrapassam 15%odos filiados.
ê, ao camponêsrico, acrescentam-seo pequeno-ku-
O partido estimula o recrutamento nas altas esferas:
pertencem aos seus quadros 97%odos diretores de fa-
lak, o subkulak, o kulak pela metade,o kulak na
prática etc. Mais tarde se dirá que devem ser consi-
brica, 82%odos chefes de empresas de construção
derados kulaks os que assumirem uma atitude típica
civil, 40%o dos engenheiros do país. Inversamente, os
dos kulaks, ou sqa, os que se opuserem ao partido e
operários perdem importância: 30%) apenas dos efe-
aos seus objetivos. Num segundo momento, o terror
tivos, em 1941. Ocupados diretamente ha produção
no campo se manifestará no controle e na repressão
não passam de 6%onesteúltimo ado... A influência
aos trab.alhadores kolkhozianos: extração pela força
dos intelectuais é também dominante no aparelho
de proporções crescentes da produção agrícola, esta-
sindical: 52%odos delegados ao IX Congresso dos
sindicatos realizado em 1932. belecimento de preços desvantalosos aos campo-
neses, condições duríssimas de trabalho, assimiláveis
O planejamento centralizado da indústria e da
a uma ''servidão''de Estado, designaçãopelo alto
coletivizaçãoforçada, as múltiplas tarefas de dire- dos dirigentes kolkhozianos, punições e multas seve-
ção, de controle e repressão implícitas nesta dinâ-
ras para os que não cumprissem as normas de pro-
mica consolidam um processojá esboçado nos anos dução, vinculação obrigatória do camponês a um
20 e fazem emergir um superestado, dotado de pode- determinado kolkhoze (ou remoção obrigatória, de-
40 DanietAarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 41

pendendo das necessidades do Plano) etc. tiva familiar: os que não denunciaremos próprios
Nas fábricas, abstraindo-se a fração de udarniks parentes implicados em algum crime serão conside-
e stakhanovistas, prevalece o regime de ''todo o po- rados cúmplices, sujeitando-se à prisão e ao confisco
der ao chefe da empresa''. O chefe tem poderes de bens. Mesmo ignorando os crimes cometidos pelo
ilimitadospara admitir e demitir os operários. As parente estarão sujeitos à deportação por cinco anos.
normas de produção são determinadas pelo alto e O terror também se abate sobre o trabalho inte-
obrigatórias para todos. Os que não cumprem as lectual. O controle sobre a História será particular-
condições do contrato de trabalho sãQpassíveis de 2 a mente severo, poi.s o partido considera-se a própria
4 mesesde prisão. A paralisaçãodo trabalho é pu- encarnação do movimento histórico e o intérprete
nida com .penas de prisão não inferiores a um ano, privilegiado do presente e do futuro. Mas seus efeitos
com confisco parcial ou total de bens de acordo com ''normalizadores'' se estenderão à Filosofia, Direito,
a gravidade do caso. Em certos casos prevê-se o fuzi- Psicologia (Freud é banido), Física, Matemática,
lamento. A ausência injustificada é sujeita a multas e Biologia etc. A lista de intelectuais que pereceram
a trabalho suplementar. Os pequenos roubos e os nos campos e cárceres soviéticos, sem processo ou
escândalos devidos ao alcoolismo são passíveis de julgamento, ocuparia dezenasde páginas. Os meios
cadeia (mas o Estado não deixa de aumentar a pro- de comunicação são estritamente controlados e as
dução de vodca). O trabalhador é obrigatoriamente obras dos ''dissidentes''de todos os tipos são reti-
vinculadoà empresae só pode sair com o consenti- radas das bibliotecas.
mento do chefe. Cria-se a carteira de trabalho, que O partido comunista dirige o terror através da
fica em poder do chefe e onde são feitas as anotações polícia política. A Cheka dos tempos da guerra civil
correspondentes a cada operário. Nenhum operário reorganiza-seem 1922e se transforma na Adminis-
bode ge empregar sem a respectiva carteira. Os qua- tração Política Unificada do Estado -- OGPU, que,
dros intermediários, chefes e juízes são advertidos por sua vez, se transformaria, em julho de 1934, no
que a complacência será punida severamente. Kaga- Comissariado do Povo para o Interior -- NKVD. A
novitch dirá em 1934 que ''... a terra deveria tremer polícia política, que, no início, tinha objetivosbem
quando o diretor anda pela fábrica''. A disciplina delimitados -- combater a contra-revolução branca
é garantida pela polícia política: a NKVD mantém torna-se um gigantesco aparelho encarregado da
seçõesem cada fábrica. política de ''dekulakzação'' no campo, da vigilância
A legislação toma-se cada vez mais severa nos sobre as relações de trabalho, do controle dos presos
anos 30. A lei estipularâ pena de morte para maiores sentenciadosa mais de três anos de prisão e da orga-
de 12 anos, será instaurada a responsabilidade cole- nização dos campos de trabalhos forçados, que che-
URSS: O SocialismoReal 43
42 Dance! Aarão Reis Filho

rialistas, de ates de sabotagem económica e de terro-


garão a abrigar entre 7 a 12 milhões de pessoas, rismo político. As provas limitavam-seàs confissões
e que desempenharão um papel produtivo impor- dos acusados, extraídas sob tortura ou por meio de
tante na consecuçãodas metas dos Planos Qüinqüe- chantagens (ameaças aos filhos e às mulheres dos
nais. Os prisioneiros -- os zeki -- trabalharão sob
acusados etc.). Os processos foram públicos e causa-
condições degradantes na construção de ferrovias,
ram profundo impacto na URSS e em'todo o mundo.
banais,fabricas, barragens, nas minas de ouro e de A relação dos revolucionáriosfuzilados é extensa:
carvão e na extração de madeira. Os campos de Ko- Zinoviev, Kamenev, Bukharin, Smilga; Preobra-
lima, ao nordesteda Sibéria, contarão com cerca de zensky, Beloborodov,Sapronov, Kossior, Sosnovski,
3 milhões de prisioneiros, trabalhado de 12 a 16 Safarov, Zalutski, Chliapnikov, Medvedev, Uglanov,
horas por dia na extração do ouro (300 toneladas por Riutin, Schmidt, Maretski, Riazanov, Miliutin, Lo-
ano em 66 minas) e das madeiras para exportação. mov, Krylenko, Lominadze, Syrtsov, entre centenas
A polícia política, por explícita delegaçãodo de outros. AÍ estavam incluídos os partidários das
comité central do partido comunista, possui a facul- diversas ''oposições'' que se haviam formado desde
dade de.torturar física e psicologicamente os detidos, 1921: da oposição operaria à tendência de Trotsky e
além de executar as sentenças que seus próprios tri-
Preobrazensky, dos partidários de Kamenev e Zino-
bunais proferem. Estima-se que o número de prisio- viev aos que se alinharam com Bukharin, cujas teses
neiros não era inferior a 5 milhõesem fins de 1930.
predominaram até dezembro de 1927. O terror atin-
É impossível calcular o número das vítimas. giria as próprias fileiras stalinistas: Rudzutak, Posty-
O terror não pouparia sequer os quadros do par- chev, Eikhe, Solts, Gamarnik etc. Sem contar os
tido, do exército e da própria polícia política. assassinados semjulgamento, como Kirov, ou os sui-
Ainda na década de 20, por decisão do cc,mitê cidados, como Tomski, Kuibychev, Ordjonikidze
central, a OGPI.J começaria a desempenhar impor; etc. O último bolchevique famoso de oposição morre-
tente papel na luta política, identificando os grupos ria assassinado em agosto de 1940, em seu exílio no
''fracionistas'', vigiando reuniões, prendendo e de- México: Trotsky. Acusado de espionageminterna-
portando quadros dissidentes. Mas a polícia política cional e de assassinato. . .
só conquistaria um lugar de primeiro plano na se-
As forças armadas e particularmente o exército
gunda metade dos anos 30, quando dirigiu os gran- vermelho também foram devastadas pelo terror: três
des processos de Moscou, realizados eih agosto de dos cinco marechais, 13 entre 15 comandantesdo
1936, janeiro de 1937 e março de 1938. A nata dos exército, 57 em 85 comandantes de corpos de exér-
revolucionários de 1917seria acusada de espionagem
cito, 110 em 195 generais-de-divisão.O Conselho
a favor da Alemanha nazista e das potênciasimpe-
44 Dance! barão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 45

Supremo Militar foi dizimado: 75 membros em 80 A URSS era uma fortalezacercadapor potên-
foram executados. O expurgo atingiu milhares de cias hostis. A realidade aqui se aproximava do dis-
oficiais e de suboficiais. Nem a polícia política esca- curso: o Japão desde 1932 ameaçava a leste. A oci-
paria. lagoda e Ejov, seuschefes durante a década de dente, França e Inglaterra faziam o possível para
30, assim como seus auxiliares imediatos, cairiam jogar a Alemanhanazistacontraa URSS. O eixo
também, vítimas do terror. Romã-Berlim e o pacto contra a Internacional Comu-
A utilização do terror em larga escala foi uma nista assinado pela ltália, Alemanha e Japão defen-
condição indispensável à existência do modelo dos diam o aniquilamento dos soviéticos. Diante desta
Planos. Cumpriu importante função económica. Inti- situação quem não estivessecom a URSS estava con-
midou o mais tímido movimento de crítica. Garantiu tra ela. Quem estivessecontra a direção do partido
a exploração dos trabalhadores rurais e urbanos, comunista estava, automaticamente, contra a pró-
contribuindo assim para as fantásticas taxas de acu- pria URSS. Não havia nuanças, meios-termos.Aos
mulação características do desenvolvimento da in- inimigos e traidores, aplicava-se a tortura, o fuzila-
dústria soviética. Criou um clima de espionite e de- mento, o terror.
lação que foi essencial para a paralisação das even- O progresso industrial era duplamente necessá-
tuais oposições.Além disso, os constantesexpurgos rio: para construir o socialismoe defendermelhor a
forneciam ao povo descontente bodes expiatórios. Os revolução. A indústria era o progresso, a moderni-
processos procuravam convencer o povo (e o conse- zação, a abundância, a sociedadenova, sem explo-
guiam em grande parte) de que o Estado e o partido rados e exploradores. Todos os sacrifícios eram justi-
velavam e puniam os ''culpados'' da mâ situação em ficados para tornar a URSS realmente independente
que todos se encontravam. Finalmente, o terror pos- do mercado internacional, livre das potências capita-
sibilitou a emergência de uma nova camada diri- listas, capaz de se defender baseada nas próprias
gente, identificada com a filosofia dos Planos Qüin- forças. Tudo dependiada indústria, da técnica. O
qüenais, disciplinada, e dependente do aparelho culto da produtividade mobilizada operários (cf. o
através do qual elevara-se à condição de direção polí- movimento stakhanovista), jovens, mulheres. Era
tica. Do terror tudo se poderá dizer, menosque exaltante construir um mundo novo. Os jovens, par-
falhou em seus objetivos. ticularmente, foram sensíveisao chamado.
Mas o terror não seria suficiente para mobilizar Completava o quadro o culto ao Estado. A uto-
e coerir o povo. Para isso também concorreriam pia leninista de extinção do Estado fora deixada para
os mitos do socialismo real: o progresso industrial, a trás. Era preciso agora ''amar o Estado''. A pro-
defesa nacional e o culto ao Estado todo-poderoso. gressãorumo ao socialismo acentuada a luta de clas-
46 Daniel Aarão Reis Filho 47
URSS: O SocialismoReal

ses interna e externamentee por isso a ditadura do adolescentesem 1917. A maioria, inexperiente, acede
proletariado precisava de um Estado cada vez mais aos cargos de direção pela primeira vez. A formação
forte. E de chefes, porque o culto ao Estado era co-
roado pelo culto ao chefe, ao mestre, ao continuador política de grande parte baseia-se em dois textos:
História do partido comunista da URSS'' e ''Pro-
de Lenin, ao Lenin de nossosdias, ao guia genial, blemas do leninismo'', redigidos sob a direção ime-
exemplar, o ''camarada Stalin''. Fotografias, bustos,
monumentos, nomes de ruas, de avenidas, de cida- diata de Stalin.
A alta direção partidária mescla ''veteranos:
des, tudo lembrava a figura mítica de Stalin. Pater-
nal, bondoso, mas firme, decidido e implacável, se agrupados em torno de Stalin na luta contra as opo-
fosso o caso, sempre clarividente, encarnação da von- siçõese novos secretárioscooptados, como Jdanov,
tade e da unidade do partido, do Estado e da nação, Berma,Malenkov, Kruchtchev, Bulganin, Voznes-
senski etc. Os secretários e os funcionários perma-
o homemtornou-seum mito e o mito era querido,
temido, reverenciado, adorado. nentes, sempre nomeados de cima para baixo, domi-
nam o partido e constituem uma cantada solidária e
No partido houve luta contra este processo. Mas
os sucessivos expurgos diminuíram a possibilidade de interdependente,formada por quase 10%odos filia-
dos. A organização do aparelho baseia-se na nomen-
crítica. Em 1934ganhava terreno uma corrente favo-
klatura que significa ao mesmo tempo a competência
rávelà moderaçãodos ritmos, a uma certa abertura de nomeações dos diversos secretários, os cargos e
política, representada por Kirov, Rudzutak, Kuiby-
respectivospoderes, e a relação dos quadros afetados
chev, Ordjonikidze. Falou-se mesmo na substituição
aos postos existentes. No final da década de 30 o
de Stalin por Kirov. Mas o assassinatodeste último
pela NKVD, em dezembro de 1934, extinguiria qual- gabinetepolítico é formado por Stalin, Vorochilov,
Molotov, Kaganovitch, Kalinin, Andreev, Mikoyan,
quer esperança de degelo. O extermínio dos quadros Jdanov e Kruchtchev. Sob a direção destes homens a
do partido foi avassalador:dos 139 eleitos para o
comité central em 1934, 98 (pouco mais de 70%) URSS ingressarána ll Guerra Mundial.
foram aniquiladosaté março de 1939,o mesmo ocor-
rendo com 1 108 dos 1 966 delegadospresentes ao
XVll Congresso(cercade 56%) .
Na sombra do terror surgira uma nova geração
de dirigentes: em 1939, 80,5%odos secretários regio-
nais e 93,5%o dos secretários locais haviam ingres-
sado no partido depois de 1924. Mais de 90%oeram

