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Pirataria de Software: Uma Análise da Relação entre Comportamento Ético, Atitude e

Intenção do Consumidor.
Autoria: Richélita do Rosário Brito Casali, Tais Alexandre Antunes Paes, Petruska de Araújo Machado,
Leíza Cavalcanti de Medeiros, Augusto José de Aragão

Resumo

Comportamentos antiéticos ou dilemas éticos podem ser desencadeados ou


enfrentados por qualquer um dos stakeholders envolvidos no sistema de troca, inclusive o
consumidor (MALHOTRA; MILLER, 1998). Neste sentido, práticas deletérias executadas
pelos consumidores podem ter efeitos tão nocivos quanto àquelas praticadas pelas empresas
ofertantes. A pirataria digital de software é uma prática ilegal que tem aumentado
significativamente a partir dos anos 1990. Este fenômeno tem causado grandes prejuízos aos
diversos stakeholders envolvidos na relação de troca: (1) à indústria tende a dedicar menos
recursos à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos; (2) aos consumidores que
compram os softwares originais são obrigados a pagar mais caro para cobrir o prejuízo
causado por aqueles que pirateiam; (3) ao governo que perde em termos de arrecadação de
impostos, entre outros; e (4) à sociedade tendo em vista a ligação do roubo de propriedade
intelectual com o crime organizado, incluindo tráfico de drogas, armas, pessoas e “lavagem”
de dinheiro. Esse artigo teve como objetivo investigar a relação entre o comportamento ético
geral do consumidor, a atitude com relação à pirataria de software e a intenção de piratear. A
investigação empírica foi realizada com 200 universitários de instituições de ensino superior
particular em uma capital do Nordeste. Um estudo descritivo e quantitativo foi realizado a fim
de identificar correlações entre os construtos comportamento, atitude e intenção para piratear.
A intenção foi analisada através da probabilidade de piratear software assumida pelo
consumidor em dois cenários submetidos à sua avaliação, que diferiam entre si pela estrutura
de custos. Os procedimentos estatísticos realizados foram: 1) análises exploratórias
preliminares; 2) teste qui-quadrado; 3) análise de estatística descritiva e 4) análise de
correlação. Os resultados mostraram que as três dimensões de comportamento geral antiético
não variaram de acordo com o gênero e a renda familiar. Esses resultados sugerem que, na
amostra pesquisada, o consumidor apresenta de uma forma geral uma tendência ao
comportamento ético, embora em questões associadas à pirataria de software não haja uma
tendência clara quanto à percepção de eticalidade envolvida. Possíveis explicações para esses
resultados são apresentadas. As contribuições deste estudo podem ser ordenadas em três:
teórica, prática e educacional. Do ponto de vista teórico ele traz evidências de uma fraca
sensibilidade dos consumidores da pirataria de software como uma prática anti-ética. No
campo prático, os resultados do estudo apontam para a necessidade de repensar o formato de
gestão de negócios que lidam com software, além de mostrar a necessidade de iniciativas
governamentais e privadas que conscientizem os consumidores de que pirataria de software é
ilegal e anti-ética, informando a sociedade sobre os problemas associados a questão. Já no
âmbito educacional, este estudo reforça a importância de se educar o consumidor. Uma
sugestão nesse sentido é de incorporar nas aulas de informática tempo para a educação
concernente aos aspectos éticos no do uso do computador (HINDUJA, 2003).

1
1 Introdução

Os assuntos sobre comportamento ético têm sido discutidos em muitas áreas de


negócios. Pesquisas têm destacado questões de propriedade intelectual, especificamente
software pirata (AL-RAFEE; CRONAN, 2006), sendo considerado um sério problema de
difícil controle em todo o mundo devido à facilidade de duplicação de produtos com direitos
autorais (HSU; SHIUE, 2007).
A expansão da Internet tem contribuído para a aquisição de softwares sem pagar e sem
a devida autorização do proprietário dos direitos autorais. As facilidades estão relacionadas à
maleabilidade das tecnologias em produzirem softwares de forma mais rápida, acessível e ao
custo mais baixo (GOEL; NELSON, 2009) incentivando assim, o ato de piratear.
A decisão de piratear ou não software digital pode estar relacionada a questões de
ordem ética. Desta forma, o estudo da ética em marketing, mais especificamente o
comportamento ético do consumidor que adquire produtos piratas, em particular software, é
de grande importância. Esta abordagem permite uma análise ética sobre a perspectiva do
consumidor, em contrapeso a diversos estudos que enfocam a ética nos negócios enfatizando
o lado do ofertante como, por exemplo, o estudo de Singhapakdi (1999) que investigou a
percepção relacionada à importância ética e à responsabilidade social em intenções éticas de
profissionais de marketing e o estudo de Valentine et al. (2010) que relaciona o
comportamento ético do empregado à boa performance no trabalho ao testar de forma
empírica trabalhadores de “colarinho branco” de uma indústria financeira.
Entende-se que o consumidor é um dos componentes chaves das trocas em marketing
e o seu comportamento antiético, aqui tratado especificamente como aquisição de produtos
piratas, é potencialmente prejudicial para empresas e indivíduos detentores de direitos
autorais de software e para a sociedade em geral. Tendo em vista esta percepção definiu-se o
seguinte problema de pesquisa: como o comportamento ético geral, a atitude com relação à
pirataria e a intenção do indivíduo de piratear software se correlacionam? O objetivo, assim, é
investigar a relação entre o comportamento ético geral do consumidor, a atitude com relação à
pirataria e a intenção de piratear software.
A revisão da literatura disponível indicou que o assunto selecionado para este artigo
apresenta três importantes impactos para o marketing, que são de ordem prática, teórica e
educacional. Por ser uma pesquisa de ética do consumidor, o estudo contribui teoricamente
por gerar maiores evidências para a complementação dos estudos na área, uma vez que é
considerado um campo ainda em consolidação em termos de estrutura temática
(BRINKMANN; PEATTIE, 2008; SCHLEGELMILCH; OBERSEDER, 2009). No campo
prático, o estudo potencialmente fornece informações úteis para elaboração de ações
governamentais e de iniciativas empresariais que estimulem comportamentos éticos entre os
consumidores. Já no âmbito educacional, pesquisas como estas podem ajudar a educar o
consumidor, gerando materiais de conscientização quanto à existência dos danos associados a
tal comportamento.

