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DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.

2010v12n2p123

R E S E N H A S

GEOGRAFIA HISTÓRICA DO autor, conforme consta no final da Introdução, no


RIO DE JANEIRO (1502-1700) primeiro volume:
Mauricio de Almeida Abreu
Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio e Prefeitura O livro aqui apresentado se compõe de quatro
Municipal do Rio de Janeiro, 2010 partes bem distintas que se dividem em 18 capítulos
de variável extensão. A primeira parte, “O processo de
conquista”, diz respeito à inserção do Rio de Janeiro no
Pedro de Almeida Vasconcelos longo processo de conquista e colonização da “terra do
Professor do Mestrado em Geografia da UFBA e Brasil”. A análise trata basicamente do século XVI, mas
do Mestrado em Planejamento Territorial da UCSAL, se prolonga até a terceira década do Seiscentos, quando
pesquisador do CNPq as últimas nações indígenas que habitavam o litoral
fluminense foram definitivamente submetidas ao colo-
Acaba de ser publicado, em dezembro de 2010, o nizador, e a circulação de indivíduos e de bens entre o
monumental livro de Mauricio Abreu, em dois volu- Rio de Janeiro e o Espírito Santo pôde finalmente ser
mes com luxuosa apresentação e rico conteúdo, sobre efetivada por terra.
os dois primeiros séculos da cidade do Rio de Janeiro A segunda parte, “A apropriação do território
e de sua região de influência. O livro é o resultado do e a formação da sociedade colonial: agentes, ritmos e
longo trabalho, de mais de 15 anos de pesquisa, efetua- conflitos”, trata do processo de apropriação territorial
do por Mauricio Abreu, PhD em Geografia pela Ohio ocorrido na capitania fluminense no Quinhentos e
University, com pós-doutoramento em universidades no Seiscentos; demonstra os vetores de expansão e de
alemãs e francesas, e Professor Titular em Geografia consolidação do povoamento europeu e dá destaque
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. aos conflitos decorrentes dessa apropriação e à malha
Mauricio já tinha publicado o excelente livro de controle territorial que resultou desse processo.
Evolução Urbana do Rio de Janeiro (1987), que tratava, Esta parte privilegia, ainda, o papel exercido por
sobretudo, de eventos importantes na capital carioca dois agentes importantes do processo de apropriação
nos períodos iniciais da República. Não satisfeito, o territorial – a Câmara e as ordens religiosas regulares
autor foi mais longe, e se aprofundou em uma longa –, e discute as bases que sustentaram a formação da
pesquisa que resultou no livro atual: primeiro, voltou- sociedade fluminense no Seiscentos, dando destaque
se para os dois séculos iniciais da cidade e região, ao papel nela exercido por senhores de engenho, co-
justamente os de documentação de mais difícil acesso; merciantes e oficiais mecânicos urbanos. Dá relevo,
em segundo lugar, dedicou-se à exaustiva pesquisa de finalmente, ao papel exercido, aberta ou secretamente,
documentos primários em arquivos, tanto no Brasil, pelos cristãos-novos, grupo social que perpassava todas
como em Portugal e no Vaticano; em terceiro lugar, essas categorias sociais e cuja importância demográfica,
montou um riquíssimo banco de dados no Núcleo social e econômica é fundamental para que se entenda
de Pesquisa de Geografia Histórica que implantou o Rio do século XVII.
na UFRJ, o que permitiu estabelecer novas relações e Com a terceira parte, “O Rio de Janeiro e o
encontrar respostas a questões importantes, sobretudo sistema atlântico”, o curso do trabalho é radicalmente
a partir do exame dos livros de escrituras dos cartórios alterado. Embora o foco de referência se mantenha
do Rio de Janeiro (mais de 500 livros) e nas mais de orientado para a capitania fluminense, a análise agora
244 caixas e documentos avulsos no Arquivo Histórico se articula, explicitamente, para escalas geográficas
Ultramarino, em Portugal. Finalmente, em paralelo, mais amplas, notadamente, para as relações estabele-
formou uma extensa equipe de pesquisadores no do- cidas entre o Rio de Janeiro, Buenos Aires, a África
mínio da Geografia Histórica. (isto é, o tráfico negreiro) e o restante do império
Para apresentar o conteúdo do livro, melhor do colonial português. Com esta parte, tratamos, so-
que tentar sintetizar seu enorme trabalho, que tive bretudo, das conjunturas econômicas fluminenses e,
a honra de ler ainda em manuscrito, é transcrever muito especialmente, do Rio dos engenhos de açúcar,
a própria apresentação do mesmo realizada pelo muito debatido mas pouquíssimo estudado, que aqui

