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Uma Leitura Pragmática Da Informação
Uma Leitura Pragmática Da Informação
Resumo:
González de Gómez (1996) evocara uma “leitura pragmática da informação”,
percebida pela autora como “uma nova maneira de olhar os fenômenos e processos da
informação”, na qual se enfatiza os processos e não os produtos”, processos que são “sociais,
cognitivos e comunicacionais, onde a prática e a ação de informação constróem a informação
e estabelecem novas redes relacionais de semelhanças e diferenças”. Alinhados ao desafio
proposto pela filósofa da informação, recorremos, nesse trabalho, à filosofia da linguagem de
Herbert Paul Grice (1913-1988). Grice concebeu uma filosofia da linguagem que se baseava
na compreensão de “senso-comum” da linguagem era capaz de explicar uma gama
diversificada de problemas filosóficos, o que se tornou mais tarde sua “teoria da conversa”.
Em sua obra, uma noção de informatividade emerge como categoria essencial do genérico
“princípio da cooperação”: “faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no
momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que
você esta engajado”. Grice sabe que, em situações concretas de comunicação, a cooperação
raramente ocorre, mas a questão que lhe interessa é que a violação, ainda que apenas
aparentemente, de uma ou mais dessas máximas produz as “implicaturas conversacionais”.
Ao aplicarmos algumas categorias de análise propostas por Grice (as máximas da quantidade
e da qualidade) às ocorrências do termo informação no português europeu dos sécs XVI e
XVII (período clássico da língua) – análise que nos será útil no processo de doutoramento –
verificamos que as máximas de Grice já se manifestavam naquela sincronia. Observamos que,
numa leitura pragmática, informações são, pelo menos desde então, “mais ou menos”
verdadeiras, independentemente das expressões que nos permitem pesar a contribuição de
informações “mais ou menos” informativas.
Abstract:
Gonzalez Gomez (1996) evoked a “pragmatic reading of information”, perceived by
the author as “a new point of view at the information phenomena and processes”, in which the
processes, and not products, are emphasizes, processes that are “social, cognitive and
communicative, where the practice and action of information build the information and
establish new relational networks of similarities and differences”. Aligned to the challenge
posed by the philosopher of information, we take, in this work, the philosophy of language of
Herbert Paul Grice (1913-1988). Grice’s philosophy was based on the understanding of
“common sense” of the language and conceived that it is was able to explain a diverse range
of philosophical problems, which later became his “theory of conversation”. In his work, a
notion of informativeness emerged as essential category of the generic “principle of
cooperation”: “Make your contribution such as it is required, at the stage at which it occurs,
by the accepted purpose or direction of the talk exchange in which you are engaged”. Grice
2
knows that in real situations of communication, cooperation rarely occurs, but the question
that interests you is that rape, even if only apparently one or more of these maxims produces
the “conversational implicatures”. By applying some categories of analysis proposed by Grice
(the maxims of quantity and quality) to the occurrences of the term information in european
portuguese during the sixteenth and seventeenth centuries (classical period of the language) –
analysis that will be useful in our process of PhD – found that Grice's maxims were already
present in that period. We observed that a pragmatic reading of information is, at least since
then, “more or less” true, regardless of the expressions that allow us to weigh the contribution
of information “more or less” informative.
Introdução
De acordo com González de Gómez (1996), uma “leitura pragmática da informação”
proporcionaria à Ciência da Informação (CI) brasileira “uma nova maneira de olhar os
fenômenos e processos da informação, na qual se enfatiza os processos e não os produtos”. A
Pragmática, segundo a filósofa,
oferece um caminho para apreender os fenômenos e processos de
informação como processos sociais, cognitivos e comunicacionais, onde a
prática e a ação de informação (o informar, informar-se e o ser informado),
constróem a informação e estabelecem novas redes relacionais de
semelhanças e diferenças ... E tudo isto porque o enfoque pragmático
permite superar um limite que era ‘transladado’ da lógica e da linguística
para os estudos da informação: ter como unidade de análise o enunciado ou
a proposição e não os textos, os discursos, a conversação, os jogos de
linguagem.