2 Ética em Marketing

Questões éticas tem sido um tópico frequentemente abordado em marketing (VITELL;


SINGHAPAKDI; TOMAS, 2001; HUNT; VITELL, 1986; HUNT; VITELL, 2006), podendo
ser consideradas como a investigação sobre os aspectos morais, padrões e regras de conduta
concernentes às decisões de marketing e situações de marketing (VITELL, apud BLODGETT
et al, 2001).
Segundo Nill e Schibrowsky (2007), a literatura no campo da ética em marketing
embora possa ser categorizada de várias formas, de maneira geral tem sido dividida de forma
2
descritiva (direcionada à descrição ou explicação de atividades e processos de marketing
relevantes eticamente) ou prescritiva (direcionada à orientação do que é certo ou errado
eticamente), ou ainda em nível macro (atividades de marketing eticamente relevantes para
grupos de consumidores, sociedade e sistema de marketing) ou micro (foco em dilemas éticos
vivenciados entre indivíduos e empresas) de acordo com a percepção de cada autor.
Temas centrados em questões éticas envolvendo o sistema de marketing começaram a
surgir com maior ênfase nos anos 80 (LAYTON; GROSSBART, 2006). Neste período
escolas de marketing passaram a avaliar conceitualmente a natureza do conjunto da ética em
marketing (CARRIGAN; MARINOVA; SZMING, 2005), contribuindo assim para o aumento
de estudos nessas áreas. Tais áreas de desenvolvimento podem ser verificadas com maior
clareza, por exemplo, no artigo Half a century of marketing ethics: Shifting perspectives and
emerging trends, de Schlegelmilch e Oberseder (2009), que fornece uma revisão da literatura
sobre ética em marketing, a partir da análise de 538 artigos, publicados em 58 periódicos, no
período de 1960 a 2008, e apresenta, entre outras informações, os principais tópicos
abordados. Os tópicos são agrupados por década, conforme apresentados na Figura 1.

Figura 1: Revisão da literatura sobre ética em marketing


Década Principais áreas desenvolvidas e/ou aprofundadas
1960 Questões éticas na pesquisa em marketing, tomada de decisão ética corporativa e normas e
códigos.
1970 Questões relacionadas à educação em marketing, administração do produto, publicidade e
marketing social.
1980 Questões éticas relacionadas à distribuição, a vendas e ao contexto internacional.
1990 Questões relacionadas à educação em marketing, promoção, pesquisa em marketing, contexto
internacional, tomada de decisão ética corporativa, normas e códigos, preço, religião,
consumidores vulneráveis, marketing verde, ética em marketing e leis.
2000 Questões relacionadas à educação em marketing, tomada de decisão ética corporativa,
normas e códigos, ética em marketing internacional e ética em marketing no contexto da
internet.

Percebe-se que a maior parte da literatura, em geral desenvolveu questões éticas com o
foco no ofertante (CHERRY; FRAEDRICH, 2000; SCHUMANN, 2001; SVENSSON;
WOOD, 2007; SINGHAPAKDI et al, 2010). Poucos estudos têm investigado questões éticas
sob a perspectiva do consumidor (VITELL; PAOLILLO, 2003; SWAIDAN; RAWWAS; AL-
KHATIB, 2004; BRUNK, 2009). Deixar de considerar a perspectiva do consumidor em
pesquisas de ética pode trazer um entendimento incompleto do processo, uma vez que, o
consumidor é o principal participante da relação de troca (VITELL, 2003).
Comportamentos antiéticos ou dilemas éticos podem ser desencadeados ou
enfrentados por qualquer um dos stakeholders envolvidos no sistema de troca, inclusive o
consumidor (MALHOTRA; MILLER, 1998). Neste sentido, práticas deletérias executadas
pelos consumidores podem ter efeitos tão nocivos quanto àquelas praticadas pelas empresas
ofertantes. O argumento de Wilkie e Moore (1999) para a relevância de se estudar tais
comportamentos é de que eles podem prejudicar competidores e consumidores honestos.
Desta forma, não se pode pensar a ética em marketing sem pensar na ética do consumidor,
pois, se práticas antiéticas de um agente ofertante, como, por exemplo, fazer propaganda
enganosa, são insalubres para os envolvidos na troca, a prática antiética do agente demandante
também tem potencial de gerar danos neste mesmo sentido de troca.

