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resistir.info

13-17 minutos

Poucos eventos promissores quebraram tanto as suas


promessas quanto o que foi otimisticamente chamado de
Primavera Árabe. Há dez anos atrás, grandes manifestações de
protesto que começaram na Tunísia e rapidamente se
espalharam pelo Egito, foram saudadas como arautos da
democracia que iria invadir o Médio Oriente, como por um toque
de varinha mágica.

Não foi assim que aconteceu. O resultado tem sido a


desmoralização na Tunísia, um regime militar fortalecido no
Egito, a destruição da Líbia como uma nação viável, guerra e
fome sem fim no Iémen, uma Síria em ruínas e nenhuma
beliscadura nas nações mais autocráticas da região, a começar
pela a Arábia Saudita e o Qatar.

A Líbia ofereceu uma prova decisiva de que "livrar-se de um


ditador" não transforma automaticamente um país numa nova
Suíça.

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A lição a tirar é que, quando se trata de tentar unir e modernizar


Estados-nação relativamente novos (especialmente no
ambiente hostil do Médio Oriente), as imperfeições dos modos
de governo que emergem podem corresponder à necessidade
de lidar com grupos tribais, étnicos e religiosos potencialmente
antagónicos. Se a casca for quebrada, o resultado pode ser o
caos, em vez de rivalidades cuidadas e pacificas entre partidos
no seio de uma democracia representativa ocidental – uma
norma política bastante recente na história da Humanidade.

Democracia e revolução

Essa norma foi muito mais o produto de uma evolução


crescente do poder económico e da influência da burguesia na
sociedade ocidental do que de uma revolução violenta, embora
esse processo envolvesse revoltas violentas na França e nas
colónias do Império Britânico. No entanto, ao longo do século
XX, a revolução foi associada não à instituição dos sistemas
eleitorais – a democracia como é entendida atualmente – mas
antes a ir além dessa "democracia formal" para instituir a
mudança do sistema económico, a saber o socialismo.

Isso era o que os movimentos revolucionários, designadamente


os rotulados como anarquistas ou trotskistas, tinham em mente.
Na realidade, verdadeiras revoluções não são ocorrências
frequentes. À medida que a perspetiva de tal revolução social
no Ocidente se desvanecia, os revolucionários ocidentais
começaram a saudar qualquer movimento contra Estados não
ocidentais como sendo revolucionário, progressista, se não
socialista, pelo menos "democrático".

Para esses nostálgicos de revoluções que não aconteceram,


todo o levantamento antigovernamental encontra auxiliares à
distância prontos a aclama-los: os "kosovares" na Sérvia, os

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curdos em qualquer lugar, os chechenos quando explodiram


teatros e escolas na Rússia, os manifestantes em Benghazi
(que eram na verdade fundamentalistas islâmicos, ao contrário
do que se dizia então), os uigures agora.

Em 27 de março, esses revolucionários por procuração


marcaram o 10º aniversário da guerra na Síria, patrocinando
uma declaração de 65 exilados sírios [1] que são oponentes de
longa data do partido governante Baath na Síria. O académico
franco-libanês Gilbert Achcar tomou a iniciativa de reunir mais
de 300 signatários de diversos países. A essência da
mensagem é condenar os escritores independentes americanos
e ocidentais contra a guerra pela sua falta de apoio à revolução
síria que nunca aconteceu.

Na verdade, a revolução democrática síria com a qual esses


exilados se identificam não aconteceu. Manifestações e
repressão não fazem uma revolução. Os eventos
desencadeados no início de 2011 foram rapidamente
sequestrados por rebeldes armados, apoiados por uma série de
potências estrangeiras que aspiram usar a desordem criada
para despedaçar a Síria – um objetivo político de longo prazo
de Israel que não encontra oposição da Arábia Saudita, Qatar,
Turquia... ou seus amigos em Washington. O regime
nacionalista árabe da Síria está no topo da sua lista de alvos
desde há décadas.

Muitos desses 65 exilados sírios ensinam em universidades


ocidentais. O seu texto apresenta claramente a Síria como uma
dicotomia entre oponentes como eles e Bashar al Assad.
Acusam os escritores anti-guerra de apoiar Assad e de
"desumanizar" o povo sírio ao ignorar indivíduos que se
opuseram e sofreram com o regime no passado.

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Mas o verdadeiro conflito que existe na Síria atualmente não é


entre Bashar al Assad e 65 intelectuais exilados. Proclamar
"apoio" aos intelectuais ocidentalizados que se opõem a Assad
é totalmente irrelevante para a situação existente. Os exilados
poderiam razoavelmente culpar pela sua irrelevância a CIA, que
gastou uns mil milhões de dólares por ano, em conluio com a
Arábia Saudita, como parte da operação clandestina Timber
Sycamore, para armar e treinar rebeldes islâmicos oponentes,
ao regime laico Baath, fazendo da luta contra Assad, uma jihad
internacional imbuída de wahhabismo.

A Síria ainda está a ser atacada

Partes da Síria ainda estão ocupadas de forma hostil pelos


islâmicos com o apoio da Turquia em torno de Idlib no noroeste,
pelos Estados Unidos nas regiões petrolíferas no nordeste e por
Israel nas Colinas de Golã. Como garantia, Israel bombardeia a
Síria de vez em quando.

O país está sendo deliberadamente estrangulado pelas


sanções americanas.

Nada disto é mencionado pelos exilados sírios que se sentem


agredidos por escritores "autoproclamados anti-imperialistas",
que defendem o fim das sanções que privam os sírios que
vivem no seu próprio país, de alimentos, remédios e outras
necessidades vitais.

