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Inicio minha fala partindo do que pode parecer óbvio: a culpa cristã não existe na cultura

pagã, essa pode parecer uma afirmação simplista, mas para pessoas tão inseridas na cultura
judaico-cristã como nós somos, não é nada simples afastar-se de nossa ótica diária.
Pensemos que a própria definição da palavra paganismo vem do interior da cultura cristã, e
nos tornamos então incapazes de então imaginar uma liberdade sexual como a celta, por
exemplo, num ato sexual que abençoa e cria.

A Idade Média guarda em si, não apenas um período obscuro culturalmente, mas um
período que hoje é conhecido pela definição de peste fome e guerra, o que não poderia ser
mais preconceituoso e limitado. Esses séculos anteriores a expansão da moralidade cristã
guardam em si uma história muito rica e ....
Passamos por civilizações como a Viking do seculo VIII ou XI e a celta entre 1800 AC até
I DC para a expansão de um radicalismo católico que impõs sua nova moralidade,
invalidando todas as outras formas de fé. A Igreja impõs a força do fogo e da espada sua
visão do sagrado.

Agora vamos falar sobre os Vikings....Muito do que se sabe sobre os Viking é baseado em
sua mitologia e muito do se diz dela é interpretação disso, sendo que a maior parte do que
se diz é perpassado por muito preconceito e machismo
Ela é, por exemplo, usada por instituições de extrema direita como baluarte de seus ideais,
como se ela fosse uma cultura que pregasse ideais machistas. Uma cultura que é conhecida
por pilhagem e estupro, e claro que essa fama foi passada por aqueles que sobreviveram
para contar a história, no caso os padres da Igreja Católica. Aqueles que exterminaram as 2
culturas tratadas por esse texto e ainda por cima espalham fama dos exterminados como
selvagens e bárbaros...
Vemos a cultura Viking pagã através de um viés cristão, muito do que é dito e escrito sobre
eles vem com uma pesada carga de preconceito que vem da nossa sociedade e não da
sociedade viking, essa imagem formada dos Vikings não é real!!
Achei muito peculiar em minha pesquisas que mesmo historiadores, que deveriam
compreender esse distanciamento cultural, usam a palavra culpa ao se referir ao
comportamento viking. Parece que, nós ocidentais cristãos, somos incapazes de entender ou
mesmo enxergar o mundo sem a carga da culpa cristã. Ela é nosso filtro da realidade, a
maneira pela qual vemos o mundo.

As pesquisas em relação a essas culturas divergem e a internet, principalmente, é um ninho


de mentiras sobre esse assunto, mas acima disso o paganismo não deixa espaço para
discriminação e julgamento em relação a vida sexual alheia, como existe hoje na cultura
cristã.
Para exemplificar cito a relação das pessoas com as poesias de Odin o seiðr. Sendo que
poesia é algo visto como feminino, se Odin, deus supremo da guerra era um criador dessa
poesia, ele era afeminado?
Podemos ver nesse complexo paradoxo de como uma figura que representa a extrema
masculinidade como Odin, causa um paradoxo nas cabeças machistas. É simples ver aqui o
machismo enraizado na alma ocidental, já que lemos que algo visto como feminino é
automaticamente inferior ou gay, o que para a cultura pagã não faz o mínimo sentido. Isso
tudo porque eles não inferiorizam a mulher, hoje tem-se dificuldade mesmo de enxergar o
feminino como positivo.
Li um artigo acadêmico que colocava isso como uma contradição mas eu vejo aí apenas
preconceito, porque algo feminino seria inferior, a ponto de um deus ser rebaixado por aderir a
isso??
O feminino não é inferior e a sociedade viking não via contradição nesse fato!! Porém nós
vemos isso porque tendemos a refletir nossa sociedade na deles.

Em uma rápida pesquisa podemos descobrir, por exemplo, que metade dos invasores
vikings eram mulheres, que os homens usavam uma espécie de rímel, e sim existiam
homossexuais vikings, sendo que o conceito de terceiro sexo, que ainda tem muitas
barreiras em nossa sociedade, era tratado com bem mais naturalidade pela cultura viking.
A literatura das sagas (como a Volsunga) nos mostra como mulheres como Lagertha que
ocupava um cargo de poder e liderança, as mulheres vikings tinham, por exemplo, direito
ao divórcio o que nós, ápice da civilização ocidental, só tivemos a partir de 1977 aqui no
Brasil...
A sociedade Viking tem como sua base moral a honra e, novamente digo, a base moral
cristã não se aplica à culturas pagãs. Sendo a honra a base da moralidade viking, a vida
sexual das pessoas estava obviamente incluída nessa base, que não reprime ou culpabiliza
as mulheres ou qualquer coisa que esteja fora do restrito código sexual da cristandade. Que
pune o que não for capaz de classificar, dominar e compreender....

A cristianização das sociedades pagãs e a subsequente Inquisição serviu o propósito de


demonizar todas as outras religiões e todas as outras visões do mundo com um foco
especial na figura da mulher, que passa a ser culpada por tudo que ocorre no mundo a partir
de então, passando por Eva e Salomé a mitologia cristã se dedica a demonizar e conter o
feminino.
A liberdade sexual que era vivida pelas mulheres celtas é algo invejável mesmo do ponto
de vista da mulher moderna além de pouco acessível a mulher da sociedade judaico-cristã,
nossa sociedade é repleta de patologias que são consequência direta da repressão do que
deveria ser natural, do sagrado feminino.
A nossa cultura, dita cristã vale ressaltar, coloca as mesmas mulheres que eram idolatradas
ao redor das fogueiras nessas mesmas fogueiras que até aquele momento eram sagradas
para agora encontrar não a vida, mas a morte, porque elas ousaram fazer chá de boldo, fazer
sexo, discordar, ousaram ser mulheres.

