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F

2528
V434
1987

Cop.1
The University of Iowa Libraries

IOWA :

THE UNIVERSITY OF IOWA LIBRARIES

From the Library of

E. Bradford Burns
-
UNIVERSITY OF IOWA

3 1858 053 781 492

DATE DUE
un

DEMCO , INC . 38-2931


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LIVROS I E II

DA

Historia do Brasil

( 1a PARTE DO N. 5 DOS MATERIAES E ACHEGAS PARA A HISTORIA


E GEOGRAPHIA DO BRASIL ]

RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL

1887
22.9

14.34

1227

AVISO PRELIMINAR .

A 20 de Dezembro de 1627 , frei Vicente de Salvador acabou a


sua Historia na cidade de que tomara o nome claustral , assignando
a dedicatoria ao celebre Manuel Severim de Faria, por cujas
instancias a escrevera , e que lhe promettera publical- a . Em

commemoração deste dia, que deveria ser um dos maiores de nossa


litteratura colonial, saem hoje os dois primeiros livros da obra .
A parte historica está pouco desenvolvida nelles ; os factos
narrados são em grande parte conhecidos, excepto quanto ás
capitanias de Pernambuco e Itamaracá ; ainda não se pode julgar o
historiador por este fragmento . Mas já se pode julgar o escriptor,
o mais antigo de nossos prosadores, porque attribuir os Dialogos
das grandesas do Brasil ao pernambucano Bento Teixeira é
insustentavel . E mesmo si fosse provado, ficaria sempre ao venerando
Frade bahiano a gloria de ser o primeiro Brasileiro que escreveu os
annaes de sua patria .
Além do desejo de commemorar o dia 20 de Dezembro, a presente
publicação visa a outro fin . Qual nos chegou , depois de quasi tres

seculos de abandono, a Historia do Brasil está mutilada . Faltam-lhe


II

não só folhas, como muitos capitulos, com certeza os mais inte


ressantes, porque deveriam referir - se a épocas quasi desconhecidas .
Não será possivel que estas paginas caiam nas mãos de investigado
res que se interessem pelo assumpto, e procurem e encontrem exem
plar completo ? Para facilitar quaesquer pesquizas, vae adiante um
indice de toda a obra .
A bibliotheca de Manuel Severim de Faria passou para o poder

do Conde de Vimieiro, mas a Historia não foi nella . Barbosa Ma


chado, que tão bem conhecia a livraria daquelle illustre fidalgo,
não cita este livro, nem mesmo o conhece, porque refere - se apenas
á Chronica da Custodia , e por informação . E' natural portanto que
o autographo não se perdesse no terremoto de Lisboa, com todas as
riquezas inapreciaveis que os Vimieiros reuniram . Accresce que delle
se tirou mais de uma cópia, porque o livro é bastantes vezes citado.
Torres, na sua Nobiliarchia manuscripta, serve-se della mais de
uma vez . Frei Agustinho de Santa Maria no Santuario Mariano

transcreve capitulos inteiros . Ha outros autores que a aproveitaram .


Não será possivel encontrar alguma cópia destas ? Sendo tiradas
no seculo xvii, ha muitas probabilidades de estarem integraes.
A que servio para a presente edição foi tirada na Torre do
Tombo, no começo pelo proprio punho, depois sob as vistas de
nosso amigo Lino de Assumpção. Foi cotejada com a da Bibliotheca
Nacional , feita sob a direcção de João Francisco Lisboa, a qual
offerece algumas variantes, mas não tão consideraveis que mereçam
attenção especial .
O presente fasciculo será em breve seguido de outro contendo o

terceiro livro : o quarto e o quinto provavelmente sahirão juntos . A


obra toda, a calcular pelos dois livros agora publicados, deve ter
III

umas seiscentas paginas e estará prompta no correr de 1888. Como


ultimo fasciculo serão distribuidos um indice analytico, a biographia
do autor por Valle Cabral e uma introducção pelo annotador, que
subscreve ,

Alguns dados biographicos sobre o autor , colhidos em Jaboatão.


Nasceu em Matuim na Bahia e teve por paes João Rodrigues
Palha e Messias de Lemos e foi baptisado na Sé pelo cura Simão
Gonçalves a 8 de Janeiro de 1567. Estudou no collegio dos Jesui
tas da Capital, partindo depois para Coimbra onde graduou - se
in utroque jure, formando -se doutor em theologia .
Voltando a Bahia, ordenou-se, foi conego e depois Vigario Ge
ral de D. Antonio Barreiros, segundo parece . A 27 de Janeiro
de 1599 tomou o habito de Franciscano e a 30 de Janeiro de 1600
professou .
Em 1606, decidindo Fr. Leonardo de Jesus fundar casa no Rio
de Janeiro, foi escolhido para esta incumbencia e aqui chegou a 20
de Fevereiro do anno seguinte , dando logo começo ao convento de
Santo Antonio , Neste mesmo anno foi mandado para Olinda,
como mestre, a abrir um curso de artes .

Voltou logo para a Bahia, de cuja casa foi nomeado guardião em


1012. Em 1614 foi nomeado custodio ; acabado o triennio, partiu
para Lisboa, onde a 16 de Novembro de 1619 foi eleito novamente
guardião da casa da Bahia . Aceitou o logar, mas voltando á pro
vincia fez renuncia delle . Em 1630, foi ainda uma vez eleito guar
dião da Bahia, aceitando desta vez o cargo . Falleceu depois de
1636 e antes de 1639 .
Rio de Janeiro 20 de Dezembro de 1887 .

Capistrano de Abreu .
INDICE

Dedicatoria ao licenciado Manuel Severino de Faria

LIVRO I

DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL

I. Como foi descoberto este Estado.


II . Do nome do Brasil.
III . Da demarcação da terra e costa do Brasil com a do Perú
e Indias de Castella.
IV . Do clima e temperamento do Brasil .
V. Das minas de metaes e pedras preciosas do Brasil .
VI . Das arvores agrestes do Brasil .
VII . Das arvores e hervas medicinaes e outras qualidades
occultas .
VIII . Do mantimento do Brasil.
IX . Dos animaes e bichos do Brasil ,
X. Das aves .
XI . De outras cousas que ha no mar e terra do Brasil .
XII . Da origem do Gentio do Brasil e diversidade de linguas
que entre elles ha .
XIII . De suas aldeas .
VI INDICE

XIV . Dos seus casamentos e creação dos filhos.


XV . Da cura dos seus enfermos e enterro dos mortos .
XVI . Do modo de guerrear o Gentio do Brasil .
XVII . Dos que captivam na guerra .

LIVRO II

DA HISTORIA DO BRASIL NO TEMPO DO SEU DESCOBRIMENTO


I. De como se continuou o descobrimento do Brasil e se deu
ordem a se povoar .
II , Das capitanias e terras que El-Rei doou a Pero Lopes e
Martim Affonso de Sousa, irmãos .
III . Da terra e capitania que El- Rei doou a Pero de Goes .
IV . Da terra e capitania do Espirito Santo, que El-Rei doou
a Vasco Fernandes Coutinho
V. Da capitania de Porto Seguro .
VI . Da capitania dos Ilhéos .
VII . Da capitania da Bahia .
VIII . Da capitania de Pernambuco, que El-Rei doou a Duarte
Coelho .
IX . De como Duarte Coelho correu a costa da sua capitania
fazendo guerra aos Francezes e paz com o gentio e se foi
pera o Reino .
X. De como na absencia de Duarte Coelho ficou governando
Hyeronimo de Albuquerque a capitania de Pernambuco e
do que nella aconteceu neste tempo .
XI . Da capitania de Tamaracá .
XII . Do que aconteceu na capitania de Tamaracá depois que
della se foi o donatario Pero Lopes de Sousa .
XIII . Da terra e capitania que el-rei D. João III doou a João
de Barros .
XIV . Da terra e capitania do Maranhão, que el-rei D. João III
doou a Luis de Mello da Silva .
INDICE VII

LIVRO III

DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU THOMÉ DE


SOUSA ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR MANUEL TELLES
BARRETO ,

1. De como El-Rei mandou outra vez povoar a Bahia por


Thomé de Sousa, primeiro Governador Geral da Bahia .
II . De outras duas armadas que El-Rei mandou com gente
e provimento pera a Bahia .
III . Do segundo Governador Geral que El-Rei mandou ao
Brasil .
IV . De uma não da India que arribou a esta Bahia no tempo
do governador D. Duarte da Costa .
V. De outra náo da India que arribou á Bahia .
VI . Do terceiro Governador do Brasil , que foi Men de Sá.
VII . De como mandou o Governador seu filho Fernão de Sá
soccorrer Vasco Fernandes Coutinho e o matou lá o
Gentio .
VIII . Da entrada dos Francezes no Rio de Janeiro, e guerra que
lhes foi fazer o Governador .
IX . De como o Governador tornou do Rio de Janeiro pera a
Bahia e o successo que teve uma náo da India que a ella
arribou .
X. Do aperto em que os Francezes do Rio de Janeiro puzeram
á capitania de S. Vicente e o Governador lhes mandou
fazer segunda guerra .
XI . Da viagem que fez Jeorge de Albuquerque de Pernambuco
pera o Reino e casos que nella succederam .
XII . De como o governador Men de Sá tornou ao Rio de Ja
neiro, fundou nelle a cidade de S. Sebastião e do mais que
fez até tornar á Bahia .
XIII . De como o Governador tornou pera a Bahia e de uma náo
que a ella arribou indo pera a India .
VIII INDICE

XIV . De como os Tamoyos e Francezes depois da vinda do


Governador foram de Cabo Frio ao Rio de Janeiro pera
tomarem uma aldcia e do que lhes succedeu .
XV . Das guerrils que houve neste tempo em Pernambuco .
XVI . De como vinha por Governador do Brasil D. Luiz Fer
nandes de Vastoncellos e o mataram no mar os Cossarios ,
XVII . Da morte do governador Men de Sá .
XVIII . De como El-Rei D. Sebastião mandou Christovão de
Barros por Capitão-Mór a governar o Rio de Janeiro .
XIX . Do quarto Governador do Brasil, Luis de Brito de Almeida,
c de sua ida ao rio Real .
XX . Das entradas que neste tempo se fizeram pelo certão .
XXI . Das differenças que o Governador e o Bispo tiveram sobre
um preso que se acolheu á egreja .
XXII . Do principio da rebellião e guerras do Gentio da Parahyba .
XXIII . De como dividiu El-Rei o governo do Brasil , mandando o
doutor Antonio Salema governar o Rio de Janeiro com o
Espirito Santo e mais capitanias do Sul , e o governador
Luis de Brito com a Bahia e as outras do Norte, e que
fosse conquistar a Parahyba.
XXIV . De como o Governador Luis de Brito mandou o ouvidor
geral Fernão da Silva á conquista da Parahyba e depois ia
elle mesmo e não pode chegar, com ventos contrarios.
XXV . De uma entrada que neste tempo se fez de Pernambuco
ao certão .
XXVI . Da morte do governador Lourenço da Veiga .

LIVRO IV

DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU MANOEL


TELLES BARRETO ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR GASPAR DE
SOUZA .

I. De como veio governar o Brasil Manoel Telles Barreto


e do que aconteceu a umas náos francezas e inglezas
no Rio de Janeiro e S. Vicente ,
INDICE IX

II . Da armada que mandou Sua Magestade ao estreito de


Magalhães em que foi por general Diogo Flores de
Valdez e o successo que teve .
III . Do soccorro que da Parahyba se mandou pedir ao go
vernador Manoel Telles e o assento que sobre isso se
tomou .
IV . De como o licenciado Martins Leitão, Ouvidor Geral,
foi por mandado do Governador com o general Diogo
Flores de Valdez á conquista da Parahyba e se fez nella
a fortaleza da barra ,
V. Dos soccorros que por industria do Ouvidor Geral se
mandaram á Parahyba .
VI . De como o Ouvidor Geral Martim Leitão foi á Parahyba
a primeira viz e da ordem da jornada, e primeiro rom
pimento e cerca tomada .
VII . De como se tentaram as pazes com o Braço de Peixe e
por as não querer se lhe deu guerra .
VIII . De como o general Martim Leitão chegando ao forte
mandou o capitão João Paes á bahia da Traição e depois
se tornaram pera Pernambuco ,
IX . De como o capitão Castejon fugio e largou o forte e o
Ouvidor Geral o prendeu e agazalhou os soldados.
X. De como o Braço de Peixe mandou commetter pazes,
pedindo soccorro contra os Potiguares e o Ouvidor Geral
tornou á Parahyba e começou a povoação .
XI . De como o Ouvidor Geral foi á bahia da Traição .
XII . De como da bahia da Traição foram ao Tujucupapo, e
tornaram pera Pernambuco .
XIII . Da vinda do capitão Morales do Reino e tornada do
Ouvidor Geral á Parahyba .
XIV . De como o Ouvidor Geral foi da Parahyba a Copaoba .
XV . De como, destruida a Copaoba , foram a Tujucu papo .
XVI . De como, despedida a gente, o Ouvidor Geral fez o
forte de S. Sebastião .
XVII . De uma grande traição que o gentio de Cerizipe fez aos
x INDICE

homens da Bahia e guerra que o Governador fez aos


Aymorés .
XVIII . Da morte do governador Manoel Telles Barreto e como
ficaram em seu logar governando o bispo D. Antonio
Barreiros, o provedor-mór Christovão de Barros e o Ou
vidor Geral ,
XIX . De tres náos inglezas que neste tempo vieram á
Bahia .
XX . Da guerra que Christovão de Barros foi dar ao gentio de
Cerizípe .
XXI . De uma entrada que se fez ao certão em busca dos
Gentios que fugiram da guerra de Cerizípe e outras .
XXII . De como se continuaram as guerras da Parahyba com
os Potiguares e Francezes, que os ajudaram .
XXIII . Como Francisco Giraldes vinha por Governador ao Bra
sil e por não chegar e morrer veio D. Francisco de Sousa,
que foi o setimo Governador ,
XXIV . Da jornada que Gabriel Soares de Sousa fazia ás minas
do certāo, que a morte lhe atalhou .
XXIV bis . De como veio Feliciano Coelho de Carvalho governar
a Parahyba e foi continuando com as guerras della .
( Este capitulo está incompleto ).
XXV . Falta ,
XXVI . Falta .
XXVII . Falta .
XXVIII , Falta .
XXIX . Falta .
XXX . Ha um fragmento do fim .
XXXI . De como Manoel Mascarenhas Homem foi fazer a forta
leza do Rio Grande e do soccorro quc lhe deu Feliciano
Coelho de Carvalho .
XXXII . De como , acabado o forle do Rio Grande e entregue ao
capitão Hyeronimo de Albuquerque, se tornaram os ca
pitães-móres de Pernambuco e Parahyba e batalhas
que no caminho tiveram com os Potiguares .

