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INSTITUTO PEDAGÓGICO DE MINAS GERAIS - FACEL

SERGIO GHIVELDER

SÍLABAS MNEMÔNICAS NA EDUCAÇÃO MUSICAL

RIO DE JANEIRO - RJ
2017
SERGIO GHIVELDER

Sílabas Mnemônicas na Educação Musical

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Instituto IPEMIG/FACEL como requisito final para
obtenção do título de especialista em Educação
Musical.

Rio de Janeiro - RJ
2017
Ghivelder, Sergio. Sílabas Mnemônicas na Educação Musical. Belo Horizonte:
IPEMIG/FACEL, 2017. Especialização em Educação Musical.

RESUMO

O presente artigo evidencia a utilização de sílabas mnemônicas, também chamadas de


silabação rítmica, em várias culturas e contextos de educação musical ou, mais
especificamente, no ensino do ritmo. Exemplos ilustram como grandes educadores
reconheceram a eficácia didática em representar padrões rítmicos com combinações de sílabas
pronunciáveis. São individualizadas e analisadas duas diferentes tendências; na primeira, de
origem europeia, as sílabas representam subdivisões da pulsação, enquanto que na segunda,
originárias da África e da Asia, cada sílaba corresponde a um determinado timbre. O texto
também levanta algumas reflexões sobre o uso conjunto, utilizado por vários educadores
contemporâneos, da silabação rítmica e da percussão corporal.

Palavras-chave: Sílabas mnemônicas. Silabação rítmica. Didática do ritmo.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 O USO DE SÍLABAS MNEMÔNICAS NO ENSINO DA MÚSICA . . . . . . . . . . . . . 5


2.1 Sílabas como subdivisões da pulsação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Sílabas como timbre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
4

1 INTRODUÇÃO

Mnemônica. S. f. - Arte e técnica de desenvolver e fortalecer a


memória mediante processos artificiais auxiliares como, p. ex.: a associação
daquilo que deve ser memorizado com dados já conhecidos ou vividos;
combinações e arranjos, imagens, etc. (Novo Aurélio Século XXI, 19991)

A associação entre sílabas, em forma de texto, e música é tão antiga quanto a própria
música, e sem dúvida, essa associação há uma qualidade mnemônica. As palavras de uma
canção nos ajudam a recordar o ritmo e a melodia. A associação entre texto, na forma de
palavras e frases, e ritmo é muito utilizada por vários educadores. Carl Orff, no primeiro
exercício do primeiro volume da série de livros Music for Children (Fig. 1), já deixa clara a
sua intenção de associar texto, no caso parlendas infantis, ao ensino do ritmo:

Figura 1 – Orff-Schulwerk: Cuckoo2

Fonte: ORFF, KEETMAN, 1958, p. 3.

A ideia é que o ritmo natural das palavras nos ensine e ajude a recordar o ritmo musical. No
Brasil, Gazzi de Sá também utilizava os acentos das palavras – como Lápis, Pião, Rápido,
Varanda e Maricá - com o objetivo de evidenciar formas téticas e anacrúsicas (PAZ, 2013, p.
36).
Porém, em um sentido mais restrito, sílabas mnemônicas são sílabas não vinculadas a
palavras e que fazem parte de um sistema com uma função, justamente, didática. Como
veremos no próximo capítulo, o fator comum entre os vários métodos, utilizados no
treinamento de músicos no mundo inteiro, é a criação de uma associação direta entre a voz e o
corpo. As sílabas podem ser utilizadas em associação à execução de instrumentos musicais, à
percussão corporal, ao movimento e em uma infinidade de atividades didáticas, desde a
musicalização infantil, até, como no caso da Índia, o ensinamento de padrões rítmicos
altamente complexos.

