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XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação - XIII ENANCIB 2012

GT 1: Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação

UMA LEITURA PRAGMÁTICA DA INFORMAÇÃO


Comunicação Oral
Marcos Gonzalez - IBICT/UFRJ
marcosgonzalez.rj@gmail.com

Resumo:
González de Gómez (1996) evocara uma “leitura pragmática da informação”,
percebida pela autora como “uma nova maneira de olhar os fenômenos e processos da
informação”, na qual se enfatiza os processos e não os produtos”, processos que são “sociais,
cognitivos e comunicacionais, onde a prática e a ação de informação constróem a informação
e estabelecem novas redes relacionais de semelhanças e diferenças”. Alinhados ao desafio
proposto pela filósofa da informação, recorremos, nesse trabalho, à filosofia da linguagem de
Herbert Paul Grice (1913-1988). Grice concebeu uma filosofia da linguagem que se baseava
na compreensão de “senso-comum” da linguagem era capaz de explicar uma gama
diversificada de problemas filosóficos, o que se tornou mais tarde sua “teoria da conversa”.
Em sua obra, uma noção de informatividade emerge como categoria essencial do genérico
“princípio da cooperação”: “faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no
momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que
você esta engajado”. Grice sabe que, em situações concretas de comunicação, a cooperação
raramente ocorre, mas a questão que lhe interessa é que a violação, ainda que apenas
aparentemente, de uma ou mais dessas máximas produz as “implicaturas conversacionais”.
Ao aplicarmos algumas categorias de análise propostas por Grice (as máximas da quantidade
e da qualidade) às ocorrências do termo informação no português europeu dos sécs XVI e
XVII (período clássico da língua) – análise que nos será útil no processo de doutoramento –
verificamos que as máximas de Grice já se manifestavam naquela sincronia. Observamos que,
numa leitura pragmática, informações são, pelo menos desde então, “mais ou menos”
verdadeiras, independentemente das expressões que nos permitem pesar a contribuição de
informações “mais ou menos” informativas.

Abstract:
Gonzalez Gomez (1996) evoked a “pragmatic reading of information”, perceived by
the author as “a new point of view at the information phenomena and processes”, in which the
processes, and not products, are emphasizes, processes that are “social, cognitive and
communicative, where the practice and action of information build the information and
establish new relational networks of similarities and differences”. Aligned to the challenge
posed by the philosopher of information, we take, in this work, the philosophy of language of
Herbert Paul Grice (1913-1988). Grice’s philosophy was based on the understanding of
“common sense” of the language and conceived that it is was able to explain a diverse range
of philosophical problems, which later became his “theory of conversation”. In his work, a
notion of informativeness emerged as essential category of the generic “principle of
cooperation”: “Make your contribution such as it is required, at the stage at which it occurs,
by the accepted purpose or direction of the talk exchange in which you are engaged”. Grice
2

knows that in real situations of communication, cooperation rarely occurs, but the question
that interests you is that rape, even if only apparently one or more of these maxims produces
the “conversational implicatures”. By applying some categories of analysis proposed by Grice
(the maxims of quantity and quality) to the occurrences of the term information in european
portuguese during the sixteenth and seventeenth centuries (classical period of the language) –
analysis that will be useful in our process of PhD – found that Grice's maxims were already
present in that period. We observed that a pragmatic reading of information is, at least since
then, “more or less” true, regardless of the expressions that allow us to weigh the contribution
of information “more or less” informative.

Introdução
De acordo com González de Gómez (1996), uma “leitura pragmática da informação”
proporcionaria à Ciência da Informação (CI) brasileira “uma nova maneira de olhar os
fenômenos e processos da informação, na qual se enfatiza os processos e não os produtos”. A
Pragmática, segundo a filósofa,
oferece um caminho para apreender os fenômenos e processos de
informação como processos sociais, cognitivos e comunicacionais, onde a
prática e a ação de informação (o informar, informar-se e o ser informado),
constróem a informação e estabelecem novas redes relacionais de
semelhanças e diferenças ... E tudo isto porque o enfoque pragmático
permite superar um limite que era ‘transladado’ da lógica e da linguística
para os estudos da informação: ter como unidade de análise o enunciado ou
a proposição e não os textos, os discursos, a conversação, os jogos de
linguagem.

Para aprofundar uma leitura na direção postulada pela autora, proposta desse ensaio,
adotaremos a “visão diferente da tradicional” de Martellota (2011, p.20), em que as unidades
linguísticas apresentam ao mesmo tempo uma dimensão formal (fonético-fonológica e
morfossintática) e uma dimensão significativa (semântica, pragmática e discursiva). Na
dimensão significativa, são propriedades semânticas aquelas designativas dos significados
veiculados pelos elementos linguísticos (no nosso caso, a lexia informação) no contexto de
uso; propriedades pragmáticas as relativas aos aspectos interativos do uso dos elementos
linguísticos, que refletem o posicionamento dos falantes ao produzir seu enunciado e sua
preocupação com a recepção desse enunciado pelo ouvinte; e propriedades discursivas
aquelas referentes aos aspectos textuais que interferem no uso dos elementos linguísticos,
como, por exemplo, “o fato de uma informação já ter sido ou não mencionada anteriormente
no enunciado produzido pelo falante”. Assim, a utilização de uma expressão linguística como
a palavra “informação” implica a ativação de todas essas propriedades.
Isso implica conceber a sintaxe como estando diretamente relacionada a fenômenos de
natureza semântica ou discursivo-pragmática (MARTELOTTA, 2011, p.55-58). A tradição
centrada no uso comum da língua concede aos aspectos culturais uma importância mais
significativa. Embora admitam que os humanos possuam estruturas e habilidades inatas que
3