1
INDICE XI

XXXIII . De como Hyeronimo de Albuquerque fez pazes com os


Potiguares e se começou a povoar o Rio Grande .
XXXIV . De como foi o Governador Geral ás minas de S. Vi
cente e ficou governando a Bahia Alvaro de Carvalho, e
dos Hollandezes que a ella vieram .
XXXV . Da guerra dos gentios Aymorés e como se fizeram as
pazes com elles em tempo do capitão-mór Alvaro de
Carvalho ,
XXXVI . Do que fez o Governador nas minas .
XXXVII . Do oitavo governador do Brasil e o primeiro que veio
por Pernambuco, que foi Diogo Botelho, e como veio
ahi ter a gente de uma náo da India que se perdeu na
ilha de Fernão de Noronha .
XXXVIII . Da entrada que fez Pero Coelho de Souza da Parahyba
com licença do Governador á serra de Poapaba .
XXXIX . Do zelo que o governador Diogo Botelho teve da con
versão dos Gentios e que se fizesse por ministerio de
Religiosos .
XL , De como o Governador veio de Pernambuco pera a Ba
hia , e mandou a Zorobabé, que se tornava com os seus
Potiguares pera a Parahyba , désse de caminho nos Ne
gros de Guiné fugidos, que estavam nos palmares do rio
Itapicurú e de como se começou as pescarias das
baleias .
XLI . De como Zorobabé chegou á Parahyba e por suspeita de
rebellião foi preso e mandado ao Reino .
XLII . Do que aconteceu a uma náo flamenga que por mer
cancia ia á capitania do Espirito Santo carregar de
páo-brasil e ruim successo que teve .
XLIII , Da segunda jornada que fez Pero Coelho de Souza á
serra de Boa paba e ruim successo que teve ,
XLIV . Da missão e jornada que por ordem do governador
Diogo Botelho fizeram dous Padres da Companhia á mes
ma serra de Boapaba e como deferio aos rogos dos Reli
giosos.
XII INDICE

XLV . De como o governador D. Diogo de Menezes veio gover


nar a Bahia e presidio no tribunal que veio da Relação .
XLVI . De como D. Francisco de Sousa tornou ao Brasil a go
vernar as capitanias do sul, e da sua morte .
XLVII . Da nova invenção de engenhos de assucar que neste
tempo se fez.

LIVRO V.

DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE GOVERNOU GASPAR


DE SOUSA ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR DIOGO LUIZ DE OLI
VEIRA .

I. Da vinda do decimo Governador do Brasil , Gaspar de


Sousa, e como veio por Pernambuco a dar ordem á con
quista do Maranhão .
JI . De como mandou o Governador a Hyeronimo de Albu
querque a conquistar o Maranhão .
III . Da guerra do Maranhão e victoria que se alcançou .
IV . Das treguas que se fizeram entre os nossos e os Francezes
no Maranhão .
V. Do soccorro que o governador Gaspar de Sousa mandou
por Francisco Caldeira de Castello Branco ao Ma
ranhão .
VI. De como o capitão Balthazar de Aragão sahiu da Bahia
com uma armada contra os Francezes e se perdeu .
VII . Da vinda do governador Gaspar de Sousa de Per
nambuco á Bahia e do que nella fez.
VIII . De como o Governador tomou pera Pernambuco e
mandou Alexandre de Moura ao Maranhão .
IX . De uma armada de Hollandezes que passou pelo Rio de
Janeiro para o Estreito de Magalhães e de outra de Fran
cezes que foi carregar de páu -brasil ao Cabo Frio, etc.
( Este capitulo está incompleto ) .
INDICE XIII

X. Falta .
XI . Falta .
XII . Falta .
XIII . Falta .
XIV . Falta .
XV . Falta .
XVI . Falta .
XVII . Falta .
XVIII . De como, estando provido Henrique Corrêa da Silva
por Governador do Brasil, não veio, a causa por que e
como veio em seu logar Diogo de Mendonça Furtado .
XIX . Da chegada do governador Diogo de Mendonça á
Bahia e ida do seu antecessor D. Luis de Sousa pera o
Reino .
XX . De como Antonio Barreiros, filho do Provedor- Mór
da Fazenda, foi por provisão do governador geral
Diogo de Mendonça Furtado governar o Maranhão,
Bento Manuel o Grão Pará e o capitão Luis Aranha a
descobril-o pelo cabo do Norte, por mandado de Sua
Magestade .
XXI . Das fortificações e outras boas obras que fez o gover
nador Diogo de Mendonça Furtado na Bahia e duvidas
que houve entre elle e o Bispo e outras pessoas .
XXII . De como os Hollandezes tomaram a Bahia .
XXIII . De como o Governador Diogo de Mendonça foi preza
drs Hollandezes e o seu coronel João Vandort ficou
governando a cidade .
XXIV . De como o Bispo foi eleito do povo por seu Capitão-Mór
emquanto se avisava a Pernambuco a Mathias de Albu
querque , que era Governador ..
XXV . De como foi morto o coronel dos Hollandezes D. João
Vandort e lhe succedeu Alberto Scutis, e o Bispo assen
tou o seu arraial e estancias pera os assaltar.
XXVI . Dos assaltos que se deram emquanto governou o
Bispo .
XIV INDICE

XXVII . De outros assaltos que se deram á beira-mar aos Hol


landezes .
XXVIII . Dos navios que os Hollandezes tomaram na Bahia e o
que fizeram da gente que capitaneavam .
XXIX . De como Mathias de Albuquerque depois que recebeu
a provisão do Governo tratou do soccorro da Bahia e
fortificação de Pernambuco, onde deteve a Francisco
coelho de Carvalho, Governador do Maranhão .
XXX . De como o governador geral Mathias de Albuquerque
mandou de Pernambuco por Capitão-Mór da Bahia a
Francisco Nunes Marinho, e da morte do Bispo .
XXXI . Dos encontros que houve com os Hollandezes no tempo
que governou nesse arraial o capitão-mór Francisco
Nunes Marinho .
XXXII . De como veio D. Francisco de Moura por mandado de
Sua Magestade soccorrer a Bahia e governar o arraial .
XXXIII . Da morte do coronel Alberto Scutis e como lhe suce.
deu seu irmão Guilherme Scutis e se continuaram os
assaltos ,
XXXIV . Da armada que Sua Magestade mandou a soccorrer e
recuperar a Bahia , e dos Fidalgos Portuguezes que se
embarcaram .
XXXV . Da ajuda de custo que deram os vassallos de Sua Ma
gestade Portuguezá pera cua armada .
XXXVI . Como a armada, de Portugal veio ao cabo Verde
esperar a real da Hespanha e d'ahi vieram juntas á
Bahia .
XXXVII . De como Salvador Corrêa, do Rio de Janeiro, c Hyero
nimo Cavalcanti , de Pernambuco, vieram em soccorro
á Bahia e o que lhes aconteceu com os Hollandezes no
caminho .
XXXVIII . Como desembarcaram os da Armada e os Hollandezes
lhes foram dar um assalto a S. Bento, donde se
começou a dar a primeira bateria .
XXXIX . Da segunda bateria que se fez do mosteiro do Carmo,
INDICE XV

onde assistiu o general D. Fadrique de Toledo, e


outras duas que della se derivaram .
XL . De outras trincheiras que se fizeram da parte de S. Bento
e como se começaram a dividir os Francezes dos
Hollandezes .
XLI . De como se levantaram os soldados Hollandezes contra
o seu coronel Guilherme Scutis e depondo - o do cargo
elegeram outro em seu logar .
XLII . De como se entregaram os Hollandezes a concerto .
XLIII . De como se tomou entrega da cidade e despojos ; graças
que se deram a Deus pela victoria e aviso que se
mandou á Hespanha .
XLIV . Da guerra que o governador Mathias de Albuquerque
mandou dar ao Gentio da serra da Copaoba, que se
rebellou na occasião dos Hollandezes .
XLIV bis . Da armada que veio de Hollanda á Bahia em
soccorro dos seus e do mais que succedeu até a partida
da nossa .
XLV . Do successo da nossa armada para o Reino e dos
Hollandezes para sua terra .
XLVI . De como o governador Mathias de Albuquerque
mandou buscar a carga de uma náo da India, que se
perdeu na ilha de Santa Helena .
XLVII , Dos Hollandezes que andaram por esta costa da Bahia
até a Parahyba em o anno de 1626 e da ida do
Governador Francisco Coelho de Carvalho pera o
Maranhão .
XLVIII . De como Diogo Luis de Oliveira veio governar o Brasil
e se foi seu antecessor Mathias de Albuquerque pera
o Reino .
DEDICATORIA

Ao licenciado Manuel Severim de Faria , Chantre


na Santa Sé de Evora .

O motivo que teve Aristoteles para se divertir da especulação


a que o seu genio e inclinação natural o levava , como consta da
sua Logica , Physica e Metaphysica , e dar-se a escrever livros
historicos e moraes quaes as suas Ethicas e Politicas e a Historia
de Animaes, além de Th’o mandar o grande Alexandre e lhe
fazer as despezas, foi ver tambem que estimava tanto o livro
de Homero em que se contam os feitos heroicos de Achilles e de
outros esforçados guerreiros que (segundo refere Plutarco
In Vita Alexandri ) de ordinario o trazia comsigg ou quando o
largava da mão o fechava em escriptorio guarnecido de ouro e
pedras preciosas , melhor peça que lhe coube dos despojos de
Dario, ficando- lhe na mão a chave que de ninguem a fiava, e
com muita razão, porque ( como diz Tudlio. II De Oratore) o ; livros
historicos são luz da verdade , vida da memoria e mestres da
vida ; e Diodoro Siculo ( In proemio sui operis) diz que estes
egualam os mancebos na prudencia aos velhos , porque a que os
velhos alcançam com larga vida e muitos discursos podem os man
cebos alcançar em poucas horas de lição assentados em suas casas.
Eis aqui a razão por que o grande Alexandre tanto estimava
o livro. de Homero, e , si hoje houvera muitos Alexandres,
tambem houvera muitos Homeros porque, como diz Ovidio :
Scribentem juvat ipse favor, minuitque laborem
Cumque suo crescens pectore fervet opus .
2 DEDICATORIA .

O favor ajuda o escriptor , alivia - lhe o trabalho, anima-0 e


dá - lhe fervor å sua obra ; porém o que agora vemos é que,
querendo todos ser estimados e louvados dos escriptores , ha mui
poucos que os louvem e estimem, e menos que lhe façam as des
pezas.
Só temos a Vossa Mercê em Portugal, que os estima e
favorece tanto como se vê na sua livraria , que quasi toda tem
occupada de livros historicos, e principalmente no que fez de
louvores dos tre historiadores portuguezes , Luiz de Camões ,
João de Barros e Diogo do Couto , favor tão grande para escri
ptores de historias que se pode dizer , e assim é , que aos mortos
dá vida, resuscitando - lhes a memoria que já o tempo lhes tinha
sepultada , e aos vivos excita, dá animo e fervor para que saiam
å luz com seus escriptos, e folgue cada um de contar e compor a
sua historia .
Este foi o motivo que tive para sahir com esta do Brasil,
junto com Vossa Mercè m'a querer fazer de tomar a impressão
à sua custa , para em tudo se parecer com Alexandre . Outro
tive, que foi pedir -mo Vossa Mercè , e pelo conseguinte man
dar-me , pois os rogos dos senhores tèm força de preceitos, donde é
aquelle verse

Est rogare ducum species violenta jubendi.

E assim foi este de tanta força que não só executei por mim,
mas incitei a um amigo que a mesma historia compuzesse em
verso * ) , de sorte que pudesse dizer o que disse S. Agostinho ao
santo bispo Simpliciano, que, havendo - lhe pedido um tractado
breve em declaração de certas difficuldades, lhe offereceu dois

*) Infelizmente não se conhece o nome deste amigo e nem esta


historia em verso . No Rio da Prata , tambem houve além da Argen
tina de Ruy Dias de Gusman escripta em prosa , a Argentina de
Martin del Barco Centenera , escripta em verso . Foram lá mais felizes
do que nós, porque ambas as obras se conservaram e foram depois
impressas .
DEDICATORIA .

livros inteiros, desculpando -se ainda, com ser a lettra tanto que
pudera causar fastio , de não satisfazer ao que lhe fora pedido
conforme ao desejo do supplicante. São suas palavras as que
se seguem : Vereor ne ista quæ sunt a me dicta, et non satis
fecerint expectationi , et tædio fuerint gravitati tuæ , quando
quidem et tu ex omnibus quæ interrogasti unum a me libellum
mitti velles, ego duos libros eosdem quos longissimos misi , et
fortasse quaestionibus nequaquam expeditè deligenter respondi.
Desta maneira , havendo -me Vossa Mercê pedido um tratado
das cousas do Brasil , lhe offereço dois, leitura que pudera causar
fastio , si o diverso methodo a não variara e dera appetite, e
comtudo receio de não satisfazer á curiosidade de Vossa Mercè ,
segundo sei que gosta desta iguaria . Donde tomei tambem
motivo para a dedicar a Vossa Mercê e não a outrem , lem
brando - me que por dar Jacob a Isaac, seu pae , uma de que
gostava, alcançou a benção como a mãe lhe havia certificado,
dizendo: Nunc ergo, fili mi , acquiesce conciliis meis , et pergens
ad gregem affer mihi duos hoedos ut faciam ex eis . patri tuo
quibus libenter vescitur , quos cum intulerit et comedirit bene
dicat tibi.
Bem enxergou o santo velho, ainda que cego, que Jacob o
enganava , pois o conheceu pela voz : Verè quidam vox Jacob est ;
mas levado do gosto da iguaria a que era affeiçoado, depois de
inspiração do Ceu, The concedeu a benção. Esta peço eu a Vossa
Mercê , e com ella não tenho que temer a maldizente ..
Nosso Senhor vida, saude e estado conserve e augmente a
Vossa Mercè, como os seus lhe desejamos.
Bahia, 20 de Dezembro de 627.

