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SERGIO GHIVELDER
RIO DE JANEIRO - RJ
2017
SERGIO GHIVELDER
Rio de Janeiro - RJ
2017
Ghivelder, Sergio. Sílabas Mnemônicas na Educação Musical. Belo Horizonte:
IPEMIG/FACEL, 2017. Especialização em Educação Musical.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
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1 INTRODUÇÃO
A associação entre sílabas, em forma de texto, e música é tão antiga quanto a própria
música, e sem dúvida, essa associação há uma qualidade mnemônica. As palavras de uma
canção nos ajudam a recordar o ritmo e a melodia. A associação entre texto, na forma de
palavras e frases, e ritmo é muito utilizada por vários educadores. Carl Orff, no primeiro
exercício do primeiro volume da série de livros Music for Children (Fig. 1), já deixa clara a
sua intenção de associar texto, no caso parlendas infantis, ao ensino do ritmo:
A ideia é que o ritmo natural das palavras nos ensine e ajude a recordar o ritmo musical. No
Brasil, Gazzi de Sá também utilizava os acentos das palavras – como Lápis, Pião, Rápido,
Varanda e Maricá - com o objetivo de evidenciar formas téticas e anacrúsicas (PAZ, 2013, p.
36).
Porém, em um sentido mais restrito, sílabas mnemônicas são sílabas não vinculadas a
palavras e que fazem parte de um sistema com uma função, justamente, didática. Como
veremos no próximo capítulo, o fator comum entre os vários métodos, utilizados no
treinamento de músicos no mundo inteiro, é a criação de uma associação direta entre a voz e o
corpo. As sílabas podem ser utilizadas em associação à execução de instrumentos musicais, à
percussão corporal, ao movimento e em uma infinidade de atividades didáticas, desde a
musicalização infantil, até, como no caso da Índia, o ensinamento de padrões rítmicos
altamente complexos.
1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa –
3.ed. Totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
2 Disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=vf6eel_9ghw.
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Figura 2 – Takadimi
Como podemos ver na figura n. 3, a notação musical ocidental prioriza agrupar as notas com
uma clara divisão gráfica entre os tempos, independentemente do sentido musical da frase.
Ainda que Hoffman tenha inspirado-se no sistema silábico do sul da Índia na escolha dos sons
de algumas sílabas, pode-se afirmar que o fundamento lógico do seu sistema segue a tradição
ocidental, e não, como veremos adiante, o modelo indiano.
O educador e pesquisador americano, Edwin Gordon, autor da Music Learning Theory,
também criou, anos antes de Hoffman, um sistema de sílabas mnemônicas utilizando o
mesmo princípio lógico; a associação das sílabas com as subdivisões da pulsação:
Fonte: GIML4.
Gazzi propõe que “Sempre que houver soma de valores, apenas a primeira sílaba mantém o t,
sendo que as demais sílabas subsequentes permanecem com a vogal” (PAZ, 2013, p. 37).
Assim que, pegando como exemplo a primeira célula da Figura n. 6, TA - - TU (uma
colcheia pontuada seguida de uma semicolcheia) é pronunciado TA U I TU.
Gazzi sente que, para garantir a regularidade do ritmo, é necessário manter uma micro
pulsação constante com o valor de menor duração, no caso as semicolcheias, enquanto
sistemas análogos não consideram isso necessário.
O método O Passo, de Lucas Ciavatta, também associa sílabas (feitas somente por
vogais) à posição da nota ao interno do tempo. O Passo se propõe como uma forma rígida de
regência corporal com um padrão de passos que indica a posição de cada tempo ao interno do
compasso. O método utiliza números para as cabeças dos tempos e vogais para as demais
posições. Como podemos ver na Figura 7, o uso dos números reforça o conceito de posição ao
interno do compasso5:
Figura 7 – O Passo
Existem vários outros sistemas, além dos citados acima. No ocidente, um dos
primeiros sistemas conhecidos, foi desenvolvido na França no início do século XIX e é
conhecido com o nome de Sistema Galin-Paris-Chevé. Inicialmente, as sílabas utilizadas
foram extraídas dos nomes das notas em francês (como em “dou-ble cro-che” para as
semicolcheias), mas posteriormente, o americano Lowell Mason adaptou o sistema francês
com outras sílabas. Zoltán Kodály também criou uma sua versão de sílabas rítmicas; o seu
tiritiri é equivalente ao dutadeta de Gordon, o Takadimi de Hoffman, e o tatutitu de Gazzi de
Sá6. Edgar Rocca, o baterista “Bituca”, também desenvolveu um método semelhante à partir
das sílabas Tiquetaque.