3 Comportamento Ético do Consumidor

A questão de como o consumidor toma a decisão quando exposto a um dilema ético


tem atraído considerável atenção dos pesquisadores. Muitos modelos de tomada de decisão
3
ética são propostos na literatura. Entre os quais Malhotra e Miller (1998) apontam os
seguintes: o Modelo Hunt-Vitell, fundamentado nas filosofias morais deontológica e
teleológica; o Modelo de Trevino, que considera diferenças individuais (força do ego, campo
de dependência e locus de controle); o Framework de contingência de Ferrel e Gresham que
considera três grupos de influência na tomada de decisão individual, tais como fatores
individuais (valores, atitudes, conhecimento, etc), significado percebido do outro (o que as
pessoas envolvidas representam para o tomador de decisão) e oportunidade (condições que
limitam ou favorecem determinada decisão).
De acordo com Vitell (2003), os modelos acima citados são os principais modelos
teóricos do processo de tomada de decisão envolvendo questões éticas em marketing e
negócios, porém somente o modelo ou teoria Hunt-Vitell, pode receber as duas
denominações. Pois, segundo Hunt e Vitell (2006), ele o único capaz de ser facilmente
aplicável ao comportamento do consumidor individual, sendo, portanto, o mais adequado para
a utilização em pesquisas envolvendo ética do consumidor. Este é apresentado como um
processo não-causal, embora torne possível desenvolver modelos causais a partir de suas
relações (HUNT; VITELL, 2006). Embora esta seja uma opinião dos autores sobre sua
própria criação e por essa razão merecer ser avaliada criticamente, cabe salientar aqui que tais
pesquisadores são reconhecidos internacionalmente como grandes estudiosos na matéria,
assim tal opinião é digna de crédito. Além do fato de até o momento não haver propostas
reconhecidas pelo mainstream da área como capaz de superar o modelo Hunt-Vitell no
contexto específico de tomada de decisão ética do consumidor.
O modelo Hunt-Vitell tem como ponto de partida a percepção do indivíduo sobre a
existência de um dilema ético, seguido pela identificação das alternativas possíveis para
resolver o problema, alternativas estas que serão limitadas ao conjunto de consideração do
indivíduo. A avaliação de cada uma delas tem como base normas deontológicas e
teleológicas. As normas deontológicas representam os valores pessoais e regras de
comportamento moral. A avaliação teleológica, por sua vez, considera as conseqüências
envolvidas em cada escolha, incluindo a probabilidade de cada consequência acontecer, o
desejo ou não de cada conseqüência e a importância dada por cada grupo de stakeholder, que
varia dependendo do indivíduo e da situação. Assim, o julgamento ético é uma função de tais
avaliações e este julgamento afeta o comportamento do indivíduo por meio da intenção. O
comportamento final será influenciado pelo controle da ação, ou seja, até que ponto o
indivíduo tem a capacidade de transformar sua intenção em um determinado comportamento.
Logo, uma vez tomada à decisão, suas conseqüências servirão como realimentação do
processo, sendo transformadas em experiências pessoais que apoiarão futuras decisões
(VITELL, 2003; HUNT; VITELL, 2006).
Embora bastante utilizado nas pesquisas em marketing, o Modelo Hunt-Vitell não é
um modelo aceito universalmente. Brinkmann e Peattie (2008) o criticam afirmando que é
natural que os autores do modelo e especialistas no assunto considerem seu modelo o mais
adequado, em referência à defesa da aplicabilidade do mesmo feita por seus propositores.
Apesar das críticas, o Modelo de Hunt-Vitell, tem apresentado maior robustez e consistência
para explicação do comportamento de tomada de decisão ética na perspectiva do consumidor,
viabilizando, assim, a geração de hipóteses ou proposições envolvendo diferentes construtos.

4 Pirataria Digital de Software

A evolução tecnológica e o crescente acesso à Internet contribuíram para o aumento do