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa –
3.ed. Totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
2 Disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=vf6eel_9ghw.
5

2 O USO DE SÍLABAS MNEMÔNICAS NO ENSINO DA MÚSICA

Ainda que com o mesmo objetivo final, ou seja, a compreensão e o domínio de


padrões rítmicos, veremos a seguir como o Ocidente, enraizado em uma tradição musical
escrita, e outras culturas na África e na Asia, habituadas a um sistema de transmissão do saber
oral, utilizam sílabas mnemônicas à partir de conceitos lógicos diferentes.

2.1 Sílabas como subdivisões da pulsação


No ocidente, existe uma inteira corrente de métodos que utiliza as sílabas mnemônicas
associadas a posição específica da nota ao interno da subdivisão do tempo. Dessa forma, os
sons das sílabas representam diretamente o ritmo a ser executado. Iniciando em ordem não
cronológica, um bom exemplo é o Takadimi, desenvolvido por Richard Hoffman.

Figura 2 – Takadimi

Fonte: HOFFMAN, 2009, p, 8.

Na Figura 2, podemos ver como, independentemente da figura utilizada como unidade


temporal, as sílabas associadas a cada subdivisão da unidade (em quatro partes iguais) são
sempre as mesmas. Hoffman prossegue (figura n. 3) criando padrões rítmicos com as sílabas3:

Figura 3 – Figuras rítmicas com as sílabas Takadimi

Fonte: HOFFMAN, 2009, p, 8.


3 A figura n ilustra as sílabas utilizadas nos compassos simples. O sistema de Hoffman, como o de Gordon,
também utiliza sílabas alternativas (ta-va-ki-di-da-ma) para os compassos compostos.
6

Como podemos ver na figura n. 3, a notação musical ocidental prioriza agrupar as notas com
uma clara divisão gráfica entre os tempos, independentemente do sentido musical da frase.
Ainda que Hoffman tenha inspirado-se no sistema silábico do sul da Índia na escolha dos sons
de algumas sílabas, pode-se afirmar que o fundamento lógico do seu sistema segue a tradição
ocidental, e não, como veremos adiante, o modelo indiano.
O educador e pesquisador americano, Edwin Gordon, autor da Music Learning Theory,
também criou, anos antes de Hoffman, um sistema de sílabas mnemônicas utilizando o
mesmo princípio lógico; a associação das sílabas com as subdivisões da pulsação:

Figura 4 – As sílabas de Gordon

Fonte: GIML4.

No Brasil, o educador Gazzi de Sá também utilizou sílabas mnemônicas em um modo


sistemático. Contemporâneo de Orff, Gazzi trabalhou, como vimos anteriormente, com a
associação entre palavras e ritmo. Porém, além de utilizar palavras, Gazzi também criou um
inteiro sistema de sílabas mnemônicas para recitar ritmos:

Figura 5 – Gazzi de Sá: sílabas

Fonte: PAZ, 2013, p.38.

Os sistemas de sílabas propostos por Gazzi, Gordon e Hoffman são muito


semelhantes. Porém, como podemos ver na figura 6, uma diferença relevante está no fato que
4 GIML, Gordon Institute for Music Learning. Rhythm Content Learning Sequence. Disponível em:
http://giml.org/mlt/lsa-rhythmcontent/. Acesso em: 06/11/2016.
7

Gazzi propõe que “Sempre que houver soma de valores, apenas a primeira sílaba mantém o t,
sendo que as demais sílabas subsequentes permanecem com a vogal” (PAZ, 2013, p. 37).
Assim que, pegando como exemplo a primeira célula da Figura n. 6, TA - - TU (uma
colcheia pontuada seguida de uma semicolcheia) é pronunciado TA U I TU.

Figura 6 – Gazzi de Sá: o uso das vogais

Fonte: PAZ, 2013, p.41.