os capacitam a aprender e usar uma ou mais línguas, de base biológica cujos princípios estão
inseridos na estrutura genética, as abordagens centradas no uso partem do princípio de que
essas habilidades não são exclusivas da linguagem, estando associadas a outras formas de
pensamento ou habilidades cognitivas.
Em tese, estabelecido um novo conceito de língua que até (pelo menos) o século XIX
havia sido pouco explorada – a língua em uso – a Pragmática haveria de deixar marcas
sistemáticas que atestariam sua vocação discursiva. A questão passou a ser tais categorias,
cuja história epistemológica produziu algumas das grandes controvérsias filosóficas dos
nossos tempos, como aquele entre Searle e Derrida (RAJAGOPALAN, 2010).
No contexto da Pragmática, a linguagem é uma forma de ação e não de descrição do
real. Aí estão a concepção de significado como uso, de Wittgenstein (1979 [1953]), e a teoria
dos atos de fala, inicialmente formulada por John L. Austin (AUSTIN, 1962 [1955]), uma das
precursoras hipóteses da área.
O ponto de partida de Austin é a uma distinção entre verbos constatativos e
performativos, isto é, entre o uso de sentenças para descrever fatos e eventos e sentenças que
são usadas para realizar algo e não para descrever ou relatar. Um exemplo de constatativo
típico é a enunciação de uma informação tal como “João está brincando no quintal”, e de
performativo, “Prometo que lhe pagarei amanha”. Um constatativo pode ser verdadeiro ou
falso em relação às informações que enuncia. Ou seja, a sentença é verdadeira se, no nosso
exemplo, João está de fato brincando no quintal no momento em que a informação é
enunciada. Informar seria, nesse caso, um dos verbos constatativos.
Mas Austin não apenas propôs como também, no mesmo artigo, refutou a distinção
que fizera. O filósofo de Oxford percebeu que a dicotomia era inadequada, uma vez que o
constatativo tem também uma dimensão performativa: descrever ou informar são, também,
atos que realizamos e que podem ser bem ou mal sucedido. Assim como os performativos tem
uma dimensão constatativa, já que mantêm uma relação com um fato: o enunciado
performativo pode se tornar nulo, quando, por exemplo, aquele que efetua a ação não está
qualificado, ou lhe falta sinceridade, ou rompe o seu compromisso. Com isso, conclui Austin,
“temos necessidade talvez de uma teoria mais geral desses atos de discurso e, nessa teoria, a
nossa antítese – constativo/performativo – encontrará dificuldades para sobreviver”.
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A descoberta da intersubjetividade
O linguista francês Émile Benveniste, considerado o “pai da enunciação”, parece ter
encontrado uma “teoria mais geral”, de que fala Austin1. Em artigo intitulado Da
subjetividade na linguagem (BENVENISTE, 2005 [1958]), o autor conclui que “muitas
noções na linguística, e talvez mesmo na psicologia, aparecerão sob uma luz diferente se as
restabelecermos no quadro do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que
fala, e sob a condição de intersubjetividade, única que torna possível a comunicação
linguística” (p. 253, grifo nosso).
Era a intersubjetividade que produzia “verbos que denotam pelo seu sentido um ato
individual de alcance social”, uma teoria potencialmente substitutiva da teoria da ação
postulada e criticada por Austin. Com efeito, uma definição de Pragmática considerada
“integradora” por Armengaud (2006, p.12) é a de Francis Jacques, que aborda a linguagem
como “fenômeno simultaneamente discursivo, comunicativo e social”. Para essa antropóloga,
a linguagem é “um conjunto intersubjetivo de signos cujo uso é determinado por regras
compartilhadas”.
“Eu juro”, diz Benveniste, é “uma forma de valor singular, por colocar sobre aquele
que se enuncia eu a realidade de um juramento”. Essa enunciação é um cumprimento, como
também queria Austin:
“Jurar” consiste precisamente na enunciação eu juro, pela qual o Ego está
preso. (...) Dizendo je promets, je garantis, prometo e garanto efetivamente.
As consequências (sociais, jurídicas, etc.) do meu juramento, da minha
promessa se desenrolam a partir da instância de discurso que contém je
jure, je promets. A enunciação identifica-se com o próprio ato
(BENVENISTE, 2005 [1958], p.292)

Essa condição não se dá no sentido do verbo, como suspirou Austin: é a


intersubjetividade do discurso que a torna possível. Do fato, a própria instância de discurso
que contém o verbo apresenta o ato, ao mesmo tempo em que fundamenta o sujeito. Daí a
diferença entre eu juro e ele jura: o primeiro é um compromisso, o segundo uma descrição
apenas, no mesmo plano de “ele corre”, “ele fuma”, ou seja, “não passa de uma informação”
dirá Benveniste mais tarde (2005 [1963]).
Segundo Benveniste, a classificação de expressões da pessoa verbal em três pessoas,
hoje a mais prestigiada na literatura didática de nossa língua, foi elaborada pelos gregos para a

1
Certamente, Benveniste não conhecia Quando dizer é fazer, a obra em que Austin (†1960)
problematizou a questão: embora tenha começado a ser redigido em 1955, o livro só foi publicado,
postumamente, em 1962 (MARCONDES, 2005, p.16)
5

descrição da sua língua. Entretanto, o “caráter sumário e não-linguístico de uma categoria


assim proposta deve ser denunciado”.
Uma teoria linguística da pessoa verbal só pode constituir-se sobre a base
das oposições que diferenciam as pessoas, e se resumirá inteiramente na
estrutura dessas oposições. Para desvendá-la, poderemos partir das
definições empregadas pelos gramáticos árabes. Para eles, a primeira
pessoa é “aquele que fala”; a segunda, “aquele a quem nos dirigimos”; mas
a terceira é “aquele que está ausente”. Nessas denominações, encontra-se
implícita uma noção justa das relações entre as pessoas; justa sobretudo por
revelar a disparidade entre a terceira pessoa e as duas primeiras.
Contrariamente ao que faria crer a nossa terminologia, elas não são
homogêneas (p. 250).