número de cópias de produtos digitais sem autorização do proprietário dos direitos autorais,
dentre eles livros, software, e arquivos de música e filme, o que tem sido denominado de
pirataria digital (PEITZ; WAELBROECK, 2006). A pirataria digital de software é uma
4
prática ilegal que tem aumentado significativamente a partir dos anos 1990. Esta pode ser
entendida como a cópia ou download na Internet e/ou distribuição de software com direitos
autorais protegidos sem autorização do fabricante (GUPTA; GOULD; POLA, 2004; PHAU;
NG, 2009; GOEL; NELSON, 2009).
Shore et al (2001) dividem a cópia antiética de software em duas categorias: (1)
Softlifting quando a cópia não autorizada é para uso pessoal e sem envolver ganhos
monetários; e (2) pirataria ou falsificação, que geralmente envolve ganhos financeiros. Este
fenômeno tem causado grandes prejuízos aos diversos stakeholders envolvidos na relação de
troca: (1) a indústria tende a dedicar menos recursos à pesquisa e desenvolvimento de novos
produtos (PHAU; NG, 2009); (2) os consumidores que compram os softwares originais são
obrigados a pagar mais caro para cobrir o prejuízo causado por aqueles que pirateiam (PHAU;
NG, 2009; HINDUJA, 2003); (3) governo que perde em termos de arrecadação de impostos,
entre outros; e a (4) sociedade tendo em vista a ligação do roubo de propriedade intelectual
com o crime organizado, incluindo tráfico de drogas, armas, pessoas e “lavagem” de dinheiro
(RUTTER; BRYCE, 2008).
Carvalho (2004) considera o software um bem de informação com alto custo fixo de
produção da primeira cópia e baixo custo variável para as seguintes reproduções após a
fabricação da primeira. Essa estrutura incomum nos custos os diferencia radicalmente dos
bens tangíveis e trazem como conseqüências problemas relacionados à sua gestão. Ainda
neste sentido, a mesma autora destaca a necessidade de adoção pelas empresas de estratégias
que considerem as especificidades dessa nova categoria de produto/serviço. Considerando o
baixo custo variável da reprodução de cópias, consumidores enfrentam cada vez mais o
dilema ético com relação à maneira de aquisição de software, questionando se devem comprar
ou piratear (GUPTA; GOULD; POLA, 2004). Vários fatores contribuem para este dilema, por
exemplo, o software pirateado, como os demais bens digitais: (1) mantém a qualidade técnica
similar ao original, apesar de não possuir suporte técnico de qualquer ordem; (2) custa bem
menos que o original, além de ser relativamente fácil de ser baixado da Internet; (3) a
percepção, em geral, dos consumidores quanto à punição é de que a probabilidade é remota;
entre outros.
Vale salientar ainda que, de forma geral, os consumidores são heterogêneos com
relação a sua disposição de adquirir o original ou o pirata (PEITZ; WAELBROECK, 2006).
Além disso, há ainda uma categoria de consumidores que são ignorantes, ou seja, não
apresentam informações ou conhecimentos para diferenciar um produto pirateado de um
original.
Muito se tem estudado sobre os fatores envolvidos e sua influência na intenção, na
atitude e no comportamento com relação à pirataria, abordando fatores pessoais, sociais,
situacionais e econômicos. Cronan e Al-Rafaee (2007), por exemplo, com base na Teoria do
Comportamento Planejado verificaram em seu estudo que a atitude, o comportamento passado
de pirataria, o controle percebido e a obrigação moral explicam boa parte da intenção de
piratear software e mídia. Thong e Yap (apud AL-RAFEE; CRONAN, 2006) utilizaram a
Teoria de Tomada de Decisão Ética de Hunt e Vitell para explicar tal comportamento através
das regras de avaliações deontológicas e teleológicas adotadas pelo indivíduo. Outro estudo
vincula a estrutura de custo para produção do software percebida pelo consumidor (custo fixo
x custo variável) à sua disposição de pagar mais ou menos, ou até mesmo fazer o download da
Internet sem pagar de determinado software (NUNES; HSEE; WEBER, 2004).

5 Método

Para realizar a investigação, utilizou-se a estratégia descritiva e quantitativa de


pesquisa. No estudo foram utilizadas escalas diferentes para mensurar o comportamento ético
5
geral do consumidor, a atitude e a intenção para piratear.

5.1 Procedimentos de Coleta de Dados

Na literatura a escala mais utilizada para mensurar o comportamento ético geral do


consumidor foi desenvolvida em consonância com o modelo de Hunt-Vitell por James Muncy
e Scott J.Vitell em 1992, contendo 27 itens que buscaram identificar as crenças dos
consumidores com relação a vários comportamentos questionáveis do ponto de vista ético.
Após o agrupamento dos itens dentro de cada dimensão foram identificados quatro blocos: (1)
benefício ativo da ação ilegal, (2) benefício passivo da ação ilegal, (3) benefício ativo da ação
legal, (4) ações que não causam danos. Em 2005, a Escala de Ética do Consumidor, como
ficou conhecida, foi modificada por seus autores, incorporando mais três blocos que refletem
as dimensões: (1) downloading de material com direitos autorais protegidos/compra de
produtos falsificados, (2) reciclagem/consciência ambiental e (3) fazer a coisa certa/fazer o
bem (VITELL; MUNCY, 2005) totalizando, assim, 31 itens.
Para a verificação do comportamento ético geral foi utilizada a versão mais recente da
escala, que foi traduzida e recebeu pequenas alterações visando a atender melhor o foco do
estudo: pirataria digital de software. Essas alterações envolveram modificações de termos ou
expressões, tais como: música por software; CD por CD de um software; produtos falsificados
por softwares pirateados; e gravar filme a partir da televisão por gravar um software do
computador de um amigo.
Para a aferição da atitude foi utilizada como fundamento a pesquisa realizada por Phau
e Ng (2009), composta por 13 itens que mensuravam a atitude com relação à pirataria digital,
a partir da qual foram formulados os 5 itens para o construto “atitude” em relação a pirataria
de software deste estudo.
O construto “intenção para piratear” foi analisado através da probabilidade de piratear
software assumida pelo consumidor em dois cenários submetidos à sua avaliação, tais
cenários diferiam entre si pela sua estrutura de custos, conforme o modelo desenvolvido no
estudo de Nunes, Hsee e Weber (2004). Pesquisas utilizando cenários como as de Vitell,
Ramos e Nishihara (2009) e Vitell, Singhapakdi e Thomas (2001) são cada vez freqüentes
para detectar problemas éticos.
A pesquisa utilizou um questionário estruturado com blocos compreendendo as
escalas e questões para a coleta de informações demográficas dos respondentes. O construto
“comportamento ético geral do consumidor” foi mensurado através de uma escala tipo Likert
de 5 pontos, variando de 1-Acredito que isto é fortemente que isto é errado à 5-Acredito que
isto é totalmente certo. Enquanto o construto “atitude do consumidor com relação à pirataria
de software” foi mensurado através de uma escala Likert de 5 pontos, variando de 1-
Discordo totalmente a 5-Concordo totalmente. Já para a mensuração da intenção de piratear
software foram apresentados dois cenários, nos quais os entrevistados eram solicitados à
apontar a probabilidade de praticar a pirataria do software e em qual dos dois eles
consideravam estar causando maior prejuízo ao fornecedor. A fim de validar o instrumento de
coleta de dados, o questionário foi submetido à análise de um especialista e a um pré-teste
com 10 universitários de uma universidade pública federal em um Estado do Nordeste, em
cada uma destas fases alguns ajustes foram realizados. Sendo em seguida aplicado com 200
universitários de instituições de ensino superior particular do mesmo estado.
Para o foco deste estudo entrevistas com estudantes universitários na opinião de
Broekemier, Seshadri e Nelson (1998), Al-Rafee e Croman (2006) e Coyle. et al (2009) são
adequadas tendo em vista que tal amostra apresenta tendências para piratear sotfware. Estes,
em geral, se deparam com dificuldades em identificar a pirataria digital como uma prática que
envolve conteúdo ético (JONES apud PHAU; NG, 2009).
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5.2 Procedimentos de Análise dos Dados