h
URSS: O SocialismoReal 49

e venceu um cerco de mais de.seis meses. Foi a maior


batalha da ll Guerra, reunindo mais de 2 milhões de
soldados. A vitória soviética representou uma revira-
volta decisiva: em fevereiro de 1943 os russos é que
tomariam a ofensiva. A partir de julho, a correlação
de forçasinclinar-se-iapara a URSS, com a liberta-
ção de várias cidades até novembro: Kursk, Oral,
Smolensk, Kiev.
No começo de 1944 as tropas soviéticas atingi-
A URSSE A ll GUERRA MUNDIAL riam as fronteiras nacionais de 1939 e penetrariam,
logo depois, na Europa oriental e central. Em outu-
bro, os russos jâ estavam em território alemão. A
derrota nazista era uma questão de tempo, mas uma
A ofensiva alemã contra a URSS iniciou-se em resistência desesperada prolongaria a agonia até
22 de.junho.de 1941e foi marcada até o final do ano maio de 1945.No dia 8 destemês seria assinadaa
por vitórias surpreendentes: ocupação dos Estados capitulação incondicional dos exércitos nazistas.
bálticos, da Bielo-Rússia, de parte da Ucrânia e da A chamada Grande Aliança -- formada pela
Criméia e de parcela considerávelda Rússia euro- URSS, EUA e Inglaterra -- abatera a Alemanha
peia. Os territórios equivaliam a 40%oda população, hitlerista, mas foi a URSS que suportou o peso da
65%odo carvão, 68%odo ferro, 58%odo aço, 60%odo guerra e assumiu a principal responsabilidadepela
alumínio, 41%odo equipamentoferroviário, 38%oda liquidação do nazismo. O balanço das perdas é ilus-
produção de cereais etc. As tropas nazistas chegaram trativo: no cerco de Leningrado morreram mais rus-
a 25km do Kremlin e fizeram quase 2 milhões de sos do que todos os ingleses e norte-americanos na
prisioneiros. A URSS beirara a catástrofe. guerra. As perdas humanas da Inglaterra, da França
No inverno de 1941/1942,o exército vermelho e dos EUA são estimadas em 1,3 milhão de pessoas,
equilibrada as ações, mas a situação continuava crí- enquanto os soviéticosperderam mais de 20 milhões,
tica. Na primaverade 1942,os alemãeslançariam entre civis e militares. Em 1956, regiões da URSS
nova ofensiva, agora contra o Câucaso, com o obje- não haviam recuperado os níveis demográficos de
tivo de ocupar o sul da URSS. Para isso era preciso 1'940
conquistar Stalingrado, mas os nazistas não conse- As perdas materiais também foram enormes:
guiram faze-lo. A cidade defendeu-secom heroísmo em relação ao índice 100, equivalente a 1940, as
URSS: O SocialismoReal 51
se l)anieí Aarão ReisFilho

sobre assuntos rotineiros. No dia 22 de junho, quan-


indústrias de consumo, em 1945, estavam em 59. A
do começoua ofensiva, o editorial falava da preo-
agricultura caíra para 60. A eletricidade para 89. cupação com o sistema escolar. Enquanto isso as
O carvão para 90; o petróleopara 60; o aço para 65; unidades militares das fronteiras recebiam ordens
o trigo para pouco mais de 50; o cimento para 30; formais de não reagir a ''provocações''. As primeiras
calçados para pouco mais de 30; tecidos para cerca medidas sérias de defesa s6 foram tomadas mais de
de 40.
três horas depois da invasão.
A vitória fora conquistada, mas a guerra come-
O quadro que se forma é o seguinte: não deveria
çara com surpreendentesderrotas. Como explicá- ter havido surpresa, mas os soviéticos foram, de fato,
las?
S
surpreendidos. Por quê? Porque as autoridades não
A interpretaçãostalinistaatribuiu-as à superio- consideraram as informações que detinham. E por
ridade alemã, à surpresa do ataque e à negligência
de chefesmilitares. Depois da morte de Stalin, a que assim o fizeram? Não se trata de encontrar bodes
expiatórios, mas de compreender a política que orien-
direção soviética jogaria a responsabilidade sobre o
tava o Estado soviéticoe que permitiu a diversas
ditador. Examinemos estes argumentos .
autoridades, em vários escalões, desprezar informa-
Em 1941, a Alemanha nazista contava inegavel-
ções vitais para a segurança e a sobrevivência do
mente com condições político-militares favoráveis:
país
maior força económica, liberdade de movimentos na
Desde o ascenso do nazismo, em 1933, a URSS
Europa (onde só a Inglaterra resistira a seu expan-
procurara isolar a Alemanha. A IntemacionalComu-
sionismo), superioridade militar, em quantidade e
nista formulada, em 1935, a política de frente popu-
qualidade. Mas não é possívelalegar falta de conhe- lar antifascista e o Estado soviéticotentava articular
cimento sobre o ataque, ou atribuir as primeiras der-
um sistemade aliançascom a Inglaterrae a França.
rotas a oficiais isolados ou ao próprio Stalin.
Mas as potências capitalistas tinham outros pla-
Não deveriater havido surpresa. No primeiros
semestre de 1941, três redes de espionagem soviéticas
nos. Pretendiamjogar a Alemanhacontraa URSS.
A tendência confirmara-se na conferência de Muni-
enviaram minuciosas informações a respeito da inva-
que, em setembrode 1938,com o abandonoda
são, o que seria confirmado por outras fontes. Mas Tchecoslovâquia,e em setembrode 1939, quando
não seriam consideradas. Uma semana antes do ata-
nada fariam em defesa da Polâtüa.
que, os russos declaravam estar de pé o pacto ger- Mas a l.JRSS não assistiaao jogo passivamente.
mano-soviético, de 1939, e denunciavam como hostis
bs rumores em sentido contrário. Nos dias anteriores Também procurou aproximar-se de Hitler, estimu-
lando-ocontra a França e a Inglaterra. Caberia aos
ao início da guerra os editoriais do Pravda discordam
52 Daniet barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 53

soviéticos, neste caso, assistir de palanque ao conflito outros fatores. Em primeiro lugar, a insatisfação dos
entre as potências capitalistas. povos das regiões recém-anexadas à URSS e dos
Os nazistaspreferirama segundahipótesee as- camponeses brutalizados pela coletivização forçada.
sinaram um pacto de não-agressãocom os soviéticos Em segundo'lugar, os expurgos no exército vermelho:
em agosto de 1939. E em setembro um outro, de no coüneçoda guerra, apenas 7%odos oficiais tinham
delimitação de fronteiras e de amizade. Protocolos diplomas de estudos militares superiores, 37%onão
secretos estabeleciamuma divisão de esferas de in- haviam ainda terminado seus estudos, 75%odos ofi-
fluência na Europa central e oriental, prevendo a ciais e 70%odos comissáriosexerciam funções hâ
liquidação do Estado polonêse a absorção dos Esta- apenasum ano. Finalmente,mas não menosimpor-
dos bálticos pela URSS. Os acordos germano-sovié- tante, a própria estrutura política que emergira das
ticos permitiriam à Alemanha ''atacar e vencer a purgações dos anos 30 não favorecia o espírito de
França em maio-junho de 1940, avassalar o conjunto iniciativa e a liberdade criadora, essenciais para en-
da Europa continentale desencadearuma grande frentar a adversidade num -momentode surpresa, de
ofensiva aérea contra a Inglaterra no segundo semes- retirada, de derrota.
tre do mesmo ano. Mas a surpreendente resistência Os fracassosiniciais não foram, no entanto,
inglesa levaria os nazistas a voltar sua máquina mili- definitivos. O povo saberia, à custa de terríveis sacri-
tar contra a URSS. fícios, virar a sorte da guerra que se iniciara tão des-
Os soviéticosnão quiseramcompreendera mu- favoravelmente. Como entendo-lo?
dança de rumos, deixando-se enganar pelos alemães, O partido comunista atribuirá a vitória ao ''ca-
com os quais mantinhamflorescentecomércio. A marada Stalin''. Depois de 1956 a responsabilidade
URSS concentravasua propaganda contra os anglo- será transferida para o próprio partido e, em menor
franceses e mesmo internamente não se falava mais medida,para o povo. Mas são explicaçõesque não
em fascismo. A palavra só voltaria a circular em 22 satisfazem.
de junho de 1941... horas depois da invasão. Fora, A URSS virou a guerra em primeiro e principal
portanto,presa na armadilha por sua própria polí- lugar graças à resistência de seus povos. Tratava-se
tica ao não acreditarem mais uma reviravoltade de uma luta pela sobrevivência.Desde o início do
alianças, o que acabou desarmando autoridades e conflito os nazistas não deixaram nenhuma margem
povo face à eventualidade de uma guerra. Daí o des- de dúvida: vinham não apenas para esmagar o Es-
prezo pelas informações que previam o ataque na- tadosoviéticoe matar os comunistas,mas para des-
zista. E a ''surpresa'' no dia 22 de junho. truir fisicamente a maioria dos russos e não-russos.
Para a derrocada inicial concorreriam também O restante seria convertido a um regime de semi-
54 l)aniet Aarão Reis Filho tJRSS: O SocialismoReal 55

escravidão. Previa-se a deportação de 30 milhões de entregou. Stalingrado resistiu mais de 180 dias e
pessoas e sua substituição por colonos alemães. A simbolizaria a reviravolta da guerra. Na luta pela
URSS seria desmembrada: os Estados bálticos reser- sobrevivência, pela defesa da terra, da pátria e da
vados para as raças nórdicas, a Ucrânia e o Câucaso independência, os russos se superaram e ganharam,
para os alemães, Baku tornar-se-ia uma colónia mili- mais uma vez, a admiração do mundo.
tar. As grandes cidades, como Moscou e Leningrado O partido comunista e o Estado soviético tam-
(ex-Petrogrado), seriam arrasadas a canhão, riscadas bém souberam adaptar-se à nova situação. A propa-
do mapa. Os nazistas odiavam e desprezavam os ganda concentrou-se em estimular os sentimentos
russos e a raça eslava em geral, considerando-os patrióticos, a veneraçãopela tradição e pelos ances-
''aglomerados de animais''. A URSS tornar-se-ia um trais, pela terra ''sagrada'' e pelo ''gloriosopassado
país de escravos, de operários agrícolas ou industriais do povo russo''. Cultuavam-se os antepassados herói-
a serviço do nazismo. O terror abateu-se sobre a cos, retornou-se à tolerância religiosa, restabelece'
população. Já vimos as perdas totais. Alguns outros ram-se as tradições hierárquicas nas forças armadas
exemplos ilustrarão a ferocidade dos alemães: dos 5 culto aos galões, às condecorações, à continência
milhões de prisioneiros de guerra, escaparam pouco müilar etc.). Até o hino nacional mudou: a Inter-
mais de l milhão em 1945; Leningrado teve mais de nacional deu lugar a uma melodia autenticamente
800 mil mortos civis; Kiev passou de 900 mil habi- russa
tantes, em 1941, para 180 mil, quando foi libertada A nova política não agitava o patriotismo no ar.
em 1944; a Bielo-Rússia perderia quase 1/3 de sua Os Planos Qüinqüenais haviam elevado a URSS à
população total. Poderíamosencher dezenas de pá- condição de segunda potência industrial européia em
gin.ascom exemplos: todos comprovariam a política 1940. O nível de centralização política e económica e
de genocídio praticada pelos nazistas na URSS. Além mais a experiênciaadquirida de gestão e planeja-
disso, os alemães depredavam os recursos materiais: mento permitiram alcançar uma notável concentra-
absorviam mais de 50%oda reduzida produção agrí- ção de recursos materiais e humanos e este também
cola, abatiam animais indiscriminadamente, des- foi um fator essencial para explicar o êxito dos sovié-
montavam indústrias e as enviavam para a Alema- ticos na guerra.
nha A URSS emergiria da guerra como segunda po-
Aos russos e aos povos soviéticos sobrava a alter- tência internacional. Nas conferências de Yalta e
nativa de resistir. Souberam fazê-lo de forma exem- Potsdam discutiria de igual para igual com as princi-
plar: Odessa resistiu 73 dias; Sebastopol, quase 9 pais potências capitalistas uma nova divisão de esfe-
meses;Leningradoficou cercada 506 dias e não se ras de influência no mundo. No plano interno, a
56 DanieIAarão Reis Filho \ URSS: O SocialismoReal 57

indústria (à exceção da de armamentos) e a agricul- tido, também não reuniu um só congresso durante a
tura saíam bastante debilitadas. A principal altera- guerra. O próprio comité central não se reuniria uma
ção qualitativa fora a aceleração da transferência de s6 vez. Justificar o fato com as dificuldades da guerra
pólos produtivos para as regiões orientais, processo é esquecerque, em plena guerra civil, entre 1918 e
já iníêiado anteriormente e acompanhado de novas e 1921, o partido realizara congressos anuais. ..
maciças migrações: mais de 10 milhões de trabalha- Durante a guerra o comando do Estado será
doresforam para o lestecom ''suas'' indústrias.A exercido por um organismo especial -- o Comité de
composição da força de trabalho alterara-se com o Estado para a Defesa, formado por Stalin, Molotov,
deslocamento dos homens para as frentes de com- Berma, Vorochilov e Malenkov. Em 1942, ingressa-
bate: 53%ada mão-de-obraera feminina, enquanto riam por cooptação Kaganovitch, Mikoyan e Voznes-
os menores de 18 anos constituirão 15%oda força de senski. E em 1944, Bulganin. Este organismono-
trabalho. meara e desfará comissões específicas para as várias
Embora os critérios de eficiênciasofressemo funçõesde cúpula do sistema. O partido será gover-
impacto da guerra (nem sempre o melhor ''buro- nado pelos secretários.
crata'' era mais eficientenas tarefas militares), as O partido comunista, a rigor, transformara-se
instituições.políticas não se transformaram. O par- numa frente patriótica popular, e o mesmo,aconte-
tido comunista continuou firme no leme do Estado, ceu com a Juventude Comunista. Os efetivos do par-
acentuando-se a fusão entre partido e Estado. A eco- tido saltaram de 2 milhões de membros, em 1938,
nomia de guerra não favorecerá a democracia. Os para 5,5 milhões em 1945. A Juventude contava com
operários estavam mais enquadrados e vigiados do cerca de 15 milhões de filiados. A influência dos tra-
que nunca: extensasjornadas de trabalho, sindicatos balhadores intelectuais acentuara-se com a guerra.
rigidamente controlados, vinculação obrigatória ao A vitória, o poderio e o prestígiointemacional
emprego e à empresa etc. Houve concessões aos cam: da URSS fortaleciam os laços de coesão do povo em
poneses, mas não ultrapassaram uma certa liberdade torno do Estado, do partido, dos chefes. O culto à
de comerciar os produtos de seus pequenos lotes no personalidade de Stalin, venerado, adorado e endeu-
interior dos kolkhozes. sado pelos Órgãos de propaganda, atingia o paro-
Os comunistas não conheciam mais as práticas xismo. Havia uma esperançadifusa de que, depois
democráticas, mesmo formais. A Juventude Comu- dos horrores da guerra, a situação tenderia a melho-
nista, entre 1936e 1949, não realizaria um s6 con- rar. Mas o modelo dos Planos Qüinqüenais passara
gresso. Os sindicatos fariam um, em 1942, mas para pela prova da guerra: não só sobreviveramas saíra
tratar de produção.e produtividade. Quanto ao par- dela ainda mais forte. . .
59
URSS: O SocialismoReal