Para aprofundar uma leitura na direção postulada pela autora, proposta desse ensaio,
adotaremos a “visão diferente da tradicional” de Martellota (2011, p.20), em que as unidades
linguísticas apresentam ao mesmo tempo uma dimensão formal (fonético-fonológica e
morfossintática) e uma dimensão significativa (semântica, pragmática e discursiva). Na
dimensão significativa, são propriedades semânticas aquelas designativas dos significados
veiculados pelos elementos linguísticos (no nosso caso, a lexia informação) no contexto de
uso; propriedades pragmáticas as relativas aos aspectos interativos do uso dos elementos
linguísticos, que refletem o posicionamento dos falantes ao produzir seu enunciado e sua
preocupação com a recepção desse enunciado pelo ouvinte; e propriedades discursivas
aquelas referentes aos aspectos textuais que interferem no uso dos elementos linguísticos,
como, por exemplo, “o fato de uma informação já ter sido ou não mencionada anteriormente
no enunciado produzido pelo falante”. Assim, a utilização de uma expressão linguística como
a palavra “informação” implica a ativação de todas essas propriedades.
Isso implica conceber a sintaxe como estando diretamente relacionada a fenômenos de
natureza semântica ou discursivo-pragmática (MARTELOTTA, 2011, p.55-58). A tradição
centrada no uso comum da língua concede aos aspectos culturais uma importância mais
significativa. Embora admitam que os humanos possuam estruturas e habilidades inatas que
3
os capacitam a aprender e usar uma ou mais línguas, de base biológica cujos princípios estão
inseridos na estrutura genética, as abordagens centradas no uso partem do princípio de que
essas habilidades não são exclusivas da linguagem, estando associadas a outras formas de
pensamento ou habilidades cognitivas.
Em tese, estabelecido um novo conceito de língua que até (pelo menos) o século XIX
havia sido pouco explorada – a língua em uso – a Pragmática haveria de deixar marcas
sistemáticas que atestariam sua vocação discursiva. A questão passou a ser tais categorias,
cuja história epistemológica produziu algumas das grandes controvérsias filosóficas dos
nossos tempos, como aquele entre Searle e Derrida (RAJAGOPALAN, 2010).
No contexto da Pragmática, a linguagem é uma forma de ação e não de descrição do
real. Aí estão a concepção de significado como uso, de Wittgenstein (1979 [1953]), e a teoria
dos atos de fala, inicialmente formulada por John L. Austin (AUSTIN, 1962 [1955]), uma das
precursoras hipóteses da área.
O ponto de partida de Austin é a uma distinção entre verbos constatativos e
performativos, isto é, entre o uso de sentenças para descrever fatos e eventos e sentenças que
são usadas para realizar algo e não para descrever ou relatar. Um exemplo de constatativo
típico é a enunciação de uma informação tal como “João está brincando no quintal”, e de
performativo, “Prometo que lhe pagarei amanha”. Um constatativo pode ser verdadeiro ou
falso em relação às informações que enuncia. Ou seja, a sentença é verdadeira se, no nosso
exemplo, João está de fato brincando no quintal no momento em que a informação é
enunciada. Informar seria, nesse caso, um dos verbos constatativos.
Mas Austin não apenas propôs como também, no mesmo artigo, refutou a distinção
que fizera. O filósofo de Oxford percebeu que a dicotomia era inadequada, uma vez que o
constatativo tem também uma dimensão performativa: descrever ou informar são, também,
atos que realizamos e que podem ser bem ou mal sucedido. Assim como os performativos tem
uma dimensão constatativa, já que mantêm uma relação com um fato: o enunciado
performativo pode se tornar nulo, quando, por exemplo, aquele que efetua a ação não está
qualificado, ou lhe falta sinceridade, ou rompe o seu compromisso. Com isso, conclui Austin,
“temos necessidade talvez de uma teoria mais geral desses atos de discurso e, nessa teoria, a
nossa antítese – constativo/performativo – encontrará dificuldades para sobreviver”.