Servo de Vossa Mercê

Fr.ro deSalvador
HISTORIA DO BRASIL .

LIVRO PRIMEIRO .

Do descobrimento do Brasil.

CAPITULO I.

COMO FOI DESCOBERTO ESTE ESTADO .

A terra do Brasil que está na America , uma das quatro


partes do mundo, não se descobriu de proposito e de prin
cipal intento l), mas acaso : indo Pedro Alvares Cabral,
por mandado de el -rei D. Manuel no anno de 1500 para à India
por capitão -mor de 12 naus 2), afastando - se da costa de Guiné,
que já era descoberta ao Oriente, achou esta outra ao Occidente,
da qual não havia noticia alguma, foi a - costeando alguns dias
com tormenta até chegar a um porto seguro , do qual a terra

1 ) A casualidade do descobrimento do Brasil foi largamente dis


cutida na Rev , do Inst, Hist. , vol. XV e XVIII, pelos senhores Joaquim
Norberto que a contesta e Machado de Oliveira e Gonçalves Dias
que e sustentam .
2) As naus de que Pedro Alvares Cabral veio por capitão -mór eram
treze , como assegura o proprio D. Manuel (Navarrete, Collec ., III
pag . 95 ) ; chegou , porém , ao Brasil só com doze . Destas naus sabemos
apenas o nome de trez de um modo certo : Annunciada , S. Pedro e
El- Rci, que se encontram mencionados em Ramusio e Barros.
Porto Seguro (Historia , pag . 70 ) suggere que as náus que regressaram
da India foram as seguintes, que são designadas em um documento
da Torre do Tombo (interior da casa da Corða , armario 26, maço 3,
doc . 300) : naus Espirito Santo, Santa Cruz, Fror de la Mar ,
S. Pedro, Victoria e Espera e galião Trindade,
6 FR. V. DO SALVADOR :

visinha ficou com o mesmo nome 3) . Ahi desembarcou o dito


Capitão com seus soldados armados para pelejarem , porque
mandou primeiro um batel com alguns a descobrir campo e
deram novas de muitos Gentios que viram ; porém não foram
necessarias armas porque só de verem homens vestidos e calçados,
brancos e com barba ( do que tụdo elles carecem ) , os tiveram por
divinos, e mais que homens, e assim chamando - lhe Caraibas 4 ) ,
que quer dizer na sua lingua como divino, se chegaram pacifica
mente aos nossos. Donde, assim como OS Indios da Nova
Hespanha, quando viram desembarcar nella os Hespanhoes lhes
chamaram Viracoches, que significa escumas do mar, parecendo
lhes que o mar os lançára de si como escumas é este nome
lhes ficou sempre ; assim somos ainda desses homens chamados
Caraibas, e respeitados mais que homens.
Mas muito mais cresceu nelles o respeito quando viram a oito
Frades da Ordem do Nosso Padre S. Francisco, que iam com
Pedro Alvares Cabral e por Guardião o padre frei Henrique, que
depois foi Bispo de Cepta, o qual disse alli missa e pregou , onde
os Gentios, ao levantar da hostia e calix , se ajoelhavam e batiam
ros peitos como faziam os Christãos, deixando bem nisto ver
como Christo Senhor Nosso neste Divino Sacramento domina os
Gentios, que e o que a Egreja canta em o invitatorio de suas
Matinas dizendo : Christum regem dominantem gentibus, qui se
mandacantibus dat spiritus pinguedinem , venite adoremus.
Do Deus Pan diziam os antigos Gentios que dominava e era
senhor do universo , e disseram Terdade si o entenderam deste
Pão Divino ; porque sem falta elle é o Deus que tudo domina,
e apenas ha logar em toda a terra onde já não seja venerado,
nem nação tão barbara de que não seja crido e adorado, como
estes Brasis barbaros fizeram .
Bem quizeram os nossos Frades, pela facilidade que nisto
mostraram para aceitarem a nossa Fé Catholica , ficar -se alli ,
para os ensinarem e baptisarem ; mas o Capitão-mör,que
os lovava para outra seara não menos importante, se ypartiu

3) O Porto Seguro de Cabral , segundo todos os escriptd res do se


culo XVI , corresponde á actual Santa Cruz, O Visconde de Portor
Seguro em 1877 procurou entretanto demonstrar o contra rio (Rev.
Inst . , XI 24 p. , pag. 5/12 ) , mas Beaurepaire Rohan com ni uita forc: 1
provou que a opinião tradicional é a correcta ( Rev. Inst ., XI. III, 1980;
24 p . , p . 5/26 ) .
4) Sobre Caraiba , nome dado pelos Europeus a toda especie de In
dios e pelos Indios a toda especie de Europeus, como espirituos amente
repara K. von . den Steinen ( Durch Central Brasilien, Leipzi
pag. 299), veja - se o que escreveu Baptista Caetano nos En
Sciencia , I, p . 6/8 ; nus Annaes da Bibl. Nao ., vol. VII, p.69 ; nas
notas nos Indios do Brasil de Fernão Cardim , p . 85/86
HISTORIA DO BRASIL

dahi a poucos dias com elles para a India 5) , deixando ali uma
cruz levantada, como tambem dois Portuguezes degradados 6 ),
para que aprendessem a lingua, e despediu um navio a Por
tugal de que era capitão Gaspar de Lemos 7 ) com a nova
a el-rei D. Manuel, que a recebeu com o contentamento que tão
grande cousa e tão pouco esperada merecia .

CAPITULO II .

DO NOME DO BRASIL .

o dia em que o capitão -mór Pedro Alvares Cabral levantou a


cruz , que no capitulo atraz dissemos, era a 3 de Maio 8), quando
se celebra a Invenção da Santa Cruz , em que Christo Nosso
Redemptor morreu por nós, e por esta causa poz nome á terra
que havia descoberto de Santa Cruz , e por este nome foi conhe
cida muitos annos 9) . Porém , como o Demonio com o signal da
Cruz perdeu todo o dominio que tinha sobre os homens, receiando

5 ) A armada de Cabralpartiu do Brasil para a India no dia 2 de


Maio (Ramusio, Viag . I f. 133 v . Goes, Chr. de ]). Manoel part . I ,
cap . LV) .
6 ) Um destes degradados foi depois lingua da terra e voltou a Portugal
(Barros Deo . I , 1. V, c . II ) .
7 ) Segundo Gaspar Correia ( Lendas da India, I, pag. 152), o mensa
geiro foi André Gonçalves . Candido Mendes defendeu esta opinião
desenvolvidamente na Rev. XXXIX , 2a part . , pag . 5/24 ).
8) A cruz foi plantada Sexta - feira 1 de Maio, como assegura Cami
nha ( Rev. Inst ., XL, 1877 , part. 2a . pag. 34). O nome de Vera Cruz fora
posto a terra quarta - feira, 22 de Abril. A Invenção da Cruz: não influiu
pois sobre o nome . Nem a erecção . O que influiu foi a Cruz de Ordem de
Christo, com que todas as velas das naus vinham assignadas (Correia,
Lendas da India , 1, p . 149) ; que na primeira missa , cantada a 26 de
Abril, esteve sempre alta da parte do Evangelho (Caminha, ib) ;
sob cuja obediencia tinham vindo e com a qual , segundo neste dia
pregou Fr. Henrique, se conformou o achamento da terra .
Alguns autores dão para dia do descobrimento do Brasil3 de Maio .
Como lembra Beaurepaire Rohan (Rev. Inst. XXXI , 1869, 2a p .,
p. 231/233, foi por fazerem a correcção gregoriana de 1582. Em 1822,
Antonio Gonçalves Gomide, por insinuação de Diogo de Toledo Lara
Ordonhes, propoz que , sendo o dia 3 de Maio o do descobrimento do Brasil
fosse este o destinado para a abertura do parlamento brasileiro ( Rev.
Inst. XLVIII , 1885, part. 14 , p . 593. A idea foi aceita e se tem posto em
pratica até hoje ; a nossa Constituição politica consigna - a no art. 18.
9) Vej. Mat e Ach . 1, p . 39.
8 FR. V. DO SALVADOR :

perder tambem o muito que tinha em a dita terra , trabalhou


que se esquecesse o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brasil 10) ,
por causa do um pau assim chamado, de côr abrazada e ver
melha, com que tingem pannos, do qual ha muito nesta terra,
como que importava mais o nome de um pau com que tingem
pannos, que o daquelle Divino Pau que deu tinta è virtude a
todos os Sacramentos da Egreja e sobre que ella foi edificada ,
' e ficou tão firme e bem fundada como sabemos.
E por ventura por isto, ainda que ao nome de Brasil ajun
taram o de estado, e lhe chamam Estado do Brasil, ficou elle
tão pouco estavel , que , com não haver hoje cem annos, quando
" isto escrevo, que se começou a povoar, já se hão despovcado
alguns logares, e sendo a terra tão grande e fertil, comoadiante
veremos, nem por isso vai em augmento, antes em diminuição .
Disto dão alguns a culpa aos Reis de Portugal, outros aos
Povoadores : aos Reis pelo pouco caso que hão feito deste tão
grande Estado, que nem o titulo quizerain delle , pois intitulando
se senhores de Guiné por uma caravelinha que la vai e vem ,
como disse o Rei de Congo, do Brasil não se quiseram intitular.
Nem depois da morte de el- rei D. João Terceiro, que o mandou
povoar e soube estimal-o, houve outro que delle curasse, sinão
para colher suas rendas e direitos .
E deste mesmo modo se hão os Povoadores, os quaes, por mais
arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam , tudo
pertendem levar a Portugal, e, si as fazendas e bens que possuem
souberam fallar, tambem lhes houveram de ensinar a dizer como
os papagaios , aos quaes a primeira cousa que ensinam ė :
Papagaio real, pera Portugal 11 ), porque tudo querem para lá.
E isto não têm só os que de la vieram , mas ainda os que cá
nasceram , que uns e outros usam da terra , não como senhores,
mas como usufructuarios, só para a desfructarem e a deixarem
destruida. Donde nasce tambem que nenhum homem nesta terra

10) A palavra Brasil têm duas origens: uma latina sobre a qual
J. C. da Silva escreveu uma dissertação magistral na Rev. Inst . XXIX ,
2a p . p. 5/35 , e de que tambem trataram José Silvestre Rebello nos
dois primeiros vols . da Revista , e Candido Mendes , nå introducção aos
Principios de direito mercantil e leis de marinha de Silva Lisboa .
Rio, 1874 , I, CCCXL - CCCLV ; outra celtica , a que alludem Gumbleton
Daunt, na Rev. Inst. XLVII, 1834,1a p . , pag. 119/120 e Beauvois,
Rev. de l'hist , des religions, VII p . 316 .
11 ) Esta parlenda que ainda hoje se conserva , é assim :
Papagaio real ,
Para Portugal
Quem passa , meu louro ?
E' o rei que vae a caça .
Toca trombeta e caixa .
HISTORIA DO BRASIL 9

é republico , nem zela ou tracta do bem commum , sinão cada


um do bem particular.
Não notei eu isto tanto quanto o vi notar a um de Tucu
man 12) , da ordem de Sam Domingos, que por algumas destas
terras passou pera a Corte : era frade canonista, homem de bom
entendimento e prudencia e assi ia muito rico . Notava as cousas
e via que mandava comprar um frangão , quatro ovos, ou um
peixe pera comer e nada lhe traziam, porque não se achava
na praça , nem no açougue ; e si mandava pedir as ditas cousas
e outras muitas a casas particulares, lh'as mandavam ; então
disse o Bispo : verdadeiramente que nesta terra andam as cousas
troculas , porque toda ella não é Republica , sendo-o cada casa .
E assi é que estando as casas dos ricos (ainda que seja á custa
alheia , pois muitos devem quanto tém) provida; de todo o neces
sario, porque têm escravos, pescadores e caçadores, que lhes
trazem a carne e o peixe , pipas de vinho é de azeite, que
compram por junto ; nas villas muitas vezes se não acha isto
de venda . Pois o que é fontes , pontes, caminhos e outras cousas
publicas. é uma piedade , porque atendo-se uns aos outros nem
um as faz, ainda que bebam à agua suja e se molhem os pés ao
passar dos rios ou se orvalhem pelos caminhos , e tudo isto vem
de não tractarem do que ha de ficar, sinão do que hão de levar
para o Reino.
Estas são as razões por que alguns com muita dizem que não
permanece o Brasil, nem vai em crescimento ; e a estas se pode
ajuntar a que atraz tocamos de lhe haverem chamado Estado
do Brasil tirando- lhe o de Santa Cruz com que podera ser estado
e ter estabilidade e firmeza .

12) Chamava -se Francisco Victoria , e era de origem portugiieza .


