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língua seria passível de análise e sistematização deslocada na Lingúística saussuriana para uma
rigorosas, o que permitiria à Linguística noção de valor. Sob essa perspectiva, um termo
aproximar-se da formalização das ciências exatas. não significa, mas vale. E vale precisamente
A fala, por ser da ordem do individual e, porque é analisado no interior do sistema
portanto, estar relacionada ao “uso” do sistema lingúístico, onde um termo é relacionado a um
lingúístico, foi posta em segundo plano pelo outro. Conforme estabelece Saussure (2003, p.
linguista. 136), a característica mais exata de um termo “é
Para Saussure (2003), a língua podia ser ser o que os outros não são”.
definida como umsistema de valores constituído É importante ressaltar, todavia, a propósito
não por conteúdos ou produtos de uma vivência da questão que estamos tratando, que para
mas por diferenças puras. Dentro dessa Saussure (2003), a noção de valor se subordina,
concepção, estavam enquadrados os diversos em seu aspecto conceitual, à significação, ao
níveis de estudo da linguagem: fonológico, passo que esta, paradoxalmente, é colocada sob a
morfológico, sintálico e semântico. dependência do valor. Logo, para Saussure, as
Os processos de significação do dizer, tal noções de significação e valor não são
como os outros aspectos linguísticos, eram consideradas de fácil entendimento, mas algo que
explicados segundo o funcionamento do sistema se revela, sob determinados aspectos,
da língua. No Curso de Lingúística Geral (2003, aparentemente contraditório.
p. 134), Saussure ressalta que, a palavra, fazendo De acordo comErnst-Pereira (2003, p. 7),
parte de um sistema, “está revestida não só de
uma significação como também, e sobretudo, de Uma consegiiência séria que decorre dessa
contradição que anula a distinção entre valor é
umvalor” (grifo nosso). significação, subsumindo-os ao sistema é a que
A significação remete à conhecida definição se retere à prática do lingúista. (...) a lingúística
de signo lingúístico, que seria a relação arbitrária a partir de Saussure funda sua tarefa nas
entre uma imagem acústica, que Saussure operações de comutação, de comparações
chamou de significante, e um conceito, que ele regradas, etc, no interior de uma mesma
lingua. O que interessa, então, é o
denominou significado (2003, p. 81). Sob essa funcionamento das línguas em relação a elas
perspectiva, o linguista entende que não há mesmas no quadro de uma lingúística geral
relação entre palavras e coisas. A significação não que é a teoria do funcionamento. Daí a
se dá de forma direta, mas na união de uma importância do princípio da unidade da língua.
É ele que possibilita tal prática.
imagem acústica e um conceito, sendo que esses
dois elementos estão intimamente imbricados e
O princípio de unidade da língua aponta,
um reclama o outro.
em nosso entendimento, para a transparência da
Em seus Escritos de Lingúística Geral,
linguagem e para a exterioridade do sujeito em
Saussure (2004, p. 37) assevera que: “1º: um
relação a ela. Quer dizer, a partir do momento
signo só existe emvirtude de sua significação. 2º:
em que se considerou o fato lingúístico
Uma significação só existe em virtude de seu
isoladamente, a Lingúística saussuriana permitiu,
signo. 32: Signo e significação só existem em
segundo Ernst-Pereira (idem), o desenvolvimento
virtude da diferença dos signos”. Essa diferença,
da concepção idealista de uma língua sem sujeito,
assinalada pelo linguista, aponta para o segundo
logicamente perfeita, constituída de signos,
aspecto de uma palavra: seu valor. Para o
suportes de significação ao dispor de um sujeito
lingúista, portanto, um signo não existe por si só,
universal “situado em toda a parte e em lugar
mas apenas na relação com outros signos. Daí as
nenhum e que pensa por meio de conceitos”
definições saussurianas de que “o valor de
(Pêcheux, 1997b, p.127).
qualquer termo que seja está definido por aquilo
Emoutras palavras, poderíamosafirmar que
que o rodeia” (2003, p.133), de que “o sentido
Saussure apartou o fato lingúístico de sua
das palavras é uma coisa essencialmente negativa”
dimensão sócio-histórica e das implicações de
(2004, p. 73) e de que “o sentido de cada forma,
ordem subjetiva. Sob esse aspecto, a Lingúística
em particular, é a mesma coisa que a diferença
saussuriana teria por corolário o fato de que toda
das formas entre si. Sentido=valor diferente”
unidade lingúística é entendida como parte de
(2004, p. 27). um sistema, onde essas unidades seriam
Podemos entender, a partir dessas
formulações, que a noção de significação é
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explicadas a partir das diferenças existentes entre de atenção, já que é exatamente neste ponto que
os termosdalíngua. Pêcheux interroga a Saussure.