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A descoberta da intersubjetividade
O linguista francês Émile Benveniste, considerado o “pai da enunciação”, parece ter
encontrado uma “teoria mais geral”, de que fala Austin1. Em artigo intitulado Da
subjetividade na linguagem (BENVENISTE, 2005 [1958]), o autor conclui que “muitas
noções na linguística, e talvez mesmo na psicologia, aparecerão sob uma luz diferente se as
restabelecermos no quadro do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que
fala, e sob a condição de intersubjetividade, única que torna possível a comunicação
linguística” (p. 253, grifo nosso).
Era a intersubjetividade que produzia “verbos que denotam pelo seu sentido um ato
individual de alcance social”, uma teoria potencialmente substitutiva da teoria da ação
postulada e criticada por Austin. Com efeito, uma definição de Pragmática considerada
“integradora” por Armengaud (2006, p.12) é a de Francis Jacques, que aborda a linguagem
como “fenômeno simultaneamente discursivo, comunicativo e social”. Para essa antropóloga,
a linguagem é “um conjunto intersubjetivo de signos cujo uso é determinado por regras
compartilhadas”.
“Eu juro”, diz Benveniste, é “uma forma de valor singular, por colocar sobre aquele
que se enuncia eu a realidade de um juramento”. Essa enunciação é um cumprimento, como
também queria Austin:
“Jurar” consiste precisamente na enunciação eu juro, pela qual o Ego está
preso. (...) Dizendo je promets, je garantis, prometo e garanto efetivamente.
As consequências (sociais, jurídicas, etc.) do meu juramento, da minha
promessa se desenrolam a partir da instância de discurso que contém je
jure, je promets. A enunciação identifica-se com o próprio ato
(BENVENISTE, 2005 [1958], p.292)
1
Certamente, Benveniste não conhecia Quando dizer é fazer, a obra em que Austin (†1960)
problematizou a questão: embora tenha começado a ser redigido em 1955, o livro só foi publicado,
postumamente, em 1962 (MARCONDES, 2005, p.16)
5
Nas duas primeiras pessoas, “há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e um discurso
sobre essa pessoa”. Eu designa aquele que fala e implica ao mesmo tempo um enunciado
sobre o “eu”: dizendo eu, não posso deixar de falar de mim. Na segunda pessoa, “tu” é
necessariamente designado por eu e não pode ser pensado fora de uma situação proposta a
partir do “eu”; e, ao mesmo tempo, eu enuncia algo como um predicado de “tu”.
O “centro do problema”, como diz Benveniste, está na distinção da terceira pessoa.
Uma característica das pessoas “eu” e “tu” é a sua unicidade especifica: o “eu” que enuncia, o
“tu” ao qual “eu” se dirige são cada vez únicos. “Ele”, porém, pode ser uma infinidade de
sujeitos – ou nenhum.
A forma dita de terceira pessoa comporta realmente uma indicação de enunciado sobre
alguém ou alguma coisa, mas não referida a uma “pessoa” especifica. Da terceira pessoa, um
predicado é bem enunciado somente fora do “eu-tu”; essa forma é assim exceptuada da
relação pela qual “eu” e “tu” se especificam. Daí ser questionável, para Benveniste, a
legitimidade dessa forma como “pessoa”.
A não-pessoa possui como marca a ausência do que qualifica especificamente o “eu” e
o “tu”. Uma vez que serve sempre quando a pessoa não é designada, “reencontramos aqui a
questão dos impessoais”, um velho problema, um “debate estéril”, como descreve-o
Benveniste, “enquanto se persistir em confundir ‘pessoa’ e ‘sujeito’”: em “chove, troveja”, é
exatamente como não pessoal que se relata o processo, enquanto puro fenômeno, cuja
produção não se reporta a um agente.