Nas duas primeiras pessoas, “há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e um discurso
sobre essa pessoa”. Eu designa aquele que fala e implica ao mesmo tempo um enunciado
sobre o “eu”: dizendo eu, não posso deixar de falar de mim. Na segunda pessoa, “tu” é
necessariamente designado por eu e não pode ser pensado fora de uma situação proposta a
partir do “eu”; e, ao mesmo tempo, eu enuncia algo como um predicado de “tu”.
O “centro do problema”, como diz Benveniste, está na distinção da terceira pessoa.
Uma característica das pessoas “eu” e “tu” é a sua unicidade especifica: o “eu” que enuncia, o
“tu” ao qual “eu” se dirige são cada vez únicos. “Ele”, porém, pode ser uma infinidade de
sujeitos – ou nenhum.
A forma dita de terceira pessoa comporta realmente uma indicação de enunciado sobre
alguém ou alguma coisa, mas não referida a uma “pessoa” especifica. Da terceira pessoa, um
predicado é bem enunciado somente fora do “eu-tu”; essa forma é assim exceptuada da
relação pela qual “eu” e “tu” se especificam. Daí ser questionável, para Benveniste, a
legitimidade dessa forma como “pessoa”.
A não-pessoa possui como marca a ausência do que qualifica especificamente o “eu” e
o “tu”. Uma vez que serve sempre quando a pessoa não é designada, “reencontramos aqui a
questão dos impessoais”, um velho problema, um “debate estéril”, como descreve-o
Benveniste, “enquanto se persistir em confundir ‘pessoa’ e ‘sujeito’”: em “chove, troveja”, é
exatamente como não pessoal que se relata o processo, enquanto puro fenômeno, cuja
produção não se reporta a um agente.
Ele (ou ela) pode servir de forma de alocução em face de alguém que está presente
quando se quer subtraí-lo à esfera pessoal do “tu” (“vós”). De um lado, à maneira de
reverência: é forma de polidez (empregada em italiano, alemão ou nas formas de “majestade”)
que eleva o interlocutor acima da condição de pessoa e da relação de homem a homem. De
outro lado, em testemunho de menosprezo, para rebaixar aquele que não merece nem mesmo
que alguém se dirija “pessoalmente” a ele. Da sua função de forma não pessoal, a “terceira
6

pessoa” tira essa capacidade de se tornar igualmente bem uma forma de respeito que faz de
um ser muito mais que uma pessoa e uma forma de ultraje que pode anulá-la como pessoa (p.
254).

Estado das coisas como referencial de informação


Bar-Hillel avalia o papel do contexto para a determinação da referência de uma
sentença, numa tentativa de definir o objeto da Pragmática através das sentenças como “O
gelo flutua sobre a água”, “Está chovendo” ou “Estou com fome”. O autor aponta que a
primeira pode ser compreendida pelo interlocutor sem dificuldades, chamando-a de asserção,
enquanto as duas últimas, por conterem elementos indiciais, que remetem a uma dependência
de contexto, possuem problemas quanto à determinação do estado-de-coisas a que se referem
– o contexto aí é fundamental para a interpretação (VANIN, 2009).
Uma particularidade da “terceira pessoa”, diz Benveniste, é que ela “é a única pela
qual uma coisa é predicada verbalmente”. Esta afirmação nos é relevante, pois, como já
procuramos demonstrar em capítulo acima, a palavra “informação” é compreendida
cognitivamente como tendo por conteúdo a predicação envolvendo um estado de coisas, o
que aponta para uma “despersonalização” do conceito moderno de informação.
Na língua portuguesa, desde o séc. XVI, podemos facilmente identificar a substância
de que é feita a informação, ou seja, a que se refere a palavra “informação” ou “enformação”
(e suas variações). Talvez fosse suficiente citar a coletânea Enformação das cousas da China:
textos do século XVI (D'INTINO, 1989), mas muios outros textos atestam o noção de estado-
de-coisas como referecial objetivo da informação em uso:
[1] (...) vos vyrdes que, de vos soltares, la pode ficar tamanho
escandallo que as cousas se danẽ, e fiquem em pior estado do que
d'amtes estavã pella carta de marca, e vos nam poderdes deixãdoas
em tal estado que se nõ Rompam com vosa ausência, vir a ausẽçia,
vyr a my, pera me ẽformades d'elas (D. João III, Letters of John III -
King of Portugal 1521-1557, 1538)

[2] (...) pera el-Rei, seu senhor, per eles se poder informar de seu estado
e das cousas do seu reino (João de Barros, Décadas da Asia, 1552)

[3] (...) quis que eu, em uma e outra parte, me informasse do estado de
nossas cousas com toda a certeza, sinceridade e desengano (Padre
António Vieira, Cartas, 1626-1692)

[4] Da presente causa dêstes, informará a Vossa Mercê o portador,


quando se sirva de ouvir-me nele e dele o estado desta maldição, que
tal cousa já não pode ter outro nome (Francisco Manuel de Melo,
Cartas familiares, 1650)
7

A construção lexical ainda hoje permanece viva:


[5] O caso é que no tema das apostas, para realizar um prognóstico
acertado sobre o que acontecerá em um determinado partido é
preciso se informar convenientemente como estão o estado das
coisas, isto é, que estatística de confrontos individuais possuem duas
equipas, como estão a jogar na liga, que jogadores têm lesionados, se
a equipa atravessa momentos difíceis economicamente, se os seus
jogadores estão cansados, e assim um longo etcétera de informações
(Blog Atualidade do futebol2).

Essa posição totalmente particular da “não pessoa” explica, segundo Benveniste,


alguns dos seus empregos particulares no domínio de uma palavra como “informação”: por
uma “correlação de personalidade” das expressões verbais, “eu-tu” são as marcas de pessoa e,
portanto, de intersubjetividade; “ele” e todas as fórmulas pragmáticas (que levam acima,
abaixo ou além da pessoa) são privados de pessoa, por isso são “objetivas”.
Essa concepção de que informação refere-se objetivamente ao estado das coisas é
característica da filosofia da linguagem tradicional, o que explica ser recusada pelas correntes
teóricas ditas pós-modernas. Os paradigmas atuais consideram superada aquela visão
representacionista da linguagem, em que a linguagem é vista como uma maneira de
representar uma realidade que a ela pré-existe e que é considerada independente da própria
linguagem (NOVELLINO, 1998):
Para os filósofos tradicionais, a linguagem existe para se falar sobre as
coisas, sendo que a relação entre linguagem e realidade resulta de uma
convenção arbitrária associando as palavras e as coisas, e de uma
semelhança natural associando as frases ao estado das coisas (p. 139, grifo
nosso)