Segundo o teórico (1997a), a Linguística
2 A Semântica proposta por Michel Pêcheux saussuriana, fundada sobre a dicotomia
língua/fala, desenvolveu-se em torno de duas
O corolário saussuriano vai ser posto em exclusões teóricas: a exclusão da fala no
voga, no final da década de 60, por Michel inacessível da ciência lingúística e a exclusão das
Pêcheux, o qual desenvolve uma proposta instituições não-semiológicas do intuito da
teórico-metodológica que acaba “deslocando” a ciência. Essa primeira exclusão, mesmo que
noção de língua saussuriana, ao apresentá-la Saussure não tenha desejado, autorizou
como a base dos processos discursivos, nos quais
estão envolvidos o sujeito e a história (Gregolin, a reaparição triunfal do sujeito falante como
2004). Nesse sentido, a Semântica será pensada a subjetividade em ato; (...) em outros termos,
partir do conceito de discurso” proposto por tudo se passa como se a lingúística científica
(tendo por objeto a língua) liberasse um
Pêcheux, onde não exclusivamente a língua, mas resíduo, que é o conceito filosófico de sujeito
também o histórico e o político, vão constituir os livre, pensado como o avesso indispensável, o
processos de significação do dizer. correlato necessário do sistema
A fim de apresentarmos o caminho (Pêcheux,1997º, p. 71).
segunda exclusão teórica efetivada por Saussure, linguagem, faz com que umdiscurso seja o que é:
a exclusão do não-semiológico do campo da o tecido histórico-social que o constitui
ciência linguística. (Maldidier, 2003, p. 23). Com essa perspectiva,
Para Pêcheux (1997a), o conceito de não- Pêcheux instaura a possibilidade de se ir além de
semiológico é um equivoco em Saussure, pois uma análise puramente lingúística do “sentido”,
fundamentado sobre uma relação necessária onde os processos de significação são entendidos
entre meios e fins. A língua, ao contrário, não a partir das diferenças entre os termos, criando
estaria, necessariamente, ligada a um condições para se entender de um outro modoa
determinado fim. Quer dizer, a língua seria um questãodo sentido.
sistema semiológico que epistemologicamente Ão acrescentar a noção de condições de
equivaleria aos demais sistemas semiológicos. produção, além disso, Pêcheux (1997b) vai de
Todavia, pelo termo instituição, Saussure teria encontro à idéia de sujeito decorrente da
separado os sistemas institucionais políticos, atividade individual que é a fala. Em outras
jurídicos, etc. dos demais sistemas semiológicos, palavras, o teórico recusa a liberdade'
ou seja, a língua seria umainstituição semiológica identificada em Saussure. Nesse sentido,
enquanto que o sistema político seria apenas poderíamos afirmar que, nem a noção de sujeito
institucional. O entendimento de Pêcheux, ao concebida a partir do conceito de discurso, nem
contrário, é o de que o estudo do funcionamento o sentido de um termo, serão entendidos por
da língua deveria incluir o não-semiológico como Pêcheux do mesmo modo como o eram na
pertinente ao lingúístico. Com isso, o discurso Linguística saussuriana.
seria definido em relação às condições de
produção. A hipótese apresentada por Pêcheux é 2.2 Por uma outra noção de Semântica
a de que
Essa ruptura empreendida por Pêcheux vai
a umestadocado das condições de produção ligar-se diretamente à área da Lingúística
corresponde uma estrutura definida dos denominada Semântica. Esta, tal como afirmamos
processos de produção dodiscurso a partir da
lingua, o que significa que, se o estado das
anteriormente, era entendida como uma parte
condições é fixado, o conjunto dos discursos dessa disciplina, tal como a Fonologia, a Sintaxe e
possíveis de serem engendrados nessas a Morfologia. Entretanto, para Pêcheux (1997b),
condições manifesta invariantes semântico- diferentemente destas áreas, a Semântica não
retóricas estáveis no conjunto considerado e
poderia ser pensada levando em consideração
que são características do processo de
produção colocado em jogo (Pêcheux,1997a, somente o sistema lingúístico, pois o sentido, seu
p. 79). objeto de estudo, excederia o âmbito da
Linguística fundada sobre a dicotomia língua/fala.