No encalço da fortuna, foi ao Perú, onde para viver teve de fazer - se
criado de um mercador. Estando um dia na loja , vio alguem uma
mitra resplandecente que, depois de suspensa algum tempo no ar, veio
assentar -se - lhe na cabeça .
Entrou para a Ordem de S. Domingos em Lima, desempenhando
nella os maiores empregos, entr'os quaes o de procurador geral em
Roma. Neste posto angariou a estima de Paulo V e dos Cardeaes, e em
Madrid a de tola a corte e da Felinpe II, que em 1576 apresentou - o
para bispo de Tucuman , sendo as billas para a consagração conce
didas por Gregorio XIII. Chegou ao seu bispado em tins de 1581, e
ahi teve sérias desavenças com o governador Hernando de Lerma, que
por suas queixas foi depois demittido; tomou parte no terceiro concilio
de Lima,convocado pelo arcebispo S. Toribio . De volta a sua diocese,
publicou 03 decretos conciliares , favoreceu os Jesuitas, fundou semi
narios, etc. Resolvendo partir para a Corte por causa dos desvarios
de HernandoLermae quando este ia preso, embarcou para lá em 1590 .;
Falleceu em 1592. ( V. Lozano ,Hist. da Comp. de Jesus en la prov . del
Paraguay Madrid , 1754 , I , p . 33/40 ).
10 FR , V, DO SALVADOR :

CAPITULO II ) .

DA DEMARCAÇÃO DA TERRA E COSTA DO BRASIL COM A DO PERÚ


E INDIAS DE CASTELLA .

Grandes duvidas e differenças se começavam a mover sobre


as conquistas das terras do Novo Mundo, e houveram de crescer
cada dia mais si os reis catholicos de Castella , D. Fernando e
D. Isabel, sua mulher, e el- rei de Portugal, D. João Segundo,
que as iam conquistando, não atalhassem com um concerto 13) ,
que entre si fizera de que tambem deram conta ao Papa e
houveram sua approvação e beneplacito. O concerto foi que de
uma das ilhas de Cabo Verde , chamada Santo Antão 14) , se medis
sem tresentas e setenta leguas para o Oeste, e d'alli, lançando
uma linha meridiana de Norte a Sul , todas as terras, e ilhas
que estavam por descobrir, desta linha para a parte do Oriente
fossem da Coroa de Portugal, e as occiden taes da Corôa de
Castella .
Conforme a isto , diz Pedro Nunes, famoso cosmographo,
que a terra do Brasil da Coroa de Portugal começa além da

13) Este concerto conhecido por tratado de Tordesilhas foi reali


sado na villa deste nome a 7 de junho de 1494. (Veja -se o tratado em
Navarrete, Col. , II, doc . LXXV P. 147/162 da 2a ed ). O papa Julio II
pela bulla Ea quce pro bono pacis de 24 de Janeiro de 1506 , (Rabello
da Silva , Corpo dipl. port . , L, Lisbôa , 1862 , p . 93/95 ) dirigida ao Bispo
de Viseu e ao Arcebispo de Braga , autoris01-08 à approvarem em seu
nome o contracto feito para a divisão das conquistas.
14) No concerto (Navarrete p . 154) fala-se nas ilhas de Cabo Verde,
mas sem especificar nem uma como ponto de partida. Nas confe
rencias que por causa das Molucas houve na fronteira junto a Caya,
entre Elvas e Badajoz começou a duvida « sohre qual devia ser a pa
ragem do archipelago de Cabo Verde a que se havia de considerar
referente a lettra do ajustado em Tordesilhas ; os Castelhanos com a
idéa de favorecer a causa das Molucas, pretendiam que fosse o ex
tremo da ilha mais occidental ou de Santo Antão ; e os Portuguezes,
esquecendo - se de quanto esta versão , que era a unica logica, os favo
recia com terras no Brasil, afim de que as ilhas Molucas, por essa
pequena differença de longitude, não se lhes escapassem , repelliram - a
com tanta energia como nos seculos seguintes a sustentaram » . ( Porto
Seguro, Historia , p . 101. )
HISTORIA DO BRASIL 11

ponta do rio das Amasonas, da parte do Oeste , no porto de


Vicente Pinzon , que demora em dois graus da linha equinocial
para o Norte , e corre pelo certão até além da bahia de São Ma
thias, por quarenta e quatro graus, pouco mais ou menos, para
o Sul, e por esta medida (diz o mesmo Cosmographo) tem o
Brasil pela costa mil e quinhentas leguas. Porém , dado que assim
seja na theoria , a pratica é não chegar o Brasil mais que até o
rio da Prata , que está em trinta e cinco graus, e com tudo ainda
tem mais de mil leguas por costa ; porque, posto que em algumas
partes corre de Norte a Sul, que são de graus só de dezasete
leguas e meia , todavia pela maior parte, que é para o Sul do
cabo de Santo Agostinho até o rio da Prata , corre de Nordeste
a Sudoeste, que são de vinte e cinco leguas, e para o Norte do
cabo Branco até o rio das Amasonas quasi de Leste a Oeste, onde
se altera o grau e se multiplicam as leguas, e assim não é
muito que em trinta e cinco graus haja tantas . Donde se collige
tambem que é a terra do Brasil da figura de uma harpa, cuja
parte superior fica mais larga ao Norte , correndo do Oriente ao
Occidente , e as collateraes, a do certão de Norte a Sul , e da
costa do Nordeste a Sudoeste, se vão a juntar no rio da Prata
em uma ponta á maneira de harpa como se verá no mappa
mundi, e na estampa seguinte :

Da largura que a terra do Brasil tem para o cerião não trato,


porque até agora não houve quem a andasse por negligencia dos
Portuguezes que, sendo grandes conquistadores de terras , não
se aproveitam dellas,mas contentam -se de as andar arranhando
ao longo do mar como carangueijos .
Depois do sobredito concerto e demarcação, se moveram ainda
novas duvidas sobre a conquista destas terras ; porque um Por
tuguez por nome Fernão de Magalhães, homem de grande
espirito e de muita pratica e experiencia na arte de navegação,
por um aggravo que teve de el-rei D. Manuel, por lhe não
mandar accrescentar un tostão á moradia que tinha , pera ficar
egual á de seus antepassados, se tirou do seu serviço e so passou
ao imperador Carlos V, offerecendo - se lhe dar maiores proveitos
da India do que tinham os Portuguezes e por viagem mais breve
e menos custosa e perigosa que a sua , por um estreito que elle
12 FR , V, DO SALVADOR :

novamente descobrira 15 ) na costa do Brasil, e lhe poz tambem


as ilhas de Maluco na demarcação de Castella. Ao que o Im
perador não somente deu orelhas, mas admittiu -o ao seu serviço,
è posto que El -Rei lhe escreveu logo fazendo - lhe as lembranças
necessarias, não deixou de dar navios e gente a Fernão de Ma
galhães , com que commetteu a viagem e foi pelo estreito ás ilhas
de Maluco, onde todos se perderam , excepto um que, depois de
passar muitos trabalhos e perigos e cinco mezes de fome estrei
tissima, de que lhe morreram vinte e uma pessoas, os que ficaram
vivos, constrangidos da extrema necessidade, arribaram á ilha
de Cabo Verde, onde os Portuguezes, em quanto não souberain
da viagem que traziam , os agazalharam e proveram com todos
os mantimentos e refrescos necessarios, porque os Castelhanos
diziam virem das Antilhas; mas depois que entenderam a
verdade determinaram secretamente de lançar mão da nau e a
fazerem deter, atė darem aviso ao Reino, o que tambem aven
taram os Castelhanos e se fizeram á vela com tanta pressa que
não tiveram tempo de receber o seu batel e os da ilha o tomaram
com treze homens que estavam em terra , e os mandaram logo a
El-Rei , com novas do que passava .
El-Rei, que já nesse tempo era D. João o Terceiro, por falle
cimento d'el-rei D. Manuel, seu pae, que havia um auno era
morto, a treze de Dezembro de mil quinhentos e vinte e um,
mandou logo quatro caravellas em busca do navio ; mas, por
maior peessa que se deram , acharam novas que era já aportado
om Sevilha, pelo que determinou no seu Conselho de mandar
pedir ao Imperador toda a especiaria que o navio trouxera
das ilhas de Maluco por estarem dentro da sua demarcação, e que
não quizesse começar a dar motivo de se quebrarem as pazes,
que por ambos estavam ractificadas, e assim o escreveu ao Impe

15) Não consta que Magalhães estivesse no Brasil antes de 1519 ; não
podia , pois , ter descoberto antes um estreito, e a melhor prova que
não o tinha é a sua incerteza do ponto em que este deveria ficar, pois
comezou a procura- lo desde 34° 40 ' e estava disposto a ir até 75 gráos
(Humbold , Examen critique de l'histoire de la geographie du nou reau
continent, V , p. 247 ) . *
Entretanto é certo que já antes se acreditava na existencia de um
estreito ao sul da America, e até ao centr ), que Colombo procurara
debalde. Na Zeytung des Presillig Lundt, relativa á expedição de Dom
Nuno Manoel, como já procurei provar ( A armada de D. Nuno Ma
noel, Rio, 1881) e em que se narram factos de 1506. vem a primeira
indicação do estreito, indicação. porém, que Varnhagen affirmou e
Wiezer demonstrou applicar -se á bahia de S. Mathias. No mappa
de Schöner de 1515 já estava o estreito ſigurado. Veja -se sobre esta e
outras questões connexas a importante monographia de Wieser
(Magalhães Strasse und Austral Continent).
HISTORIA DO BRASIL 13

rador ; e a Luiz da Silveira , que havia mandado por seu


Embaixador a Castella sobre casamento e lianças, escreveu
mudasse a substancia da embaixada e só tractasse d'este negocio ,
como tambem o mandou fazer o Imperador pelo seu secretario
que estava em Portugal , Christovão Barroso , ao qual escreveu
que fallasse logo a El -Rei e lhe desse uma carta que sobre isso
The escrevia , em que se queixava muito de todas estas cousas, e
principalmente de lhe mandar no alcance da sua nau , que vinha
carregada de especiaria das terras que cabiam na sua demarcação
sem tocar por toda a India, e que isto era quebrar as capitulações
antigas e novas das pazes, que estavam assentadas, e juradas do
um Reino a outro, sendo todos os navios portuguezes por seu
mandado mui bem recolhidos em todos os portos dos seus
senhorios, por onde lhe pedia que lhe mandasse soltar os presos ,
e castigar na ilha os que os prenderam . A's quaes queixas se
respondeu de parte a parte que se poriam em juizo , e se julgaria
o que fosse justiça. Mas sem falta se viera o negocio a averiguar
pelas armas, si não se effectuaram neste tempo os casamentos
d'El-Rei com a rainha D. Catherina, irmã do Imperador , e do
Imperador com a imperatriz D. Isabel, irmã d'El -Rei , com que
ficaram duas vezes cunhados e irmãos, e pelo conseguinte em
muita paz e amizade.
Tambem el-rei Francisco de França , desejoso de ter
parte nos grandes proveitos que diziam tirar - se d'estas terras ,
começou a arguir novas duvidas sobre a demarcação que entre
si os Reis de Portugal fizeram com os de Castella, da qual se
lançara de fora sendo requerido para isso, e agora sentia muito
a renunciação qne tinha feito . Donde se veiu a dizer que pelo
disgosto que tinha destes dois Reis de Portugal e Castella
repartirem entre si o Mundo e o demarcarem á sua vontade,
consentia andarem os seus vassallos pelo mar , tam soltos que
não somente roubavam os navios, mas commettiam as ditas
terras e as queriam povoar, principalmente as do Brasil, como
adiante veremos .

CAPITULO IV .

DO CLIMA E TEMPERAMENTO DO BRASIL .

Opinião foi de Aristoteles e de outros Philosophos antigos que


a zona torrida era inhabitavel, porque, como o sol passa por ella
cada anno duas vezes pera os tropicos, parecia -lhes que com
tanto calor não poderia alguem viver. E confirmavam sua opi
nião, porque o sol aquenta com seus raios uniformiter diffor
14 FR. V. DO SALVADOR :

miter mais ao perto que ao longe e por essa causa no inverno


aquenta pouco porque anda distante ; sed sic est que na zona
temperadā onde nunca entra, só pelo accesso que faz no verão
enfermam e morrem os homens de calor ; logo, a fortiori, em a
zona torrida, donde nunca sahe, ha de ser mortifero .
Porém a experiencia tem já mostrado que a zona torrida é ha
bitavel , e que em algumas partes della vivem os homens com
mais saude que em toda a zona temperada, principalmente no
Brasil, onde nunca ha peste nem outras enfermidades communs,
sinão bexigas de tempos em tempos de que adoecem os Negros
e os Naturaes da terra , e isto só uma vez, sem assegundar em
os que as tiveram ; e si alguns adoecem de enfermidades par
ticulares, é mais por suas desordens que por molestia da
terra .
A razão d'isto é porque , ainda que a terra do Brasil é calida
por estar a maior” della na zona torrida, comtudo é junta
mente muito humida , como se prova de orvalhar tanto de noite
que nem depois de sahir o sol a quatro horas se enxugam as er
vas, e si alguem dorme ao sereno, se levanta pela manhã tão
molhado delle como si lhe houvera chovido . Daqui vem tam
bem não poder o sal e o assucar por mais que o sequem e res
guardem conservar-se sem humedecer - se , e o ferro e aço de
uma espada ou navalha, por mais limpo e çacalado que seja, se
enche logo de ferrugem e esta humidade é causa de que o calor
desta terra se tempere e faz este clima de boa complexão. Outra
é pelos ventos Leste e Nordeste, que ventam do mar tudo o verão
de meio dia, pouco mais ou menos, até meia noite, e lavam e
refrescam toda a terra .
A ultima causa é pela egualdade dos dias e das noites, porque
( como dizem os Philosophos) a extensão faz intensão ; donde , si
um puzesse ou tivesse a mão devagar sobre um fogo fraco de
estopas ou de palhas , se queimaria mais que si de pressa a
passasse por um fogo forte , e por isto em Portugal, posto que o
calor é mais remisso, se sente mais, porque dura mais e são
maiores os dias no verão que as noites ; mas no Brasil , ainda
que mais intenso , dura menos e não aguenta tanto que o frio da
noite o não atalhe que não chegue de um dia a outro. Donde se
respon -le ao argumento de Aristoteles que o sol aquenta mais
na zona torrida que na teñperada intensivè, mas não extensive ;
e que esta intensão de calor se modera com os ventos frescos do
mar e humidade da terra , junto com a frescura do arvoredo
de que toda está coberta , de tal sorte que os que a habitam vivem
nellà alegremente .
O em que se verifica a opinião dos philosophos é nas cousas
mortas, porque, estando nas outras terras a carne tres ou quatro
dias sã e incorrupta e da mesma maneira o pescado, nesta não
está 24 horas que se não damne e corrompa .
HISTORIA DO BRASIL 15

CAPITULO V.