Ele (ou ela) pode servir de forma de alocução em face de alguém que está presente
quando se quer subtraí-lo à esfera pessoal do “tu” (“vós”). De um lado, à maneira de
reverência: é forma de polidez (empregada em italiano, alemão ou nas formas de “majestade”)
que eleva o interlocutor acima da condição de pessoa e da relação de homem a homem. De
outro lado, em testemunho de menosprezo, para rebaixar aquele que não merece nem mesmo
que alguém se dirija “pessoalmente” a ele. Da sua função de forma não pessoal, a “terceira
6
pessoa” tira essa capacidade de se tornar igualmente bem uma forma de respeito que faz de
um ser muito mais que uma pessoa e uma forma de ultraje que pode anulá-la como pessoa (p.
254).
[2] (...) pera el-Rei, seu senhor, per eles se poder informar de seu estado
e das cousas do seu reino (João de Barros, Décadas da Asia, 1552)
[3] (...) quis que eu, em uma e outra parte, me informasse do estado de
nossas cousas com toda a certeza, sinceridade e desengano (Padre
António Vieira, Cartas, 1626-1692)
2
http://www.atualidadefutebol.com/
8
estado das coisas é tão importante para o ser humano? O que dizem a respeito os grandes
teóricos da intersubjetividade?
Paulo Freire, por exemplo, contempla um aspecto fundamental para as formas
intersubjetivas: “não há pensamento que não esteja referido à realidade, direta ou
indiretamente marcado por ela, do que resulta que a linguagem que o exprime não pode estar
isenta destas marcas”. Para Paulo Freire (1985 [1969]), o que há de objetividade na
comunicação exigiria “um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro
sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos”.
Deste modo, entre o sujeito pensante e outro sujeito, haveria o objeto pensado. Tal objeto, por
isto mesmo, “não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador
da comunicação”, isto porque “a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida
dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito”.
Outro aspecto muito relevante a respeito da intersubjetividade é que ela é adquirida, e
não nativa. Piaget mostrou que os seres humanos só adquirem essa capacidade de socialização
a partir de certa idade – hipótese que vem sendo sistematicamente testadas e comprovadas
(TAILLE et al., 1992; TOMASELLO, 2003). Verificou-se que crianças de 4 anos,
conversando entre elas, emprestavam definições diferentes às mesmas palavras, e cada uma
seguia suas próprias regras nos jogos, sem parecer sentir necessidade de regular as diferentes
condutas a partir de uma referência única. Falta à criança, jsutamente, a capacidade de aderir a
um objeto comum de referência, condição necessária ao verdadeiro diálogo. Tal capacidade é
aprendida, segundo Tomasello, por imitação, algo que mesmo os primatas superiores mais
inteligentes são incapazes. Uma prova disso é que eles não apontam na direção das coisas.
Intersubjetividade nos remete, ainda, às categorias postuladas pelo inglês Herbert Paul
Grice (1913-1988), a quem a Ciência da Informação brasileira dedicou pouco espaço (v.
GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1996; NOVELLINO, 1998; ORRICO, 2001a; b; RODRIGUES e
CARICATTI, 2009), a despeito do fato de informatividade ser uma das categorias essenciais
do princípio da cooperação, ponto central da pragmática proposta por esse professor de
Berkeley. Sobre a noção de informação que tal conceito inspira dedicamos nosso estudo, com
o qual esperamos colaborar na direção de uma “leitura pragmática da informação”.
Corpora
Nosso objeto de estudo no doutoramento é a emergência da lexia informação na língua
portuguesa, que segundo atestam estudos anteriores, marcam a passagem do período arcaico
da língua para o chamado português clássico (sécs. XVI e XVII). Queremos examinar nesse
9
A Pragmática de Grice
Grice concebia uma filosofia da linguagem que se baseasse em uma compreensão de
“senso-comum” da linguagem era capaz de explicar uma gama diversificada de problemas
filosóficos, o que se tornou mais tarde sua “teoria da conversa” (CHAPMAN, 2005). Ao
contrário dos filósofos formais, como Russell ou os positivistas lógicos, Grice argumentou
que, tanto quanto o sentido formal e o abstrato, as diferenças entre significado literal e o
“significado do falante” não são aleatórias. Com efeito, o uso da linguagem, como muitos
outros aspectos do comportamento humano, é um esforço orientado por um objetivo.