profundas.
A agricultura continuava à deriva: a compara-
ção entre as previsões dos planos e as colheitas efeti-
vamente realizadas revela que o partido não domi-
nava ainda a realidade da agricultura, mesmo coleti-
vizada. Em 1940, a colheita ficara em 80%odas pre-
visões. Em 1948, os resultados fora inferiores a 60%o
do previsto. Em 1949, a colheita ficou em 56%odo
previsto. Entre 1950 e 1952 houve ligeiras melhorias,
O AP(X}EU DO STALINISMO mas em 1953as previsõesconfirmavam-se apenas em
70%o..O mais grave é que, em números absolutos,
a colheitade 1953fora inferior à de 1940,e apenas
levemente superior à de 1913. Certos produtos salva-
Depois da guerra a reconstruçãoda URSS seria vam-se do incêndio, como as matérias-primas indus-
realizada sob orientação de novos Planos Qüinqüe- triais. Mas, no que se refere aos cereaise aos legu-
nais -- o 4o, de 1946 a 1950, e o 5o, iniciado em mes, a situação era preocupante. A pecuária apre-
janeiro de 1951. Mantinha-se o padrão da década de sentava também um quadro sombrio: em relação à
30: ênfase na indústria pesada, expropriação dos base igual a 100, de 1914, o número de bovinos, em
excedentes camponeses e dos trabalhadores fabris, 1953, não ultrapassava o índice de 103; o de porcinos
terror político. estava em 104, o de ovinos em 105.
A situação em 1953 era a seguinte, tendo em Oito anos depois da guerra, a agricultura sovié-
vista um índice igual a 100 relativo a 1940-- carvão: tica crescia muito lentamente, quando não revelava
193; eletricidade: 279; petróleo: 167; aço: 211. Mas indícios de estagnação. Mas continuava sendo uma
as indústrias leves continuavam retardatârias -- te- área secundaria de investimentos -- média de 12%o
cidos de algodão: 133; de lã: 130; calçados: 113. entre 1946 e 1953. O sonho da mecanização acele-
A indústria pesada recebera uma média de investi- rada não se concretizará.A produçãode tutores
mentos equivalente a 42%odo total, sobrando para a estava longe de atender aos requisitos de uma agri-
indústria leve apenas 5,4%o. E certo que as necessi- cultura moderna. A produção individual, limitada
dades militares absorviam entre 1/4 e 1/5 dos orça- pela coletivização a pequeníssimos lotes para os
mentos estatais, mas a ênfase no setor pesado da membros dos kolkhozes e execrada ideologicamente
indústria tinha raízes sociais e políticas bem mais como expressão e fatos de atraso económico e mesmo
60
Daniel Aarão Reis Filha URSS: O SocialismoReal 61

cultural, assegurava mais de S0%o da produção de produção, com a produtividade. ..


batatas e de legumes, ocupando apenas 4%oda super- Depois de 1945 o terror voltaria a flagelar a
fície cultivada. As autoridades respondiam com o sociedade soviética. Dois ministérios (a designação
aprofundamento do processo de coletivização e do ''comissariado do povo'' caíra em desuso durante a ll
controle sobre os camponeses. Assim, os kolkhozes Guerra) ocupavam-se do . assunto: o do Interior
passarão de 2S2 mi] para pouco mais de 75 mil, em (MVD) e o da Segurança do Estado (MGB), depois
1952. Argumentava-se com a possibilidade de con- transformado em Comité para a Segurança do Es-
centração de recursos e controles. Mas a agricultura tado, o KGB, substitutodas polícias políticas da
continuava rebelde aos planejadores soviéticos. década de 30 -- OGPU e NKVD. As vítimas da nova
Os fracassos eram atribuídos a dificuldades cli- vaga de terror foram, em primeiro lugar, os ex-pri-
máticas ou a deficiências de organização, mas os sioneiros de guerra. Libertados dos campos nazistas
problemas eram sociais e políticos.Os camponeses, transitaram diretamentepara os campos soviéticos.
sempre insatisfeitos com a coletivização forçada, ha- O regime desconfiava dos que escapavam dos na-
viam recebido durante a guerra preços estimulantes. zistas: poderiam ser espiões ou colaboracionistas.
Ora, no transcursodo 4o Plano Qüinqüenal, refor- Várias pequenas nações não-russas também recebe-
mas monetáriase fiscais expropriaramos lucros e ram o peso da repressão, acusadas de cumplicidade
rendimentos auferidos no período anterior. De outro com o invasor. Depois da responsabilidade coletiva e
lado, o estrangulamentoda indústria leve tornava da solidariedade familiar, adotava-se a responsabi-
crónico o velho problema da escassez de produtos de lidade solidária para nações inteiras. A deportação
consumo corrente nos mercados rurais. atingiria 75 mil karatchais, 134 mil kalmuyks, 500
A insatisfação estendia-se aos trabalhadores fa- mil tchetchenes-inguches, 42 mil balkars, 200 mil
bris, rigidamente enquadrados pelos poderes ilimi- târtaros da Criméia e 380 mi] alemães do Volga.
tados dos chefes de empresas, pelas normas de pro- Ex-prisioneiros, ex-deportados, nações colaboracio-
dução fixadas de cima para baixo, por uma repressão nistas, espiões, traidores, sabotadores, dissidentes
onipresente.Parecia não haver perspectivasno re- ativos, descontentespassivos, toda uma nova geração
gime soviético para as grandes massas de trabalha- de presos políticos (estimados entre 6 a 10 milhões)
dores rurais e urbanos. Apelavam então para as for- toma o rumo do leste, onde será(i colocados sob a
mas mais simples e elementares de resistência pas- severa vigilância da direção geral dos campos de
siva: falta de iniciativa, de entusiasmo, lentidão no concentração -- o Gulag.
trabalho, despreocupação com a qualidade dos servi- A propaganda e a ''luta ideológica'' complemen-
ços e dos produtos, com os meios de trabalho e de tavam o terror. A exaltação do nacionalismo russo
62 Daniel Aarão Reis Filha 63
URSS: O SocialismoReal

desdobravatemasjá tratados durante a guerra. In- fundação do Conselho de Ajuda Mútua Económica,
tensifica-se o culto aos heróis russos, passados e pre- que obrigara as chamadas "democracias.populares''
sentes, reais ou imaginários, inflam-se as previsões, (Polânia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Hun-
ritmos e resultados dos Planos, mesmo que a reali- gria e Albânia) a se regerempelo modelodos Pla-
dade não corresponda aos objetivos fixados. O culto nos soivéticos, e a formação da República. Demo-
a Stalin mobiliza toda a sociedade. Seus livros e crática Alemã, em 1949. Mesmo os países socialistas
pensamentossão as bíblias do movimentocomunista asiáticos não escaparão. A República Popular da
internacional, editados em milhões de exemplarese China, formada em outubro de 1949, alinha-seao
dezenas de línguas. Em 1949, por ocasião do seu 70o padrão soviéticopelos acordos de 1950 e o mesmo
aniversário, abrem-se museus dedicados a seus fei- acontececom a Coréia. A guerra nestepaís,, iniciada
tos, as estátuas multiplicam-se, crescendo em tama- emjunho de 1950,''justificará'' a posferiorí a guerra
nho e volume. Stalin é generalíssimo,guia, chefe, fria, servindocomo uma luva para agrupar os ''dois
dirigente genial, pai. campos'' em torno das superpotênciasque emergi-
O tema da defesa nacional volta ao primeiro ram do conflito mundial.
plano graças à guerra fria, que se insinuada desde As forças internacionais interessadas na guerra
agosto de 1945, com o lançamento das bombas ató- terão sabido afirmar-se, ganhando as populações
micas sobre o Japão. Os EUA não pretendiam ape- para um novo clima de tensão, de medo, de histeria e
nas liquidar o inimigo, mas advertir o aliado que se de conflitos. Nos EUA identificam-se com o que se
tornava incómodo. Ao mesmo tempo que se realiza- convencionou chamar de ''complexo industrial-mili-
vam sucessivas reuniões e conferências destinadas ao tar''. Na URSS defendem a retomada dos Planos, de
fracasso, as máquinas de propaganda preparavam o seus delirantes ritmos e do terror político indispen-
condicionamento dos povos para novos ódios e novas sável ao cumprimento de suas metas. A fortaleza
guerras. soviética cresceu com a guerra, ampliou-se a leste e a
Os EUA, principal potênciamundial, tomam oeste. Mas continua ''cercada'', ''aguada'', ''amea-
iniciativas de rompimento: a doutrina Truman e o çada''. Para defendê-la tudo será permitido. E nem o
Plano Marshall, em 1947; a formação da OTAN e da próprio partido comunista escapará do zelo de seus
República Federal Alemã, em 1949; a Comunidade defensores.
Económica Europeia, em 1952. A URSS responderia Em 1946/1947 uma ampla depuração atinge o
lance por lance: a fundação do secretariado de infor- partido: na Ucrânia, caem 38%odos secretáriosde
mação -- o Kominform, em 1947; acentuação do distritos e 64%o dos presidentes de soviets locais. Na
domínio sobre a Europa Oriental, em 1947e 1948; Bielo-Rússia 90%o dos secretários locais e 96%o dos
64 65
Daniel Aarão Reis Filho tJRSS: O SocialismoReal

responsáveis administrativos. No Kazaquistão, 67%o filiados têm formação superior e 20,5%o formação
dos dirigentesdo partido e do Estado. No conjunto secundaria completa, a proporção dos diplomados
da URSS, mais de 30%odos dirigenteslocais. A em escolassuperioresentre os delegados
ao XIX
depuração chega à cúpula do partido com o desapa- Congresso, em 1952, sobe para 58%o. Os organismos
recimento de Jdanov e do chamado ''grupo de Lenin- regulares do partido não têm vitalidade. O congresso
grado'': N. Voznessenski, do gabinetepolítico; P. de 1952 -- o XIX -- realiza-se 13 anos depois do
Popkov, secretário de Leningrado; M. Rodionov, anterior. Os escalões inferiores limitam-se a aplicar a
presidente da Rússia soviética; A. Kuznetsov, secre- ''linha geral''. As iniciativas e propostas vêm dos
tário do comité.central. Vários foram fuzilados, sem níveis superiores e as discussões existem na medida e
processo e sem julgamento. Os expurgou alcançam as quando suscitadas por eles. As nomeações, de cima
''democracias populares'', onde se realizam simula- para baixo, preenchem os cargos de responsabili-
cros dos processos de Moscou da década de 30. Rajk, dade. Até a investidura dos secretários de célula de-
na Hungria, Kostov, na Bulgária, Gomulka, na Po- pende das instâncias superiores. Os congressos e con-
lânia, Clementis, na Tchecoslováquia, entre outros, ferências referendam relatórios já aprovados.' Não
são demitidose muitos perderãoa vida. Trata- passam de rituais com uma função precisa: divulgar
se de garantir o monolitismo do bloco socialista no e propagar a ''linha geral". O XIX Congresso ''ele-
contexto da guerra fria. Os partidários incondicio- geria'' os supremos detentores do poder neste regime
nais de Moscou assumem o primeiro plano: Ulbricht, cada vez mais ditatorial e absolutista: Stalin, Malen-
na Alemanha, Bierut, na Polânia, Rakosi e Germe, kov, Kruchtchev, Suslov, Aristov, Brejnev, lgnatov,
na Hungria etc. Mikhailov, Pegov e Ponomarenko.
Expulsões, afastamentos e depurações impri- Em 1952/1953 o stalinismo chega ao apogeu
mem alta rotatividadeno interior do partido e de dentro e fora da URSS. Mas um certo número de
seus quadros dirigentes, sobretudo nos escalõesinter- contradições minava sua força.
mediários. Mas em números absolutos o partido re- No plano internacional, apesar da guerra fria, o
gistra um crescimento notável: cerca de 7 milhões de monolitismosoviético encontrava dificuldades para
filiados. Os militantes ''envelhecem'':em 1939,ape- enquadrar realidades diversas num só e mesmo mol-
nas 18,5%o tinham mais de 40 anos. Em 1952, 76,6% de. Internamente, a estrutura política supercentra-
encontram-se nesta faixa etária (15,5%o acima de 50 lista e arbitrária entrava em contradição com as
anos). As proporções serão bem mais elevadas nos necessidades do desenvolvimento económico do país.
organismos dirigentes. Predominam os trabalhado- O regime frustrará as expectativas de melhoria exis-
res intelectuais.Se, no conjunto, apenas 6,3%) dos tentes depois da guerra. Os Planos continuavam im-
66 Daniel Aarão Reis Filho

pondo ritmos alucinantes de acumulação, despre-


zando as carências do povo soviético em bens de con-
sumo industriais e em alimentos. As próprias elites
sentiam-se inseguras com os intermináveis expurgos.
O. modelo dos Planos, pelo menos em certos aspec
tos, parecia entrar em contradição com a comple-
xidade da sociedade soviética.
Setoresdo aparelho partidário e da polícia polí-
tica pretenderam enfrentar as contradições com no-
vos e monumentais expurgou, uma reedição da dé- O REFORMISMO PELO ALTO
cada de 30. A morte de Stalin, em março de 1953, OU A DESESTALINIZAÇÃO
teria evitado, por pouco, novos morticínios indiscri-
minados.
Stalin seria então o único responsávelpelo es-
tado de exceção na URSS, como pretendera fazer Após o desaparecimentode Stalin, inicia-se um
crer N. Kruchtchev em seu relatório ''secreto'' de período de reformas cujo objetivo principal, mas não
1956? Ou causas mais profundas continuariam im- único, é a superaçãodo terror político indiscrimi-
pondo à URSS o modelo dos Planos Qüinqüenais? nado existente desde 1929.