Gazzi sente que, para garantir a regularidade do ritmo, é necessário manter uma micro
pulsação constante com o valor de menor duração, no caso as semicolcheias, enquanto
sistemas análogos não consideram isso necessário.
O método O Passo, de Lucas Ciavatta, também associa sílabas (feitas somente por
vogais) à posição da nota ao interno do tempo. O Passo se propõe como uma forma rígida de
regência corporal com um padrão de passos que indica a posição de cada tempo ao interno do
compasso. O método utiliza números para as cabeças dos tempos e vogais para as demais
posições. Como podemos ver na Figura 7, o uso dos números reforça o conceito de posição ao
interno do compasso5:

Figura 7 – O Passo

Fonte: CIAVATTA, 2009, p.97.

5 Os números entre parêntesis correspondem à pausas e não devem ser ditos.


8

Existem vários outros sistemas, além dos citados acima. No ocidente, um dos
primeiros sistemas conhecidos, foi desenvolvido na França no início do século XIX e é
conhecido com o nome de Sistema Galin-Paris-Chevé. Inicialmente, as sílabas utilizadas
foram extraídas dos nomes das notas em francês (como em “dou-ble cro-che” para as
semicolcheias), mas posteriormente, o americano Lowell Mason adaptou o sistema francês
com outras sílabas. Zoltán Kodály também criou uma sua versão de sílabas rítmicas; o seu
tiritiri é equivalente ao dutadeta de Gordon, o Takadimi de Hoffman, e o tatutitu de Gazzi de
Sá6. Edgar Rocca, o baterista “Bituca”, também desenvolveu um método semelhante à partir
das sílabas Tiquetaque.
Em todos esses sistemas, o que determina o som da sílaba é a sua posição relativa à
unidade temporal. Bernadette Colley, conduziu uma pesquisa comparando efetivamente a
eficácia entre o uso de palavras e os métodos silábicos de Gordon e Kodaly (Fig. 8):

Figura 8 – Colley

Fonte: Colley, 1987, p.226.

Colley demonstrou a validade, com pequenas diferenças, dos três métodos investigados, mas
também constatou que, nos sistemas silábicos de Kodaly e Gordon, os alunos começaram a

6 Uma tabela comparativa com as durações e as sílabas utilizadas pelos vários sistemas pode ser encontrada na
dissertação de Mestrado “Syllable systems: four students' experiences in learning rhythm” de Tammy Renee
Fust (2006).
9

demonstrar frustração e tédio a medida que mais sílabas eram adicionadas e que as
combinações de padrões rítmicos tornavam-se mais complexas (1987, p. 231).
Todos os métodos mencionados até aqui são, de uma certa forma, conceitualmente
relacionados ao nosso sistema de notação musical. Por essa razão, considero-os especialmente
interessantes e apropriados quando utilizados de forma propedêutica ao aprendizado da
notação musical.

2.2 Sílabas como timbre


No século XX, o encontro com outras culturas musicais, com uma tradição de
transmissão do saber predominantemente oral, evidenciou que sílabas mnemônicas também
são utilizadas, com uma função essencialmente didática em várias outras partes do mundo. As
sílabas porém, são determinadas não pela posição relativa da nota ao interno da subdivisão do
tempo, e sim pelo timbre que elas representam. Portanto, diferentemente dos sistemas
descritos na seção anterior, qualquer sílaba pode ocupar, por exemplo, a cabeça do tempo. As
sílabas são tijolos com os quais construir células rítmicas. Muniz Sodré, no seu livro Samba,
o dono do corpo, relata:

A estrutura interior de fórmulas de orientação rítmica, conforme a concepção


dos músicos sudaneses, vem à luz por meio da análise de sílabas
mnemônicas associadas à cultura. Sílabas mnemônicas ou didáticas são
importantes nos processos de ensino da música africana; podem ser
reconhecidas como uma espécie de notação oral. Os estudiosos apontam uma
relação sólida e bem codificada entre sons falados, timbre e ação motora.
(2015, p. 108)