Se as pessoas se engajam na comunicação, é na expectativa de alcançar certos
resultados; falamos para sermos entendidos, argumenta Grice, “caso contrário sequer nos
engajaríamos nesse processo”. Em toda troca linguística haveria sempre, segundo Grice, uma
interpretação pelo ouvinte das intenções do falante de modo a decidir-se sobre como entender
o significado das expressões utilizadas. A consideração do contexto é decisiva para que essa
interpretação se dê; é ele que fornece os elementos que possibilitam ao ouvinte interpretar o
falante de uma maneira ou de outra.
Nas palestras William James, proferidas em Harvard (1967) e apenas parcialmente
publicadas, Grice (1989 [1975]) expos uma ideia4 que podemos apontar como central para o
pensamento moderno em torno da Pragmática, o “princípio de cooperação”:
3
www.corpusdopotugues.org, acessado diversas vezes entre 2010 e 2011
4
As propostas eram relativamente breves e apenas sugeriam como o trabalho futuro poderia prosseguir.
10
podia respeitar todas as máximas ao mesmo tempo: à infração “aberta” de uma das máximas
corresponde o respeito “tácito” de uma outra.
No exemplo acima, o elogio de algo sem importância causa a implicatura de que não
há nenhuma outra qualidade a ser destacada e que, por conseguinte, não se trata de um
estudante de filosofia recomendável. Logo, o candidato não é recomendável porque não tem
nenhuma qualidade exceto a da caligrafia, que não é relevante. Isso é insinuado, sem que seja
efetivamente dito. Insinuação, sugestão e ironia, por sinal, são para Grice os casos mais
característicos de implicatura conversacional, um modo de constituição de significado para
além do que é explicitamente proferido pelo falante. Nesses casos, algo é dito de modo
indireto ou implícito sem que possa ser tornado explícito, sob pena de constituir- se, por
exemplo, em uma calúnia. Já o comentário irônico viola as máximas conversacionais, sem
que o falante possa de fato ser responsabilizado, porque nada disse explicitamente. Ele pode
sempre recuar da intenção irônica e afirmar que sua intenção foi outra, evitando assim a
interpretação de ofensa ou agressão verbal.
Grice sugere que as propriedades essenciais das implicaturas são, em boa parte,
previsíveis, ou calculáveis. Isto é, para toda implicatura presumível deve ser possível
construir um argumento como o que segue, demonstrando que, a partir do significado literal
ou do sentido da enunciação, por um lado, e do princípio cooperativo e das máximas, por
outro, segue-se que um destinatário faria a inferência em questão para preservar a cooperação
presumida pelo seguinte algoritmo:
com efeito, anular a implicatura que o texto teria suscitado se tivesse ficado sem sequência
(ARMENGAUD, 2006). Considere-se a sequência de informações (estados das coisas):
chegou ao topo”. No entanto, a primeira pressupõe “John tentou chegar ao topo”, mas a
segunda não.
As máximas de Grice fornecem “as premissas faltantes ao silogismo elíptico
(entimema), cuja implicatura é em geral a conclusão” (ARMENGAUD, 2006, p.89). Levinson
(2007 [1983], p.130ss) nos dá exemplos de implicaturas que surgem diretamente da suposição
de que o falante está observando as máximas e que simplesmente amplificam o conteúdo
comunicado de maneiras restritas.
Podemos dizer com certa segurança que, já séc. XVI, “informação” já manifestava
propriedades pragmáticas que corroboram a máxima griceana da qualidade, tanto no que se
referre à demanda de sinceridade da enunciação quanto ao uso de “evidências adequadas” que
parecem reforçar a implicatura de que o falante está falando a verdade.