A primeira medida é o arquivamento do pro-


cessocontra quinze médicos acusador de tentativa de
assassinato de dirigentes do partido comunista. Os
acusados, que já tinham confessado, mas sob tor-
tura, segundo se reconhece publicamente, são libe-
rados. O processo era um pretexto para'expurgos
generalizados que afetariam a alta direção do partido
e do Estado. A seguir concede-seanistia aos presos
com penas inferioresa cinco anos, reduzindo-seà
metade as penas maiores. Reabilitam-se ex-dirigen-
tes atingidos pelo terror depois de 1934e os chefes
68
Daniel Aarão Reis Filha URSS: O Socialismo Real 69

militares executados em 1937. As autoridades anun- distritais dão lugar a cerca de 1500.
ciam, em dezembro de 1953, a liquidação de Bermae As modificações no Estado seguem o mesmo
de seus principais assessoresna chefia da polícia padrão: transferência de responsabilidades do centro
política. Especialistas em arrancar confissões, con- para as repúblicas e regiões, extinção de ministérios
fessariam, por sua vez, trabalhar como agentesdo centrais, autonomia para os níveis intermediários,
imperialismo desde 1919.. . A nova direção extingue criação dos Conselhos Nacionais da Economia --
o departamento secreto do comité central e o secre- Sovnarkhozes -- com o objetivo de dirigir e contro-
tariado pessoal de Stalin, que haviam desempenhado lar, em áreas determinadas, os investimentos, a pro-
papel relevante nos expurgos anteriores. O KGB per- dução, os salários, as condições de trabalho, o abas-
dera competência para deportar, prender e executar tecimento. Os novos organismos chegarão a controlar
sem julgamento e as investigações serão regidas por 3/4 da produção industrial, estendendo-se pela
leis públicas e não mais por orientações secretas. No URSS num total de 105conselhos: 70 para a Rússia;
contexto de uma campanha contra o culto à perso- 11 para a Ucrânia, 9 para o Kazaquistão, 4 para o
nalidade e pelo respeito à legalidade socialista insti- Uzbequistão, e l para cada uma das ll repúblicas
tucionaliza-se o controle do partido sobre a polícia soviéticas restantes. Há um certo florescimento dos
política até então diretamente subordinada a Stalin e órgãos do poder local: ampliação de suas funções,
a seu secretariado pessoal. participação popular etc.
O partido recuperava poderes perdidos. As ins- Mas as reformasnão se limitam às instituições
tâncias de direção partidária recomeçavam a funcio- políticas .
nar regularmeale. As direções intermediárias rejuve- O governo resolve uma série de medidas em
nesciam e se revitalizavam. Certas reformas abalarão relação aos kolkhozianos para enfrentar a crónica
a burocracia estabelecida -- no aparelho central, escassez dos produtos alimentícios: elevação dos pre-
criam-se comissões e Órgãos destinados a dinamizar o ços dos produtos agrícolas, supressão de dívidas fis-
controle do partido sobre os setores mais importantes cais, diminuição de impostos, prioridade para o abas-
da economia; desmembra-seo secretariado central tecimento dos mercados rurais, antecipações sala-
em dois órgãos: um para a República russa e outro riais aos trabalhadoresrurais etc. Quanto à classe
para as demais repúblicas. Varias medidas descen- operária, revogam-seas leis que vinculavam os traba-
tralizam poderes e, em 1957, o partido será dividido, lhadores às empresas e puniam como crimes a indis-
em cada região, em dois setores, o industrial e o ciplina, as ausênciasinjustificadas,os atrasos etc.
agrícola, cada um dirigido por um primeiro-secre- Novas leis provêm 33%ode aumento para os salários
tario. Reduz-sea máquina partidária: 3 200 comités mais baixos, a melhoria da remuneração dos apo-
URSS: O Socialismo Real 71
70 Daniel barão Reis Filha

sentados,a reduçãoda jornada de trabalho aos sá- abertura para a lugoslâvia de Tito e para as lideran-
bados para 6 horas, salários maiores e jornadas de ças emergentesdo chamado Terceiro Mundo. A
trabalho menores para os jovens com menos de 18 URSS prega a coexistênciapacífica como um prin-
anos, maiores licenças para as mulheres grávidas etc. cípio e não como expedientetâtico. A reconciliação
Os sindicatos ganham autonomia para controlar as com Tito pressupõe o reconhecimento de caminhos
normas de produção, as condições de emprego e dis- diferentes para a construção do socialismo. A dis-
pensa. Criam-se comités permanentes de produção tensão internacional permite à URSS desmobilizar
para contrabalançar o poder dos dirigentes das em- efetivos convencionais e reduzir a importância dos
presas. aumentos concedidos aos quadros das forças arma-
O vento das mudanças atingirá a intelectuali- das e da polícia política.
A ofensiva reformista é coroada com a reali-
dade. Um grupo de editorestransforma certas revis-
tas -- .Novo Mundo, Oafabro, Juvenfzzde e Magoou zação, em fevereirode 1956, do XX Congressodo
Zíferárla -- em veículos de denúncias contra a buro- Partido Comunista, que aprova as mudanças reali-
cracia, os abusosde poder, as injustiçassociaise zadas. Mas a URSS e o mundo ficarão atónitoscom
políticas, a hipocrisia etc. Autores críticos fazem su- as denúncias feitas por N. Kruchtchev. No informe
cesso: 1. Ehrenburg (O elege/o), V. Panova (.4s esfa- pronunciado no último dia dos trabalhos, em sessão
çõei), L. Zorin (Os convidados), G. Nikolaeva (O secreta, mas cujo conteúdoo autor teria a habilidade
engem&e/ro .Bq/irei,), Dudintsev (Arfam só demão vive o de fazer circular pelo país e pelo mundo, N. Kruch-
comem), Krisanov (Os 7 alas da semana), Yachin tchev denunciada os crimes praticados na época de
(.4 a/avance), D. Granin (Opfnfão pzíb/fca). Surge Stalin, criticada o culto à personalidade e as viola-
uma nova geração: Evtuchenko, Voznessenski, Kuz- ções da ''legalidade socialista". Iniciava-se a desesta-
netsov, Ovetchkin, Nekrassov, entre outros. A União linização.
dos Escritores, que não se reunia hâ 20 anos, realiza O Congresso definiria a proeminênciade N.
dois congressos -- 1954 e 1959 -- e elege para postos Kruchtchev, que passava do 5o lugar na hierarquia
de direção intelectuais identificados com o movi- partidária para o cargo de primeiro-secretáriodo
mento de renovação. partido (o termo secretario-geral caíra em desuso por
O reformismo adquire uma dimensão interna- estar demasiadamente associado a Stalin). A elimi-
cional: armistíciocom os EUA na Corria (1953), nação de Berma,em dezembro de 1953, a subordina-
Conferência de Genebra reconhecendo a indepen- ção de Malenkov, em fevereiro de 1955, prepararam
dência do Vietnã (1954), Tratado neutralizando a o caminho. Kruchtchev confirmaria sua liderança no
Ãustria (1955), visita de Adenauer à URSS (195S), enfrentamento com o chamado grupo antipartido
72 Daniel Aarão Reis Filho
IJRSS: O Socialismo Real 73

(Malenkov, Molotov e Vorochilov), destituído em


1957, e na demissão do marechal Zukhov, acusado
de bonapartismo e também destituído em outubro de
1957. A comemoração do 40o aniversário da revolu-
ção de outubro assinalaria o auge da política refor-
mista. O lançamentodo Sputinik não era a verifi-
cação prática do acerto de uma política? A nível in-
ternacional, uma reunião dos PCs de todo o mundo
em Moscou consagrava a liderança de Moscou.
Mas as reformas esbarravamem resistênciase
tradições.
A economiacontinua lutando com estrangula-
mentos persistentes. Para üma base igual a 100,
relativa a 1953, teremos em 1964 os seguintes índices
-- aço: 223; carvão: 173; petróleo: 422; eletricidade:
342. A indústria leve continuava em plano secun-
dário. Tecidos de algodão: 109; de lã: 145; calçados:
181; habitação: 126. A produção de eletrodomésticos
e de bens de consumo durável era altamente insa-
tisfatória em relação à demanda. A agricultura cres-

L
cia lentamente. Utilizando as mesmas referências
acima, temos os seguintes índices -- bovinos: 155;

.\''''\..
porcinos: 152; ovinos: 132. A produção de cereais
permanecia preocupante: o índice em 1964 era igual
a 146, mas em 1963 caíra a 107, obrigando a IJRSS a
recorrer a compras maciças de cereais no exterior e a
promover o racionamento do pão, abolido desde
\..
1947
O pior é que a direção soviética parecia confusa.
O VI Plano Qüinqüenal a começar em 19S6 não fora A produção de eletrodomésticose de bens de consumo
durável era altamente insatisfatória em relação à de-
anunciado. Entre 1956e 19S8a URSS foi regida por manda.
75
[/R.SS; OSocfa/fumo Rea/
74 Daniel Aarão Reis Filho
ao clima, da assistênciatécnicae dos adubos. O re-
planos anuais. Em 1959 anunciou-se um mirabo- sultado é que, em 1962, perdeu-se cerca de 80%oda
lante plano setenalque iria até 1965. Três anos de- colheita. Ao mesmo tempo, milhares de jovens e de
pois, porém, retomava-se ao modelo qüinqüenal. kolkhozianos, mobilizadospara as terras virgens,
Nas marchas e contramarchas,contudo, a direção desfalcavam setoresprodutivos importantes, gerando
conservara a retórica e o estilo triunfalistas do pe- quedas ou estagnação da produção. Planos setoriais
ríodo anterior a 1953. Kruchtchev conclamava o irrealistaspromoviam desastreslocalizados. A obses-
povo a superar os EUA na produção de carne até são em superar os países capitalistas em prazos cur-
1960 e propunha solucionar a escassez crónica de tos também ocasiotiava crises regionais ou de produ-
cereaiscom o desbravamentodas terras virgens na tos
Sibéria central e no Kazaquistão, onde se pretendia No plano político afloravam as contradições.
abrir para o cultivo 37 milhões de hectares. O Plano As reformas não alteraram o mecanismo eleito-
setenal previa ritmos alucinantes em todos os setores. ral. O voto era formalmente secreto, mas não havia
Kruchtchev queria ultrapassar todos os países capi- nenhuma liberdade de escolha, e até mesmo o direito
talistas, em todos os níveis, e atingir as bases mate- de votar nulo ou em branco era de difícil exercício.
riais da sociedade comunista em 1980. Na época de Stalin as eleiçõeseram uma farsa. Ora,
Mas a realidade era madrasta. as de 1962 não inovaram pela originalidade: 99,95%o
A imprensa lamentava a falta de produtos de de comparecimento. Mais de 99%odos votos para a
uso corrente: meias, sapatos, roupas de baixo. Deter- chapa única de candidatos apresentados pelo par-
minados produtos amontoavam-senas lojas, mas tido. O Soviet Supremo continuava sendo o parla-
ninguém os comprava, ''por feios ç de má quali mento da unanimidade e um veículo de propaganda
dado'', segundo o Pravda. Em Leningrado os respon- para decisões tomadas em outras instâncias .
sáveis registravam 2,5 milhões de jornadas de traba- Já em 1962as autoridades revertiam as reformas
lho perdidaspor atrasos ou faltas não justificadas. descentralizadoras com a redução-concentração dos
Os administradores e chefes de empresa receavam conselhosde economia. A república russa passou a
demissões e ocultavam a capacidade de produção das ter apenas 24 (70 anteriormente), a da Ucrânia, 7,
empresas para poderem, depois, superar as ''normas'
9
em vez de 11, as 4 repúblicas asiáticas passavam a
do Plano. constituir uma s6 região, o mesmo ocorrendo com as
Os apelos triunfalistas tinham, às vezes, efeitos repúblicas transcaucasianas e as bálticas. Criaram-
catastróficos. Por exemplo, ao desbravar milhões de se, em nível superior, 18 conselhos regionais de eco-
hectares de terras virgens, não se cuidou como devido nomia e um organismocentral, o SupremoConselho
do tratamento do solo, da adequação das sementes
76 Daniel Aarão Reis Filho'qP'r URSS: O SocialismoReal 77

da Economia Nacional. Constatava-se a mesma ten. nível regional -- o partido fora segmentado por se-
dência centralizadora em relação à elaboração do tores económicos (o industrial e o agrícola). O con-
Plano e do orçamento anual, questões, alias, que junto do aparelhotemia as consequênciasda deses-
nunca haviam passado por um autêntico processo de talinização. As reformas descentralizadorasnão
descentralização. eram apoiadas pelos apparatchik. O partido não que-
E certo que.o terror indiscriminado não reto- ria perder o controle sobre o Estado e a sociedade.
mara. Os dirigentes não eram mais executados quan- Internamente, o centralismo permanecera intocável:
do destituídos -- ganhavam postos de menor respon- as iniciativas sempre vinham do alto e as discussões
sabilidade e direito à aposentadoria (foi o caso, por dependiam da luz'verde das cúpulas. A concentração
exemplo, do grupo antipartido em 1957). Mas isto e a personificação do poder voltaram a se manifestar:
era pouco em face das expectativasabertas pelo XX desde 1958, N. Kruchtchev acumulava as chefias do
Congresso. As discussõesdecisivas continuavam se- partido e do Estado. O culto à personalidade,em-
cretas, as demissões,mesmo de altos,postos, não bora combatido, retomava.
eram politicamente esclarecidas. As dificuldadese impassesatingiama dimensão
O poder do Estado sobre o indivíduo, embora internacional que fora de grande importância para a
contido em suas formas mais aberrantes, permanecia consolidação inicial dos novos dirigentes. Um ba-
esmagador. O aparelho da justiça continuava depen- lanço dos avanços e recuos entre 1953e 1964 mostra
dente do partido. A milícia conservara o direito de um resultado desfavorável para a URSS.
manter o preso incomunicável por dois meses, sem A política de coexistênciapacífica objetivava a
julgamento,e até por novemeses,com o acordo de superação da guerra fria e o estabelecimento de rela-.
um procurador. E verdade que os campos de concen- çõesestáveiscom os EUA. A visita de l(ruchtchev
tração haviam sido esvaziados após. o XX Congresso. aos EUA em setembrode 1959 parecia coroar de
Mas, desde 1958, o Soviet Supremo deliberava sobre êxito a nova política. Mas no ano seguinte a confe-
novos regimes de campos de concentração. O regime rência internacional de Pauis (maio de 1960) termi-
tentaria ocultar a condição política de muitos prisio- naria num lamentávelfracasso. No confrontocom as
neiros, considerando-oscriminosos comuns ou lou- potências capitalistas a URSS acumulada uma série
cos de fracassos: invasão dog marflzers no Líbano, em
O próprio partido comunista resistia às mudan- 1958; intervenção no Congo, em 1960; início da
ças. Os dirigentes locais protestavam contra a redu- guerra especial no sul do Vietnã, em 1961, e, mais
ção dos comitês de distrito. Os escalões intermediá- importante, a crise cubana, em outubro de 1962,
rios estavaminsatisfeitoscom a divisão do poder a com a vergonhosa retirada dos foguetes soviéticos
Dance! Aarão Reis Filho
URSS: O Socialismo Real 79

instaladosna ilha do Caribe. É certo que os EIJA


também perderiam posiçõesna Europa e nas Amé- soltos após o XX Congresso, foi possível determinar a
ricas com a revoluçãocubana. Mas a URSS, sobre- amplitude gigantesca dos expurgos e a participação
tudo depois de 1962,parecia incapaz de enfrentar a pessoal de Stalin no processo. O mais grave, porém,
agressividade norte-americana. é que a publicação de uma série de livros, o principal
O aspecto mais sombrio da nova política extema dos quais é o de A. Soljenitsyn: Um dfa de /. .Dezzis-
era a crise aberta no mundo socialista. Na Europa sovffch, revela que o terror político não é (e não
oriental, os soviéticosesmagaram com tanques insur- poderia mesmo ser) obra de um homem só, no caso,
reições populares e greves operárias na Alemanha Stalin, por mais poderoso que tenha sido. E todo um
oriental (1953) e na Hungria (1956). O mesmo quase sistema que se encontra em questão.
ocorreria na Po16nia. A reconciliação com a lugoslâ- Novas reformas começam a desequilibrar a es-
via trouxera magros benefícios. Do outro lado do trutura partidária. Descentralização, rotação obriga-
mundo, a China apresentava-se como novo ''farol'' tória de responsabilidades, supressão das remunera-
da revolução mundial. As divergências com os chi- ções não declaradas e que excediam de muitas vezes
neses degradaram-se e levaram ao rompimento de o salário oficialmente concedido, supressão de sím-
relações e a enfrentamentos armados. Os chineses bolos e níveis hierárquicos que cristalizavam os privi-
acusavam publicamente os soviéticos de social-fas- légios dos membros do partido comunista, criação de
cistas e social-imperialistas. O carâter monolítico do um novo organismode controlepartidário com pode-
bloco socialista desfizera-se para sempre... Sem que res praticamente ilimitados.
os soviéticos o tivessem previsto ou desejado, a deses- O aparelho partidário sente-se ameaçado. A
talinização desembocará na liquidação do controle insatisfação ganha os quadros das forças armadas e
centralizado sobre o movimento comunista interna- do KGB, frustrados com os sucessivos fracassos na
cional. política internacional, com as restrições em seus po-
Diante destas contradições, o reformismo vaci- deres e salários. Os próprios intelectuais, beneficia-
lava. Era precisoavançarou retroceder.As posições dos com maiores margens de liberdade e de criação,
divergentes se enfrentariam no XXll Congresso, rea- não se sentem atendidos em suas reivindicações. E
lizado em 1961,e a corrente de Kruchtchev pareceu que a política reformista de N. Kruchtchev era mar-
levar a melhor. Aprovou-se o aprofundamento das cada por avançose recuos. Fora assim no caso de B.
reformas descentralizadoras e da crítica a Stalin e ao Pastenak, vítima das acusaçõesoficiais e proibido de
período stalinista. Com base nos arquivos do comitê recebero prêmio Nobel. Depois do escândaloprovo-
central e nos testemunhos dos milhões de prisioneiros cado com a publicação do livro de Soljenitsyn,
Kruchtchev convocada os intelectuais para dois en-
l URSS: O Socialismo Real 81
80 Daniet Aarão Reis Filho