DAS MINAS DE METAES E PEDRAS PRECIOSAS DO BRASIL,

Já no capitulo III comecei a murmurar da negligencia dos


Portuguezes, que não se aproveitavam das terras do Brasil que
conquistam , e agora me è necessario continuar com a murmu
ração havendo de tratar das minas do Brasil. Pois, sendo conti
gua esta terra com a do Perú , que a não divide mais que uma
linha imaginaria indivisivel; tendo lå os Castelhanos descoberto
tantas e tão ricas minas, cả nem uma passada dão por isso , e
quando vão ao certão é a buscar Indios forros, trazendo -os á
força e com enganos para se servirem delles é os venderem
com muito encargo de suas consciencias, e é tanta a fome que
disto levam que, ainda que de caminho achem mostras ou novas
de minas, não as cavam , nem ainda as vêm ou as demarcam .
Um soldado de credito me disse que, indo de S. Vicente com
outros, entraram muitas leguas polo certão donde trouxeram
muitos Indios, e em certa paragem lhes disse um que dali a tres
jornadas estava uma mina de muito ouro limpo e descoberto
donde se podia tirar em pedaços ; porém que receiava a morte
si lha fosse mostrar, porque assim morrera já outro que em
outra occasião a quizera mostrar aos Brancos; e dizendo - lhe estes
que não temesse, porque lhe rogariam a Deus pela vida , pro
metteu lha iria mostrar e assentaram de partir no dia seguinte
pela manhã , porque aquelle era já tarde.
Com isto se apartou o Indio pera seu rancho, e quando amanhe
ceu o acharam morto, e como si morreram todos, não houve mais
quem tivesse animo para descobrir aquella riqueza, que a mesma
natureza ( segundo dizia o Indio) alli estava mostrando descoberta .
Outra entrada fez um Antonio Dias Adorno da Bahia em que
tambem achou de passagem muitas sortes de pedras preciosas,
de que trouxe algumas mostras, e por taes foram julgadas dos
lapidarios .
De crystal sabemos em certo haver uma serra na capitania
do Espirito Santo em que estão mettidas muitas esmeraldas de
que Marcos de Azeredo levou as mostras a El-Rei, e , feito exame
por seu mandado, disseram os lapidarios que aquellas eram da
superficie e estavam tostadas do sol, mas que si cavassem ao
fundo as achariam claras e finissimas : pelo que El- Rei lhe fez
mercê do habito de Christo e de 2.000 cruzados para que tor
nasse a ellas, os quaes se não deram , e o homem era velho, e
morreu sem ' haver mais até agora quem as tirasse 16) .

16) Segundo Accioli (Memorias historicas da Bahia , V , p . 3) suc


cedeu isto em tempo de Filippe II, portanto antes de 1598.
16 FR. V. DO SALVADOR :

Tambem ha minas de cobre, ferro e salitre ; mas, si pouco tra


balham pelas de ouro e pedras preciosas, muito menos fazem
por estoutras. Não ponho culpa a El-Rei, assim porque sei
que nesta materia lhe hão dado alguns alvitres falsos 17) , e diz
Aristoteles que ė pena dos que mentem não lhes darem credito
quando fallam verdade, como tambem porque não basta mandar
El -Rei si os ministros não obedecem , como se viu no das esme
raldas de Marcos de Azeredo.

CAPITULO VI .

DASARORES AGRESTES DO BRASIL.

· Ha no Brasil grandissimas mattas de arvores agrestes, cedros,


carvalhos, vinhaticos, angelins, e outras nåe, conhecidas em
Hespanha , de madeiras fortissimas para se poderem fazer
dellas fortissimos galeões , e , o que mais é, que da casca de al
gumas se tira a estopa para se calafetarem e fazerem cordas
para enxarcia e amarras, do que tudo se aproveitam as que que
rem cả fazer navios, e se podera aproveitar El-Rei si cà os
mandara fazer . Mas os Indios naturaes da terra as em parcações
de que usam são canôas de um só pau, que lavram a fogo e
a ferro; e ha paus tão grandes que ficam , depois de avados,
com dez palmos de boca de bordo a bordo, e tãocompridas que
remam a vinte remos por banda .
São tambem as madeiras do Brasil mui accommodatlas pera
os edificios das casas por sua fortaleza , e com ellas se acha junta
mente a pregadura, porque ao pé das mesmas arvores nascem
uns vimes mui rijos chamados timbós e cipós, que subitądo até
do mais alto dellas ficam parecendo mastos de navios com os
seus ouveis , e com estes atam os caibros , ripas e toda a madai
das casas que houveram de ser pregadas, no que se forra my
gasto de dinheiro , e principalmente nas grandes cercas
fazem aos pastos dos bois dos engenhos porque não saii
comer os cannaviaes de assucar e os achem no pasto quando
houverem mister pera a moenda, as quaes cercas se fazen
estacas e varas atadas com estes cipós.

17) Alusão provavel a Melchior Dias Moreia, pae de Roberio Dias,


a cujo respeito veja - se a carta de Pedro Barbosa Leal , escripta em 1725
e publicada na Revista da Secção da Sociedade de Geographia de Lisboa
no Brasil, Rio , 1885 , numeros de Setembro e Outubro .
HISTORIA DO BRASIL 17

Ao longo do mar, e em algumas partes muito espaço dentro


delle, ha grandes mattas de mangues, uns direitos e delgados
de que fazem estas cercas e caibros pera as casas ; outros que
dos ramos lhes descem as raizes ao lodo, e dellas sobem outros,
que depois de cima lançam outras raizes e assim se vão conti
nuando de ramos a raizes e de raizes a ramos atė occuparem
um grande espaço, que é cousa de admiração .
Não é menos admiravel outra planta que nasce nos ramos de
qualquer arvore e ahi cresce e då um fructo grande e mui doce
chamado caragatá , e entre suas folhas, que são largas e rijas,
se acha todo o verão agua frigidissima, que é o remedio dos ca
minhantes onde não há fontes.
Ha muitas castas de palmeiras, de que se comem os palmitos
e o fructo , que são uns cachos de cocos , e se faz dellés azeite
para comer e para a candeia e das palmas se cobrem as casas.
Nem menos são as madeiras do Brasil formosas que fortes, por
que as ha de todas as cores, brancas, negras, vermelhas, ama
rellas, roxas, rosudas e jaspeadas ; porém , tirado o pau ver
melho, a que chamam brasil, e o amarello chamado tatauba ,
e o rosado arariba, os mais não dão tintas de suas cores, e com
tudo são estimados por sua formosura , pera fazer leitos, cadeiras,
escriptorios e bufetes, como tambem se estimam outros, porque
estilam de si oleo odorifero e medicinal, quaes são umas arvores
mui grossas, altas e direitas chamadas copahibas, que golpeadas no
tempo do estio com um machado, ou furadas com uma verruma
ao pé, estilam do amego um precioso oleo , com que se curam
todas as enfermidades de humor frio e se mitigam as dores que
dellas procedem e saram quaesquer chagas , principalmente de
feridas frescas posto com o sangue, de tal modo que nem fica
dellas signal algum depois que saram . E acerta ás vezes estar
este licor tão de vez e desejoso de sahir que, em tirando a ver
ruma , corre em tanta quantidade como si tiraram o torno a
uma pipa de azeite ; porém nem em todas se acha isto, sinão
em as que os Indios chamam femeas, e esta é a differença que
tém dos machos, sendo em tudo o mais semelhantes. Nem só têm
estas arvores virtude em o oleo, mas tambem em a casca , e assi
se acham ordinariamente roçadas dos animaes, que as vão buscar
pera remedio de suas enfermidades .
Outras arvores ha chamadas coborehibas, que dão o suavis
simo balsamo com que se fazem as mesmas curas, e o Summo
Pontifice o tem declarado por materia legitima da Santa Unção
e Chrisma, e como tal se mistura e sagra com os Santos Oleos,
onde falta o da Persia : este se tira tambem dando golpes em
a arvore e mettendo nelles um pouco de algodão em que se colhe,
e espremido o mettem em uns coquinhos, pera o guardarem
e ve :iderem .
Outras arvores se estimam , ainda que agrestes, por seus sabo
rosos fructos, que são innumeraveis asque fructificam pelos cam
M. O Ach . V. 2
18 FR . V. DO SALVADOR :

pos e matos ; e assi não poderei contar sinão algumas princi


paes taes são': as sasapocaias de que fazem os eixos para as
moendas dos engenhos, por serem rigissimos, direitos e tão grossos
como toneis, cujos fructos são uns vasos tampados cheios de
saborosas amendoas, os quaes depois que estão de vez se des
tapam e , comidas as amendoas, servem as cascas de graes para
pisar adubos ou o que querem ; mussurandubas que é a madeira
mais ordinaria de que fazem as traves e todo o madeiramento
das casas por ser quasi incorruptivel ; seu fructo é como cerejas,
maior e mais doce ,mas lança de si leite como figos mal maduros ;
jani pápos de que fazem os remos-pera os barcos como em Hespa
nha se fazem de faia , têm um fructo redondo tão grande como
laranjas, o qual quando é verde espremido dá o sumo tão claro
como agua de pote, porém quem se lava com elle fica negro
como carvão, nem se lhe tira a tinta em poucos dias : desta se
pintam e tingem os Indios em suas festas, e sahem tão con
tentes nús como si sahiram com uma rica libré, e esse fructo se
come depois de maduro sem botar delle nada fora ; gyitis é fructo
de outras o qual, posto que feio á vista , e por isso lhe chamam
coroe, que quer dizer nodoso e sarabulhento , com tudo é de tanto
sabor e cheiro que não parece simples, sinão composto de
assucar , ovos e almiscar.
Os cajueiros dão a fructa chamada cajús, que são como verdiais ,
mas de mais summo, os quaes se colhem no mez de Dezembro
em muita quantidade, e os estimam tanto que aquelle mez não
querem outro mantimento, bebida ou regalo, porque elles lhes
servem de fructa, o sumo de vinho, de pão lhes serve
umas castanhas que vêm pegadas a esta fructa , que tambem as
mulheres brancas prezammuito, e seccas as guardam todo o anno
em casa para fazerem maçapães e outros doces como de amen
doas , e då gomma como a arabia . A figura desta arvore e de seu
fructo é a seguinte :

O mesmo tem outra planta que produz os ananazes, fructa


que em formosura, cheiro e sabor, excede todas as do mundo .
Alguma tacha lhe poem os que têm chagas e feridas abertas
porque lhas assanha muito si as comem , trazendo ali todos os ruins
humores que acha no corpo ; porém isto antes argue a sua bon
dade , que é não soffrer comsigo ruins humores e purgal.os pelas
HISTORIA DO BRASIL . 19

vias que acha abertas, como oexperimentam os enfermos de pedra,


que lha desfaz em areias e expelle com a ourina, e até a fer
rugem da faca com que se apara a limpa A figura da planta é
a seguinte :

Cultivam-se palmares de cocos grandes e colhem-se muitos,


principalmente á vista do mar , mas só os comem e lhes bebem
à agua que têm dentro , sem os mais proveitos que tiram na
India , onde diz o padre frei Gaspar 18) no seu Itinerario å fl. 14 ,
que das palmeiras se arma uma nau á vela e so carrega de todo o
mantimento necessario sem levar sobre si mais que a si mesma.
Fazem - se favaes de favas e feijões de muitas castas, e as favas
seccas são melhores que as de Portugal , porque não criam bicho
nem têm a casca tão dura como as de lá, e as verdes não são
peiores ; a sua rama é a modo de vimes, é, si tem por onde tre
par, faz grande ramada .
Maracujás é outra planta que trepa pelos matos e tambem
a cultivam e põem em latadas nos pateos e quintaes : dão fructo
de quatro ou cinco sortes, uns maiores, outros menores, uns
amarellos, outros roxos, e todos mui cheirosos e gustosos , e o que
mais se pode notar é a flor, porque , além de ser formosa e de
varias côres, é mysteriosa . Começa no mais alto em tres folhinhas
que se rematam em um globo que representa as tres Divinas
Pessoas em uma Divindade , ou (como outros querem) os tres
cravos com que Christo foi encravado, e logo tem abaixo do globo
(que é o fructo) outras cinco folhas , que se rematam em uma
roxa coroa representando as cinco chagas e corôa de espinhos
de Christo Nosso Redemptor.
Das arvores e plantas fructiferas que se cultivam em Portugal
se dão no Brasil as de espinho com tanto viço e fertilidade que
todo o anno ha laranjas, limões, cidras e limas doces em muita
abundancia . Ha tambem romans, marmellos, figos e e uvas de
parreira que se vindimam duas vezes no anno , e na mesma par
reira (si querem ) têm juntamente uvas em flor, outras em agraço ,
outras maduras , si as podam a pedaços em tempos diversos.
Ha muitas melancias e aboboras de quaresma e de conserva,
muitos melões todo o verão tão bons como os bons de Abrantes,

18) Frei Gaspar de $. Bernardino, cujo Itinerario da India , publicado


pela primeira vez əm 1611 , foi reimpresso em 1842 e 1855 em Lisboa,
20 FR . V. DO SALVADOR :

e com esta ventagem que lá entre cem se não acham dois bons
e cá entre cem se não acham dois ruins.
Finalmente, se dá no Brasil toda a hortaliça de Portugal :
hortelã , endros, coeutro , cegurelha , alfaces, celgas, borragens,
nabos e couves, e estas só uma vez se plantam de couvinha ;
mas depois dos olhos que nascem ao pé se faz a planta muitos
annos, e em poucos dias crescem e se fazem grandes couves, e
além destas ha outras couves da mesma terra chamadas taiobas,
das quaes comem tambem as raizes cozidas, que são como ba
tatas pequenas.