Na visão representacionista, a linguagem é essencialmente “individual e a sua função


comunicativa é considerada secundária”. Para Novellino, ela é, pois, “subjetiva”, porque
considera as convenções e regras linguísticas como adquiridas intuitivamente e não como
decorrentes de um processo de socialização, e “individualista”, porque se abstrai da sua
função comunicativa e interativa.
Concordamos com as críticas, mas a relação entre informação e estado das coisas,
atestada pela língua em uso, não pode ser simplesmente desconsiderada. A questão é
encontrar hipóteses nem subjetivas nem objetivas para explicá-la, pois são visões superadas,
no sentido de que são nitidamente inspiradas no senso comum. Parece ser necessário, em
estudo mais criterioso sobre esse assunto: afinal, por que manter-se atualizado a respeito do

2
http://www.atualidadefutebol.com/
8

estado das coisas é tão importante para o ser humano? O que dizem a respeito os grandes
teóricos da intersubjetividade?
Paulo Freire, por exemplo, contempla um aspecto fundamental para as formas
intersubjetivas: “não há pensamento que não esteja referido à realidade, direta ou
indiretamente marcado por ela, do que resulta que a linguagem que o exprime não pode estar
isenta destas marcas”. Para Paulo Freire (1985 [1969]), o que há de objetividade na
comunicação exigiria “um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro
sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos”.
Deste modo, entre o sujeito pensante e outro sujeito, haveria o objeto pensado. Tal objeto, por
isto mesmo, “não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador
da comunicação”, isto porque “a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida
dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito”.
Outro aspecto muito relevante a respeito da intersubjetividade é que ela é adquirida, e
não nativa. Piaget mostrou que os seres humanos só adquirem essa capacidade de socialização
a partir de certa idade – hipótese que vem sendo sistematicamente testadas e comprovadas
(TAILLE et al., 1992; TOMASELLO, 2003). Verificou-se que crianças de 4 anos,
conversando entre elas, emprestavam definições diferentes às mesmas palavras, e cada uma
seguia suas próprias regras nos jogos, sem parecer sentir necessidade de regular as diferentes
condutas a partir de uma referência única. Falta à criança, jsutamente, a capacidade de aderir a
um objeto comum de referência, condição necessária ao verdadeiro diálogo. Tal capacidade é
aprendida, segundo Tomasello, por imitação, algo que mesmo os primatas superiores mais
inteligentes são incapazes. Uma prova disso é que eles não apontam na direção das coisas.
Intersubjetividade nos remete, ainda, às categorias postuladas pelo inglês Herbert Paul
Grice (1913-1988), a quem a Ciência da Informação brasileira dedicou pouco espaço (v.
GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1996; NOVELLINO, 1998; ORRICO, 2001a; b; RODRIGUES e
CARICATTI, 2009), a despeito do fato de informatividade ser uma das categorias essenciais
do princípio da cooperação, ponto central da pragmática proposta por esse professor de
Berkeley. Sobre a noção de informação que tal conceito inspira dedicamos nosso estudo, com
o qual esperamos colaborar na direção de uma “leitura pragmática da informação”.

Corpora
Nosso objeto de estudo no doutoramento é a emergência da lexia informação na língua
portuguesa, que segundo atestam estudos anteriores, marcam a passagem do período arcaico
da língua para o chamado português clássico (sécs. XVI e XVII). Queremos examinar nesse
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trabalho se essa emergência esteve acompanhada de que manifestações pragmáticas


envolvendo a lexia.
Ora, a linguística “tende a ser empírica, e não especulativa ou intuitiva”, ou seja,
“tende a basear suas descobertas em métodos rígidos de observação” (FURTADO DA
CUNHA et al., 2009, p.20). Seguindo as recomendações de uma abordagem centrada no uso,
apoiamos nossas análises em dados reais contendo os lexemas derivados de inform- e enform-
, extraídos principalmente do Corpus do Português (DAVIES e FERREIRA, 2006-)3,
doravante CdP, composto de 45 milhões de palavras e quase 57.000 textos, sendo 20 milhões
de palavras do século XX, 10 milhões do século XIX e 15 milhões de palavras dos séculos
XIII-XVIII. No século XX, o corpus contém seis milhões de palavras de ficção, seis milhões
de jornais e revistas, seis milhões de textos acadêmicos, e dois milhões de textos orais.
Encontramos aí 850 exemplares (tokens) de uso daqueles lexemas para o período clássico da
língua portuguesa.

A Pragmática de Grice
Grice concebia uma filosofia da linguagem que se baseasse em uma compreensão de
“senso-comum” da linguagem era capaz de explicar uma gama diversificada de problemas
filosóficos, o que se tornou mais tarde sua “teoria da conversa” (CHAPMAN, 2005). Ao
contrário dos filósofos formais, como Russell ou os positivistas lógicos, Grice argumentou
que, tanto quanto o sentido formal e o abstrato, as diferenças entre significado literal e o
“significado do falante” não são aleatórias. Com efeito, o uso da linguagem, como muitos
outros aspectos do comportamento humano, é um esforço orientado por um objetivo.
Se as pessoas se engajam na comunicação, é na expectativa de alcançar certos
resultados; falamos para sermos entendidos, argumenta Grice, “caso contrário sequer nos
engajaríamos nesse processo”. Em toda troca linguística haveria sempre, segundo Grice, uma
interpretação pelo ouvinte das intenções do falante de modo a decidir-se sobre como entender
o significado das expressões utilizadas. A consideração do contexto é decisiva para que essa
interpretação se dê; é ele que fornece os elementos que possibilitam ao ouvinte interpretar o
falante de uma maneira ou de outra.
Nas palestras William James, proferidas em Harvard (1967) e apenas parcialmente
publicadas, Grice (1989 [1975]) expos uma ideia4 que podemos apontar como central para o
pensamento moderno em torno da Pragmática, o “princípio de cooperação”:

3
www.corpusdopotugues.org, acessado diversas vezes entre 2010 e 2011
4
As propostas eram relativamente breves e apenas sugeriam como o trabalho futuro poderia prosseguir.
10

Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em


que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em
que você esta engajado.