contros, em 1962 e 1963, repreendendo-ossevera- nas pesadas nos campos de concentração. A impren-
mente. A censura voltaria a atacar, forçando o apa- sa oficial não publicou nenhuma notícia sobre o con
recimento dossamüdaf (de sam -- o próprio; e ízdaf flito e a justiça não incomodou os responsáveispelo
-- editor), textos impressospelo próprio autor. Vá- massacre da multidão. Mas as autoridades rebaixa-
rias revistas circulam clandestinamente: .Sflzfalís, ram os preços das mercadorias. . .
.Boomerang, Feri'x, Sofra/ etc. O florescimento des- Uma outra expressão da insatisfação é o surgi-
te tipo de oposição inquietava os mais conserva- mento de organizaçõesclandestinas de oposição. A
dores. polícia política anunciou o desmantelamento de vá-
A crise agrícola do ano de 1963 acelerarâ a insa- rias: União de Patriotas da Rússia, nas universidades
tisfação geral e a convergência de movimentos de de Moscou e Leningrado; União dos Operários e
oposição de natureza e sentido distintos . Camponeses da Ucrânia; União de Luta pelo Renas-
F. Claudin registra manifestações operárias, de cimento do Leninismo; União Democrática dos So
impor'tância diversa, em 1961 e 1962, em Grosni, cialistas; União Social-Cristã Pan-Russa pela Liber-
Drasnodra, Donetsk, Yaroslav, Zdanov, Gork, Ale- tação do Povo. Diferentes nomes, diversidade de ins-
xandrov, Muron, Ninney Tangia, Odessa, Kuybi- pirações, interesses, objetivos. O único denominador
chev, Timerdam etc. A principal ocorreria em junho comum é a oposição ao regime vigente.
de 1962numa fábrica de locomotivas em Novotser- A política reformista aprovada pelo XXll Con-
kask. Exasperados por aumentos simultâneos nos gresso enredava-se em suas contradições: demasiada
preços da carne e da manteiga e pela elevação das para o aparelho partidário e para a cúpula do re-
normas de produção, os operários entram em greve e gime, era insuficientepara atender as aspiraçõese
desmontam os trilhos da estrada de ferro Moscou- esperanças que ela própria suscitará e estimulara.
Rostov. As autoridades respondem com a repressão e Considerada perigosapelas elitesno poder, não fora
capaz de agrupar forças sociais significativas. Ao
l

prendem 30 operários, mas a greve estende-se,mobi-


lizando os estudantes do Instituto Politécnico sediado contrario: as manifestações apontadas confirmam di-
na cidade. Os grevistas organizam manifestações versos tipos de oposição.
favoráveisà libertação dos prisioneiros. O exército, Amadureciam assim as condições para uma mu-
então, apareceue atirou na multidão com balas dança de política. Ela se concretizaria na abolição do
dzzm-dzzm, matando perto de 80 pessoas. Os feridos e reformismo vigente. O golpefoi dado em duas reu-
mortos, assim como suas famílias, desapareceram niões sucessivasdo Presídio ampliado do partido
completamente. Processos sumários condenaram 9 comunista, em ll de outubro de 1964, confirmada,
operários à morte e um número indeterminado a pe- três dias depois,por um pleno do comitê central:
e
83
82 DanietAarão ReirFilho URSS: O SocialismoReal

O grande vitorioso na deposição de Kruchtchev


Kruchtchev seria deposto e, sinal dos novos tempos. é o partido comunista. Confirma-se seu poder sobre o
enviado suavemente para a aposentadoria. Estado e a sociedade. Consolida-se a aliança de clas-
Os sucessoresconstituiriamuma troika: Leonid sesque o subentende. A dominação política na URSS
Brejnev dirigiria o partido, Alexey Kosygin, o con- está institucionalizada, estabilizada, ''normalizada''
selho de ministros e Nicolai Podgorny asseguraria as
decorativas funções de presidente do Soviet Supremo.
A nova direção revogada as reformas do período
anterior. Liquidou os conselhosnacionais de econo-
mia, restaurou os comités distritais e reunificou os
comitês regionais. Eliminou as modificações intro-
duzidas ho aparelho central e restabeleceuos privi-
légios ameaçadospelas resoluções do XXll Con-
gresso. Preocupou-se mesmo com os nomes: restau-
rou o título de secretario-geral,atribuindo-o a Brej-
nev, e voltou a chamar a cúpula partidária de Gabi-
nete Político, o Politbureau, associadoà época de
Lenin. E verdade que não se trouxe de volta o cadá-
ver de Stalin para o mausoléu onde se encontrava e
de onde fora retirado após o XXll Congresso, mas
houve um processo parcial de reabilitação. Stalin não
voltaria a ser incensado, mas deixaria de ser o bode
expiatório dos erros cometidos.
Mas a política reformista de Kruchtchev . não
seria totalmente liquidada. O terror indiscriminado,
por exemplo, será banido dos costumes políticos,
embora permaneça o terror seletivo, aplicado sob
formas sofisticadas. O período de 1953 a 1964 terá
reveladoos limites do reformismo pelo alto. O mode-
lo dos Planos demonstrou ter raízes sociais e políticas
que não se deixarão remover ou destruir por medidas
legais, provenientes do próprio centro do poder.
T URSS: O Socialismo Rea! 85

mismo. Onde os comunistas conseguiram hegemo-


nia, ltâlia e França, foram assimiladospelo refor-
mismo que tanto combateram na década de 20. A IC
não soube transformar as crises revolucionárias ale-
mã e italiana do começo dos anos 20 em revoluções
vitoriosas. Não entendeu a estabilização do capita-
lismo depois da l Grande Guerra. Superestimou suas
contradições interna;. Não compreendeu, nem soube
deter o avanço do nazismo. A política de frentes
A URSS E O MOVIMENTO populares não assegurou o aproveitamento das crises
COMUNISTA INTERNACIONAL revolucionárias na Espanha ( 1936-1939), na ltália,
na França e na Grécia (1944-1947). Finalmente, no
mais aceso da ll Guerra Mundial, a IC dissolveu-se
melancolicamente, sem fonBular sequer um balanço
De 1919 a 1943 as relações entre a URSS e o crítico de suas infelizes experiências. Na Europa, a
Movimento Comunista Internacional -- MCI -- única exceção foi a lugoslávia,.ekatamente porque o
transcorreram sob a égide da Internacional Comu- PC lugoslavo insurgiu-se contra as orientações e de-
nista -- IC. Entre 1943 e 1947, o Estado soviético cisõesda IC. E claro que não se esqueceo apare-
manterá contatos diretos com o MCI e em setembro cimentode Estados socialistasna Europa oriental --
deste último aüo restabelecer-se-ánovo centro de Polânia,: Romênia, Bulgária, Hungria, Tchecoslo-
coordenação -- o Secretariado de Informação dos váquia e Alemanha oriental. Mas, nestescasos, não
PCs e Estados socialistas-- o Kominform, desati- se trata propriamente de revoluções, mas do ascenso
vado em 1953e dissolvidoem 1956. Desde então, dos comunistas ao leme do Estado sob a proteção do
Moscou retoma relações diretas com os PCs e Esta- exército soviético.
dos socialistas. Na América Latina, Ãfrica e Ãsia o MCI sempre
O balanço da teoriae da pratica da URSS e do foi débil, com as exceçõesda China e do Vietnã, onde
MCI desde 1921 até 1964 surpreende pela sucessão processos revolucionários prolongados permitiram a
de experiências revolucionárias fracassadas. No vitória do socialismo. Mas o êxito só foi possível
mundo capitalista avançado (Europa ocidental, EUA porque os comunistas chineses e vietnamitas, como
e Japão) a revolução socialista não foi vitoriosa e a os jugoslavos, insurgiram-se contra as orientações da
classe operária permanecedominada pelo refor- IC e do Estado soviético. Quanto à revolução cubana,
86 Daniel Aarão Reis Filho
URSS: O Socialismo Real 87

desenvolveu-se, até a tomada do poder, quase que


totalmente à revelia dos comunistas. prática, mas a IC perseverava,insensívelaos apelos
As relaçõesno interior do bloco de Estados so- da realidade.
cialistas também não apresenta um balanço exal- No seu último congresso,o Vll, realizado em
tante. Depois de 1956o MCI perde o carâter mono- 1935, sem fazer ym balanço crítico da experiência
lítico e os Estados socialistastrocam insultos e tiros. anterior, a . IC renunciava à revolução iminente e
Como explicar a inapetência revolucionária da adotava a orientação das frentes populares. Os comu-
IC? Como entender que o primeiro Estado socialista nistas deveriam construir amplas frentes contra o
no mundo -- a URSS -- tenha desempenhadoum nazi-fascismo na base do programa dos partidos anti-
papel tão discretona promoçãoda revoluçãomun- fascistas mais atrasados política e socialmente.
dial? E que tenha se oposto ativamente a processos Quando o movimento popular antifascista rompia os
revolucionários vitoriosos (lugoslâvia e China) ou ao diques era freado pelos comunistas. Na Espanha e na
aproveitamento de crises revolucionárias (Espanha, França, antes da guerra, e na França, ltália e Gré-
ltâlia, França, Grécia etc.)? Por que o MCI e o Es- cia, depois da guerra, os comunistas ficaram presos a
tado soviéticocontribuíram tão pouco para a irrup- programas tímidos, prejudicando a mobilização dos
ção da revoluçãosocialistae por que atuaram, em trabalhadores.
vários momentos, como freio e mesmo contra a revo- Depois de se empenharema fundo na luta anti-
lução? fascista, os comunistas receberiam orientação, em
A analise das concepções da IC e do Estado agostode 1939,de voltar sua luta contra os impe-
soviético sobre a revolução fornece uma primeira rialismos anglo-franceses. E que a URSS acabava de
explicação. Enquanto existiu, a IC manteve uma assinar um tratado de paz com a Alemanha nazista e
visão europocentrista da revolução mundial. Os ope- Q MCI, unanimemente, de um dia para o outro, sem
rários teriam a missão de destruir o sistema capita- explicar suas razões e sem fazer um balanço da expe-
lista. A revolução estaria ''madura'', ou ''amadure- riência anterior, simplesmente trocava de ''inimigo''
cendo rapidamente':. O capitalismo ''agonizava'', Era um fato insólito. Os comunistas não falavam
num becoisem saída. Seria derrubadoem pouco nada do nazismo em plena expansão depois de terem
tempo. Os fracassoseram atribuídos aos traidores sido, durante anos, os campeõesda luta antifascista.
social-democratas ou a ''agentes'' do inimigo infil- A anomalia só foi corrigida em junho de 1941,
trados. Quando o refluxo do movimento social im- quando os nazistas invadiram a URSS. Os comunis-
punha-se ao delírio, dizia-se que a revolução se tas voltaram, então, à propaganda antinazista. ..
reatualizaria com rapidez. A teoria não era eficaz na Durante a ll Guerra os PCs se destacariam iia
luta antinazista, mas a revolução não figurava como
88 Daniet Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 89

objetivo. Tratava-se de preservar a Grande Aliança rada para um futuro indefinido. No entanto, o cres-
(URSS-EUA-lnglaterra), nada podia põ-la em risco.
cimentoda l.JRSS, garantidopela paz, inclinada a
A tese esteve implícita na dissolução da IC em 1943 e correlação de forças em favor do socialismo. A orien-
teve influência decisiva no não aproveitamento da tação seria consagrada com a política de coexistência
crise revolucionária de 1944/1947. Somente na lu- pacífica de Kruchtchev e não se alteraria até 1964.
goslávia os comunistas fizeram da luta antifascista Quanto à Ãsia, América Latina e Ãfrica, o má-
um momentoe um processode acúmulode forças ximo que se conseguiu foi a definição de que a revo-
rumo à revoluçãosocialista. Mas o fizeram sob pres- lução nestas regiões não precisava esperar a euro-
são e contrariando explícitas orientações da IC e de peia. Mas não podiam aspirar ao socialismo. Os paí-
Moscou. ses coloniais, semicoloniais ou dependentes teriam
Quando a Grande Aliança deu lugar à guerra que passar por uma revolução nacional, de caráter
fria -- 1947-1948 -- houve nova reviravolta. Os EIJA burguês, e sob direção da burguesia, com a qual os
e a Inglaterra, que até 1947pertenciamao campo PCs deveriam compor uma frente única. A realidade
das nações democráticas e amantes da paz, trans- da luta de classes, as evidênciasdo carâter antina-
formavam-se em inimigos do socialismo e da huma- cional das burguesias, não sensibilizavama IC, que
nidade. Para enquadrar a nova mudança, foi re- manteve suas concepções, apesar de não poucos de-
criado um centro internacional--; o Kominform, em sastres políticos de envergadura (cf. a derrota da
setembro de 1947. Participam de .sua fundação -- revolução chinesa de 1927). O problema é que os
caracterizando a persistência do fenómeno europo- comunistas transpunham mecanicamente elabora-
centrista -- nove PCs: os da l.JRSS, Polânia, Romê- ções européias para a Ãsia, ou para a Africa e Amé-
rica Latina. Por exemplo, os comunistas latino-ame-
nia, Bulgâria,Hungria, Tcheco-Eslováquia,
lugos-
lávia, ltália e França. ricanos, a partir de 1941, terão que atenuar ou sus-
A concepçãorevolucionária
do Kominformde- pender as denúncias contra os EUA, para não preju-
finia a existênciade uma contradiçãofundamental dicar a Grande Aliança... embora prejudicassemo
movimento comunista na América Latina. O PC da
que oporia os Estados socialistas -- liderados pela
URSS --; aos Estados capitalistas, dirigidos pelos Índia, em plena guerra mundial, é obrigado a apoiar
EUA. Os movimentos revolucionários e os PCs em a Inglaterra, potência colonial. ..
todo o mundo constituíam ''forças de apoio'' ao Na dissolução da IC os PCs das regiões coloni-
campo socialista. O programa revolucionárioera zadas ou dependentesnem sequer serão consultados.
resumido na luta pela paz, pela democracia e pelo Quando da criação do Kominform, o mesmo acon-
progresso social. A revolução socialista era empur- tecerá. Na verdade, eram consideradoscomunistas
URSS: O Socialismo Real 91
90 Daniel barão Reis Filho

