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Introdução
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Pedagogo. Aluno do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia-
UNIR. E-mail: edircc@hotmail.com
gênero que, presentes no contexto escolar, implicam nas relações sociais, políticas e
pedagógicas.
Assim, é por meio da perspectiva de gênero que pretendemos avançar na discussão
do tema fracasso escolar. Quando recorremos à literatura científica, encontramos muitos
estudos que aprofundam o porquê do fracasso escolar (PATTO, 1999, 2007; MOYSÉS, 2001;
MOYSÉS e COLLARES, 1996, dentre outros). Por outro lado, até meados do século XX,
poucos estudos tinham enfocado como o gênero estava implicado no desempenho escolar de
meninos e meninas.
Do ponto de vista teórico o trabalho fundamenta-se em autores/as como: Patto
(1999); Moiyés (2001); Proença (2002); Brito (2009); Carvalho (2003), Rosemberg (2001),
entre outros.
O presente estudo está organizado em três partes. Inicialmente discutimos o processo
histórico que mudou o eixo de análise do fracasso escolar; posteriormente problematizamos as
relações entre fracasso escolar e gênero e por fim apresentamos as considerações finais.
A partir dos estudos pioneiros de Patto iniciados na década de 1980 é construída uma
leitura crítica sobre a produção do fracasso escolar. A autora, por meio de revisão histórica,
buscou romper com as explicações tradicionais de cunho ideológico e cientificista que
pautavam, sobretudo, a literatura psicológica e pedagógica, como por exemplo, a teoria da
carência cultural que atribuía o insucesso escolar à pobreza ambiental e/ou material das
crianças e adolescentes dos setores populares. Nessa concepção, o déficit cultural produzia
deficiências no desenvolvimento psicológico dos sujeitos infantis a ponto de gerar
dificuldades de aprendizagem e de adaptação à rotina e às normas escolares.
O objetivo das discussões, naquele momento, era trazer para o centro da pesquisa
educacional a questão das raízes do fracasso escolar das escolas públicas brasileiras que
atingia, normalmente, crianças e adolescentes de classes populares. Desse modo, o fenômeno
passa a ser entendido, ao menos do ponto de vista teórico, não mais como produto dos alunos
e alunas, mas como fruto de um complexo universo de questões institucionais e políticas
presentes na escola.
Deste modo, essa leitura crítica do sistema educacional provocou mudança no eixo
da análise do insucesso escolar que de acordo com Proença (2002, p. 191), tirou o foco da
criança e sua família, e passou a considerar o fracasso escolar como produto da escola e do
“[...] conjunto das relações institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas que se fazem
presentes no dia-a-dia escolar”.
Proença (2009) esclarece que até os anos de 1980, pouco se sabia sobre o dia-a-dia
da escola, especialmente daquelas que atendiam crianças pobres. Assim, aponta a autora:
Era preciso conhecer a ‘escola por dentro’, seu funcionamento sua vida
diária; dar voz aos seus protagonistas: professores, alunos, pais,
funcionários; entendê-la na ótica da formação de professores; descrever os
processos educacionais presentes na produção do fracasso e do sucesso
escolar (PROENÇA, 2009, p. 4).
Portanto para a autora, era necessário conhecer o interior da escola, como estava
organizada, bem como questioná-la e buscar aí o porquê dos alunos e alunas não atingirem as
metas de ensino.
Para Patto (1999) a primeira possibilidade de se pensar o papel crítico da escola na
produção do fracasso escolar foi norteada, ainda, nos anos de 1970, pelas teorias crítico-
reprodutivistas desenvolvidas por Althusser, Bourdieu, Bourdieu e Passeron e Establet e
Baudelot que conforme a autora “forneceram as ferramentas conceituais para o exame das
instituições sociais enquanto lugares nos quais se exerce a dominação cultural” (PATTO,
1999, p.146).
Nesse sentido, Proença (2002), evidencia que a apropriação do referencial crítico
oriundo da sociologia, possibilitou a escola ser pensada nas pesquisas educacionais como uma
organização social complexa e que segundo Brito “[...] pode ser analisada em uma perspectiva
microssociológica”. (2009, p. 24).
