Relatório: Didática da Ciência: Caso 11 QUESTÃO DE GÊNERO E A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE NO ESPAÇO ESCOLAR
O ambiente escolar tem papéis fundamentais de influência na sociedade e podemos
citar dois como essenciais: socializar e democratizar o acesso ao conhecimento. É dever do corpo docente da escola promover a construção ética e moral nos estudantes. Esses dois papéis compõem a formação de indivíduos conscientes, críticos, engajados e com potencial de transformação de si e da sociedade. O papel da escola na formação do cidadão é essencial para o bom funcionamento da sociedade, assim cada educador e instituição educacional deve colaborar com atenção especial a esse propósito social e, especialmente após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), esse princípio deve nortear cada etapa do processo de aprendizagem. A escola é o ambiente inicial da socialização fora da família, sendo um dos espaços primordiais para a construção da personalidade de cada um. Cada indivíduo que ingressa na escola tem a oportunidade de construir as próprias opiniões, compartilhar ideias e, em último lugar, formar a própria personalidade. Este estudo de caso trata-se de uma situação hipotética que poderia perfeitamente acontecer em qualquer ambiente escolar, seja uma escola de interior ou de uma grande metrópole. Uma estudante solicita à diretora a possibilidade de ser tratado com um nome social que expresse seu desejo de ser reconhecido no masculino. Tratando de uma questão de gênero, temos os seguintes protagonistas neste caso: O aluno em questão, a diretora da escola, os professores da escola, se destacando o professor de ciências, os alunos da turma da aluna, os pais do aluno e dos demais alunos do 9º ano. O ambiente escolar é um dos núcleos sociais mais influentes, por onde conceitos, valores, crenças e relações transitam. Desde os primeiros anos escolares os indivíduos estabelecem relações sociais entre si, de forma que essa interação contribui significativamente para a formação do ser e a descoberta de novas experiências formativas. Sarmento apresenta que: [...] as interações sociais são processos de relação, comunicação e identificação que não só permitem a negociação das definições da realidade de cada indivíduo como facilitam a criação de entendimentos comuns acerca do significado e sentido de símbolos e ações e a sua aceitação mútua por forma a tornar bem sucedida a ação cooperativa (SARMENTO, 2004, p.60).
Posto isso, vale apresentar o pensamento de Foucault citado por Bordo (1997, p. 33), que diz:
O corpo inteligível abrange nossas representações científicas, filosóficas e estéticas
sobre o corpo – nossa concepção cultural do corpo, que inclui normas de beleza, modelos de saúde e assim por diante. Mas as mesmas representações podem também ser vistas como um conjunto de regras e regulamentos práticos, através dos quais o corpo vivo é “treinado, moldado, obedece e responde”, tornando-se, em resumo, um corpo “útil”, socialmente adaptado. .
Segundo Bordo (1997), o corpo não é apenas um texto formado no contexto da
cultura. É também, como bem colocado apresentam o sociólogo Bordieu e o filósofo Foucault, entre outros, um lugar prático direto de controle social. Bordo (1997) ainda fala. De forma trivial, através das maneiras à mesa e dos hábitos de higiene, de rotinas, normas e práticas aparentemente comuns, convertem em atividades habituais e cotidianas, a cultura “se faz corpo”. Para tanto, é imprescindível deixar claro, que, para um resultado satisfatório neste processo de construção social do indivíduo através do ambiente escolar, importante questionar a formação docente. Como Carvalho e Gil-Perez (2011), é necessário que o professor seja capaz de questionar as ideias docentes do “senso comum” sobre o ensino e a aprendizagem, ser capaz de romper com visões simplistas sobre o ensino, ser capaz de orientar o trabalho como uma pesquisa dirigida, contribuindo de forma funcional e efetiva para a transformação de suas concepções iniciais, pois é na formação do docente que podemos perceber a aprendizagem ou não de temas tão importantes que os profissionais terão que enfrentar diariamente nas escolas, como discutir as questões de gênero. Continuando nessa temática, Silva (2007) faz uma declaração importante na necessidade de formação do profissional, afinal de contas o despreparo ou desprezo de importantes diretrizes do ensino e aprendizados afetam significativamente o processo de formação do indivíduo no ambiente escolar. Ainda conforme o autor: “O desconhecimento das experiências de ser, viver, pensar e realizar de índios, de descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, faz com que ensinemos como se vivêssemos numa sociedade monocultural. Isto nos torna incapazes de corrigir a ilusão da democracia racial, de vencer determinações de sistema mundo centrado em cosmovisão representativa de uma única raiz étnico-racial. Impede-nos de ter acesso a conhecimentos de diferentes origens étnico-raciais, e ficamos ensinando um elenco de conteúdos tido como o mais perfeito e completo que a humanidade já teria produzido. Tornamo-nos incapazes de perceber as vozes e imagens ausentes dos currículos escolares: empobrecidos, mulheres, afrodescendentes, africanos, indígenas, idosos, homossexuais, deficientes, entre outros [...]”. (p.499).