CAPITULO VII .

DAS ARVORES E ERVAS MEDICINAES E OUTRAS QUALIDADES


OCCULTAS.

Além das arvores de salutifero balsamo e oleo de copaiba ,


de que já fiz menção no capitulo VI , ha outras que destillām dé
si mui boa almecega pera as boticas. Outras chamadas çarsa
fraz ou arvores de funcho, porque cheiram a elle , cujas raizes,
e o proprio pau , para enfermidades de humores frios é tão
medicinal como o pau da China. Ha arvores de canna - fistula
brava, assim chamada porque se dá nos mattos , e outra que se
planta , e é a mesma das Indias . Ha umas arvores chamadas
andaz, quo dão castanhas excellentes pera purgas ; e outras
que dão pinhões pera o memo effeito, os quaes têm este
mysterio que, si tomam com uma tona e pellicula subtil
que têm , provocam o vomito e si lha tiram , somente provocam
a camera . Mas tem-se por mais facil e melhor a purga da
batata ou mechuacão, que tambem ha muita pelos mattos. Nas
praias do mar ou ao longo dellas se dá uma erva, que , si
não é a çarsaparrilha, parece -se com ella e tomada em
suadouros faz os mesmos effeitos. A erva fedegosa, chamuda
dos Gentios e Indios feiticeira por as muitas curas que com
ella se fazem o particularmente do bicho, que é uma doença
mortifera 19) .

19) Deve ser o maculo, a que se refere Knivet nos seguintes termos:
em suas Admirable adventures and strange fortunes :... « a Kinde of
sicknesse, that is common in all hot Countreyes, that is, with a sweate
and wearinesse of the body ;with Wormes in their fundament, that
consume their gnts, and they so cons:ime away, knowing not what
hurteth them . Against this the Indians do take Aices of Lemons, and
greene Pepper, and put it in their fundament, likewise Salt-water is
good, questionlesse all our Englishmen that died on the coast of
Guinee and Brasill p »rished of this Disease : it breedeth with head
ache and burning Feners , then wee presently let bloud , and that
killeth us » ( Purchas his pilgrimes, IV, Lond . 1625, p. 1214).
HISTORIA DO BRASIL 21

As ambaibas são umas figueiras bravas que dão uns figos de


dois palmos quasi de comprido, mas pouco mais grossos que um
dedo, os quaes se comem , e são mui doces , e os olhos destas
arvores, pisados e postos em feridas frescas com o sangue , as
saram maravilhosamente . A folha da figueira de inferno posta
sobre nascidas e leicenços mitiga a dôr, e a sara . As de jurubeba
saram as chagas, o as raizes são contra peçonha. A caroba
sára das boubas ; o cipó das cameras ; emtim , não ha enfer
midade contra a qual não haja ervas em esta terra , nem os
Indios naturaes d'ella têm outra botica ou usam de outras
medicinas . Outras ha de qualidades occultas, entre as quaes
é admiravel uma ervazinha a que chamam erva viva , o lhe
puderam chamar sensitiva, si ō não contradissera a Philoso
phia , a qual ensina o sensitivo ser differença generica que
distingue o animal da planta e assim se define o animal, que é
corpo vivente sensitivo ; mas, contra isto, vemos que , si tocam
estā erva com a mão ou com qualquer outra cousa , se encolhe
logo , e se murcha como si sentira o toque ; e depois que a
largam, como já esquecida do aggravo que lhe fizeram , se
torna a estender e abrir as folhas. Deve isto ser alguma qua
lidade occulta , qual a da pedra de cevar para attrahir o ferro,
o não lhe sabemos outra virtude .

CAPITULO VIII .

DO MANTIMENTO DO BRASIL .

E' o Brasil mais abastado de mantimentos que quantas terras


ha no mundo, porque nelle se dão os mantimentos de todas as
outras. Dá -se trigo em S. Vicente em muita quantidade 20 ) e
dar - se - a nas mais partes cansındo primeiro as terras, porque
o vico lhe faz mal . Da - se tambem em todo o Brasil muito arroz,
que é o mantimento da India Oriental , e muito milho zaburro,
que é o das Antilhas e India Occidental; dão- se muitos inhames
grandes , que é o mantimento de S. Thomé e Cabo Verde, e
outros mais poquenos, e muitas batatas, as quaes , plantadas uma
só vez, sempre fica a terra inçada destas.

20) Segundo o padre Manuel da Fonseca, o trigo deixou de ser


cultivado em S. Vicente « porque em lambiques os estillaram os an
tigos, fazendo delles agoasardentes » . ( Vida do ven . p . Belchior de
Pontes, Lisboa, 1752, p. 124) .
22 FR . V. DO SALVADOR :

Mas o ordinario e principal mantimento do Brasil é o que se


faz da mandioca , que são umas raizes maiores que nabos e de
admiravel propriedade ; porque, si as comem cruas ou assadas,
são mortifera peçonha, mas raradas, esprimidas e desfeitas em
farinha, fazem della uns bolos delgados , que cozem em uma
bacia ou alguidar e se chamam beijús , que é muito bom manti
mento e de facil digestão , ou cozem a mesma farinha mechendo - a
na bacia como confeitos, e esta, si a torram bem , dura mais
que os beijus e por isso é chamada farinha de guerra, porque os
Indios a levam quando vão á guerra longe de suas casas, e os
marinheiros fazem della sua matalotage daqui para o
Reino .
Outra farinha se faz fresca , que não é tão cozida, e para esta
( si a querem regalada ) deitam primeiro as raizes de mòlho, até
que amoleçam e se façam brandas e então as espremem , etc. , e ,
si estas raizes, assi molles , as põem a seccar ao sol, chama - se
carimã, e as guardam ao fumo em caniços 'muito tempo , as
quaes pisadas se fazem em pó tão alvo como o da farinha de
trigo, e delle amassado fazem pão , que, si é de leite ou mistu
rado com farinha de milho e de arroz , é muito bom , mas ex
treme é algum tanto corriento ; e assim o pera que mais o que
rem é pera påpas que fazem pera os doentes com assucar , e as
têm por melhores do que tisaras, e pera os sãos as fazem de
caldo de peixe ou de carne, ou só de agua, e esta é a melhor
triaga que ha contra toda a peçonha . E por isso disse destas raizes
que tinham propriedade admiravel, porque , sendo cruas morti
fera peçonha, só com uma pouca de agua e sal se fazem manti
mento e salutifera triaga : e ainda têm outra , a meu ver mais
admiravel, que sendo estas raizes crúas mantimento com que
sustentam e engordam cevados e cavallos, si as esprememe
The bebem só o sumo, morrem logo , e , com ser este sumo
tão fina peçonha, si o deixam assentar se coalha em um polme
a que chamam tupioca , de que se faz mais gostosa farinha e
beijús que da mandioca, e crů é bella gomma para engommar
manteos .
Outra casta ha de mandioca a que chamam aipins, que se podem
comer crus sem fazer damno, e assados sabem a castanhas de
Portugal assadas, e assim de uma como da outra não é neces
sario perder -se a semente quando se planta, como no trigo ;
mas só se planta a rama feita em pedaços de pouco mais de
palmo, os quaes, mettidos até o meio em a terra cavada, dão
muitas e grandes raizes ; nem se recolhem em celleiros d'onde se
comam de gorgulho como o trigo , mas. colhem - as do campo
pouco a pouco , quando querem e até as folhas pisadas e cosidas
se comem .
HISTORIA DO BRASIL 23

CAPITULO IX .

Dos ANIMAES E BICHOS DO BRASIL

Criam -se no Brasil todos os animaes domesticos e domaveis


de Hespanha : cavallos, vaccas, porcos , ovelhas e cabras e
parem a dous e tres filhos de cada ventre, e a carne de porco
se come indifferentemente de inverno e verão , e a dão a doen
tes como a de gallinha.
Ha tambem muitos porcos montezes, alguns como os javalis
de Hespanha , os quaes andam em manadas, e si o caçador fere
algum, ha logo de subir - se a alguma arvore , porque, vendo
elles que não podem chegar - lhe, remettem todos ao ferido e
aos outros em que se pegou algum sangue, com tanta fereza
que se não apartam até não deixarem tres ou quatro mortos no
campo, e então se vão em paz e o caçador tambem com a caça .
Outros ha que têm o embigo nas costas, e é necessario tirar
Th'o com uma faca antes que o esquartejem , sob pena de ficar
toda a carne fedendo a raposinhos .
Outros ha a que chamam capiiguaras, que quer dizer come
dores de erva ; andam sempre na agua, tirado quando sahem a
passeio pelos valles e margens dos rios, e alguns tomam e criam
em casa fóra da agua , pelo que se julgam por carne e não por
pescado.
Ha outros animaes à que chamam antas, que são de feição
de mulas,mas não tão grandes,e têm ofocinhomais delgado eo
beiço superior comprido á maneira de tromba, e as orelhas
redundas, a cor cinzenta pelo corpo e branca pela barriga ; estas
sahem a pascer só de noite e tanto que amanhece mettem -se em
mattos espessos e ali estão o dia todo escondidas ; a carne destes
animaes é no sabor e fevera como de vacca , e do couro curtido
se fazem mui boas couras pera vestir e defender de settas e esto
cadas ; algumas têm em o hucho umas pedras, que na virtude são
como as de bazar 21 ) , mas mais lizas è massicas.

21) « Precioso contraveneno, assim chamado de Bazar, palavra do


Malabar , que val o mesmo que praça , porque algumas vezes se vende
esta pedra nas praças das cidades da India e por isso lhe deu o povo
este nome, (como advertiu Christovam da Costa no livro das Drogas
Orientaes p. 15)) ; Derivam outros este nome Bazar de Pazar ou
Bezaard que na India é o nome do animal em cujo corpo se cria;
ou das palavras persianas Bed que quer dizer remedio, e Zahar que
val o mesmo que veneno ; ou da palavra arabica Bezahard, que quer
dizer conservador da vida ; ou finalmente do hebraico Baharzehar,
que val o mesmo que victorioso do veneno. Ha muitas castas de
pedras bazares: pedra bazar oriental , occidental, mineral, germa
nica e artificial » ( Bluteau, Vos. port, e lat, VI , p . 352) .
24 FR. V. DO SALVADOR :

Ha outras mais caças de veados, coelhos, cutias o pacas que


são como lebres, mas mais gordas e saborosas e não se esfolam
para se - comerem porque têm couros como de leitão .
Ha tatús a que os Hespanhóes chamam armadilhos, porque
são cobertos d'uma concha, não inteiriça como a das tartaru
gas, mas de peças a modo de laminas , e sua carne assada é como
de gallinha .
Tamandosu é um animal tão grande como carneiro, o qual é
de cor parda com algumas pintas brancas ; tem o focinho com
prido e delgado para baixo ; a bocca não rasgada como os outros
animaes, mas pequena e redonda ; a lingua da grossura de um
dedo e quasi de tres palmos de comprido; as unhas á maneira de
escopros ; o rabo mui povoado de cerdas, quasi tão compridas
como de cavallo . E todas estas cousas lhe são necessarias pera
conservar sua vida , porque , como não coma outra cousa sinão
formigas, vai-se com as unhas cavar os formigueiros até que
saiam da cova , e logo lança a lingua fóra da bocc. para que se
peguem a ella, e como a tem bem cheia , a recolhe pera dentro, o
que faz tantas vezes até que se farta ; e quando se quer esconder
aos caçadores, lança o rabo sobre si , ' e se cobre todo com suas
sedas, de modo que não se lhe vêm os pés , nem cabeça, nem
parte alguma do corpo , e o mesmo faz quando dorme, gozando
debaixo d'aquelle pavilhão um somno tão quieto que ainda que
disparem junto uma bombarda , ou caia uma arvore com grande
estrepito não desperta, sinão é somente com um assobio, que por
pequeno que seja o ouve logo e se levanta . A carne d'este ani
mal comem os Indios velhos e não os mancebos por suas su
perstições e agouros .
Ha tambem muita diversidade de animaez nocivos , que se não
comem , como são : onças ou tigres, que matam touros , e si estão
famintos commetterão um exercito , mas si estão fartos não só
não offendem a alguem , mas nem ainda se deſendem e se deixam
matar facilmente .
Ha rapozas e bugios, e destes ha uns que são grandes e cha
mados guaribas, que têm barbas como homens e se barbeiam
uns aos outros , cortando o cabello com os dentes : andam sempre
em bandos pelas arvores e , si o caçador atira a algum e não
o acerta , matam -se todos de riso ; mas si o acerta e não cahe,
arranca a frecha do corpo e torna a fazer tiro com ella a quem
o feriu e logo foge pela arvore acima, e mastigando folhas e met
tendo-as na ferida se cura e estanca o sangue com ellas.
Outros bugios ha , não tão grandes , nem têm mais habilidades
que fazer momos e caretas, mas são de cheiro ; e outros pequenos
chamados saguins, uns pardos, outros ruivos.
Ha outro animal chamado jarutacảca, que tem as mãos e pés
como bugio, o qual é malhado de varias cores e deleitavel á
vista mais que ao olfato , como experimentam os que o querem
caçar, porque só com uma ventosidade que larga è tanto o fedor
HISTORIA DO BRASIL 25