1960, explodiu o conflito com a China, que jâ vinha


de ''segunda classe'', na medida em que a revolução ocorrendohâ anos de forma subterrânea. As diver-
socialista era inviável em suas áreas de atuação. Não
passavam de forças de apoio. . . gências degeneraram para insultos e troca de tiros.
A lei do carâter monolítico do MCI e do bloco socia-
Tais concepções contribuíram para o enfraque-
cimento dos comunistas nos processos de libertação
lista, sua unidadeindestrutívelcom a URSS, esta-
vam revogadas pela prática. . .
nacional. Estiveram praticamente .ausentes, como
Orientações equivocadas, desconhecimento das
força organizada, nos movimentos de libertação afri-
realidades que se pretende transformar, inversões
canos, pan-islâmicos, asiáticos, e nos países latino-
súbitas de alianças, exportação de modelos revolu-
americanos. Como foi dito, houve dual exceções:
China e Vietnã. Porque'os comunistas destes países cionários, ziguezagues desconcertantes; decidida-
mente, as concepçõese teorias da IC e do Estado
souberam abandonar, na prática, a concepção de
revolução nacional sob direção da burguesia, e afir- soviéticonão ajudaram e não poderiam mesmo ter
maram sua independênciaorgânica contra as orien- ajudado a revolução socialista mundial.
A estrutura orgânica aditada pelo MCI é a se-
tações da IC e do Estado soviético. As revoluções
chinesa e vietnamita souberam combinar a luta so- gunda explicação para a sucessão de fracassos que
vêm sendo estudados. Prevaleceuo padrão ultracen.
cial com a luta nacional, fazendo desta combinação o tralista estabelecido pelo ll Congresso da IC: as fa-
segredo de seu êxito.
O Estado soviéticotambém imporia suas con- mosas 21 condições. A revolução estava madura,
explodiria a qualquer momento. Assim, um Estado-
cepções de construção do socialismo (orientação ge- Maior revolucionário internacional, centralizado, era
ral, prioridades,ritmos etc.) ao bloco de Estados imprescindível. Este padrão não mais se alteraria,
socialistas formados após a ll Guerra. Mas como
Mesmo depois da dissolução da IC. As organizações
obrigar que países os mais diversos assumissem um
só e mesmo modelo? A primeira rachadura veio em comunistas eram assimiladas a regimentos de um
grande exército monolítico. As discussões sempre or-
1948 com a separação da lugoslávia. Rapidamente ganizadas de cima para baixo. O dogmatismo, favo-
caminhou-se para a troca dos piores insultos e, já em
recido. As minorias não tinham tez, eram depura-
1949, o Estado jugoslavo era caracterizado pela das. A trajet6ria do partido comunista alemão é tí-
URSS como um Estado de espiões e assassinos (sfc).
A primeira guerra entre Estados socialistasesteve pica: no começode 1920,o grupo Levaascendeà
direção e promove o expurgo dos ''esquerdistas". Em
por um fio... Anos depois, as mesmas contradições 1921,o próprio Levaserá expulso por não concordar
levaram os russos a apelarem para os tanques (Ale-
com as 21 condições. .Ascende então o grupo Bran-
manha oriental, 1953; Hungria e Po16nia, 1956). Em
92 Daniet Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 93

dler-Thalheimer. Em 1923, serão acusados de direi- inimigos ''infiltrados'' e dissidentes disfarçados.


tismo e demitidos pelos partidários de uma visão ''de Este tipo de estrutura orgânica era intrinseca-
esquerda'' da revolução alemã de 1923. Serão, por mente incapaz de criatividade, de originalidade teó-
sua vez, depurados, acusados de trotskysmo, pelo rica, de enfrentar os desafioscolocados pelo capita-
grupo Thaelmann, que expulsara todos os que se lismo, pela construção do socialismo, pelo movi-
ligam a Brandler-Thalheimer, acusados de bukha- mento de libertação nacional, pela combinação da
rinistas. Pode-se imaginar os prejuízos causados por luta revolucionária nestes três . campos. A pobreza
essa dinâmica infernal de expurgos à direita e à es- teórica será a marca registrada do MCI e do Estado
querda e que, muitas vezes, não tinham sequer re- soviético. As exceções, mais uma vez, virão dos PCs
lação com a revolução alemã, mas com a$ marchas e que desrespeitarãoas orientações emanadas dos cen-
contramarchas da revolução russa. tros do MCI.
A estrutura orgânica não s6 depura e elimina Qual o significado de tantos erros e desastres?
politicamente.Também pune com a morte. Na se- Haverá alguma lógica neste emaranhado de fracas-
gunda metade dos anos 30, paralelamente aos pro- gas?
S

cessosde Moscou, a polícia política soviética deter- Na verdade, as concepções ''equivocadas'', os


minará que os PCs da Polânia, lugoslâvia e Hungria erros, os ziguezagues e o ultracentralismo da estru-
estavam- ''infiltrados''. Sem nenhum processo serão tura orgânica vinculam-se a um só e mesmo pro-
condenados à morte dirigentes comunistas jugosla- cesso: o da instrumentalizaçãodo MCI pelo Estado
vos, poloneses e alemães. O detalhe sinistro é que os soviético. E certo que a revolução socialista mundial
revolucionárioseram refugiadospolíticos na URSS. não avançou como poderia ter avançado. Mas o Es-
Anos mais tarde, na Europa oriental, haveriauma tado soviético ampliou sua influência e força no
reediçãodõs processosde Moscou. O PC Tçheco mundo, e a URSS, apesar dos erros, ou por causa
perderia, entre 1949e 1954, mais de 600 mil mili- deles, converte-se numa das duas superpotências
tantes; o polonêse o romeno, cerca de 300 mil cada mundiais.
um; o húngaro, perto de 400 mil; o búlgaro, cerca de O reexame das reviravoltas do MCI é perfeita-
200 mil. A maioria foi expulsa, mas muitos morre- mente compreensível à luz dos interesses imediatos
ram assassinados. Os expurgos fazem parte do pro- do Estado soviético. O anunciado refluxo da revo-
cesso de enquadramento dos Estados socialistas no lução socialista mundial (quando o refluxo era evi-
bloco monolítico dirigido pela URSS. Cada onda de dente apenas na Europa) corresponde às necessida-
expurgos era seguida por todas os PCs do mundo que des da política externa da NEP; a determinação de
competiam entre si na capacidade de ''desmascarar'' ofensivas em 1928 corresponde à face externa da cole-
94 95
Z)azzíe/ 4arâo Reü Fz'lAo 'il [/Xss; O Socfa/exmoRea/

tivização forçada na URS.S; a subestimação do na- operaria não se levantouem seu apoio no mundo,
zismo está ligada às relações preferenciais mantidas nem se identificou com sua causa.
pelo Estado soviético com a Alemanha desde 1922; Os bolcheviquestenderão, então, a formular a
a linha das frentespopulares correspondeao pacto tese de que o Estado soviéticoe o MCI teriam inte-
franco-soviético, de 1935, quando a agressividade de resses harmónicos. A IC seria o instrumento de de-
Hitler levara os soviéticosa, provisoriamente, desistir fesa e promoção destes interesses.
de um entendimentocom os alemães. O abandono Mas, desde 1918, apareceram contradições entre
da linha antifascista depois do pacto germano-sovié- os interessesdo Estado soviéticoe os do MCI. As
tico dispensa, pela evidência, explicações. Os conse- experiências entre 1918 e 1921 (cf. Rtissía, os anos
lhos de moderaçãoao MCI durante a ll .Guerra, l,erma/&oi) são ilustrativas: cooperação comercial,
associam-séà visão de que era possível estabelecer diplomática e militar com Estados capitalistas, par-
uma coexistência,a longoprazo, com os EUA depois ticularmentecom a Alemanha, com a qual foram
do conflito. Os conselhosde prudência aos chineses assinados, desde.1918, tratados secretos; aliança com
também se integram no plano maior de conciliação Estados dependentes, como a Turquia, a Pérsia, a
com os EUA. E o mesmo se pode dizer da subes- China; relações com partidos burgueses dos países
timação com que foram tratados, sempre, os movi- dependentes etc. Ora, nem sempre este conjunto de
mentos de libertação nacional, relegados ao papel de relaçõespodia se adequar às necessidadesdo MCI.
''forças de apoio'' Quando era necessário optar, os soviéticos jamais
Como compreender o processo de instrumenta- vacilaram, desde o início: escolheram, sempre, a
lização do MCI pelo Estado soviético? A teoria da melhor opção para o Estado soviético. Poderia ter
revolução socialista não previra o seu caráter inter- sido de outra forma?
nacional? O fato é que as previsõesimaginavam a A formulação teórica que encobriu o processo,
explosão revolucionária nos principais centros do ou melhor, que o justificou, foi definir a defesada
capitalismo internacional. Os bolcheviques, quando URSS como a primeira tarefa do MCI, subordi-
apostaram na revolução russa, nunca colocaram, nando-se a esta todas as outras. A URSS era uma
nem por hipótese,a possibilidadeda própria sobre- base decisiva para o MCI, sua destruição significaria
vivência sem o apoio ativo da revolução socialista eu- uma derrotahistóricapara o comunismoe para a
ropéia. A revolução russa seria o prólogo de um classe operaria à escala internacional. Desde 1924-
processo maior. Ou então seria esmagada. 1926, reforçou-se o argumento com a afirmação de
Mas a realidade, como já se viu, desmentiua que seria possível construir integralmente o socia-
previsão.A Rússia revolucionáriaficou s6, a classe lismo na URSS, mesmo que não houvesse revolução
97
96 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real

mundial. Em 1946, Stalin retomaria e ampliaria a


tese: não só o socialismo, mas também o comunismo
poderia ser construído na URSS. Em 1947, o Ko-
minform faria sua a tese. E o XXll Congressodo
PCUS a anunciaria como uma possibilidade imediata
em 1961. A luta pela paz, pela democracia e pelo
progresso social ganhara assim consistência: trata-se
de condições decisivas para permitir que a URSS se
dedique à tarefa maior de construção do comunismo.
O que não significa que o sfarzzsqzzo mundial não
sqa eventualmente alterado. Mas as alterações deve-
rão passar pelo crivo dos soviéticos,dos interesses
imediatos de seu Estado.
O processo de instrumentalização do MCI pelo
Estado soviético não foi linear. Até 1930, embora jâ
subordinado à URSS, o MCI ainda se propunha a
revolucionaro mundo. No entanto, a partir da ado-
ção do modelo dos Planos, o MCI lutara pelas frentes
populares nos limites dos interesses da burguesia de
cada país, abandonando a revolução socialista como
prometo num prazo definido. O mesmo preceito de-
verá ser observado pelas lutas de libertação nacional.
A dimensão internacional do modelo dos Planos im-
plica uma subordinação cada vez mais caricatural do
MCI ao Estado soviéticoe a seus acordosinterna-
cionais.
Como explicar que o processo de instrumenta-
lização do MCI pelo Estado soviético tenha durado
tacto tempo?
A debilidade da revolução socialista no plano
mundial ou, observando as coisas de outro ângulo, a
98 Daniet Aarão Reis Filho

fitando as próprias lutas pelo socialismo.


Finalmente, os PCs em todo o mundo conver-
T
tem-se também em agências de reprodução da instru-
mentalização do MCI pelo Estado soviético. Seria
necessário estudar sua estrutura orgânica e composi-
ção social para desvendar a lógica que esta na base
de sua existência e de sua sobrevivência apesar dos
repetidos fracassos e das reviravoltas caricaturais.
Mas a políticade instrumentalização
do MCI
pelo Estado soviético não impediu a eclosão de novas A URSS SOCIALISMO REAL
revoluções Socialistas, mesmo fora do controle de
Moscou, como foram os casos da China, do Vietnã,
da lugoslávia, de Cuba. Nem impediu o desenvolvi-
mento e a vitória de muitos processos de libertação O desmantelamento dos mitos relativos à expe-
nacional, apesar de e contra a vontade dos PCs lo- riência soviética levou ao questionamento do caráter
cais. Em 1964,Moscou, principal capital revolucio- socialista da URSS. Mas é a vida e a prática, e não as
nária do mundo em 1917, não terá inspirado ne- intenções teóricas, que dão consistência e significado
nhuma revoluçãosocialistaautêntica. O que teria às palavras. Assim como seria inócuo indagar do
acontecido com o socialismo soviético? caráter social-democrático dos partidos operários da
Europa ocidentalpor ocasião da l Grande Guerra,
também seria inútil questionar se existe ou não socia-
lismo na URSS. O termo é indissociável da expe-
riência soviética que se tomou a experiência modelar,
por excelência, do socialismo, o socialismo real. Mais
importante do que lutar por nomes é tentar com-
preender o conteúdo político e social do sistema
soviético.
As principais característicasdo socialismoexis-
tente na URSS já foram apontadas quando se ana-
lisou a revolução pelo alto (cap. 3): desenvolvimento
industrial acelerado, altíssimas taxas de acumulação,
li Dance!~AarãoReis Filho URSS: O SocialismoRea! 101