A máxima da quantidade por outro lado fornece, segundo Levinson, “algumas das
implicaturas padrão mais interessantes”, uma vez que seu ostensivo desacato é
comunicativamente importante e comunicativamente diferente.
Suponhamos que se enuncie: “João tem catorze filhos”. O falante estará comunicando
a implicatura de que João tem apenas catorze filhos, embora fosse compatível com a verdade
uma situação em que João tenha vinte filhos (quem tem vinte tem catorze). Para o ouvinte, o
falante deu a entender que João tem apenas catorze, não mais, porque, se ele tivesse vinte,
então, pela máxima da quantidade (“diga tanto quanto for exigido”) o falante devia tê-lo dito.
Similarmente, quando se diz que “A bandeira é branca”, entende-se que a bandeira não tem
outras cores e, portanto, é inteiramente branca.
O efeito da máxima da informatividade, que supostamente estão no conteúdo
pragmático nos usos das noções de informação (ou enformação) é acrescentar à maioria das
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<e, ou>
<n.... 5,4,3,2, 1>
<excelente, bom>
<quente, morno>
<sempre, frequentemente, às vezes>
<conseguir V, tentar V; querer V>
<necessariamente p, p, possivelmente p>
<certamente que p, provável que p, possível que p>
<ter de, dever, poder>
<frio, fresco>
<adorar, gostar>
<nenhum, não todos>
< “já que p, q”, “se p, então q”>
<a sabe p, a acredita em p>
<a percebeu p, a pensou em p>
<a revelou p, a disse p>
Dada qualquer escala desse tipo, há uma regra geral de caráter preditivo para derivar
um conjunto de implicaturas de quantidade, a saber, se um falante afirma que prevalece um
ponto inferior ou mais fraco (isto é, um item à direita no conjunto ordenado de alternativas)
numa escala, então, ele veicula a implicatura de que um ponto superior ou mais forte (à
esquerda no conjunto ordenado) não prevalece. Portanto, se alguém afirma “alguns rapazes
foram à festa”, implicita conversacionalmente que “nem todos os rapazes foram à festa”. Por
outro lado, dizer que “alguns rapazes foram” não compromete o falante com “nem todos os
rapazes foram”, pois “alguns” não inclui “não todos” como parte do seu conteúdo semântico.
Vejamos então, em nossos dados, alguns testemunhos de informatividade implicada
nos usos de informação no português moderno:
[9] (...) ali não houvesse língua que entendesse estes dous irmãos, pera
deles tomar algûa informação, na idade deles entenderam que o pai
ou mãe não deviam ser mui longe (João de Barros, Décadas da Asia,
1552)
[10] Que particularmente ali lhe desse / Informação mui larga, pois
faria / Nisso serviço ao Rei, por que soubesse / O que neste negócio
se faria. (Luis de Camões, Os Lusíadas, 1572)
Considerações finais
Informação, pela leitura pragmática com base em Grice, mantém desde o português
que se escrevia no séc. XVI uma relação com a verdade, por intermédio pragmático da
sinceridade, e com sua precisão, ou completude ou informatividade. Essas medidas devem ser
19
Bibliografia
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______. A filosofia analítica e a linguagem. In: (Ed.). Problemas de Lingüística Geral I (trad.
Maria Gloria Novak e Maria Luisa Neri). Campinas, SP: Pontes, 2005 [1963]. p.294-305
CHAPMAN, S. Paul Grice, philosopher and linguist. New York: Palgrave Macmillan, 2005.
D'INTINO, R. Enformação das cousas da China: textos do século XVI. Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda, 1989.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? (Trad. Rosysca Darci de Oliveira). São Paulo: Paz e
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London: Harvard University Press, 1989 [1975]. p.23-40
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[1983].
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas (trad. José Carlos Bruni). São Paulo: Nova
Cultural, 1979 [1953].