Em todos esses sistemas, o que determina o som da sílaba é a sua posição relativa à
unidade temporal. Bernadette Colley, conduziu uma pesquisa comparando efetivamente a
eficácia entre o uso de palavras e os métodos silábicos de Gordon e Kodaly (Fig. 8):
Figura 8 – Colley
Colley demonstrou a validade, com pequenas diferenças, dos três métodos investigados, mas
também constatou que, nos sistemas silábicos de Kodaly e Gordon, os alunos começaram a
6 Uma tabela comparativa com as durações e as sílabas utilizadas pelos vários sistemas pode ser encontrada na
dissertação de Mestrado “Syllable systems: four students' experiences in learning rhythm” de Tammy Renee
Fust (2006).
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demonstrar frustração e tédio a medida que mais sílabas eram adicionadas e que as
combinações de padrões rítmicos tornavam-se mais complexas (1987, p. 231).
Todos os métodos mencionados até aqui são, de uma certa forma, conceitualmente
relacionados ao nosso sistema de notação musical. Por essa razão, considero-os especialmente
interessantes e apropriados quando utilizados de forma propedêutica ao aprendizado da
notação musical.
Sodré utiliza um termo original: notação oral. No caso dos percussionistas indianos, é
inacreditável a quantidade infinita de sequências de bols (sílabas mnemônicas que definem o
tipo de ataque/timbre a ser executado no instrumento) que eles são capazes de memorizar. Os
bols são sem dúvida “uma espécie de notação oral” com uma função essencialmente didática.
O objetivo, nas palavras de Muniz, é estabelecer “uma relação sólida e bem codificada entre
sons falados, timbre e ação motora” (2015, p. 108).
Quando as sílabas representam timbres (e timbres são relacionados à alturas),
automaticamente incorporamos um aspecto melódico ao ritmo que torna-se uma parte
essencial da sua identidade. Doug Goodkin, no seu livro Play, Sing & Dance, escreve:
O Brasil, país do Surdo e do Agogô, pode certamente considerar-se uma das influências
mencionadas por Goodkin, que em um outro livro, Sound Ideas: Activities for the Percussion
Circle (Fig. 8), importa essa ideia para o campo da Educação Musical, utilizando as sílabas do
dumbek para introduzir um elemento melódico na trama do ritmo.
7 “O uso de instrumentos de percussão, músicas e estilos de culturas diferentes está mudando a fisionomia da
educação musical, oferecendo timbres e técnicas de composição que estão alargando a nossa experiência e
conceito de música. […] Em muitas culturas, o ritmo é mais do que a mera subdivisão do tempo. É uma espécie
de melodia caracterizada pela sua entonação. Toque o ritmo * em um dumbek como “dum tak - tak dum - tak - ”
e depois novamente como “dum dum - dum tak - dum - ” e você terá tocado dois ritmos diferentes”.
8 O plural é devido ao fato de tratar-se de um instrumento dividido em duas partes separadas, uma para cada
mão.
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Para Srinivasan, “poesia” significa a “poesia rítmica” que é o resultado da recitação das
sílabas:
Rhythmic poetry simplify the memorization process and allow the mind to
digest long phrases that develop as a natural sequence of musical events.
[…] The act of vocalizing before playing forces the performer to internalize
the music10. (p. 26, 2014).
Srinivasan acredita que esses conceitos e processos didáticos podem ser utilizados não
somente para a música indiana:
Percussionists are ahead of the curve of musicians who have identified the
useful aspects of the Indian rhythmic system outside of India. For all
instrumentalists and composers - its about structures and patterns and how
you can apply them - no matter which style of music you find it relevant to.
Because everything is defined as grouped phrasings that are pronounceable -
its easy to build on them11. (p. 26, 2014).