Os procedimentos estatísticos para os dados coletados foram de três tipos: 1) análises


exploratórias preliminares; 2) descrição da amostra; 3) teste qui-quadrado; 4) análise da
estatística descritiva e 5) análise de correlação. Os quatro últimos procedimentos foram
desenvolvidos com o apoio do programa estatístico SPSS versão 18.
A avaliação exploratória preliminar consistiu na análise dos dados coletados a fim de
identificar e corrigir eventuais dificuldades, procurando a existência de valores perdidos
(missing values) e possíveis ações de correção e de observações atípicas (outliers) e suas
possíveis decisões. Essas verificações não indicaram a exclusão de nenhuma entrada. A
descrição da amostra foi baseada na freqüência dos dados das variáveis demográficas e sócio-
econômicas. O teste qui-quadrado foi realizado a fim de verificar a associações entre as
variáveis gênero e renda e três dimensões de comportamentos antiéticos (Percepção de
benefício ativo da ação ilegal, Benefício passivo de ação de atividade ilegal, Ação
questionável, mas legal). A análise da estatística descritiva foi feita para sumarizar as
informações do comportamento ético geral, da atitude e da intenção de piratear.

6 Análise e Discussão dos Dados

6.1. Perfil da Amostra

A amostra foi formada por 50% do gênero masculino e 50% do gênero feminino. Com
relação à idade, houve uma predominância de respondentes jovens (45% representam a faixa
de 20 até 25 anos), coerente com a afirmação de Gupta, Gould e Pola, (2004) quanto mais
jovem for o indivíduo maior a probabilidade de piratear. Com relação à renda, 67% dos
respondentes disseram ter uma renda familiar mensal acima de R$ 3.000,00. Esse resultado se
aproxima da realidade dos estudantes das universidades particulares, fortalecendo assim sua
adequação ao estudo.
O gênero é uma variável que está significativamente relacionada à intenção de piratear
software (KWONG et al, 2003). Por exemplo, Swaidan, Rawwas e Al-Khatib (2004)
encontraram diferenças entre os gêneros em relação à atividade ilegal. Sendo assim, a
pesquisa analisou a associação entre o gênero e três dimensões que estão relacionadas com
comportamentos antiéticos do consumidor para piratear, são elas: Percepção de benefício
ativo da ação ilegal, Benefício passivo de ação de atividade ilegal, Ação questionável, mas
legal. Para isso, foi realizada uma análise qui-quadrado para verificar a associação entre o
gênero a cada uma das três dimensões. Os resultados mostram que as três dimensões não
variaram de acordo com o gênero, apresentando, respectivamente, p-valor = 0.818, p-valor =
0.118, p-valor = 0.147. Isso significa que, para a amostra estudada, não há diferença entre os
gêneros em relação à pirataria, contrariando o estudo de Kwong et al. (2003) e Ang et al.
(2001) em que os homens apresentam mais propensão em piratear do que as mulheres.
Contudo, Cronan e Al-Rafee (2007) encontraram que ambos os gêneros sentem que piratear
não é certo, não havendo assim diferença entre eles.
Segundo Nill e Shultz II (2009) para muitos consumidores de países menos
desenvolvidos o preço do software legítimo leva a uma mais alta motivação para piratear,
sendo assim, o software pirata, embora ilegal, fornece uma alternativa para os mesmos. Logo,
a fim de analisar a relação entre renda e as três dimensões antiéticas acima destacadas
observou-se que elas também não variam de acordo com a renda, apresentando,
respectivamente, p-valor = 0.299, p-valor = 0.813, p-valor = 0.517.