Sodré utiliza um termo original: notação oral. No caso dos percussionistas indianos, é
inacreditável a quantidade infinita de sequências de bols (sílabas mnemônicas que definem o
tipo de ataque/timbre a ser executado no instrumento) que eles são capazes de memorizar. Os
bols são sem dúvida “uma espécie de notação oral” com uma função essencialmente didática.
O objetivo, nas palavras de Muniz, é estabelecer “uma relação sólida e bem codificada entre
sons falados, timbre e ação motora” (2015, p. 108).
Quando as sílabas representam timbres (e timbres são relacionados à alturas),
automaticamente incorporamos um aspecto melódico ao ritmo que torna-se uma parte
essencial da sua identidade. Doug Goodkin, no seu livro Play, Sing & Dance, escreve:

The inclusion of percussion instruments, pieces and styles from diverse


cultures is changing the face of music education, offering timbres and
10

compositional techniques that are broadening our conception and experience


of music. […] In most cultures, rhythm is more than merely subdividing
time. It is a kind of melody whose character is determined by its tonality.
Play the rhythm      on a dumbek as “dum tak - tak dum - tak - ” and
then again as “dum dum - dum tak - dum - ” and you will have played two
different rhythms7. (2004, p. 83)

O Brasil, país do Surdo e do Agogô, pode certamente considerar-se uma das influências
mencionadas por Goodkin, que em um outro livro, Sound Ideas: Activities for the Percussion
Circle (Fig. 8), importa essa ideia para o campo da Educação Musical, utilizando as sílabas do
dumbek para introduzir um elemento melódico na trama do ritmo.

Figura 8 – Goodkin: Sound Ideas

Fonte: Goodkin, 2002, p.48.

A nível de complexidade, o sistema silábico indiano é talvez o mais desenvolvido do


mundo. As Tablas8, principal instrumento de percussão da Índia do norte, além de ser afinadas
em uma nota precisa, tem uma impressionante variedade de timbres à disposição. Todos esses
timbres foram codificados em sílabas, de modo que todos os ritmos e variações podem ser
recitados, além de executados, criando assim, como diz Sodré, uma espécie de notação oral.
Aditya Srinivasan, um estudante indiano da Berklee College of Music, é o autor de um
interessante estudo sobre as aplicações de conceitos rítmicos indianos para músicos
ocidentais. Sobre o uso de sílabas, Srinivasan afirma:

7 “O uso de instrumentos de percussão, músicas e estilos de culturas diferentes está mudando a fisionomia da
educação musical, oferecendo timbres e técnicas de composição que estão alargando a nossa experiência e
conceito de música. […] Em muitas culturas, o ritmo é mais do que a mera subdivisão do tempo. É uma espécie
de melodia caracterizada pela sua entonação. Toque o ritmo * em um dumbek como “dum tak - tak dum - tak - ”
e depois novamente como “dum dum - dum tak - dum - ” e você terá tocado dois ritmos diferentes”.
8 O plural é devido ao fato de tratar-se de um instrumento dividido em duas partes separadas, uma para cada
mão.
11

Several systems of rhythmic learning have employed different ideas of


syllables. […] None of these systems’ use of syllables piqued my interest. I
believe that in most cases they failed to capture not just the importance of
the poetry, but in many cases, the main advantage of using syllables, which
is for me pattern recognition9. (p. 25-26, 2014)

Para Srinivasan, “poesia” significa a “poesia rítmica” que é o resultado da recitação das
sílabas:

Rhythmic poetry simplify the memorization process and allow the mind to
digest long phrases that develop as a natural sequence of musical events.
[…] The act of vocalizing before playing forces the performer to internalize
the music10. (p. 26, 2014).

Srinivasan acredita que esses conceitos e processos didáticos podem ser utilizados não
somente para a música indiana:

Percussionists are ahead of the curve of musicians who have identified the
useful aspects of the Indian rhythmic system outside of India. For all
instrumentalists and composers - its about structures and patterns and how
you can apply them - no matter which style of music you find it relevant to.
Because everything is defined as grouped phrasings that are pronounceable -
its easy to build on them11. (p. 26, 2014).