A sexualidade da cultura pagã parece bem mais leve sem o peso da culpa, mas o que me
interessa particularmente é que essa era uma sociedade que não tinha como base moral
reprimir a sexualidade feminina.
“A sexualidade não era algo de que os celtas se envergonhassem, pelo contrário: nas
palavras de Diodorus Siculus, "elas geralmente cedem sua virgindade a outros e isto não é
visto como uma desgraça: pelo contrário, elas se sentem ofendidas quando seus favores são
recusados". 
O sexo sempre é, assunto central da raça humana, seja em sua liberdade, em sua repressão,
ou ainda como hoje em sua liberdade contanto que seja para servir ao patriarcado.
O que está em mudança no mundo hoje, e no crescimento do interesse das pessoas nos
estudos medievais é o fato de que as sociedades pagãs encaravam o sexo do avesso que
vemos hoje.
O sexo passou do sagrado para um mecanismo de controle, algo sujo e prejudicial que deve
ser evitado a todo custo e combatido pela sagrada Igreja Católica.
A sociedade cristã por sua vez cultua a virgem, a sexualidade feminina foi usurpada, a
mulher foi destronada de sua própria sexualidade.
Mesmo hoje a sexualidade feminina só é bem aceita se ela vier para servir o homem.
É um grande desafio (aparentemente) abandonar a ótica da culpa no sexo e ver a
sexualidade como algo natural que nos une a outro ser humano, em uma relação que não é
uma relação de poder, é algo que constrói, que cria e que abençoa ao contrário do conceito
de pecado e sujeira que hoje nos assombra.
A sexualidade que era idolatrada em toda sua plenitude nas fogueiras de Beltane foi
queimada nessas mesmas fogueiras e a feminilidade passa a ser idolatrada agora apenas no
altar da Virgem. Passamos de símbolo de idolatria para o pecado e portanto à perdição. A
sexualidade feminina foi anulada ao ponto de o maior exemplo de virtude feminina ser a
virgem Maria, o ideal assexuado...
O símbolo feminino passou com o rumo da história humana de deusas da fertilidade para
mães assexuadas...A mulher pagã, que vivia em plenitude sua sexualidade, foi cristianizada,
e lhe foi usurpada a sexualidade. O sexo sagrado se torna profano e agora a verdadeira
virtude está na mulher virginal, não contaminada pelo pecado do sexo.
A sexualidade feminina foi demonizada ao ponto de sua extinção. Hoje o feminino está
reprimido e a culpa cristã escraviza milhões de mulheres doentes e eternamente infelizes
com seus corpos e tentando desesperadamente se adequar sexualmente em uma sociedade
que espera o impossivel delas...

Ainda no campo de como o cristandade destruiu a sexualidade humana temos também os


gays....A homossexualidade, grande problema para a sociedade moderna, era tratada de
maneira bem diferente, sem o preconceito do pecado com que é tratado o comportamento
homossexual hoje. As culturas tanto celta quanto viking davam muita importância a
fertilidade e, portanto ao sexo que gerasse bebês, mas não é por isso que existia
recriminação do sexo com o mesmo sexo.
Na sociedade viking por exemplo, os homens eram por lei obrigados a casarem, para
aumentar o número de integrantes da tribo, não era um controle moral da sociedade, e sim
uma questão de sobrevivência prática.
Os atuais estudos queer tem levantado hipoteses sobre a maneira com que era tratada a
sexualidade viking
O sexo anal por exemplo, parece que não era tolerado, seja feito entre pessoas do mesmo
sexo ou de sexos diferentes, isso porque ele era visto como uma humilhação, uma quebra
da honra, já que alguém seria subjulgado, colocado de quatro e portanto humilhado pelo
outro com sua honra violada; mas aqui não existe uma relação entre sexo e condenação e
sim uma relação de honra e condenação. O sexo anal era sim vergonha para o Viking que
sem sua honra seria expulso de sua terra e sua sociedade.
Encerro meu texto na esperança de que, o aumento de interesse pela cultura medieval que
vivemos hoje e a crise do masculino, seja um sinal do esgotamento do sistema cristão
patriarcal opressor, e após o caos gerado pelo fim dessa crise possamos escolher maneiras
de viver em sociedade menos destrutivas, patriarcais e hierárquicas e que possamos resgatar
valores mais femininos de totalizar e agregar...E possamos ser capazes de viver como
masculino e feminino em união dos dois como iguais...

Bibliografia

Jean Markale em seu livro La Femme Celte. Mythe et Sociologie

Queer Vikings?
Transgression of gender and same-sex encounters in the Late Iron Age and early medieval
Scandinavia
S ami Raninen

Woman or Warrior. The construction ofgender in the old Norse Mith

O direito entre os povos nórdicos. Rodrigo Freitas Palma_

Representação da mulher Viking em sagas. Mauro Angelo Mantauro

Sagas BBC

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