Isso se deve ao fato de emissor e receptor negociarem sentidos de maneira interativa


nos contextos específicos de comunicação, ou seja, o emissor, ao exercer seu turno
comunicativo, sugere ao receptor que faça inferências, em busca de novos sentidos a partir do
contexto de uso (MARTELLOTA, 2011, p.23). O ponto de partida de Grice é a concepção de
que a linguagem é, portanto, essencialmente dialógica e a troca linguística, a interação entre
falante e ouvinte, é regida por esse princípio. Presume-se axiomaticamente que todos os
participantes de um intercâmbio verbal cooperam entre si, uma suposição fundamental e geral
para qualquer compreensão das sentenças expressas que quase podemos chamar de
transcendental.
Podemos chamar? Na Crítica da Razão Pura, Kant afirma que “o verdadeiro problema
da razão pura” continha-se nesta pergunta: “como são possíveis os juízos sintéticos ‘a
priori’?” (KANT, 2001 [1781], VI). A “vida ou morte” da Metafísica dependia da solução
desse problema, ou da demonstração de que era impossível resolvê-lo. David Hume havia
sido, para o filósofo prussiano, aquele que “mais se aproximou desse problema”, mas mesmo
ele “esteve longe de o determinar suficientemente”, pois deteve-se “ante o princípio sintético
da relação de causa e efeito (principium causalitatis)”, o que levou Hume a acreditar poder
deduzir daí “que o tal princípio é absolutamente impossível ‘a priori’”. Segundo as conclusões
de Hume, prossegue Kant, “tudo o que denominamos Metafísica descansaria sobre uma
simples opinião de um pretendido conhecimento racional, que no fato nasce simplesmente da
experiência e que recebe, do hábito, certo aspecto de necessidade”.
A primeira metade do século 20 produziu algumas respostas bastante consistentes para
tal questão de “vida ou morte”, o que levou teóricos como Jürgen Habermas, em período
intermediário da visada que culminaria na “teoria da ação comunicativa”, a recolocar a
pergunta: “qual é a relação entre uma reconstrução universal-pragmática de pressupostos
gerais inevitáveis de possíveis processos de entendimento e o tipo de investigação que, desde
Kant, tem sido chamada ‘análise transcendental’?” (HABERMAS, 2002 [1976/79], p.39). Ele
mesmo sugere a resposta:
A recepção analítica do programa kantiano remete-nos para uma
interpretação minimalista do transcendental. (...) Poderemos chamar
“transcendental” a este sistema conceptual básico de possível experiência.
(...) a partir de agora, a investigação transcendental deve confiar na
competência dos indivíduos conhecedores, que julgam quais as
experiências que poderão ser consideradas coerentes para poderem então
analisar esse material com vista à descoberta dos pressupostos categóricos
gerais e necessários.
11

Se o princípio da cooperação é uma ética transcendental ou um imperativo biológico, o


fato é que a Grice não prevê sua ocorrência, mas sua violação. Qualquer pessoa sabe que, em
situações concretas de comunicação, a cooperação raramente ocorre; o que interessa ao
filósofo é o fato de que a violação de uma ou mais das máximas deixa marcas na conversa: ao
falar, os indivíduos fornecem algum tipo de pista para o real conteúdo de sua mensagem
(VANIN, 2009). Grice chama o fenômeno de implicatura conversacional: ao infringir
abertamente uma máxima, o ouvinte é levado a formular uma hipótese interpretativa sobre os
motivos pelos quais o falante não está agindo da forma esperada, uma vez que continua a
pressupor que, se o falante tem a intenção de se comunicar, então permanece em vigor a
supermáxima ou princípio da cooperação. Se ele se recusa a falar ou dá as costas ao ouvinte,
então a comunicação está rompida, mas se isso não acontece as máximas continuam, em
princípio, a se aplicar, e o ouvinte construirá suas expectativas com base nelas.
A noção de implicatura é uma explicação até certo ponto explícita de como é possível
querer dizer mais do que é efetivamente “dito”, isto é, mais do que se expressa literalmente
pelo sentido convencional das expressões linguísticas enunciadas. A abordagem metodológica
de Grice consiste em uma análise do significado com base em mecanismos de interpretação
pelo ouvinte do significado do falante, por meio de regras e procedimentos que permitem a
identificação ou o reconhecimento das intenções do falante ao dizer algo. Como reconhecer
essa intenção implícita, não-formulada, do falante? De que modo o ouvinte entende as
intenções do falante? Torna-se necessário assim um método de análise que permita a
reconstrução desse processo de significação indireta. É nisso que consiste a proposta em
Lógica e conversação (GRICE, 1989 [1975]).
O “princípio da cooperação” se desdobra, segundo Grice, em pelo menos quatro
máximas (o autor admite a existência de outras), cuja distribuição e denominação foram
tomadas de empréstimo à “tábua de categorias dos juízos” de Kant e que constituem, segundo
Armengaud (2006), o fundo tácito a partir do qual se interpreta toda comunicação e, portanto,
“não estão longe de constituir um aparelho de regras hermenêuticas para o discurso
cotidiano”:
 Sob a categoria da quantidade temos a máxima (também chamada de
informatividade)
o Faça sua contribuição tão informativa quanto requerido (para o
propósito corrente da conversação).
o Não faça sua contribuição mais informativa do que requerido.
 Máxima de qualidade (sinceridade):
o Não afirme o que você acredita ser falso
12

o Não afirme aquilo não tem prova suficiente


 A máxima da relação (relevância) se resume a “Seja relevante”.
 A máxima de modalidade (civilidade) tem a formulação geral “Seja claro”,
com os seguintes desdobramentos:
o Evite obscuridades de expressão;
o Evite ambiguidades;
o Seja breve (evite prolixidade desnecessária);
o Seja ordenado.