Em revisão sobre os estudos referentes ao fracasso escolar, Angeluci et al (2002) nos
apresenta quatro concepções predominantes sobre esse tema. Os pressupostos podem ser
divididos em: problema psíquico, responsabilizando crianças e pais; como problema técnico
culpabilizando professores; como uma questão institucional (lógica excludente da educação);
e por fim, como uma questão política (relações culturais e poder).
Dado esse cenário, podemos afirmar que o fracasso escolar não é um assunto novo
no sistema educacional brasileiro. Conforme Patto (1999), desde as primeiras propostas de
democratização do acesso à escola esse fenômeno vem ocupando o debate educacional.
Contudo esse tema, está agora no centro de uma crescente discussão. Estudos como de
Carvalho (2004) evidenciam que há desigualdade no rendimento acadêmico de meninos e
meninas, rapazes e moças e que o fenômeno é mais acentuado entre o alunado masculino. A
autora nos chama a atenção para a influência das relações escolares na constituição do quadro
de fracasso escolar sob um viés de gênero.
Com respeito às relações sociais de gênero Argüello (2005) nos afirma que desde
nascem meninos e meninas escutam repetidamente discursos sobre o controle de seus corpos.
A regulação do corpo implica, por sua vez, enquadrar os sujeitos infantis a determinadas
posturas e comportamentos que são idealizados social e culturalmente, como corretos e
essenciais para cada sexo.
Nessa direção, Cravo (2006) enfatiza que meninas e meninos seguem suas vidas
aprendendo que devem estar em mundos separados, que suas experiências não devem ser
compartilhadas com o que consideram o sexo oposto. Assim, a criança desde cedo vai se
deparando com um mundo que está a priori dividido em “coisas” para homens e em “coisas”
para mulheres.
Esta constatação permite pensar que há entre os gêneros uma lógica binária. Para
Louro (1997) o binarismo: homem e mulher, menino e menina, público e privado, racional e
emotivo etc., têm empobrecido as relações sociais. Ao alocar os sexos em categorias distintas,
não relacionais, é negada aos sujeitos a perspectiva de vivenciar, as diferentes formas de se
viver o masculino e o feminino o que implica no reducionismo da experiência humanizadora
do ser humano.
Concordamos como Guerra (2005, p. 23), quando afirma que as relações de gênero
devem ser compreendidas em seu caráter relacional, plural. Nesse sentido “[...] falar em
gênero é falar de masculino e feminino, uma vez que há reciprocidade entre eles”. As relaçoes
de gênero asssim compreendida nos permite pensar as diferenças sem transformá-las em
desigualdades.
Com relação aos estudos com foco na interface gênero e fracasso escolar, Fúlvia
Rosemberg (2001) foi uma das primeiras pesquisadoras a debruçar-se sobre os resultados
diferenciados no desempenho escolar de meninas e meninos. A autora, com base em
estatísticas educacionais dos anos de 1990, revelou que entre o alunado masculino estavam os
maiores índices dos problemas de aprendizagem, como também o de defasagem idade-série.
Nesta direção Carvalho (2001) nos apresenta algumas estatísticas nacionais que
indicam uma nítida diferença de desempenho escolar entre meninos e meninas. A autora
aponta que em relação ao tempo de estudo os homens tinham, em 1960, 2,4 anos em média e
as mulheres 1,9. Isso significava que o acesso a escola de modo geral era baixo e mais exíguo
para as mulheres.
Contudo, nas últimas décadas houve forte ampliação do acesso a escola o que, por
sua vez, aumentou as médias nacionais que hoje estão em torno de seis anos de escolaridade.
Para Carvalho (2001), as estatísticas revelam que as mulheres foram as mais beneficiadas
nessa ampliação e que nos anos de 1999, tinham em média 5,9 anos de estudo, contra 5,6 para
o sexo masculino.