Casagrande (2008) faz referência que é importantíssimo discutir as relações de gênero
no ambiente escolar quando se pensa em construir uma educação democrática que possibilite a todos os seus agentes, igualdade de condições e de oportunidades. Há, portanto, a necessidade de considerar as crianças e adolescentes como atores sociais. Se por um lado, sabemos que o discurso constitui parte significativa da realidade, somente ele não é suficiente para transformá-la. É preciso voltar à atenção para as práticas e elementos de nosso cotidiano que, ao passarem despercebidamente, podem expressar e reforçar concepções solidificadas acerca das relações que estabelecemos dentro e fora da escola. Entretanto, quando acontece de um aluno apresentar comportamentos diferentes relacionados ao gênero em que nasceu, ou se mostram interessados por pessoas do mesmo sexo e não se identifica com o gênero de nascimento, geralmente são estigmatizados pelos colegas ou em uma situação mais crítica, pelos professores, que, por questões de má formação, ou cultural, nem sempre conseguem lidar quando se depara com diferentes contextos. Esse tipo de comportamento ocorre porque sofremos influência do meio em que vivemos, porque carregamos tipos de comportamentos que nos foram passados como normais, certos, como únicos ao longo do nosso desenvolvimento humano. E todo comportamento que nos é estranho temos naturalmente uma tendência a menosprezá-lo. Posto isso, podemos analisar que o comportamento do professor de ciências é destoante com o comportamento esperado por um docente, Sobre uma das várias características que o professor precisa ter, Giroux (1997) relata que “[...] as escolas não são locais neutros e os professores não podem tampouco assumir a postura de serem neutros” (p.162). O professor deste caso vai justamente à contramão dessa orientação pedagógica enfatizada por Giroux, independentemente de qual seja suas questões ou desculpas, nada pode justificar o posicionamento neutro ou esquivado que este adotou. Talvez lhe falte exatamente o entendimento que Santos e Bruns (2000), ressaltam, que o processo de constituição de gênero não é de forma alguma, pré-estabelecido Complementando essa ideia, Louro (1997) esclarece que a construção dos gêneros e das sexualidades se dá através de inúmeras vivencias e práticas por um conjunto bem amplo de instâncias sociais e culturais, sendo, a Família, Escola, Igreja, Instituições Legais e Médicas como instâncias importantes nesse processo constitutivo. A influência do ambiente e das pessoas com quem as crianças convivem influência nas escolhas, mas às vezes isso não é determinante. Não há problema em uma menina gostar de futebol e um menino preferir ballet ao invés de esportes de contato. A família deve entender isso e ajudá-los em suas necessidades, assim, o “ser diferente” passa a não mais carregar uma conotação negativa e preocupante. É importante destacar que as escolas devem ser locais onde os estereótipos são eliminados e não reforçados, o que significa oferecer a alunos e alunas as mesmas oportunidades de acesso a métodos de ensino e currículos livres de estereótipos, bem como de orientações acadêmicas sem influência de preconceitos. (UNESCO, 2004) Destaca-se aqui, o papel da escola, mais precisamente do professor, em quem figura a responsabilidade fundamental do discurso e sua capacidade de produzir, reproduzir e sustentar as formas de dominação ou de enfatizar os desafios e as possibilidades de resistência do discurso marginalizado em relação às questões de gênero. Assim sendo, de acordo com o despreparo dos educadores e consequentemente da Escola quanto à temática em análise neste estudo de caso, vale salientar a fundamental importância da abordagem deste tema, nos projetos políticos pedagógicos da escola, e