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é objeto de investigação detalhada e inédita. São dis- tradicionais. Sua qualidade principal, entretanto, é a
cutidas também as turbulências sociais que afetaram a de recuperar parte importante do passado da cidade de
capitania no século XVII. São Sebastião do Rio de Janeiro nos seus dois séculos
O livro se encerra com a quarta parte, que di- iniciais, uma contribuição com dimensões braudelianas
reciona a investigação para ainda outra dimensão de e que vem consolidar a Geografia Histórica brasileira.
análise e trata agora da escala local, isto é, da “Cidade
de São Sebastião”, do pequeno núcleo urbano com es-
tatuto de cidade que permaneceu como burgo secun- UMA ESTRATÉGIA CHAMADA
dário no contexto colonial até que a riqueza das minas “PLANEJAMENTO ESTRATÉ-
viesse a transformar bastante a sua forma e o seu con- GICO”. DESLOCAMENTOS
teúdo no século XVIII. Discutem-se aqui as diversas ESPACIAIS E ATRIBUIÇÃO
morfologias da cidade, tanto no Quinhentos como no DE SENTIDOS NA TEORIA DO
Seiscentos, como também a sua organização interna, PLANEJAMENTO URBANO
os seus conflitos e controles, assim como o importante Pedro Novais
papel exercido na urbe por mercadores, oficiais mecâ- Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010
nicos e escravos urbanos; destaca-se, igualmente, o seu
quotidiano pacato, mas que era sacudido, de tempos
em tempos, por atividades festivas que transfiguravam Ana Fernandes
o espaço coletivo e, sobretudo, pelo frenesi da chegada Professora Associada da FAU-UFBA,
e permanência das frotas do açúcar, época em que a pesquisadora do CNPq
cidade se transformava inteiramente.” (p. 27-8)
Em seus cinco capítulos, este livro, leitura obri-
Deve ser destacada também a parte gráfica do gatória para a área, nos conduz através das tramas
livro, a qualidade das imagens pesquisadas, assim que nos fizeram conhecer, ao longo dos anos 1990, a
como a importância da cartografia histórica em que disseminação da estratégia chamada planejamento estra-
o autor procurou localizar fenômenos, como no caso tégico como modo de conceber, operar e agir sobre as
das sesmarias, das terras da Câmara e das ordens reli- cidades. Resultado de sua tese de doutorado, defendida
giosas, que por si só já seria suficiente para qualificar o no IPPUR-UFRJ em 2003, Pedro Novais recompõe,
trabalho. Outro destaque a ser dado foi o trabalho iné- de forma clara e concisa, a emergência, o percurso e a
dito de levantamento e localização da quase totalidade difusão desse conceito, seguindo, com precisão quase
dos engenhos de açúcar fluminenses, um verdadeiro cirúrgica, seus condicionantes e desdobramentos teóri-
quebra-cabeça que ele conseguiu juntar e recuperar, cos e empíricos, bem como suas aderências temporais
um feito que os historiadores não tinham conseguido. e territoriais. Harvard, Barcelona, Rio de Janeiro são
Além do mais, o livro também traz uma dimensão os espaços privilegiados para a análise proposta, por
teórica, com a citação de uma rica bibliografia interna- corresponderem a características e momentos espe-
cional, mantendo sempre uma coerência interna de não cíficos do planejamento estratégico para as cidades:
se afastar da sua preocupação principal de “trabalhar grosso modo e respectivamente, à sua invenção (anos
a relação entre processo social e forma espacial num 1970-80), à sua modelização (anos 1980-90) e à sua ex-
lugar do passado” (p.27), o que pode ser confirmado perimentação pela primeira vez no Brasil (anos 1990).
pelo exame dos seus pares dialéticos: “relacionar o Logo de início, no primeiro capítulo, “A emer-
conhecimento histórico com o geográfico, a narração gência das políticas competitivas”, após um sucinto
com a descrição, a grande escala com a pequena, a panorama das políticas urbanas recentes e dos modelos
sincronia com a diacronia, a indução com a dedução, de planejamento, nos são apresentados os instrumentos
a análise com a síntese, o processo social com a forma conceituais através dos quais se propõe a construção
social” (p.462), ou seja, preocupações que identificam do objeto e sua decorrente leitura. Partindo da críti-
o seu trabalho como sendo de Geografia Histórica, ca a uma visão de cunho intelectualista da produção
o que o diferencia, portanto, dos estudos históricos de ideias no planejamento urbano – no qual elas são

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