Essa diferença aparece de forma muito clara nos dados sobre níveis de
analfabetismo, divididos por faixas etárias e sexo. Vejamos o que estes números nos apontam:
Temos, entre os jovens, taxas de analfabetismo menores, devido ao maior
acesso à escola em comparação a adultos e idosos. Mas considerando o
recorte por sexo, nas faixas etárias acima de 45 anos vamos encontrar mais
mulheres do que homens analfabetos, enquanto na faixa de 15 a 19 anos
temos quase o dobro da proporção de rapazes (5,3%) que moças analfabetas
(2,7%) (CARVALHO, 2001, p. 1).
Estes dados nos apontam que o sucesso/insucesso escolar também está atrelado às
questões de gênero. O que ainda não está claro para nós é como as diferenças de gênero,
social e historicamente construídas, atuam e regulam o desempenho escolar de meninos e
meninas e contribuem para o quadro de repetência e evasão escolar.
Brito (2009), também observou que no censo escolar de 2006 houve significativa
diferença entre alunos e alunas que concluíram o ensino fundamental considerado obrigatório
até os 14 anos. Assim, do total de concluintes do ensino fundamental, as moças
representavam 24,9 % dos que cumpriram essa etapa no período considerado adequado, sendo
que entre o alunado masculino a cifra era de 17,35%.
Por outro lado quando olhamos para o quadro de matrículas percebemos que o acesso
quanto ao sexo está equilibrado. Vianna e Unbehaum (2004) evidenciam que para o feminino
a taxa é de 49,5%, e para o masculino 50,5%, e que esta paridade pode ser sentida em quase
todas as regiões do país. Contudo as autoras questionam que:
De fato, as estatísticas mostram que há um equilíbrio quanto ao ingresso de
meninos e meninas na rede de ensino fundamental, porém esse equilíbrio
sofre alterações na distribuição por sexo no decorrer dos anos, aspecto que
não poderia ser desconsiderado do diagnóstico, muito menos das metas e
objetivos do PNE. Essa desconsideração ignora o fracasso sistemático de
meninos na educação básica, especialmente no ensino fundamental
(VIANNA e UNBEHAUM, 2004, p. 95).
Esse excerto nos mostra como a escola está despreparada para atender as
masculinidades e feminilidades – principalmente as masculinidades. Por outro lado, a questão
do rendimento escolar de alunos e alunas é apreendido nesse discurso como uma questão de
esforço individual, de interesse, de conformação às regras e normas. Tais interpretações
revelam as “antigas” explicações que buscavam nas crianças o porquê dos problemas de
aprendizagem.
Considerações finais
De acordo como o exposto podemos afirmar que há diferenças no sucesso/insucesso
escolar dos/as alunos/as e que as meninas estão alcançando melhores resultados no
desempenho acadêmico em detrimento dos meninos. Questionamos se o sexo masculino
estaria sendo prejudicado no processo de escolarização devido às práticas pedagógicas
generificadas.
Conforme discutido anteriormente, é recente a inclusão do conceito de gênero na
literatura que tem como foco de investigação o fracasso escolar. Desse modo, há inúmeras
questões que necessitam ser investigadas, aprofundadas. Por exemplo, como e quais questões
de gênero estão imbricadas na produção do fracasso escolar. Porque meninos reprovam mais
que meninas? Existe diferenças no modo como alunos e alunas são avaliados? Que
estereótipos de gênero atravessam o cotidiano escolar e interferem no sucesso/insucesso de
meninos e meninas?
Para Louro (1997) a escola naturaliza as diferenças entre meninos e meninas. Muitos
comportamentos e atitudes são interpretados como algo intrínseco da natureza masculina e
feminina – concepção biologizante do ser humano. Desse modo, ainda nos dias de hoje, na
educação de meninos e meninas, os gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço
escolar e incorporados por meninas e meninos, tornando-se parte de sua identidade de gênero.
Nesse sentido, lidar com as diferenças entre alunos e alunas sem cair em atitudes e práticas
discriminatórias e/ou reducionistas constitui uma tarefa desafiadora para os educadores e
educadoras.
Referências bibliográficas
________________. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas.
Estudos Feministas, Florianópolis, v.9. n.2, p.554-574, dez, 2001.
DAL IGNA, M. C. “Há diferença”? Relações entre desempenho escolar e gênero. Porto
Alegre: UFRGS, 2005. 167f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Programa de Pós-
Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2005.