Vários educadores ocidentais, influenciados por essa abordagem alternativa,


começaram a explorar a relação entre sílabas e timbre (e, consequentemente, alturas).
Vejamos, por exemplo, um ritmo proposto pela professora Judith Hirsch 12, durante uma
oficina de percussão corporal (fig. 9):

9 “Vários sistemas de treinamento rítmico utilizam diferentes ideias de sílabas. […] Nenhum dos modos em que
esses sistemas utilizam as sílabas atiçou o meu interesse. Acredito que, na maior parte dos casos, eles não
capturam, não somente a importância da poesia, mas em muitos casos, a vantagem principal de usar sílabas, que
é, para mim, o reconhecimento de padrões”.
10 “Poesia rítmica simplifica o processo de memorização e permite a mente de digerir frases longas que
desenvolvem-se como uma consequência natural dos eventos musicais. […] O ato de vocalizar antes de tocar
obriga o executante a interiorizar a música”.
11 “Os percussionistas estão na frente da onda de músicos que identificaram os aspectos úteis do sistema rítmico
indiano fora da Índia. Para todos instrumentistas e compositores – é sobre estruturas e padrões e como e como
aplicá-los – independentemente do estilo da música para o qual você considerar relevante. Como tudo é definido
como frases agrupadas que são pronunciáveis – é fácil construir com eles”.
12 Professora do Instituto Orff-schullwerk de Salisburgo.
12

Figura 9 – Hirsch

Fonte: HIRSCH, 2010.

A sílaba Bhoom é associada ao bumbo, e a sílaba Chack ao prato de uma bateria. Assim, são
preservadas e enfatizadas as célula rítmica criadas, independentemente da posição relativa das
células em relação à subdivisão do tempo13.
Alberto Conrado e Ciro Paduano, educadores italianos ligados ao Orff-Schulwerk, no
livro Musica dal Corpo (2006), também associam sílabas, chamadas de “código vocal”, às
várias batidas de percussão corporal, estabelecendo uma relação com o timbre dos sons
produzidos como, por exemplo, GUM para a batida no peito e CI (pronunciado txi como em
tchau) para o estalo dos dedos.
Fernando Barba, fundador do grupo Barbatuques, referência mundial no campo da
percussão corporal, também adota sílabas para representar diferentes timbres de percussão
corporal. A figura 10 ilustra a clássica levada de samba, criada por Fernando Barba, feita por
batidas no peito (tum) e estalos com os dedos (txi).

Figura 10 – O Samba de Fernando Barba

Fonte: SIMÃO, 2013, p. 51.

Barba utiliza a sílaba Tum seja para a batida da mão no peito, que para a batida do pé no chão,
enquanto a sílaba Pa é utilizada para as palmas. Reconhecendo a eficácia, do ponto de vista
lúdico didático, do uso de sílabas mnemônicas na educação e apreciação musical, em 2012, os
Barbatuques lançaram um CD para crianças intitulado, justamente, Tum Pa.

13 O segundo compasso, com as sílabas de Hoffman, seria: Ta - - - , Ta – Di mi, - ka Di - , Ta - - - ||


13

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os exemplos abordados no presente artigo certamente não representam uma listagem


completa. Como vimos, sílabas mnemônicas, também chamadas de “silabação rítmica”, são
utilizadas em uma grande variedade de contextos e culturas, sempre com uma função didática.
A sílaba cria uma ligação direta entre a voz e o corpo, permitindo que qualquer ritmo possa
ser, além de executado, recitado.
É importante recordar que, como sugeriu Colley (1987, p. 231), no caso de divisões
muito complexas, torna-se difícil recordar o som da sílaba correspondente e o sistema começa
a perder a sua utilidade. Portanto, para que a função didática permaneça eficaz, o número de
sílabas não deve ser muito elevado. Ainda que Colley tivesse em mente os sistemas que
utilizam as sílabas como subdivisões da pulsação, acredito que o mesmo princípio seja válido
nos sistemas que utilizam as sílabas como timbre; para que a relação entre o timbre e a sílaba
seja imediata, é importante dosar com atenção o número de sílabas utilizadas, levando bem
em consideração a faixa etária, o tempo à disposição e uma infinidade de outros fatores.
Muitos educadores contemporâneos utilizam sílabas mnemônicas em associação à
percussão corporal. O timbre representado pela sílaba, corresponde à um gesto, à um som e à
uma sensação (tato). Essa associação quádrupla (sílaba – som – corpo – movimento) é muito
forte e portanto de fácil assimilação. Em um artigo para a revista da Abem, Patrícia Furst
Santiago descreve a experiência como uma “vivência musicorporal”.