Ao apresentar uma outra forma de conceber Com o intuito de ratificar essa afirmativa,
a linguagem, ou seja, enquanto discurso, Pêcheux Pêcheux sustenta a hipótese de que a Semântica
(1997b) propõe que se entenda de que modo desenvolvida a partir do corte saussuriano é uma
aquilo que consideramos “uma mesmalíngua”, no Semântica fortemente idealista, lançando mão de
sentido lingúístico desse termo, permite algumas evidências que seriam capazes de
funcionamentos de “vocabulário-sintaxe” e de comprová-la. Segundo Flores (1999), à evidência
“raciocínios” antagonistas. Ou seja, seu interesse de que umateoria do significado seria uma teoria
não se restringe, tal como se dava na lingúística lógico-matemática e o conhecimento, uma teoria
saussuriana, em entender a natureza das palavras da formalização das leis que possibilitam o
que utilizamos, nem em apreendê-las dentro do pensamento, Pêcheux soma a evidência de que
funcionamento do sistema lingúístico. Para existem objetos, processos materiais, pessoas que
Pêcheux, o essencial torna-se a compreensão das falam, isto é, sujeitos a comunicar algo, enfim,
“condições”” sob as quais essas palavras se soma a evidência de que as ciências humanas
combinam, na medida em que elas (as condições) falariam de um objeto - o homem -— com a
determinam a significação que adquirem essas linguagem e pela linguagem.
palavras” (Pêcheux apudFavero, 2003). No entendimento de Pêcheux (1997b), esta
A referência às condições de produção evidência de que a linguagem comunica através
designa o entendimento do discurso determinado de palavras com sentidos incontestes,
por um “exterior”, para evocar tudo o que,fora a “informações” sobre coisas e objetos, traduziria
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um modelo abstrato universal produzido pela Lingúística sobre a contradição em que ela se
sociedade capitalista. Para além de um baseava, ao não reconhecer sua relação com a
questionamento da língua enquanto sistema de Filosofia no que concerne à questão da
regras universal, portanto, Pêcheux expõe uma significação. Sua constatação é a de que o que
profunda crítica à lingúística pelo fato desta ter se designamos pelo termo “Semântica” faz parte da
encerrado em seu objeto e ignorar, disciplina Lingúística de maneira distinta da
consequentemente, os aspectos sociais, ou ainda, Fonologia, da Morfologia ou da Sintaxe e constitui
abordá-los como uma psicosociologia que um pontode retorno da Filosofia nessa disciplina
constituiria a reprodução teórica do idealismo
sobre o qual ela se constitui. a maneira pela qual a semântica “tem a ver”
com a Lingúística é a de constituir o ponto em
A dicotomia língua/fala reconduziria a que a autonomia relativa desta última se
Semântica a um substancialismo e a um depara com seus limites; em outras palavras,
subjetivismo porque subjaz a ela a oposição estamos afirmando que, para resolver as
kantiana contingente/necessário através do qual questões que (não) são colocadas no setor da
“semântica”, para dissipar as questões-
se recupera a operação dejuízo de umsujeito. À
bloqueios que sao “respostas-por-antecipação”
língua, liga-se a idéia de sistema, à fala, a de e que impedem qualquer avanço, emsíntese,
criatividade (Flores,1999). Segundo Pêcheux parair além desse ponto limite (...) é que se
(1997b, p.), “Saussure deixou aberta a porta pela apresenta a possibilidade e a necessidade de
qual se infiltraram o formalismo e o subjetivismo; desordenar-reconfigurar a problemática que se
designa ainda hoje pelo termo “semântica”,
essa porta aberta é a concepção saussuriana de permitindo que os conceitos do materialismo
que a idéia só poderia ser, em todoseualcance, histórico e as categorias do materialismo
subjetiva, individual”. Trataria-se, pois, na opinião dialético “tomem posição junto a essa
de Pêcheux, de um empirismo em semântica e, problemática (Pêcheux,1997b, p. 243).
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