que lhe foge o caçador, e do caçador fogem os visinhos muitos


dias , não podendo soffrer o mau cheiro que se lhe communicou
e vai communicando por onde quer que vai, e os cães se vão
muitas vezes lavar na agua e esfregar com a terra sem poder
tirar o fedor.
Outro animal ha a que chamam perguiça , por ser tão pergui
çoso e tardo em mover os pés e mãos, que para subir a uma
arvore ou andar um espaço de 20 palmos é mister meia hora ,
e posto que o aguilhoem nem por isso foge mais depressa.
Ha outro a que chamam taibu , que depois que pare os filhos
os recolhe todos em um bolso que tem no peito, onde os traz
até os acabar de criar.
Ha tambem muitas cobras , e algumas tão grandes que en
golem um veado inteiro , e dizem os Indios naturaes da terra
que depois de fartas rebentam , e corrupta a carne se gera
outra do espinhaço , porque já aconteceu achar -se alguma presa
com um vime que tinha em si encorporado , o que não podia ser
sinão que ficou junta ao vime quando rebentou e se lhe cor
rompeu a carne, e depois , criando outra de novo, o colheu de
dentro e encorporou em si ; porém não se ha de dizer que mor
rem (como os Indios cuidam ) sinão que com a carne corrupta
ficam ainda vivas, e assi não ressuscitam mas saram , e algunas
se viram já de 60 palmos de comprido .
Em Pernambuco se enrolou uma destas em um homem que ia
caminhando de tal sorte que, si não levara um cão comsigo
que mordendo -a muitas vezes o tez largar, sem falta o matara,
e ainda assim o deixou de tal modo que nunca mais tornou às
suas cores e forças passadas . Tambem me contou uma mulher de
credito na mesma capitania de Pernambuco que estando parida
The viera algumas noites uma cobra mamar em os peitos , o que
fazia com tanta brandura que ella cuidava ser à criança ; e
depois que conheceu o engano , o disse ao marido , o qual a es
preitou na noite seguinte e a matou .
Ha outras a que chamam cascaveis porque os têm no rabo,
com que vão fazendo rugido por onde quer que vão e cada
anno lhe nasce um de novo ; algumas vi que tinham oito, e são
tão venenosas que os mordidos dellas de maravilha escapam ,
Outra ha que chamam de duas cabeças , porque tanto mordem
com o rabo como com a cabeça.
Ha no Brasil infinitas formigas, que cortam as folhas das ar
vores, e em uma noite tosam toda uma laranjeira, si seu dono
se descuida de lhe botar agua em uns testos que tem aos pés. Outra
casta ha chamada copii , que fazem uns caminhos cobertos por
onde andam , e roem as madeiras da ; casas e os livros e roupa
que acham , si não ha muita vigilancia .
Piolhos e persovejos não há no Brasil, nem tantas pulgas
como em Portugal ; mas ha uns bichinhos de feição de pulgas,
tão pequenos como piolhos de gallinhas , que se mettem nos
26 FR. V. DO SALVADOR :

dedos e solas dos pés a quem anda descalço e se fazem tão


grandes e redondos como camarinhas ; quem sabe tiral -os intei
ros sem lesão, o faz com a ponta de um alfinete ; mas quem
não sabe rebenta-os, e ficando a pelle dentro cria materia .

CAPITULO X.

DAS AVES 22) .

Além das aves que se criam em casa : gallinhas, patos, pombos


e perús , ha no Brasil muitas gallinhas bravas pelos matos,
patos nas lagoas, pombas bravas, e umas aves chamadas jacús,
que na feição e grandeza são quasi como perús.
Ha perdizes e rolas ; mas as perdizes têm alguma differença
das de Portugal.
Ha aguias do certão que criam nos montes altos , e emas tão
grandes como as de Africa, umas brancas e outras malhadas de
negro , que sem voarem do chão , com uma aza levantada ao alto
ao modo de vela latina , correr com o vento como caravelas e
comtudo as tomam os Indios a cosso nas campinas.
Hamuitas garças ao longo do mar , e outras aves chamadas
guaras, que quando empennam são brancas, depois pardas, e
finalmente vermelhas como grā .
Ha papagaios verdes de cinco ou seis especies, uns maiores,
outros menores, que todos falam o que lhes ensinam.
Ha tambem araras e canindés de bico revolto como papa
gaios , mas são maiores e de mais formosas pennas.
Ha uns passarinhos que , porque as cobras lhes não entrem
nos ninhos a comer -lhes os ovos e filhinhos, os fazem pendu
rados nos ramos das arvores de quatro ou cinco palmos de com
prido com o caminho mui intrincado e compostos de tantos pau
sinhos seccos que se pode com elles cozer uma panella de
carne .

22) Este capitulo provavelmente está incompleto, não só pela pouca


attenção que o autor presto :1 ás aves como pela transição brusca com
que passa aos peixes.
O ultimo ponto, porém , é explicavel pela influencia biblica . Do
mesmo modo que o veneravel livro em um versiculo , reuniu Frei Vi
cente as obras do quinto dia da creação em um capitulo .
HISTORIA DO BRASIL 27

Ha outros chamados tapeis do tamanho de melros, todos negros


e as azas amarellas, que remedam no canto todos os outros
passaros perfeitissimamente, os quaes fazem seus ninhos em uns
saccos tecidos .

Ha muitas, mui grandes baleias que no meio do inverno vêm a


parir nas bahias e rios fundos desta costa, e às vezes lançani a
ella muito ambar do que do fundo do mar arrancam quando
comem , e conhecido na praia porque aves, caranguejos e quantas
cousas vivas ha acodem a comel -o .
Ha outro peixe chamado es[ adarte por uma espada que tem
no focinho, de seis ou sete palmos de comprido e um de largo
com muitas pontas, com que peleja com as baleias e levantam
a agua tão alta quando brigam que se vê dahi a tres e quatro
leguas.
Ha tambem homens marinhos 23) que já foram visto sahir fóra
de agua após os Indios, e nella hão morto a alguns que andavam
pescando ; mas não lhes comem mais que os olhos e nariz , por
onde se conhece que não foram tubarões, porque tambem ha
muitos neste mar, que comem pernas e braços e toda a carne .
Na capitania de S. Vicente, na éra de 1564 , sahiu uma noite
um monstro marinho á praia , o qual visto de um mancebo cha
mado Baltezar Ferreira, filho do Capitão, se foi a elle com uma
espada, e levantando - se o peixe direito como um homem sobre
as barbatanas do rabo, lhe deu o mancebo uma estocada pela bar
riga com que o qerribou, e tornando-se a levantar com a bocca
aberta para o tragar, lhe deu um altabaixo na cabeça com que o
atordoon ; e logo acudiram alguns escravos seus, que o acabaram
de matar, ficando tambem o mancebo desmaiado e quasi morto

23) Em lingua geral Ipupiará ou Y pupiapra , segundo Cardim


(Purchas, IV p . 1315) .
« Tem-lhe os Naturaes tão grande medo, accrescenta o mesmo autor,
que só de cuidarem nelle morrem muitos, e nem um que o vê escapa ;
alguns morreram já e perguntando -lhes à causa , diziam que tinham
visto este monstro .Parecem -se com homens propriamente, de boa es
tatura , mas têm os olhos muito encovados. As femeas parecem mu
Theres , têm cabellos compridos e são formosas : acham - se estes
monstros nas barras dos rios doces , >>
Havia outra especie destes monstros chamados Baéapina ou Baepa
pina : « estes são do tamanho de meninos, porque nem uma differença
têm delles ; destes ha muitos, não fazem mal » ( Purchas, ib . p . 1318) .
O tratado do Clima do Brasil, etc , de Fernão Cardim , originariamente
impresso em ingleze anonymo por Purchas em 1625, foi impresso em
portuguez com o nome do autor e segundo a cópia contemporanea da
Bibliotheca de Evora nos numeros de Janeiro é Fevereiro de 1885 da
Rev. Mens. da Secç . da Soc , de Geog . de Lisboa no Brasil.
28 FR. V. DO SALVADOR :

depois de haver tido tarto animo . Era este monstruoso peixe de


quinze palmos de comprido, não tinha escama sinão pello, como
se verá na figura seguinte 24 ) .

Ha uns peixes pequenos em toda esta costa, menores de palmo ,


chamados majacús, que sentindo-se presos do anzol o cortam
com os dentes e fogem ; mis si lhe atam a isca em qualquer
linha e pegam n'ella, os vão trazendo brandamente a super
ficie da agua onde com um redefolle os tomam sem alguma resis
tencia ; e tanto que os tiram fóra da agui, incham tanto que de
compridos qus eram ticam re londos como umi bexiga cheia de
vento, e assi si lhe dão um couce , rebentam e soam como um mos
quete : tèm a pelle muito pintada, mas mui venenosa e da
mesma maneira o fel ; porém si o esfollam bem , se comem
assados ou cozidos como qualquer outro peixe .
Outros ha do mezmo nome mas maiores , e todos coberto ; de
espintos, mui agudos como ouriços caixeiros, e estes não vem
sinão de arribação de tempos em tempos ; é um anno houve
tantos nesta Bahia que as casas e engenhos se alumiaram muito
tempo com o azeite de seus figados.
Mariscos ha em muita quantidade ; ostras, umas que se criam
nos mangues , outras nas pedras e outras nos lodos que são
maiores. Nas restingas de area ha outras redondas e espal
madas em que se acha aljofar miudo , e dizem que, si as tirassom
do fundo de mergulho, achariam perolas grosjas.
Ha briguigões , amejoas, mexilhões , buzios como caracoes, e
outros tão grandes que, comida a polpa ou miolo , fazem das
cascas buzinas em que tangem e soam mui longe.
Ha muitas castas de caranguejos, não só na agua do mar e nas
praias entre os mingues ; mas tambem em terra entre os matos
ha uns de cor azul chamados guayamus, os quaes em as primei
ras aguas do inverno, que são em Fevereiro, quando estão mais
gordos e as femeas cheias de ovas, se saem das covas, e se andam
vagando pelo campo e estradas e mettendo -se pelas casas para
que os comam .
Camarões ha muitos não só no mar, como os de Portugal,
mas nos rios e lagoas de agua doce, alguns tão grandes como
lagostins , dos quaes tambem hu muitos que se tomam nos re
rifes de aguas vivas e muitos polvo ; e lagostas .

21) Falta a figura, que é naturalmenta à qne Pero de Magalhães de


Gandavo publicou em 1576 na Historis da provincir de Santa Cruz e
depois foi reproduzida pela Revista do Instituto em 1858 .
HISTORIA DO BRASIL 29

CAPITULO XI .

DE OUTRAS COUSAS QUE HA NO MAR E TERRA DO BRASIL .

Inofem me copia fecit, disse o Poeta, e disse verdade, porque


onde as cousas são muitas é forçado que se percam , como
acontece ao que vindima a vinha fertil e abundante de fructo,
que sempre lhe ficam muitos cachos de rebisco . E assim me ha
succedido com as cousas do mar e terra do Brasil de que
trato, pelo que me è necessario rebiscar ainda algumas que
porei neste capitulo , que quanto a todas é impossivel re
fatal-as.
Faz-se no Brasil sal não só em salinas artificiaes, mas em
outras naturaes , como no Cabo Frio, e além do Rio Grande,
onde se acha coalhado em grandes pedras muito e muito alvo .
Faz-se tambem muita cal ; assim de pedra do mar como da
terra , e de cascas de ostras que o Gentio antigamente comia 25),
e se acham hoje montes dellas cobertos de arvoredos, donde
se tira e se coze engradada entre madeira com muita faci
lidade.
Ha tucum , que são umas folhas quasi de dous palmos de
comprido, donde, só com a mão sem outro artificio , se tira pita
rigissima, e cada folha dá uma estriga.
Outra planta ha chamada caraguata , da feição da erva
baboza , mas cada folha tem uma braça de comprido, as quaes
deitadas de molho e pizadas se desfazem em linho, de que se
fazem linhas e cordas e se pode fazer panno.
Ha arvores de sabão, porque com a casca das fructas se
ensaboa a roupa , e as fructas são umas contas tão redondas e
negras que parecem pau de ebano torneado, e assim não ha
mais que fural- as, ential-as e rezar por ellas.
Ha muita erva de anil e de vidro, que se não lavra.
Ha muitas fontes e rios caudelosos com que moem os engenhos
de assucar, e outros por onde entra à maré, mui largos e
fundos, e de boas barras e portos pera os navios.
Quiz um pintar uma cidade mui bastecida e abastada , o
pintou - a com as portas cerradas e ferrolhadas, significando que
tudo tinha em si , e não era necessario vir -lhe alguma de fora,
que é excellencia por que diz o Psalmista que louve a
celestial cidade de Jerusalem ao Senhor : Lauda, Jerusalern ,

25 ) Estas ostreiras chamam -se Sambaquis ou Sernambys , & a seu


respeito muito se tem escripto modernamente .
30 FR. V. DO SALVADOR :