A democracia só pode ser levada a uma nação pelo seu próprio


povo. No entanto, as figuras da oposição em muitos países são
encorajadas pela National Endowment for Democracy e por
canais menos abertos a pensar que o apoio dos EUA pode
ajudá-los a livrarem-se dos líderes que odeiam e até mesmo
dar-lhes um papel de relevo num novo regime. Tais figuras
estiveram ativas na invasão do Iraque e na destruição da Líbia.

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Na situação atual, a principal coisa que esses exilados sírios


pró-Ocidente podem fazer para obter esse apoio é usar a seu
estatuto de vítimas para atacarem os críticos da política externa
dos EUA.

Eles uniram-se para esse fim, publicando uma diatribe contra a


maioria dos jornalistas independentes que tentam educar o
público sobre a política de guerra dos Estados Unidos. O texto
original citava especificamente os repórteres de investigação da
Grey Zone, Max Blumenthal, Aaron Maté, Ben Norton; bem
como Rania Khalek, Caitlin Johnstone, Jimmy Dore,
Antiwar.com, Kim Iversen, Mint Press News, Consortium News
e muitos mais.

Estes nomes foram riscados por Achcar para induzir Noam


Chomsky a afixar sua própria assinatura, que tem alto valor
persuasivo. [2]

Aaron Maté, de GrayZone, diz que Chomsky defendeu a


colocação da sua assinatura alegando que sem mencionar
esses nomes, a carta é apenas uma "declaração abstrata de
princípio", "expressando apoio geral às pessoas".

Mas para que pessoas? Ao reduzir a Síria a um confronto entre


eles e Assad, esses intelectuais exilados rejeitam como
insignificantes os milhões de sírios na Síria que, qualquer que
seja sua atitude em relação ao governo, o apoiam de
preferência ao caos ou ao domínio de fanáticos islâmicos.
Apoiar esses exilados sírios equivale a atacar escritores que
fazem o que o próprio Chomsky fez historicamente: priorizar as
críticas ao seu próprio governo, que pode teoricamente
influenciar, em vez de afirmar ser capaz de influenciar a política
interna de países estrangeiros.

Ao longo da carta, afirma-se que as críticas à interferência dos

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EUA na Síria são:


1 - motivadas por seu "apoio a Assad" e
2 - influenciadas pelo seu alinhamento com a Rússia e a China.

Nenhuma evidência ou exemplo é fornecido para apoiar essas


alegações mais do que improváveis. Turquia, Arábia Saudita e
Qatar não são mencionados e o envolvimento dos EUA é
minimizado:

"Mas a América não está no centro do que aconteceu na Síria,


apesar do que essas pessoas afirmam. A ideia de que de
alguma forma estaria, apesar de todas as evidências em
contrário, é um subproduto de uma cultura política provinciana
que enfatiza tanto a centralidade do poder dos EUA
globalmente quanto a lei imperialista de identificar quem são os
"bons" e os "maus" qualquer que seja o contexto".

Aqui está uma declaração vazia de sentido. Os Estados Unidos


estão sentados no petróleo sírio, deixando-o ser desviado para
a Turquia, fazendo de tudo para impedir a reconstrução do país,
mas não é "central" para o que aconteceu na Síria. E é
necessária uma dita "cultura política provinciana" para salientar
a "centralidade do poder americano a um nível global".

E que "princípio" é defendido aqui? Acusam-se os escritores


vilões de nada menos do que reforçar "um status quo
disfuncional e impedir o desenvolvimento de uma abordagem
verdadeiramente progressista e internacional da política
mundial; uma abordagem de que precisamos
desesperadamente, dados os desafios globais de responder ao
aquecimento global".

Hein? Mas o que é que isto significa? O que é essa "abordagem


genuinamente progressista e internacional da política mundial"
a que aspiram? O que iria realizar e como? Nem a menor pista.

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E a diatribe conclui:

"Este é o "anti-imperialismo" e o "esquerdismo" da gente sem


princípios, dos preguiçosos e dos ingénuos, e isso só reforça a
disfunção do impasse internacional que se verifica no Conselho
de Segurança da ONU. Esperamos que os leitores desta carta
se juntem a nós para se oporem".

Esta acusação hipócrita e incoerente contra verdadeiros


escritores anti-imperialistas independentes surge num momento
em que a agressividade de Washington atinge novos níveis de
intensidade e muitos escritores anti-guerra enfrentam
crescentes tentativas de marginalização, se não de censura.
Portanto, é inteiramente apropriado rotulá-los com o rótulo de
"anti-imperialismo dos idiotas".

Para responder aos colocadores de etiquetas na sua língua,


deixem-me dizer que os promotores desta carta desprezível
estão praticando um anti-imperialismo de embuste. O truque é
enganar as pessoas para que vejam o imperialismo em lugares
tão diferentes que acaba por ficar neutralizado.

Os Estados Unidos têm um orçamento militar que excede o de


todos os seus principais adversários e aliados juntos, opera
quase mil bases em redor do mundo, destrói país após país
com sanções e subversão, claramente querem mudar regimes,
mesmo na Rússia e na China, e praticar jogos de guerra
nuclear nas suas fronteiras. As suas reivindicações de
hegemonia global são flagrantes e assustadoras.

Mas se uma nação resiste a este ataque global, ela também


deve ser imperialista e, portanto, condenável. Portanto, para ser
um anti-imperialista aprovado por Achcar, você pode falar mal
dos Estados Unidos, mas também deve falar mal de qualquer
nação que tenha capacidade e vontade de lhes resistir, porque

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também deve ser "imperialista". Assim, você pode congratular-


se por ser um "anti-imperialista" perfeitamente puro e
absolutamente inútil.

Não, não somos idiotas.

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