ênfase na indústria pesada, preocupação com o au- O regime soviético tenta legitimar-se perante à
mento contínuo da produtividade, organização do população pelo recurso constante e sistemático a uma
sistema industrial-fabril segundo o modelo da revo- ideologia de exaltação, baseada numa série de mitos:
lução industrial capitalista, coletivização forçada da a defesa nacional, o progresso industrial, o Estado
agricultura, empregandoa violência em larga escala todo-poderoso, o culto à personalidade dos chefes
contra o campesinato, orientação do conjunto da f etc. As campanhas ideológicas não se desenvolvem
economia por um planejahento central, realizado no ar, totalmente desligadasda realidade: a URSS,
através dos Planos Qtiinqüenais, subdivididos em em menos de meio século, e apesar de devastada por
Planos Anuais. O crescimento depende da extração duas guerras mundiais, uma guerra civil de grandes
do trabalho excedentedos trabalhadores urbanos e proporções . -- 1918-1921 -- e conflitos sociais --
rurais. coletivização forçada de 1929-1932 --, conseguiu
O modelo exige um Estado ultracentralizado e tornar-seuma das duas superpotênciasmundiais. As
todo-poderoso. Trata-se de uma condição indispen- condições de vida do povo, embora ainda abaixo dos
sávelpara a realizaçãodosplanos,para a garantiada países capitalistas avançados, alcançam níveis bas-
extração do trabalho excedente e decorre da proprie- tante superiores aos das regiões dependentesou
dade dos meios de produção que o Estado assume. semicoloniais do mundo, às quais pertencia a URSS
Razões políticas também fundamentam o ultra- em 1917.
centralismo: na verdade, o regime cairia inevitavel- O regime político tem outro eixo de sustentação
mente se se dispusesse a organizar consultas demo- no terror da polícia política. O terror não se liga à
cráticas a respeito de seus objetivos e métodos. Há força de eventuais oposições, mas à ideologia exalta-
uma contradição irredutível entre os interessesime- dora. Cumpre cobrir o povo em torno de metas e
diatos dos trabalhadores e os objetivos a longo prazo de objetivos, definidos pelos Planos. As deficiências
dos dirigentes. SÓ a força permitirá garantir os se- verificadas, as lacunas do modelo económico-social,
gundos apesar dos ou contra os primeiros. Processos as injustiças que permanecem, serão atribuídas a
democráticos, mesmo parciais, limitados e aparente- ''culpados'' que o terror policial fabricará. Grande
mente inócuos provocam perigosa instabilidade no parte dos processos e expurgos foram decididos nas
sistema soviético. A ditadura é uma necessidade instâncias superiores antes mesmo que os culpados
intrínseca e essencial do sistema. Daí os limites do fossem identificados. Além disso, o terror desempe-
processode institucionalização
comandadopor N. nha funções económicas -- parte considerável dos
Kruchtchev e de qualquer nova tentativa de refor- objetivos dos Planos será atingida pela mobilização e
mismo pelo alto. enquadramento do trabalho semi-escravo das vítimas
i02 DanietAarão Reis Filho URSS: O Socialismo Rea! 103

dos expurgos, agrupadas nos campos de concentra-


çao de que foi exatamente saindo do atraso que a URSS
Como explicar estas características cuja existên- consolidou o sistema dos Planos e, hoje, convertida
cia, hoje, é,,impossívele inútil negar? Anomalias? numa das sllperpotênciasmundiais, parecem inamo-
víveis os fundamentos do referido sistema.
Deformações?
Alguns sustentam que o modelo soviético resul- Há também os que atribuem as ''deformações''
do socialismo soviético aos excessos de Stalin e de seu
tou das condições específicas em que emergiu a revo-
grupo. Mas a dimensão dos crimes cometidose a
lução socialista na Rússia. As ''anomalias'' que
aquele modelo apresenta decorreriam do isolamento dinâmica do sistemanão se explicam pela ação ou
internacionale do atraso que a revoluçãofoi obri- pela paranóia do ditador. Ao contrário, Stalin assu-
miu a chefia do sistema e foi pelo mesmo incensado,
gada a enfrentar desde o início.
exatamente porque soube interpretar suas necessi-
Esquecem que o modelo consolidou-se com a
dades mais profundas. A rigor, não passou de um
revoluçãopelo alto, a partir de 1929, num momento
exímio executei'. Muito mais criatura do que criador.
em que não eram tão graves os efeitos do isolamento As características do sistema soviético não são
a que estava submetida a URSS em 1917. De outro
lado, parecem não considerar que os regimes socia- anomalias nem deformações. Correspondem a inte-
ressessociais, cuja identidadetem sido difícil des-
listas vitoriosos depois de 1945reproduzem estranha-
mente os elementos essenciais do modelo soviético, vendar. No entanto, a analise da realidade soviética,
apesar de não passarem pelo isolamento internacio- a dinâmica do modelo dos Planos e das instituições
nal que tanto teria condicionadonegativamentea políticas permitem caracterizar um grupo social do-
minante e por isso privilegiado: os trabalhadores
revolução russa.
Quanto ao argumento do ''atraso'', não deixa de intelectuais. Trata-se de um conjunto heterogéneo,e
é possível destacar subsetores mais influentes e mais
ser estranho, depois de mais de meio século, assistir
ao revigoramento dos velhos mitos da social-demo- poderosos -- os quadros permanentes do partido
cracia e da ll Internacional (que, aliás, nunca foram comunista, os quadros das forças armadas, da polí-
cia política, das administrações centrais do Estado,
radicalmente superados pela lll Internacional), se-
gundo os quais os países atrasados deveriam esperar dos grandes conglomerados industriais -- mas, como
os adiantados realizarem a própria revolução para, um conjunto, são socialmenteprivilegiados e, .direta
ou indiretamente, exercem influência determinante
depois, ajudados e guiados por estes, caminhar na
''luminosa senda da sociedade sem explorados e ex- nos rumos do sistema, nas opções políticas decisivas,
ploradores". O argumento não se sustenta pelo fato
e na definiçãodos critériosde investimento
e de
distribuição da riqueza nacional.
Daniet Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 105
104

A analise da evolução do partido comunista,


instância máxima de poder político, social e econó-
mico na URSS, mostra o papel dominante deste
grupo social que, sempre, detevea maioria dos dele-
gados aos congressos partidários, assim como a maio-
ria das instâncias dirigentesdo partido e do Estado,
embora fosse minoritário na sociedade e no próprio
partido.
A hegemonia dos trabalhadores intelectuais, es-
boçada antes mesmo da revolução pelo alto, conso-
lida-se com esta, na medida em que a coletivização
forçada e os ritmos alucinantes de industrialização
jogam por terra qualquer possibilidade de o Estado
soviéticobasear-senuma aliança formada por operá-
rios e camponeses. O rompimento da possibilidade
desta aliança (implícita na dinâmica da NEP), prol'o-
cado pela revolução pelo alto, é, portanto, o marco
decisivo da história da construção do socialismo na
1 1 H\\

A expropriação dos proprietários privados dos


meios de produção extingue a propriedade destes
meios como fatos de poder. Mas a opção por um
desenvolvimentoindustrial acelerado, segundo o mo-
delo da revolução industrial capitalista (que apro-
funda e consolida a divisão social do trabalho, a divi-
são entre trabalhadores manuais e intelectuais, a di-
visão entre campo e cidade etc.), erige a propriedade
do saber como fator de dominação económica, social
e política. E o saber é monopolizado pelos trabalha-
dores intelectuais. Não é por mera coincidência que a E o saber é monopolizadopelos trabalhadoresintelec
duais.
ideologia dos Planos exalta de forma quase carica-
106 Daniet Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoRea! 107

tural o progresso baseado no controle da técnica, da no poder.


ciência, UM tipo de progresso que esta na estrita Articulam-senuma aliança com uma oração
dependência dos trabalhadores intelectuais. expressiva dos trabalhadores urbanos, fabris ou não
Quem são os trabalhadores intelectuais na -- são os udarniks -- ou trabalhadores de choque --
URSS? e os stakhanovistas. Representam, segundo estima-
Uma proporção considerável (pouco mais de tivas realizadas no período da revolução pelo alto,
metade) provém do próprio grupo social, mas quase cerca de 15%odos trabalhadoresurbanos. Udarniks
metadeé originária das camadas diversas de traba- e stakhanovistas são, quase sempre, trabalhadores
lhadoresurbanos -- fabris ou não -- e rurais. O qualificadose constituemuma força de auxílio e de
sistema, alias, outorga relativa abertura do ponto de apoio à dominação social e ao regime político. Ele-
vista dó acessoao saber. Não se trata de um movi- vam as normas de produção, comportam-se''exem-
mento de generosidade, mas uma exigência do pró- plarmente'' face à massa de ''ausentistas'' e ''passi-
prio desenvolvimento acelerado promovido pelos Pla- vos'', fornecem os quadros de controle de qualidade e
nos de controle da força de trabalho. Em troca, recebem
Logo após a tomada do poder, são inúmeros os salários mais altos e uma série de vantagens -- prio-
casos de operários fabris projetados a cargos de di- ridade no acesso a habitações, a bens de consumo es-
reção do aparelhoestatalou partidário. Num se- cassosetc. (cf. cap. 3). E, acima de tudo, ganham
gundo momento, os operários conhecerão as chama- acesso aos circuitos formais de transmissão do saber.
das ''faculdades operárias'' -- as rabfaks --, desti- A aliança entre trabalhadores intelectuais e uma
nadas a preencher as lacunas causadas pela emigra- fração de trabalhadores urbanos materializa-se no
ção de intelectuais que se recusam a admitir o novo partido comunista, cujo crescimento -- cerca de
governo revolucionário. As rabfaks constituem-se em 9 milhões e 700 mil, ou perto de 5%oda população total
pontes para escalões inferiores de poder e, desde -- é consequência e fatos da estabilidade do regime so-
então, não será incomum a presença de operários viético. Registre-se que a rede de organizações ligadas
qualificados de origem (e devidamente formados) em e diretamente subordinadas ao partido comunista (ju-
altos níveis do poder político. Pode-se dizer, assim, ventude comunista, sindicatos etc.) compreende, so-
que embora os trabalhadoresintelectuaisformem mada a este, um total próximo a 20%oda população
um grupo heterogêneo quanto à origem, homogenei- economicamente atava. Os apelos periódicos ao in-
zam-sepela prática social, pela influênciano poder e gresso de operários no partido, que se concretizam
pelos privilégios sociais. em processos maciços de recrutamento, exprimem as
Mas os trabalhadores intelectuais não estão s6s necessidadesde uma aliança que se caracteiíza por
108
Z)ante/ .barão Reü .F}/ho l

um nível elevado de mobilidade social.


O sistema soviético não seria portanto uma res-
tauração do capitalismo -- os kulaks, nepmen e
demais proprietários privados foram eliminados pela
revoluçãopelo alto e a propriedadedos meios de
produção deixou de ter um caráter privado na URSS.
Não hâ nenhumaforça social em condiçõesde pro-
mover sua restauração. Também não se pode falar de
extração de mais-valia, ainda que haja apropriação
de trabalho excedente. INDICAÇÕES PARA LEI'LERA
Também não estamos diante de um regime de
transição, que caminha para o comunismo sonhado
nas utopias de Marx e de Lenin. As características do
regime soviéticonão derivam de sua ''juventude'', ao As características e contradições da NEP, assim
contrário: ficam progressivamentemais nítidas na como sua crise, que levou à revolução pelo alto e à
medida em que o tempo passa, e são vãs as espe- dinâmica dos planos, cujo modelo marca até hoje a
ranças de reforma-las profundamente por dentro e fisionomia da URSS, podem ser estudadas no tra-
pelo alto. balho de Cara, E. , publicado pelas Editoras Penguin,
lsaac Deutscher afirmou certa vez que os bolche- Londres, e Alíanza, Madre. A obra cobre o período
viques só poriam em risco seu poder através de con- de 1917 a 1923 em três volumes (instituições polí-
sultas democráticas se fossem ''santos ou idiotas''. ticas, economiae relaçõesinternacionais); um único
Hoje, pode-sedizer, invertendoa afirmação do au- volume -- O Znferregno -- trata da luta no partido e
tor, que só os santos e idiotas acreditarão que a da situaçãono país em 1923-1924;a seguir, nova
aliança de classes que domina a URSS possa ser série -- O socfa/ümo num só país (em três volum.s
removida pela persuasão e por reformas. Cairá como pela Alianza, e em dois, pela Penguin) -- analisa o
se consolidou: pela violência. período entre 1924-1926. Finalmente, as bases eco-
O mais dramático acontece no plano internacio- nómicas, políticas e intemacionais do Modelo dos
nal -- a experiência mostra que qualquer revolução Planos são estudadas numa última série -- .Baiei de
socialista que fuja ao controle dos soviéticoshaverá uma economiap/an#7cada -- também em três volu-
mes, cobrindo a fase de 1926-1929.
de se enfrentar não só com o capitalismo, mas tam-
bém com o socialismo real. . . Para o estudo da revolução pelo alto, leia-se
110 Daniel Aarão Reis Filho 111
URSS: O Socialismo Real

Medvedev, R. -- .[e sfa/ínüme -- Ed. Seuil, 1972: mes


uma analise do regime soviético, suas origens, histó- Sobre a época de N. l(ruchtchev e do refor-
ria, caráter e perspectivas de mudança; e Grosskopf, mismo pelo alto, Tatu, M. -- .l)ower llz f#e irem/fpz ,
S. : Z 'a//lanceóuvrfêreef paysaPzneen ZI/R.SS,Mas-
1969, e Daix, P. -- Z 'avenemenf de /a nomenk/aftzre,
pero, 1976, onde se combatem os mitos tradicional- Ed. Complexo, Bruxelas, 1982, cujas análises esten-
menteassociadosà crise da NEP e à revoluçãopelo dem-se até a queda do ''primeiro secretario'
alto A história do partido comunista, instância má-
O estudo específico do terror e dos campos de xima de poder na URSS, desde 1917, merece estudo
trabalhos forçados soviéticos tem uma vasta biblio- específico. Poderão ser consultadas as biografias de
grafia, sobretudo depois de 1956. Destacam-se os Stalin e Trotsky (três volumes), de Deutscher, 1., a
Re/elos de Kolyma, de Chalamov, V., em três volu- segunda em tradução da Civilização Brasileira; a
mes, Ed. Maspero, 1981-1982,e Z'arcÀzbe/ dti Gozz- obra de'Broué, P. -- Ze pedi bo/cÀévíqzze,Ed. Mi-
/ag, Ed. Seuil, 1974-1976, de Soljenitsyn, A., tam- nuit, 1971, cobrindo até o período de Kruchtchev;
bém em três tomos, assim como as obras de Con- o texto clássico de Schapiro, de 1970 :- ''The co-
quest, R. -- 7'&egreaf ferrar e Tée nafíons kfZZer=-- munist party of the Soviet Union'', das origens até
sovíef deporfafíoB oÍ naflonalíffes, londres, 1970. 1966, e que poderá ser complementado pela obra do
A participação da URSS na ll Guerra Mundial mesmo autor sobre as instituições políticas soviéticas :
poderá ser estudada em Ellenstein, .J. -- .História da I'he govemment and potitics ofthe Soviet Union ,E.d.
zl/RSS (3o volume), Ed. Europa-América, Lisboa, Vintage Books, Nova lorque, 1978; o trabalho de
1976. O ponto de vista oficial encontra-se em.[ 'Z]/RSS Voslensky, V. -- Z,a Romena/ature, Ed. Belfond,
da/zs /a 17guerre moPzdía/e, Ed. Diffusion, 1967, ela- 1980, que procura caracteri2lãro aparelho perma-
borado sob direção de sete marechais soviéticos. Ne- nente do PC como uma nova classe dominante na
kritch, A., em 22 de ./timão de .r94/, Ed. Grasset, l.JRSS; e o ponto de vista oficial sintetizadoem .His-
1968, apoiado em arquivos oficiais e em testemunhos tória do partido comunista da União Soviético, Mos-
inéditos, revela as condições e causas dos primeiros 1967. Tendo em vista o período que vai até
fracassos soviéticos na guerra, enquanto Dalin, A. 1964, trata-se da primeira edição pós-kruchtchevista,
analisa o processo de ocupação e as modalidades de devidamente revista e atualizada segundo âs conve-
ação nazista em terá'it6rio soviético entre 1941 e 1944 niências da luta política.
em .[a .Rzzss/e sotzi /a boffe nazle, Paris, 1970. Para Ainda em relaçãoao partido comunistaseria
uma história geral da guerra leia-se Michel, H. -- Za importante chamar a atenção para dois trabalhos:
/7 guerre mo/zdía/e,Pauis, 1968-1969,em dois volu- o de Proccaci, G. -- .4 grande po/êmíca, Ed. XX-
112 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O SocialismoReal 113