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6.2. Análise da Estatística Descritiva

No intuito de sumarizar as informações do comportamento ético geral, da atitude e da


intenção de piratear, foi realizada uma análise estatística descritiva, conforme mostra a Tabela
1

Tabela 1 – Estatística descritiva

Dimensões e Construtos Média Desvio padrão


Beneficio ativo de ação ilegal 1,5130 ,60536
Benefício passivo de ação ilegal 1,9475 ,67944

Ação questionável, mas legal 3,5138 ,66319


Nem prejudica e nem polui 3,3725 1,14742
Comportamento ético associado a software (download) 2,9020 ,83900
Comportamento ético ativo de reciclagem 3,5138 ,66319

Comportamento ético de realizar o bem 3,9088 ,75279


Atitude 2,5550 ,95894
Intenção de piratear 3,0150 1,04534
Fonte: Dados da pesquisa

Na Tabela 1 as sete primeiras linhas apresentam as médias e desvios padrões das sete
dimensões que formam o construto comportamento ético geral do consumidor (Benefício
ativo de ação ilegal; Benefício passivo de ação ilegal; Ação questionável, mas legal; Nem
prejudica e nem polui; Comportamento ético associado a software; Comportamento ético
ativo de reciclagem; Comportamento ético de realizar o bem). Em seguida estão às médias e
desvios padrões dos outros dois construtos analisados “atitude em relação à pirataria de
software” e “intenção de piratear”.
Para a dimensão “Nem prejudica e nem polui”, que na escala original possui cinco
itens, entendemos que três deles, estavam relacionados à utilização de software, e procedemos
à realocação destes para a dimensão “Comportamento ético associado a software”. Neste
sentido, a dimensão “Nem prejudica e nem polui” foi mensurada por apenas dois itens.
As médias de 1.51 para a dimensão “Benefício ativo de ação ilegal” e de 1.94 para
“Beneficio passivo de ação ilegal” indicam que de uma maneira geral a amostra considera que
se beneficiar tanto ativamente quanto passivamente de uma ação ilegal é errado. Já para as
dimensões “Ação questionável, mas legal” (média 3.51) e “Nem prejudica e nem polui”
(média 3.37) ficaram entre as variações mais ou menos e acredita-se que isto é certo,
sugerindo que os itens relacionados corroboram para que não haja um sentido claro por parte
dos respondentes em categorizá-los como comportamento ético ou antiético confirmando a
tendência da classificação destes itens nos construtos comentados pelos autores Vitell e
Muncy (2005), apesar da dimensão “Ação questionável, mas legal” caminhar em sentido ao
comportamento antiético.
A média 2.90, relativa à dimensão “Comportamento ético associado a software”,
demonstra que os entrevistados não possuem bem definido se as ações relacionadas à pirataria
digital devem ser classificadas como comportamentos éticos ou antiéticos, evidenciando a
falta de posicionamento dos mesmos. As médias das dimensões Comportamento ético ativo
de reciclagem (3.51) e de realizar o bem (3.90) ficaram entre as variações mais ou menos e
acredito que isto é certo, demonstrando outra vez a imprecisão quanto ao comportamento
8
ético dos entrevistados, apesar da tendência no sentido de uma conduta ética para a dimensão
Comportamento ético de realizar o bem.
No construto “atitude”, mensurado através da escala Likert com variação entre 1
(discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), a média de 2.55 sugere que os respondentes
da amostra, apesar de apresentarem disposição ética, tendem a uma posição indefinida no
sentido da atitude em piratear ou não o software. Este resultado permite uma relação com a
média da dimensão “Comportamento ético associado a software”, que também apresentou
uma posição intermediária.
O construto “intenção de piratear” foi mensurado através dos cenários A e B e
apresentou media de 3.01 corroborando que a probabilidade dos entrevistados de baixarem
software sem pagar ficou em meio termo indicando, novamente, que diante das situações
apresentadas nos cenários não há uma posição definida em relação à intenção de piratear.

6.3. Análise de Correlação

Para medir o grau em que existe uma associação linear entre as dimensões que
formam o construto de comportamento ético geral, atitude para piratear e intenção de piratear,
foi realizada uma análise de correlação. Os resultados mostram os valores das correlações de
Pearson e as significâncias dos construtos “atitude”, “intenção” e das sete dimensões que
formam o “comportamento ético geral do consumidor”.

Tabela 2. Análise da correlação entre as dimensões que forma o construto “comportamento ético” e os
construtos “atitude para piratear” e “intenção de piratear”

Atitude para
Dimensões e construtos
piratear Intenção de piratear
P ,221** ,189**
Beneficio ativo de ação ilegal
Significância ,002 ,007
P ,281** ,274**
Benefício passivo de ação de atividade ilegal
Significância ,000 ,000
P ,025 -,066
Ação questionável, mas legal
Significância ,729 ,350
**
P ,211 ,212**
Nem prejudica e nem polui
Significância ,003 ,003
**
P ,588 ,258**
Comportamento ético associado a software
Significância ,000 ,000
P ,025 -,066
Comportamento ético ativo de reciclagem
Significância ,729 ,350
P -,077 -,085
Comportamento ético de realizar o bem
Significância ,276 ,230
Intenção de piratear P ,169* ----
Significância ,017
Fonte: Dados da Pesquisa

De acordo com os resultados mostrados na Tabela 2, observa-se que, ao grau de


significância α = 0.05, apenas três dimensões do comportamento ético evidenciam não
mostrar associação significativa com a atitude, são elas: Ação questionável, mas legal (0.025;
p-valor = 0.729), Comportamento ético ativo de reciclagem (0.025; p-valor = 0.729),
Comportamento ético de realizar o bem (-0.077; p-valor = 0.276). Esses resultados já eram
esperados, uma vez que tais dimensões estão associadas com comportamentos éticos, o que