9 “Vários sistemas de treinamento rítmico utilizam diferentes ideias de sílabas. […] Nenhum dos modos em que
esses sistemas utilizam as sílabas atiçou o meu interesse. Acredito que, na maior parte dos casos, eles não
capturam, não somente a importância da poesia, mas em muitos casos, a vantagem principal de usar sílabas, que
é, para mim, o reconhecimento de padrões”.
10 “Poesia rítmica simplifica o processo de memorização e permite a mente de digerir frases longas que
desenvolvem-se como uma consequência natural dos eventos musicais. […] O ato de vocalizar antes de tocar
obriga o executante a interiorizar a música”.
11 “Os percussionistas estão na frente da onda de músicos que identificaram os aspectos úteis do sistema rítmico
indiano fora da Índia. Para todos instrumentistas e compositores – é sobre estruturas e padrões e como e como
aplicá-los – independentemente do estilo da música para o qual você considerar relevante. Como tudo é definido
como frases agrupadas que são pronunciáveis – é fácil construir com eles”.
12 Professora do Instituto Orff-schullwerk de Salisburgo.
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Figura 9 – Hirsch
A sílaba Bhoom é associada ao bumbo, e a sílaba Chack ao prato de uma bateria. Assim, são
preservadas e enfatizadas as célula rítmica criadas, independentemente da posição relativa das
células em relação à subdivisão do tempo13.
Alberto Conrado e Ciro Paduano, educadores italianos ligados ao Orff-Schulwerk, no
livro Musica dal Corpo (2006), também associam sílabas, chamadas de “código vocal”, às
várias batidas de percussão corporal, estabelecendo uma relação com o timbre dos sons
produzidos como, por exemplo, GUM para a batida no peito e CI (pronunciado txi como em
tchau) para o estalo dos dedos.
Fernando Barba, fundador do grupo Barbatuques, referência mundial no campo da
percussão corporal, também adota sílabas para representar diferentes timbres de percussão
corporal. A figura 10 ilustra a clássica levada de samba, criada por Fernando Barba, feita por
batidas no peito (tum) e estalos com os dedos (txi).
Barba utiliza a sílaba Tum seja para a batida da mão no peito, que para a batida do pé no chão,
enquanto a sílaba Pa é utilizada para as palmas. Reconhecendo a eficácia, do ponto de vista
lúdico didático, do uso de sílabas mnemônicas na educação e apreciação musical, em 2012, os
Barbatuques lançaram um CD para crianças intitulado, justamente, Tum Pa.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CIAVATTA, Lucas. O Passo – Música e Educação. Rio de Janeiro: Lucas Ciavatta, 2009.
CONRADO, Alberto, PADUANO, Ciro. Musica dal Corpo – Percorsi didattici con la Body
Percussion. Torino: Rugginenti Editore, 2006.
FUST, Tammy Renee. Syllable systems : four students' experiences in learning rhythm.
Dissertação de Mestrado. University of Louisville: Electronic Theses and Dissertations, Paper
473, 2006.
GIML, Gordon Institute for Music Learning. Rhythm Content Learning Sequence. Disponível
em: http://giml.org/mlt/lsa-rhythmcontent/. Acesso em: 06/11/2016.
GOODKIN, Doug. Play, sing & dance: An introducion to Orff Schulwerk. 2 nd ed. U.S:
Schott, 2004.
GOODKIN, Doug. Sound Ideas: Activities for the Percussion Circle. Alfred Publishing, 2002.
HIRSCH, Judith. Apostila para os alunos da Body Percussion Workshop. Verona: Società
Italiana di Musica Elementare Orff-Schulwerk, 2010.
HOFFMAN, Richard. The Rhythm Book - 2nd edition. Franklin, Tennessee: Harpeth River
Publishing, 2009.
ORFF, Carl, KEETMAN, Gunild. Orff-Schulwerk – Music for Children. Vol. I – Pentatonic.
London: Schott & Co Ltd, 1958.
PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX: 2ª ed. - revista e aumentada.
Brasília: Editora MusiMed, 2013.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo: 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2015.
SANTIAGO, Patrícia Furst. Dinâmicas corporais para a educação musical: a busca por uma
experiência musicorporal. Revista da ABEM, n. 19, 2008.
SIMÃO, João Paulo. Música corporal e o corpo do som: um estudo dos processos de ensino
da percussão corporal do Barbatuques. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de
Campinas, 2013.
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SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Editora Moderna, 2003.