nos planejamentos das atividades que possam envolver corpo, gênero e sexualidade de uma forma lúdica e prazerosa, colaborando com o desenvolvimento da criança. Essas atividades, que devem ser discutidas e elaboradas por todo corpo docente e comunidade escolar, precisam estar no centro das metas para educação desde que elas sirvam como recursos que abordam estes assuntos, dando assim oportunidade aos educadores e aos educandos a ensinar e aprender de modo agradável. Colocamo-nos favoráveis, assim, ao desenvolvimento de atividades permanentes de esclarecimentos e desenvolvimento harmonioso que permitam as informações tão desejadas pelas crianças da educação infantil, não como uma reunião de emergência como podemos inferir neste estudo de caso. Para que esses profissionais não se atenham a reprodução das desigualdades de gênero existentes na sociedade, advindas de concepções pautadas por equivocadas crenças e convicções sobre questões inclusivas e/ou de uma forma geral, aspectos delicados, alertamos que não existem receitas prontas, cada caso é diferente um do outro e deve ser tratado assim pelo educador. O educador, por sua vez, deve estar preparado para a realidade tal como ela se apresenta desprovido de pré-julgamentos e juízos morais, algo que não é fácil. Ou, pelo menos, modular sua moralidade no sentido da inclusão e acolhimento. Devemos, portanto, nos afastar da comodidade de temas e situações que nos deixem em zona de conforto que certamente nos levará a estagnação intelectual. Para esse educador, tão importante na formação e vida estudantil da criança, ainda é necessário enfatizar, que mantenha uma postura investigativa, que busque entender o que realmente a criança quer saber com aquilo que perguntou ou que está sentido ao fazer tal questionamento. São fundamentais ao corpo docente empatia e acolhimento. Assim, é ser negligente, acreditamos que se a escola, composta por seus profissionais, capacitarem seu corpo docente para enfrentar as várias deficiências relacionadas a gênero, corpo, sexualidade neste estágio de vida dos discentes, todas essas indagações e dúvidas serão respondidas com qualidade conceitual pelas próprias crianças a partir da análise feita em conjunto com o professor, fortalecendo descobertas pessoais e coletivas. Assim sendo, é bom ressaltar, que o desenvolvimento de toda uma prática neste âmbito relacionado à sexualidade requer do educador romper com acomodação, criar alternativas e possibilidades para ampliações dos conhecimentos, refletir, abrir espaços diários para projetos que contemplem esta questão de gênero e sexualidade na escola. Portanto, o que buscamos evidenciar é que, em todos os casos, o professor continua sendo responsável por estabelecer no espaço da sala de aula, aprendizagens e atividades prazerosas que venham desenvolver adequadamente nesta faixa etária conhecimentos acerca destas relações entre corpo, gênero e sexualidade das crianças. O Educador tem um papel importante no processo formativo das crianças. Embora pareça algo complexo, a resolução deste estudo de caso se tornaria algo natural, se os envolvidos assumirem papeis de protagonistas no ensino, como diz Freitas (2014), se forem despidos de preconceitos e se alicerçarem na empatia e se apropriarem de suas responsabilidades no processo formativo, padronizarem, avaliarem e controlarem o processo pedagógico da escola; Entendemos que, se os docentes se apossarem do palco privilegiado do seu desenvolvimento em sala de aula, poderemos colaborar como agentes de transformação e seres intelectuais para formação de uma comunidade escolar e uma sociedade mais ética, justa, inclusiva e humana, em que o indivíduo é visto como ser humano acima de qualquer estereótipo. Referências:
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