9
leva ao usuário a não apresentar uma atitude em relação ao ato de piratear, assim, esses
resultados estão de acordo com o estudo de Vitell e Muncy (2005).
As demais dimensões evidenciam grau de associação significante com a atitude, com
p-valor < 0.05. A maior correlação apresentada se refere à dimensão “Comportamento ético
associado a software” (0.588; p-valor = 0.000), significando que, no geral, a amostra
apresenta um comportamento ético associado a software em relação à atitude para piratear.
Foram encontrados pesquisas com resultados semelhantes, que mostram a associação
significativa entre atitude e comportamento (AL-RAFEE; CRONAN, 2006; GUPTA;
COULD; POLA, 2004).
A dimensão do comportamento ético geral que evidenciou menor grau de associação
com a atitude foi a “Nem prejudica e nem polui” (0.211; p-valor = 0.003). Esse resultado já
era esperado, uma vez que a mesma é apresentada nos itens de Vitell e Muncy (2005) como
uma dimensão neutra, sendo assim, confirmadas nessa pesquisa.
Os resultados do estudo corroboram a afirmação de Al-Rafee e Cronan (2006) de que
a atitude é um fator significante que influencia a intenção, pois evidenciam uma correlação
significante (0.017<0.05) entre a intenção de piratear e a atitude. Essa associação não é forte,
mas é significativa, uma vez que quanto mais o indivíduo acreditar que o ato de piratear é
uma atividade correta mais positiva será sua atitude com relação a esta prática.
Analisando a associação entre o construto “Intenção de piratear” e as sete dimensões
que formam o construto de “Comportamento ético geral”, observa-se que, ao nível de
significância α = 0.05, três dimensões não estão significativamente associadas com a intenção
de piratear, são elas: “Ação questionável, mas legal” (-0.066; p-valor = 0.350),
“Comportamento ético ativo de reciclagem” (-0.066; p-valor = 0.350) e “Comportamento
ético de realizar o bem” (-0.085; p-valor = 0.230). Embora não tenhamos encontrado estudos
que reforcem essas associações, curiosamente os resultados vêm de encontro a uma
expectativa lógica de que o indivíduo que tem um comportamento ético positivo terá uma
intenção negativa para piratear.
As demais dimensões demonstraram um grau de associação significante com a
intenção de piratear, com p-valor < 0.05. A maior correlação apresentada se refere à dimensão
“Benefício passivo de ação de atividade ilegal” (0.274; p-valor = 0.000), apontando que é
mais fácil os indivíduos agirem ilegalmente de forma passiva, porque assim sua sensação de
culpa é reduzida. Essa dimensão está relacionada à percepção de prejuízo que é causado a
terceiros, especialmente em situações de pirataria digital, onde é possível haver o
distanciamento entre quem prejudica pirateando e quem é prejudicado (HINDUJA, 2003;
NUNES; HSEE; WEBER, 2004). Essa mesma justificativa explica o fato da dimensão
“Beneficio ativo de ação ilegal” ter evidenciado menor grau de associação com a intenção de
piratear (correlação de 0.189 com p-valor = 0.007).

7 Considerações Finais

Estudos sobre comportamentos éticos têm recebido a atenção de diversos estudiosos