Para os participantes da disciplina, não houve uma separação entre música e


corpo, mas a integração de ambos, o que gerou um princípio que
chamaremos de vivência musicorporal. (p. 46, 2008)

Uma outra questão, relevante do ponto de vista da educação musical, é implícita no


termo mnemônico, que sugere que as atividades relacionadas são transmitidas de forma oral.
Certamente não é uma coincidência que as culturas que influenciaram os educadores
mencionados na seção 2.2 possuem uma tradição oral. Nas palavras de Swanwick:

Músicos de outras culturas diferentes das tradições clássicas ocidentais são


muito conscientes desse terceiro princípio - de que a fluência musical
precede a leitura e a escrita musical (SWANWICK, 2003. p.69).

Esperando de haver provocado no leitor curiosidade em relação as possibilidades


didáticas dos vários sistemas de silabação rítmica, concluo, desejando a todos, muitas
“vivências musicorporais”.
14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBA, Fernando. BARBATUQUES – CD Tum - Pá. São Paulo: MCD, 2012.

CIAVATTA, Lucas. O Passo – Música e Educação. Rio de Janeiro: Lucas Ciavatta, 2009.

COLLEY, Bernadette. A Comparison of Syllabic Methods for Improving Rhythm Literacy.


Journal of Research in Music Education, v. 35 n. 4, p. 221-235, 1987.

CONRADO, Alberto, PADUANO, Ciro. Musica dal Corpo – Percorsi didattici con la Body
Percussion. Torino: Rugginenti Editore, 2006.

FUST, Tammy Renee. Syllable systems : four students' experiences in learning rhythm.
Dissertação de Mestrado. University of Louisville: Electronic Theses and Dissertations, Paper
473, 2006.

GIML, Gordon Institute for Music Learning. Rhythm Content Learning Sequence. Disponível
em: http://giml.org/mlt/lsa-rhythmcontent/. Acesso em: 06/11/2016.

GOODKIN, Doug. Play, sing & dance: An introducion to Orff Schulwerk. 2 nd ed. U.S:
Schott, 2004.

GOODKIN, Doug. Sound Ideas: Activities for the Percussion Circle. Alfred Publishing, 2002.

GORDON, Edwin, E. Teoria de Aprendizagem Musical – Competências, conteúdos e


padrões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

HIRSCH, Judith. Apostila para os alunos da Body Percussion Workshop. Verona: Società
Italiana di Musica Elementare Orff-Schulwerk, 2010.

HOFFMAN, Richard. The Rhythm Book - 2nd edition. Franklin, Tennessee: Harpeth River
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ORFF, Carl, KEETMAN, Gunild. Orff-Schulwerk – Music for Children. Vol. I – Pentatonic.
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PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX: 2ª ed. - revista e aumentada.
Brasília: Editora MusiMed, 2013.

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo: 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2015.

SANTIAGO, Patrícia Furst. Dinâmicas corporais para a educação musical: a busca por uma
experiência musicorporal. Revista da ABEM, n. 19, 2008.

SIMÃO, João Paulo. Música corporal e o corpo do som: um estudo dos processos de ensino
da percussão corporal do Barbatuques. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de
Campinas, 2013.
15

SRINIVASAN, Aditya. Several Miles to Ramanujam - A study in the application of Indian


rhythmic concepts for western musicians. Culminating experience reflection paper – Berklee
Colege of Music, 2014.

SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Editora Moderna, 2003.

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