XXI, Lisboa, 1975,com textosde Trotsky, Stalin, visão trotskysta; Bahro, R. -- .['a/fernaf/ve, Ed.
Kamenev e Zinoviev sobre a interpretação histórica Stock, 1979, e Palmeira, V. -- t/RSS.- existe socfa-
da revolução russa e as alternativas de construção do /ümo nisto?, Ed. Marco Zero, 1982, propõem o sur-
socialismona URSS; e o excelentetextode Werth, gimento de um novo sistema, nem socialista, nem
R. -- Être communiste en IJRSS sons Stalin -- 'E.d. capitalista. Seria importante, para acompanhar a
Gallimard/Julliard, 1981.O autor tem a virtude, polémica, consultar ainda: Ferro, M. -- .Z,'occldenf
única, de fazer.:falar os militantes dc base do partido del,arzf /a révo/tzfz'onsovféfíque, 1.980, Ed. Complexe,
numa pesquisafeita a partir dos arquivos de Smo- e, do mesmo autor, Za révo/tzfionde .29-Z7,Ed. Au-
lensk, que caíram em poder do exército alemão du- bier, 1976; Mana, M. -- Cbmprepzdre /a révo/zzfíon
rante a ll Guerra e foram, mais tarde, transferidos rtzsse, Ed. Seuil, 1980, e Carrêre d'Encausse, H. --
para os EUA, encontrando-sehoje à disposição da .[e pozzvo]r com/bqué, Ed. F]ammarion, 1980, e
investigação histórica. L'URSS, de Lenine à Staline -- 1917-1953 -- Ed.
As relações entre o Estado soviético, o partido Rich.-Bordas, 1973.
comunista e o movimento comunista intemacional
estão brilhantemente elstudadas por Claudin, F. --
Za crásü de/ movlmfenlo comzlniçfa -- Ed. Ruedo
lberico, 1970. Para as relações entre russos e não-
russos, leia-se Carrêre d'Encausse, H. -- Z 'e/2zpfre
éc/aré, ed. Flammarion, 1978.
Finalihente, e mais importante, para a discus-
são sobre o carâter do regime soviético, consulte-se.
entre outros: .Hhfórla do parffdo comtznüfa da
ZI/R.SS,Moscou, 1967, com o ponto de vista oficial:
Ellenstein., J., obra já citada, em quatro volumes,
defende a versão eurocomunista; a obra de Bettel-
heim, C., Zes /tzflesde classesen Z./R.SS(volumes 3 e
4), expõea tese de que o capitalismo, sob a forma de
capitalismode Estado, foi restauradona IJRSS:
Deutscher, 1., nas biografias jâ citadas e em Ironias
da ãZsfórfa e Neva/zzçâo flzacabada, ambos da Ed.
Civilização Brasileira,1968, sustenta com nuanças a
COLAÇÃO TUDO É HISTÓRIA
des Jr. 24 - A comuna de Paria Hoornaert 46 Militarismo
1 - As independências na Amé- América Latina CIÓvis Rossi 47
rica Latina LBon Pomar 2 - A H González 25 - A rebelião
5e do escravismoe a grande Bandeirantismo:
PraieÍra lzabel Marson 26 - A pii verso e reverso
imigrBÇãa P Bei9uelman 3 - A Haveráde PragaSoda Goldfeder Carlos
0
Henrique Davidoff. 48
Governo Goulart e a golpe
luta contra a metrópole [AHla o 27 - A construção da socialismo
Áfriça] M. Yedd8 Linhares 4 - 0 a China D. Aarâo Reis Filho de 64 Caia N. de Toled049 - A
Inquisição Anito Novinsky 50 - A
populismo na nmerica
populismo América Latma
Latina M 28 - Opulência e miséria nas
poesia árabe moderna e o Brasil
kg:bl'Z,;.';;.:'Hl:E';:'E;
Minas Gerais Loura ' VergueirQ
Líbia Prado 5 - A revolução ch!- Slimani Zeghidour 51 - 0 Nasc
cansaÇO Carlos A. Daria 7 - Mer
29 - A burguesia brasileira Jacob
Gorender io - 0 governo Jân :l=='..á;'Fá:?'cã.E,T'i:
çantilismo e transição Francisco Quadros M. VictÓria Mesquita Decca s2 - Londres e Paria nQ
SéculoXIX Mana Stella Martins
Falcon 8 - As revoluções burgue- 3enevides 31 Revolução e
Bresciani53 - Oriente Médio e o
sas M. FlorenzanQ 9 - Paria 1968 guerra civil espanhola Angela M Mundodas Árabes Mana Vedda
as barricadas do desejoOigária Almeida 32 - A legislação tra
balhista no Brasil Kazumi Mana Linhares 54 - A Autogestão
G. F. Matos 10 - Nordeste Instar
jugoslava Bertina NobEegade
gente
Manteiro
(1850-1890) Hamilton .M
ll - A revolução indus-
Rata 33 - Os crimes
Marina Carrea 34 As cruzadas
da paixão
g:::T';,'F'"";.i;=';:'1,ã
Hilário Franco Jr. 35 - Formação A Burguesia contra o Populismo
trial Francisco Iglésias 12 - Os
quilombos e a rebelião negra da 3.' mundoLadislauDowbor Armando Boito Jr. 56 - Eleições e
Fraudes eleitorais na República
CIÓvis Moura 13 . 0 coronelismo
M. de Lourdeé Janotti 14 - 0 ::.l ""::.::lS: l:lE.: â=
dose 37 :Revolução cubana Abe Velha RodolphQ Telarolli 57 - Os
lardo Branco/Cardos A. Daria 38 jesuitas José Cardos Sebe 58 - A
governo J. Kubitscheck Ricarda epúblíca de-weimar e a ascen
Sobre o Autor MaranhãQ 15 - 0 movimento
1932 Mana H. Capelato
da
16 - A
o imigrante e a pequena pra
priedaúe M. Thereza Schorer Pe
;;:"T=,=;=="=a;i;' Õ"=i
trono 39 - 0 mundo antigo: ecu meada59 - A reforma agrária na
América pré-colombiana C. F Niçarágua Cláudio T Bornstelr
marion CardosQ 17 : A abolição omia e sociedade M. Beatriz B BQ. Teatro Oficina Fernando Pei
da escravidão Suely R. R. de Roto 61 - RÚs5ia (1917-1921)
Flarenzana 40 - Guerra civil ame
Daniel Aarão Reis Filho nasceu no Rio de Janeiro em 1946. Oueiroz 18 - A Proclamação da ricana Peter L. Elsenberg41
Anos Vermelhos Daniel A. R. Fi
República J. Ênlo Casalecchi 19 cultura e participação nos anos
Graduou-se no exílio em História pela Universidade de Paras Vll, Jus- A revolta de Princesa Inês C 60 HeloisaB. de Hollanda42 Iho 62 - Revolução Mexicana
[1910 1917) Anna M. M. Corrêa
Revolução de 1930; a dominação
sieu, onde tambémfez seu mestrado, defendendotese sobre a evolução :=';HR. ':Ã,]:::"].
Rodrígues 20 - História politica 63 . América Central Héctor Pé
';=;;'== culta Ítalo Tranca 43 - Contra a
do Estado no Brasil. dos Santos 21 - A Nicaráguasan chibata: marinheirosbrasileiros ez Brignoli 64 - A Guerra Fria
Déa Fenelon 65 0 Feudalismo
Foi professor(1976-1979) de História Contemporânea -- História
dinista Mansa Marega
minismoe QSreis filósofos L. R
22 - 0 ilu
n=!;: '='=..;;==; ;==
em. 191D M. A. Silvo 44 - Afro-
Mundo Côro F. Cardoso 45 - A
Hilário Franca Jr. 66 - URSS: 0
Socialismo Real (1921-1964) Da
das Revoluções Socialistas -- na Universidade Eduardo Mondlane em Salln3s Fortes 23 - Movimento
estudantil no Brasil Antonío Men Sreja no Brasil.Colónia Eduardo el A R Filha
Moçambique, onde também dirigiu o Departamento de História.
[)e vo]ta ao Brasi] prestou concurso para professor assistente de
História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense -- UFF A SAIR
-- em agosto de 1980, sendo admitido. Atualmente cursa o doutorado de Madeira Mamoré A ferro-
A BalaiadaM. de LourdesJanotti olução moçambicanaDaniel A
História na Universidade de São Paulo -- USP. A chanchada no cinema brasilei Reis Filho Arte e poder no via fantasma Francisco Foot
Hardman0 A1-5Márcio M. Alvas
Já publicou os segujlltes trabalhos: .,4 ret,o/tição c.hf/ze.sa,.A cons- ro Afrãnio Mordes Catana/José Brasil imperial Haroldo Camarão
náciode M. SauzaA crise de As internacionais
operárias
M 0 estada absolutista Fernando
tmção do socialismo na China e Rússia os anos vermelhos, todas 1929Adalberto Marson A çoloni. Tragtenber9 As ligas campone Navais a Estada Nova Mana S
publicados pela Ed. Brasiliense na colaçãoTudo é História. cação nas Américas Fernando sas e o movimento campones Bresciane 0 fascismo Arnaldo
l:m: 'X'.:G"- ':: d:'=8= Nordeste Aspásia Camarga
As lutas da independência
Convier o macarthismo Wladir
Dupont 0 modernismo Alexandre
Verá Ferlini A crise do petróleo
Bernarda Kucinski A democracia Brasil Eni de Mesquita As opa Eulálio 0 Populismo Rusga Luiz
ateniense F. M. Pires/Pauta p lições civis na crise da RepÚ Eduardo Prado Os cai$iras de
SãQ Paulo C. R. BrandãQ Os lat
lastro A economia cafeeira J. R blica Velha paula G. Fagundes
Amaral Lapa A etiqueta na se Vizentini As revoltas Indígenas fundiários Luiz Maklouf Curva
piedade de carte RenamoJanine no Brasil Laima Mesgravis Capi- ho/Wladimir Pomar os movi.
Ribeiro A guerra dos farrapos tal Monopolista no Brasil Mana mentesde cultura popular
de Lourdes Manzinl Covre Fome Brasil C. R. Brandão Padre CÍ-
4ntonio Mendes Jr. A hi$
tórla da espetácula
e ence e tensões na sociedade colonial cero. o milagreiro Carlos A. DÓ
Caro leitor: nação Fernando Peixoto A
históriado P C.B. Silvia Magna
Mana 0 Leite Guerra do Vietnã ria Poder e televisão AntoniQ
Paulo Chacon História cantem- Alvos Cura Previdência Social no
Brasil Amélta Cohn Reforma
Se você tiver alguma sugestão de novos títulospara A Independência do$ EUA Su
[an Anne Semler A industriali-
parânea ibérica Francisca Falcon
História da educação brasileira agrária no Brasil colónia Leo
as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias, zação brasileira Franciscolglé Mirian Jorre Warde História da
fias Americanway lidechega aa escola Eliana Mana S. T. Lapas
paldo CQllor Jobim Revolução
científicaJQsé Aluysio Reis de
novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um Brasíl Gersan Moura A redemo- História da sociologia brasileira Andrade Revoluçãodos cravos
Mouro de Mello Leonel Jr. Sa
tiàaÇão brasileira: 1942-1948 Gabríel Cohn História de Holly
jó publicado serão sempre bem recebidos. Carlos Henrique Davidoff A re wood Sheila Mezan História do
Feminismo B. Moreíra Alvos/J
lazer e o Estado Nova português
Mana Luiza Paschkes.

ã
democratizaçãoespanhola Reg
do C. MQraes A revolução de ]itanguy História do pensamento
193S P. Serqio Pinheiro A re- Õmico no Bra5il J. Eli Verga
Antonio Gramsci Uma Vida
Laurana Lajolo
Para Mudar a Vida
Felicidade, liberdade e democracia
Agnes Heller
Entrevista a Ferdinando Adornato

Síntese das múltiplas preocupações da inquieta


pensadora.húngara, essa en.trevistadiscute prob emas
fundamentais (iã atual ativídade política e (nlitif;i 'do
Ocidente: a crise do.capitalismo ê à situação do soda. Desfazendo a imagem mítica do herói
lismo, a herança da Revolução de Outubro,'o feminis- mas restaurando integralmente a
grandeza moral e histórica do homem
mo, a juventude e a vida cotidiana. concreto, esta singular biografia funde
e expõo. num todo orgânico, a vida e
a obra de seu protagonista

A Seduçãoda Barbárie Conselhos de Fábrica


O Marxismo na Modernidade Antonio Gramsci/Amadeu Bordiga
Nélson Brissac Peixoto
CONSELHOS
DE HBRICA
Com os olhos centrados na Europa éxpressionistâ
dos anos 20 e 30, fascinada pelos ''encantos de atroz''. ANTONIO
o autor elabora um instiganteensaio sobre a modera/- GRAMSCI
dado, cujas correntes iãtéticas se aventuraram pelo AMADEO
A polêmica Bordiga-Gramsci.aborda as
caos, atraídas pela transgressão. divergências sobre as relações BORDIGA
conselhos/sindicatos, conselhos/partido
político. ou ainda soviete/partido
político. Enquanto Bordiga diz que o
problema fundamental da revolução é
a formação do Partido de Classes,
Gramsci acredita serem os Conselhos
de Fábrica um instrumento
fundamentaldo aQõo políticado
proletariado.
primeiros vôos
um encontro com ensaístas que fazem Este álbum dá espaço, em 378 fatos, a
da teoria uma prática inteligente.
quase todos os estigmatizados,
dissidentes e até não reabilitados do
Alienação e Capitalismo PCB. Saudavelmente. os autores
Laymert Garcia dos Santos deixaram de lado as lições soviéticas e

ALIENAÇÃO E MEMÓRA F{)TOGRÁHCA chinesas, hábeis em transformar, por


CAP:lAtlSMO exemplo, Trotski em ectoplasma toda
laymert g. dos santos
vez que ele aparecia. ao lado de
Lenin. (...). Por todos os acertos e
desacertos, PCB -- lMemória
T l UH 1 1 V H HÇa

fotográfica é um instrumentoda
melhor qualidade.
Pauta Sérgio Pinheiro -- ISTO E
As aparentemente distintasacepções
do termo''alienação'' nõo sõo tõo
diferentescomo o dicionário registra:o
capitalismo e a esquizofrenia
caminhamlado a lado, a fronteira
entre ''alienação mental'' e ''.alienação
social'' parece nõo ser tõo delimitada
como o léxico nos ensina

Conservadorismo Romântico
Origem do Tota lita rismo COMER\nDQNSMO
ROMANTKQ
;l@{..
coberto Romano
ggÊE.h. êg

Soba aparência de uma análisede


pensamentos presos ao século XIX,o
raciocínio é encaminhado para uma
reinterpretaçõodo aqui e do agora
sugerindo uma singular leitura do
fenõrüeno totalitário

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