Quando nos afastamos do princípio da cooperação, as pessoas interpretam o que


dizemos como estando em conformidade com o princípio em, pelo menos, algum desses
níveis (LEVINSON, 2007 [1983], p.128). Então, uma maneira pela qual as máximas podem
gerar inferências empíricas é quando o falante deliberada e ostensivamente infringe as
máximas.
As regras lógicas de inferência determinam as possibilidades de relação válidas entre
proposições e são regras sintáticas, isto é, independem do significado destas proposições.
Como exemplo temos a lei da transitividade: se A é igual a B e B é igual a C, então A é igual
a C. As implicaturas conversacionais, ao contrário, dependem fundamentalmente da
consideração do contexto em que uma sentença está sendo proferida (suas “circunstâncias de
enunciação”, conforme Grice) por um falante com a intenção de comunicar algo a seu
interlocutor.
“Pensemos”, retomando famigerado exemplo de Grice, “em um estudante medíocre de
filosofia que pede uma carta de recomendação a seu professor”. Este, sem querer elogiá-lo,
mas ao mesmo tempo sem querer omitir a verdade, escreve uma carta recomendando o
estudante por sua excelente caligrafia. O leitor da carta certamente se surpreenderá pelo
elogio de uma qualidade não relacionada diretamente à área do estudante e em grande parte
irrelevante. Ao violar a máxima da relação, ao não ser relevante, o falante/escrito (professor)
faz com que seu interlocutor, o leitor da carta, busque uma interpretação que torne o que foi
dito relevante.
Se surge uma infração, parece que a reação primeira não é acusar o parceiro de ter
cometido uma infração: “Nosso comportamento linguístico é algo de mais sutil e de mais
complexo!” (ARMENGAUD, 2006, p.90). A reação mais comum é, de preferência, levantar a
hipótese de que se há infração literal, por outro lado, no nível do sentido transmitido, não há
infração. O que é necessário acrescentar é a implicatura para restabelecer a observância do
conjunto de máximas. Uma infração aberta provoca no ouvinte uma inquirição, a partir da
dupla suposição: (1) o falante respeita, por princípio, as máximas; (2) na ocorrência, ele não
13

podia respeitar todas as máximas ao mesmo tempo: à infração “aberta” de uma das máximas
corresponde o respeito “tácito” de uma outra.
No exemplo acima, o elogio de algo sem importância causa a implicatura de que não
há nenhuma outra qualidade a ser destacada e que, por conseguinte, não se trata de um
estudante de filosofia recomendável. Logo, o candidato não é recomendável porque não tem
nenhuma qualidade exceto a da caligrafia, que não é relevante. Isso é insinuado, sem que seja
efetivamente dito. Insinuação, sugestão e ironia, por sinal, são para Grice os casos mais
característicos de implicatura conversacional, um modo de constituição de significado para
além do que é explicitamente proferido pelo falante. Nesses casos, algo é dito de modo
indireto ou implícito sem que possa ser tornado explícito, sob pena de constituir- se, por
exemplo, em uma calúnia. Já o comentário irônico viola as máximas conversacionais, sem
que o falante possa de fato ser responsabilizado, porque nada disse explicitamente. Ele pode
sempre recuar da intenção irônica e afirmar que sua intenção foi outra, evitando assim a
interpretação de ofensa ou agressão verbal.
Grice sugere que as propriedades essenciais das implicaturas são, em boa parte,
previsíveis, ou calculáveis. Isto é, para toda implicatura presumível deve ser possível
construir um argumento como o que segue, demonstrando que, a partir do significado literal
ou do sentido da enunciação, por um lado, e do princípio cooperativo e das máximas, por
outro, segue-se que um destinatário faria a inferência em questão para preservar a cooperação
presumida pelo seguinte algoritmo:

(i) F disse [ou informou] que p;


(ii) Não há razão para pensar que F não está observando as máximas ou, pelo
menos, o princípio cooperativo;
(iii) Para que F diga [informe] que p esteja realmente observando as máximas do
princípio cooperativo, F deve pensar que q;
(iv) F deve saber que é conhecimento mútuo que q deve ser suposto para que se
considere que F está cooperando;
(v) F não fez nada para impedir que eu, o destinário, pensasse que q;
(vi) Portanto, F pretende que eu pense que q e, ao dizer [informar] que p
comunicou a implicatura q.

As implicaturas conversacionais são canceláveis ou, mais exatamente, anuláveis. A


noção de anulabilidade, segundo Levinson, é decisiva na pragmática “já que a maioria das
inferências pragmáticas, de vários tipos diferentes, exibem essa propriedade”. Uma inferência
é anulável se é possível cancelá-la acrescentando algumas premissas adicionais às premissas
originais – mais um indício de dependência do contexto, pois a sequência de um texto pode,
14

com efeito, anular a implicatura que o texto teria suscitado se tivesse ficado sem sequência
(ARMENGAUD, 2006). Considere-se a sequência de informações (estados das coisas):

i. Desenterrei 1001 cenouras


ii. Cada uma das 1001 cenouras é laranja
-----------------------------------------
iii. Portanto, todas as cenouras são laranja

Suponha que se desenterre uma cenoura verde: se acrescentarmos ao argumento a


premissa adicional, ou informação (iii), o argumento se tornará falho e a conclusão será
invalidada:

i. Desenterrei 1001 cenouras


ii. Cada uma das 1001 cenouras é laranja
iii. A 1002ª cenoura é verde
-----------------------------------------
iv. Inválida: “Portanto, todas as cenouras são laranja”

Assim sendo, as implicaturas se assemelham mais com as inferências indutivas do que


com as dedutivas (ou lógicas), já que essas não são anuláveis. Em 0, não é possível derrubar o
argumento simplesmente acrescentando premissas, não importa quais sejam: na dedução, se
as duas premissas (i) e (ii) forem verdadeiras, então, seja o que for além disso, verdadeiro ou
falso, (iii) será verdadeira.

i. Se Sócrates é um homem, ele é mortal


ii. Sócrates é um homem
-----------------------------------------
iii. Portanto, Sócrates é mortal

Outra propriedade importante das implicaturas conversacionais é que, com exceção


das que se devem à máxima do modo, elas são, como diz Grice, não-destacáveis (ou não-
separáveis). Com isso, Grice quer dizer que a implicatura está ligada ao conteúdo semântico
do que é dito, não à forma linguística. A implicatura subsiste, assim, à substituição de
expressões sinônimas: tanto faz dizer “João é um gênio” ou “João tem um grande cérebro”
quando ambas podem querer dizer, na verdade, que “João é um idiota”.
Esta propriedade serve para distinguir as implicaturas conversacionais de outros tipos
de inferências pragmáticas como a pressuposição e as implicaturas convencionais, ambas
destacáveis, isto é, estão ligadas à forma, e não ao significado do que é dito. As
pressuposições, por exemplo, em “John não conseguiu chegar ao topo” parecem ser
equivalente, pelo menos em termos semânticos e de condições de verdade, a “John não
15

chegou ao topo”. No entanto, a primeira pressupõe “John tentou chegar ao topo”, mas a
segunda não.
As máximas de Grice fornecem “as premissas faltantes ao silogismo elíptico
(entimema), cuja implicatura é em geral a conclusão” (ARMENGAUD, 2006, p.89). Levinson
(2007 [1983], p.130ss) nos dá exemplos de implicaturas que surgem diretamente da suposição
de que o falante está observando as máximas e que simplesmente amplificam o conteúdo
comunicado de maneiras restritas.