que procuram analisar tais comportamentos sobre a perspectiva dos ofertantes de serviços e
produtos e dos seus demandantes. São muitas as pesquisas que abordam o lado do ofertante na
tentativa de que os seus resultados contribuam para a prestação de melhores serviços e
produtos. Entretanto, a perspectiva do demandante ou do consumidor também deve ser
analisada com atenção, uma vez que este stakeholder constitui um componente chave do
sistema de troca em marketing e deixar de considerá-lo pode levar a um entendimento
incompleto do processo (VITELL, 2003).
Tendo em vista tais elementos, o estudo enfatizou o comportamento ético dos
consumidores que adquirem softwares piratas. Estes produtos são considerados bens de
10
informação que em função da disseminação da Internet têm sido facilmente obtidos sem a
autorização dos proprietários de seus direitos autorais. A decisão de adquirir estes produtos
sem as devidas permissões pode estar relacionada a questões éticas tornando o seu estudo de
grande importância. Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar a relação entre o
comportamento ético geral do consumidor, a atitude com relação à pirataria e a intenção de
piratear software.
No intuito de atender tal objetivo foram utilizadas diferentes escalas para a
mensuração de cada construto. A amostra foi constituída de 200 estudantes universitários de
instituições privadas situadas em uma capital do Nordeste. Os resultados da pesquisa
identificaram que para as dimensões da escala de Muncy-Vitell que avaliaram
comportamentos anti-éticos os entrevistados consideraram errado se beneficiar de ação ilegal
tanto de forma ativa quanto passiva. Para as dimensões relativas à ação que é questionável,
mas é legal e não prejudica, nem polui, a avaliação média se aproximou do ponto central da
escala, o que era esperado já que os itens julgados provocam dúvidas por parte dos
entrevistados quanto a seu conteúdo ético. As dimensões “comportamento ético ativo de
reciclagem” e “comportamento ético” apontaram que os entrevistados acreditam que tais
comportamentos são corretos. Já a dimensão que abordou o comportamento ético associado à
pirataria de software obteve uma média de 2,9, que se aproxima muito do ponto médio da
escala (3,0 – mais ou menos), indicando que não há uma posição bem definida quanto à
classificação da pirataria de software como ética ou anti-ética.
Os construtos que mensuraram intenção e atitude com relação à pirataria de software
seguiram a mesma tendência do comportamento ético, ou seja, demonstraram existir uma
indefinição no posicionamento dos pesquisados quanto à avaliação ética de tais ações.
Esses resultados sugerem que, na amostra pesquisada, o consumidor apresenta de uma
forma geral uma tendência ao comportamento ético, embora em questões associadas à
pirataria de software não haja uma tendência clara quanto à percepção de eticalidade
envolvida. Talvez os entrevistados não estejam percebendo a existência de dilema ético em
comportamentos relacionados à pirataria de software, o que corrobora com os estudos de
alguns autores (GUPTA; GOULD; POLA, 2004).
Possíveis explicações para esses resultados estão associadas à própria caracterização
do software como um bem de informação, o que por si só carrega várias implicações: (1) as
pessoas tendem a considerar menos grave o roubo de um produto digital que de um produto
físico, o que acontece também por ser um crime geralmente anônimo (NILL; SHULTZ II,
2009); (2) o uso do computador como ferramenta de distanciamento entre as partes envolvidas
nessa relação de troca diminui ou mesmo elimina a sensação de culpa do consumidor de tal
produto (PEACE; GALLETTA; THONG, 2003; AL-RAFEE; CRONAN, 2006); (3) a
percepção de prejuízo também é diminuída em função da intermediação do computador, pois
quando o consumidor não sabe a quem o dano está sendo imputado, terá menos sensibilidade
ao mesmo; (4) software é um bem de experiência, ou seja, o julgamento de valor pelo
consumidor depende da sua experimentação, o que pode estimular de alguma forma a
pirataria no sentido de que o indivíduo pirateie uma cópia como forma de testar se realmente
vale a pena pagar pelo produto (CARVALHO, 2004); (5) a baixa percepção da probabilidade
de ser pego e punido por piratear software, pode ser outro fator que favorece a falta de
percepção dessa prática como ilegal e anti-ética, criando uma falsa ilusão da mesma ser
aceitável do ponto de vista ético e até mesmo legal (GUPTA; GOULD; POLA, 2004; NILL;
SHULTZ II, 2009; PEACE; GALLETTA; THONG, 2003; PHAU; NG, 2009; AL-RAFEE;
CRONAN, 2006); e (6) bens intangíveis de intensa informação, como é o caso do software,
convivem com o problema da “primeira cópia”, conforme Carvalho (2004), que se refere ao
alto custo despendido para a produção da cópia original, enquanto que os custos das cópias
adicionais são desprezíveis. A percepção dessa estrutura incomum de custos e ou de que o
11
valor cobrado pelos fornecedores de software é muito caro pode provocar em alguns
consumidores indisposição de pagar altos valores para a obtenção do produto, favorecendo o
fenômeno da pirataria digital (CARVALHO, 2004; PEACE; GALLETTA; THONG, 2003;
KWONG et al, 2003).
Em conseqüência destes aspectos, o modelo de negócios atual adotado para
comercialização parece não ser adequado às especificidades do software, uma vez que sofre
com as grandes perdas ocasionadas pela pirataria. Uma implicação importante deste fato é a
necessidade de repensar novas práticas organizacionais que lidem de forma mais adequada
com esse problema.
Diversos estudos avaliam as influências entre os construtos “comportamento ético”,
“atitude” e “intenção”, entretanto, o foco deste estudo apenas analisou a existência de
correlações que existentes entre estes não verificando, assim, possíveis influências entre os
mesmos.
Outra limitação desta pesquisa relaciona-se ao uso teoria de Hunt-Vitell que embora
seja adequada para descrever o processo de tomada de decisão ética e seja considerada a
melhor alternativa para entender tais processos (THONG E YAP apud AL-RAFEE;
CRONAN, 2006), seu modelo que é ilustrado através de um processo, é desencadeado apenas
quando existe a percepção do dilema ético por parte do respondente na situação ou
questionamento realizado. Talvez a utilização deste modelo não seja adequada para mensurar
a dimensão relacionada a pirataria de software, uma vez que, os entrevistados pareceram não
identificar um dilema ético em tais comportamentos. Desta forma, estudos complementares
para verificar essas possíveis implicações e o uso de outros modelos para uma análise mais
consistente a cerca desse fenômeno sejam necessários.
As contribuições deste estudo podem ser ordenadas em três: teórica, prática e
educacional. Do ponto de vista teórico ele traz evidências de uma fraca sensibilidade dos
consumidores da pirataria de software como uma prática anti-ética. No campo prático, os
resultados do estudo apontam para a necessidade de repensar o formato de gestão de negócios
que lidam com software, além de mostrar a necessidade de iniciativas governamentais e
privadas que conscientizem os consumidores de que pirataria de software é ilegal e anti-ética,
informando a sociedade sobre os problemas associados a questão. Já no âmbito educacional,
este estudo reforça a importância de se educar o consumidor. Uma sugestão nesse sentido é de
incorporar nas aulas de informática tempo para a educação concernente aos aspectos éticos no
do uso do computador (HINDUJA, 2003).

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