As máximas de Grice na emergência da informação moderna


Como resultados preliminares de nossos estudos de doutoramento, sabemos que a
informação (ou enformação) moderna emergiu na gramática do séc. XVI e queremos agora
verificar se já nessa emergência manifestam-se as implicaturas previstas por Grice. Nessa
seção, analisaremos apenas duas das máximas, as que por ora mais nos interessam: as
máximas da qualidade e da quantidade (o símbolo +> a seguir significa, em Levinson, “a
enunciação da sentença anterior geralmente produzirá a implicatura seguinte”).
Para melhor compreensão da máxima da qualidade, observemos os exemplos de
Levinson: “João tem dois doutorados” (+> Acredito que ele tem e tenho evidências adequadas
de que ele tem dois doutorados); “A fazenda do senhor tem 400 acres?” (+> Não sei se tem e
quero saber se tem). Para Levinson, o primeiro exemplo amplia “o alcance da qualidade ao
considerar a verdade como um subcaso especial de sinceridade aplicado a asserções”, pois,
em circunstâncias cooperativas, “quando alguém afirma alguma coisa, implica que acredita
nela; quando alguém faz uma pergunta, comunica a implicatura de que deseja sinceramente
uma resposta e, por extensão, quando alguém promete fazer x, comunica a implicatura de que
pretende sinceramente fazer x”. Qualquer outro uso de tais enunciações (uma “mentira”, por
exemplo) pode ser considerado espúrio ou forjado e, portanto, sujeito a violar a máxima da
qualidade.
De fato, a máxima da qualidade se implementa no séc. XVI com grande vigor – e aqui
só podemos mostrar alguns dados que atestam nossas afirmações: informação (ou
enformação) pode ser qualificada como “ruim”, “má”, “certa”, “clara”, “isenta”,
frequentemente sugerindo uma referência à “verdade” (0, [7]), ou, conforme Grice, à
“sinceridade quanto à verdade”: quando alguém afirma alguma coisa, implica que acredita
nela.
[6] (...) Finalmente, pela informação que teve da verdade, despachou
Diogo Dias (...), (João de Barros, Décadas da Asia (Década
Primeira, Livros I-X, 1552)
16

[7] (...) sei dizer que me é muito necessaria; porque me tendes


informado de cousas que nunca ouvi de outrém com tanta verdade e
isenção (Diogo de Couto, Soldado prático, 1588)

É notável a importância aqui reservada a outras “não-pessoas” benvenistianas. Sempre


que necessário, o falante lança mão de evidências adequadas, como disse Levinson, de que o
que diz é sincero a respeito da verdade, como no exemplo 0. Em sua tese de doutorado, que
explorou como dado editoriais de jornais, Maria Medianeira de Souza (2006) já observara que
“os processos verbais têm presença garantida quando os editorialistas julgam necessários
trazer para a argumentação o discurso de outrem, uma voz de autoridade que vai conferir aos
seus comentários uma força maior, ampliando o valor de verdade”. Esses processos “não são
empregados frequentemente, mas sempre que são usados nos editoriais ratificam, esclarecem,
explicam fatos ou situações, desempenhando, pois, um papel imprescindível na cadeia
argumentativa”. O fenômeno também aparece nos usos do português do séc. XVI: são citados,
de fato, muitas “vozes de autoridade”, avisos, cartas.
[8] (...) saber como partirão de Goa athé chegarem a Japão, depende da
clara noticia e informação de algumas cartas, que os Padres Mestre
Francisco e Cosme de Torres... (Frois, Historia do Japam 3, 1560-
1580)

Podemos dizer com certa segurança que, já séc. XVI, “informação” já manifestava
propriedades pragmáticas que corroboram a máxima griceana da qualidade, tanto no que se
referre à demanda de sinceridade da enunciação quanto ao uso de “evidências adequadas” que
parecem reforçar a implicatura de que o falante está falando a verdade.
A máxima da quantidade por outro lado fornece, segundo Levinson, “algumas das
implicaturas padrão mais interessantes”, uma vez que seu ostensivo desacato é
comunicativamente importante e comunicativamente diferente.
Suponhamos que se enuncie: “João tem catorze filhos”. O falante estará comunicando
a implicatura de que João tem apenas catorze filhos, embora fosse compatível com a verdade
uma situação em que João tenha vinte filhos (quem tem vinte tem catorze). Para o ouvinte, o
falante deu a entender que João tem apenas catorze, não mais, porque, se ele tivesse vinte,
então, pela máxima da quantidade (“diga tanto quanto for exigido”) o falante devia tê-lo dito.
Similarmente, quando se diz que “A bandeira é branca”, entende-se que a bandeira não tem
outras cores e, portanto, é inteiramente branca.
O efeito da máxima da informatividade, que supostamente estão no conteúdo
pragmático nos usos das noções de informação (ou enformação) é acrescentar à maioria das
17

enunciações uma inferência pragmática no sentido de que o enunciado apresentado é o mais


forte, ou o mais informativo que pode ser feito na situação. A prova disso é que as
implicaturas podem ser negadas direta e ostensivamente, sem que percebamos nisso uma
contradição: “John tem três vacas, e talvez mais”.
Armengaud (2006, p.90) sugere pelo menos uma função discursiva para uma infração
da máxima da informatividade: “Se alguém me pergunta quanto tempo leva o reparo de
canhão para esfriar e se respondo: ‘algum tempo’, dou menos informação do que me foi
pedido”. Essa infração “aberta” tem uma face oculta, “que é meu respeito pela segunda
máxima, a máxima da sinceridade”. Simplesmente não era possível dar uma informação
precisa: “não é minha má vontade e sim minha ignorância que é revelada”. Essa é a conclusão
(implicatura) a que deve chegar um ouvinte normal.
Benveniste comprovou sua tese da intersubjetividade da linguagem e, com seus
estudos, ganhou impulso uma teoria da enunciação, que vai ter um grande desenvolvimento,
particularmente na França, onde diversos linguistas passam a estudar outras marcas da
presença do enunciador nos enunciados por ele produzidos, como, por exemplo, os
indicadores de modalidade, os de atitude do falante, os índices de avaliação, os de
distanciamento ou adesão do locutor ao seu discurso (KOCH, 2010 [1993]). Em termos
pragmáticos, Gazdar (1979) generalizou a noção de quantidade escalares inerentes à máxima
da quantidade, estabelecendo aí uma relação com o estudo das modalidades (e com a
semântica).
Uma escala linguística, segundo o autor, é composta de um conjunto de alternativas
linguísticas, ou expressões contrastantes da mesma categoria gramatical, que podem ser
dispostas numa ordem linear por grau de informatividade ou força semântica. Tal escala terá
a forma geral de um conjunto ordenado < e1, e2, e3 ... en > de expressões linguísticas ou
predicados escalares: se substituímos e1, ou e2, etc., numa estrutura sentencial A, obtemos as
sentenças bem formadas A(e1), A(e2), etc., e onde A(e1) acarreta A(e2), A(e2) acarreta A(e3),
etc., mas não vice-versa.
Por exemplo, considerem-se os quantificadores “todos” e “alguns”. Eles formam uma
escala implicacional <“todos”, “alguns”>, uma vez que qualquer sentença com “todos”
acarreta “alguns” (isto é, sempre que “todos” é verdadeira, “alguns” também é), mas não vice-
versa. Por isso, não podemos dizer “Alguns rapazes foram à festa, na verdade, todos”.
Eis uma lista não exaustiva de escalas linguísticas que co-atuam com a máxima da
informatividade (LEVINSON, 2007 [1983], p.166,170):
< todos, a maioria, muitos, alguns, poucos>
18

<e, ou>
<n.... 5,4,3,2, 1>
<excelente, bom>
<quente, morno>
<sempre, frequentemente, às vezes>
<conseguir V, tentar V; querer V>
<necessariamente p, p, possivelmente p>
<certamente que p, provável que p, possível que p>
<ter de, dever, poder>
<frio, fresco>
<adorar, gostar>
<nenhum, não todos>
< “já que p, q”, “se p, então q”>
<a sabe p, a acredita em p>
<a percebeu p, a pensou em p>
<a revelou p, a disse p>

Dada qualquer escala desse tipo, há uma regra geral de caráter preditivo para derivar
um conjunto de implicaturas de quantidade, a saber, se um falante afirma que prevalece um
ponto inferior ou mais fraco (isto é, um item à direita no conjunto ordenado de alternativas)
numa escala, então, ele veicula a implicatura de que um ponto superior ou mais forte (à
esquerda no conjunto ordenado) não prevalece. Portanto, se alguém afirma “alguns rapazes
foram à festa”, implicita conversacionalmente que “nem todos os rapazes foram à festa”. Por
outro lado, dizer que “alguns rapazes foram” não compromete o falante com “nem todos os
rapazes foram”, pois “alguns” não inclui “não todos” como parte do seu conteúdo semântico.
Vejamos então, em nossos dados, alguns testemunhos de informatividade implicada
nos usos de informação no português moderno:
[9] (...) ali não houvesse língua que entendesse estes dous irmãos, pera
deles tomar algûa informação, na idade deles entenderam que o pai
ou mãe não deviam ser mui longe (João de Barros, Décadas da Asia,
1552)

[10] Que particularmente ali lhe desse / Informação mui larga, pois
faria / Nisso serviço ao Rei, por que soubesse / O que neste negócio
se faria. (Luis de Camões, Os Lusíadas, 1572)

[11] Para eu dar a Vossa Mercê inteira informação de minha fortuna


remeto a cópia de um Manifesto, que fiz há poucos tempos
(Francisco Manuel de Melo, Cartas familiares, 1650)

Considerações finais
Informação, pela leitura pragmática com base em Grice, mantém desde o português
que se escrevia no séc. XVI uma relação com a verdade, por intermédio pragmático da
sinceridade, e com sua precisão, ou completude ou informatividade. Essas medidas devem ser
19

compreendidas, porém, subsidiariamente ao “princípio de cooperação”: os participantes de


uma conversa partem do princípio que as informações que dali emerjem são verdadeiras e
completas. A violação dessas premissas, segundo Grice, manifesta-se na língua em uso, algo
que pudemos comprovar empiricamente.
A qualidade da informação já foi alhures considerada sob a ótica transcendente, que
implica o reconhecimento de um valor essencial da informação, absoluto e universalmente
aceitável, extratemporal e permanente, que se manteria através dos tempos e nos diversos
lugares, apesar das mudanças de gostos e estilos. Em relação aos aspectos contingenciais ou
práticos da qualidade da informação, a proposição central é a de que o valor qualitativo
depende do usuário e do contexto em que é considerada. Aí, no entanto, os critérios de
avaliação da qualidade da informação são, por natureza, subjetivos, tornando-se “praticamente
impossível” encontrarem-se critérios de mensuração satisfatórios. Por fim, grande parte das
definições de qualidade da informação consideram também o lado objetivo da avaliação da
informação, ou seja, os atributos do produto-informação, tais como dados, documentos, textos
(PAIM et al., 1996).
Medidas como qualidade e quantidade, nessas leituras, são noções analíticas
tradicionais de informação. No artigo, afastamonos dessas tradições quando observamos
empiricamente, na emergência de seu uso discurso escrito, que uma palavra como informação
é, apud Grice, uma pequena parte do significado total do conteúdo de um enunciado num
determinado contexto (ou daquilo que é dito, como prefere Grice). Intersubjetivamente, uma
informação pode ser tanto mais ou menos informativa quanto mais ou menos verdadeira.
Procuramos mostrar que um enunciado pode ser “sincero” (respeitando a máxima da
qualidade), mas “incompleto”, ou pode ser inteiramente mentiroso. As máximas, enfim, são
independentes. Continua, e não categorias discretas.
Essas imprecisões são características das estratégias de geração e uso da informação
acerca do estado das coisas em contextos de ação concreta, agenciadas por
sujeitos/interlocutores que mantêm entre si relações sociais e comunicativas, como quer
González de Gómez (1996).

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