Dominum , laua Deum tuum , Sion, quoniam confortavit seras


portarum tuarum . Mas não faltou logo quem contra fizesse e pin
tasse outra com as portas abertas, e por ellas entrando carretas
carregadas de mantimentos, dizendo que aquella era mais
abastecida e abastada ; nem lhe faltou outra autoridade com que
o confirmar do mesmo Psalmista, o qual diz que ama Deus
muito as portas de Sião : Diligit Dominus portas Sion super
omnia tabernacula Jacob. E isto não porque as têm fechadas,
sinão abertas a naturaes e estrangeiros, a brancos e negros,
que todos têm seu trato e commercio: ecce alienigence , et Tyrus,
et populus Aethiopum hi fuerunt illic ,
Conforme a isto digna é de todos os louvores a terra do
Brasil, pois primeiramente pode sustentar -se com seus portos
fechados , sem soccorro de outras terras. Sinão, pergunto
eu : de Portugal vem farinha de trigo ? a da terra basta.
Vinho ? do assucar se faz mui suave, e pera quem o quer rijo ,
com o deixar ferver dous dias embebeda como o de uvas .
Azeite ? faz - se de cocos de palmeiras . Panno ? faz-se de
algodão com menos trabalho do que lá se faz o de linho e de lā,
porque debaixo do algodoeiro o pode a fiandeira estar colhendo
e fiando, nem faltam tintas com que se tinja. Sal ? cả se faz
artificial e natural, como agora dissemos. Ferro ? muitas
minas ha delle , e em S. Vicente está um engenho 26) onde se
lavra finissimo. Especiaria ? ha muitas especies de pimenta e
gengibre. Amendoas ? tambem se excusam com as castanhas
de cajú .
Et sic de cæteris ,

26) Ha mais de um ponto obscuro quanto ao engenho de ferro fun


dado em S. Paulo . Segundo Taques , mandou construil- o Affonso
Sardinha o velho no sitio de Biraçoyava e o deu para desta fabrica se
aproveitarSua Magestade, que antes desta offerta só percebia o quinto
da fundição do metal. A doação foi feita por intermedio deD.Fran
cisco de Sousa ( Informação sobre as miñas de S. Paulo, Mss . da
Bibliotheca Nacional ) .
Segundo o mesmo autor, por aquelle tempo construiram o engenho de
ferro da vocação de Nossa Senhora da Assumpção, no sitio de Ebira
poera , da outra banda do rio Gerabatiba ( Pinheiros). Foram funda
dores delle Francisco Lopes Pinto, cavalleiro fidalgo da Casa Real e
professo da Ordem de Christo, e seu cunhado Diogo de Quadros, o qual
tinha vindo em 1606 por Provedor e Administrador das minas. Com a
morte de D. Francisco e depois com a de Francisco Lopes Pinto a 26
de Janeiro de 1629, veiu o engenho a ficar destruido . Sens fun
dadores tinham interessado nelle em uma metade a D. Antonio de
Souza , filho de D. Francisco, por preço de 3.000 cruzados, de que ce
lebraram escriptura em que assignaram os tres interessados na nota do
ta bellião Simão Borges em 11 de Agosto de 1609.
Os documentos publicados por Azevedo Marques, apenas evidenciam
que em Janeiro de 1606 Diogo de Quadros estava fundando um en .
* HISTORIA DO BRASIL . 31

Si me disserem que não pode sustentar -se a terra que não


tem pão de trigo è vinho de uvas para as missas, concedo,
pois esse Divino Sacramento é nosso verdadeiro sustento ; mas
para isto basta o que se dá no mesmo Brasil, em S. Vicente e
campo de S. Paulo, como tenho dito no capitulo IX , e com isto
está que tem os portos abertos e grandes barras e bahias por
onde cada dia lhe entram navios carregados de trigo, vinho e
outras ricas mercadorias, que deixam a troco das da terra .

CAPITULO XII .

DA ORIGEM DO GENTIO DO BRASIL E DIVERSIDADE DE LINGUAS


QUE ENTRE ELLES HA .

Dom Diogo de Avalos 27), vizinho de Chuquiabue, no Perú , em


a sua Miscelanea austral, diz que em as serras de Altamira em
Hespanha havia uma gente barbara que tinha ordinaria guerra

yenho de ferro a tres leguas da villa de S. Paulo á sua custa . « Como


se perdeu no Cabo Frio, escravia então a Camara , tem pouca posse
e vai de vagar ; mas acabal-o-á e será de muita importancia por estar
perto d'aqui como tres leguas e haverá metal de ferro . » (Az. Marq .
Apontamentos historicos de S. Paulo, Rio, 1879, II p . 225 ).
No testamento de Francisco Lopes Pinto (Az . Marques, spont, II
p. 228230) diz este apenas que D. Antonio arrendara -lhe e a Diogo de
Quadros por um anno a sua metade do engenho de ferro por 50 quintaes
deste metal. .
Destes documentos incompletos, não é facil tirar conclusão rigorosa .
Talvez, porém , approximemo- nos da verdade, dizendo que Affonso
Sardinha effectivamente doou a El-Rei o engenho de Biraçoyava,
porém este desappareceu tão rapidamente como a ephemera villa que
D. Francisco fundou nas immediações em seu primeiro governo, pois
de nem uma utilidade podia ser uma fundição no deserto .
O segundo engenho , começado em 1606 , assentado a distancia apenas
de tres leguas da villa de S. Paulo, durou mais tempo, e a este é
que se refere o autor . De outro modo como explicar que a doação feita
a El-Rei viesse caber a D. Antonio de Sousa ? como admittir que o
Alho do Governador fizesse concurrencia a El-Rei ? e porque se as
sociaria esse a estranhos, segundo a escriptura vista e citada por
Pedro Taques ?
27) Primeira parte de la miscelanea, austral de Don Diego de Avalos
y Figveroa, en varios coloquios. Interlocutores, Delio y Cilena . Con
la Defensa de las damas. Lima, Antonio Ricardo MDCII , 4°, 23
fol . prel. ,219 ffe 8 de taboa. Defensa de Damas de Don Diego d'Avalos
y Figueroa, en octaua rima, diuidida em seis cantos, donde se alega
32 FR. V. DO SALVADOR :

coin os Hespanhoes e que comiam carne humana, do que


enfadados os Hespanhoes juntaram suas forças e lhes deram
batalha na Andaluzia, em que os desbarataram e mataram
muitos . Os poucos que ficaram , não se podendo sustentar em
terra , a desempararam e se embarcaram pera onde a fortuna
os guiasse, e assi deram comsigo nas ilhas Fortunadas, que
agora se chamam Canarias, tocaram as de Cabo Verde e apor
taram no Brasil . Şahiram dois irmãos por cabos desta gente ,
um chamado Tupi, o outro Guarany . Este ultimo deixando o
Tupi povoando o Brasil , passou a Paraguae com sua gente e
povoou o Perú .
Esta opinião não é certa , e menos o são outras, que não
refiro porque não têm fundamento . O certo é que esta gente
veio de outra parte , porém donde não se sabe, porque nem
entre elles ha escripturas, nem houve algum autor antigo
que delles escrevesse. O que de presente vemos é que
todos são de cor castanha e sem barba , e só se destinguem em
serem uns mais barbaros que outros , posto que todos o são
assaz. Os mais barbaros se chamam in genere Tapuhias dos quaes
ha muitas castas , de diversos nomes, diversas linguas e
inimigos uns dos outros . Os menos barbaros, que por isso se
chamam Apuabeto 28) , que quer dizer homens verdadeiros , posto

co memorables historias... Lima, Antonio Ricardo, MDCIII, 4.0 , 5


tlº prel ., 80 ff . e uma de taboa.
* Livro de muita rareza . Nicolao Antonio se conhece que o não
vio , pois além de não mencionar a Defensa de las damas, não fixa
logar nem anno à primeira parte do volume.
« A Miscelanea Austral é em prosa , com bastantes poesias interca
ladas e se divide em quarenta e quatro colloquios. Seu conteúdo cor
responde perfeitamente ao titulo, sendo um verdadeiro caixão dle
alfaiate. Além ducem mil cousas que por brevidade omitto, se trata
nella do amor, dos qualidades que deve ter um amante , doscavallos,
da verdade , da vergonha, da perfeição da dama, da origem das ar
golas ou anneis , da conversação, das imagens e templos de Venus, dos
sonhos e do somno , das vantagens da lingua toscana para a musica ,
do uso das estampas e damnos da ociosidade, da ave phenix, do peli
cano, do cysne e da aguia , dos mineraes, vegetaes, animaes e cousas
notaveis do Perú , das propriedades da pedra de bazar, dos edificios
antigos d'aquelle paiz , da origem dos Incas e de suas leis e ritos ,
dos sacrificios que os Indios usa vam , da antiga riqueza da Hespanha
em ouro e prata , elogio da cidade de Ecija , um fragmento de uma
traducção em verso das Lagrimas de S. Pedro de Tansillo,
etc. , etc.
« No tocante a segunda parte , sua portada diz já o objecto de tratado,
metro em que está escripto e cantos em que se divide. » Salvá y Mollen ,
Catalogo de la Bibliotheca de Salvá , Valencia , 1872, I , p . 181.
28 ) . 1puabetó é , segundo o Sr. Hilario Peixoto, corruptela de apiabetė
- apiaba ( testiculum ) ete . ( verum ) .
-
HISTORIA DO BRASIL 33

que tambem são de diversas nações e nomes, porque os de


S. Vicente até o rio da Prata são Carijós, os do Rio de Janeiro
* Tamoios, os da Bahia Tupinambás, os do rio de S. Francisco
Amaupiras, e os de Pernambuco até ao rio das Amazonas Poty
guarás ; pomtudo todos fallam um mesmo hipguagem e este
aprendem os Religiosos que os doutrinam por uma arte de
grammatica que compoz o . padre Joseph de Ancheta, varão
santo da ordem da Companhia de Jesus 29).
E' linguage mui compendioso e de alguns vocabulos mais
abundante que o nosso portuguez, porque nos a todos os irmãos
chamamos irmãos, e a todos os tios tios, mas elles ao irmão
mais velho chamam de uma maneira , aos mais de outra ; .
tio, irmão do pai, tem um nome, e o tio, irmão da mãi,
outro ; e alguns vocabulos têm de que não usam sinão as femeas,
e outros que não servem sinão aos machos, e sem falta são
mui eloquentes e se prezam alguns tanto disto que da prima noite
até pela menhã andam pelas ruas e praças pregando, excitando
os mais á paz ou á guerra, ou trabalho ou a qualquer outra
cousa que à occasião lles offerece, e entretanto que um falla
todos os mais calam e ouvem com attenção .
Mas nem uma palavra pronunciam com F, L ou R , não só
das suas, mas nem ainda das nossas; porque si querem dizer
Francisco , dizem Pancicú , e si querem dizer Luiz , dizem Duhi ;
e o peior é que tambem carecem de Fé , de Lei e de Rei , que se
pronunciam com as ditas letras. Nem uma fé tém , nem adoram
al um Deus; nem uma lei hardam ou preceitos, nem têm rei,
que lha de o a quem obedecám , si não é um capitão, mais
pera a guerra que pera a paz, o qual entre elles é o mais
valente e aparentado ; e morto este, si tem filho e é capaz de
governar , fica em seu logar, sinão algum parente mais chegado
ou irmão .
Fóra este, que é capitão de toda a aldea ,tem cada casa seu
principal, que são tambem dos mais valentes e aparentados, e
que têm mais mulheres; porém nem a estes, nem ao maioral
pagam os outros algum tributo ou vassallagem mais que cha
mal -os, quando têm vinhos, pera os ajudarem a beber , ao que
são muito dados, e os fazem de mel ou de fructas, de milho ,
batatas e outros legumes mastigados por donzellas e delido
em agua até se azedar, e não bebem quando comem , sinão quando
praticam ou bailando ou cantando.

29) Publicada em Coimbra em 1595 por Antonio de Mariz ; reim


pressa por Julio Platzmann em Leipsig, primeiro edição commum
em 1874, depois edicção fac - simile em 1876 e traduzida em allemão pelo
mesmo em 1874 .
E ' obra rarissima na edição original .
M. O V. 3
34 FR . V. DO SALVADOR :

CAPITULO XIII .

DE SUAS ALDEIAS .

Ha uma casta de Gentios Tapuhias chamados por particular


nome Aimorés , os quaés não fazem casas onde morem , mas
onde quer que lhes anoitece , debaixo das arvores limpam um
terreiro, no qual esfregando uma canna ou frecha com outra
accendem lume, o cobrem com um couro de veado posto
sobre quatro forquilhas e ali se deitam todos a dormir com
os pės para o fogo , dando - lhes pouco como os tenham enxutos
e quentes que lhes chova em todo o'corpo .
Porém as mais castas de Indios vivem em aldeias, que fazem
cobertas de palma e de tal maneira arrumadas que lhes fique
no meio um terreiro, onde façam seus bailes e festas, e se
ajuntem de noite a conselho . As casas são tão compridas que
moram em cada uma setenta ou oitent & casaes, e não ha nellas
alguns repartimentos mais que os tirantes, e entre um o outro
é um rancho onde se agazalha um casal com sua famila, e o do
Principal da casa é o primeiro no copear 30 ), ao qual convida
primeiro qualquer dos outros quando vem de caçar du de pescar ,
partindo com elle daquillo que traz , e logo vai tambem repartindo
pelos ,mais, sem . The ficar mais que quanto então jante ou ceie ,
por mais.grande que fosse a cambada do pescado ou da caça .
E quando algum vem de longe,'as velhas daquella casa o vão
visitar ao seu rancho com grande pranto, não todas junctamente,
mas uma depois de outra, no qual pranto lhe dizem as saudades
que tiveram e trabalhos que padeceram em sua ausencia, e elle
tambem chora , dando uns urros de quando em quando, sem
exprimir cousa alguma, e o pranto acabado lhe perguntam si
veio, e elle responde que sim 31 ) , e então lhe trazem de comer ,
o que tambem fazem aos Portuguezes* 32) que vão às suas aldeias,

30) « Copiar, parte diąnteira das casas baixas rusticas , oy palhoças,


onde está a porta de entrada , e ha uma como varanda aberta. » .(Moraes,
Dịccionario, s . v .)
31 ) Ere - ioubé ? .era a pergunta , " Pa -aiout; era a resposta , segundo
Lery, no capitulo XXI da Histoire d'un voyage en la terre du Brésil
Çf Baptista Caetano, nos Ensaios de Sciencia; II , p. 10 e 99.
32) Yves d'Evreux descreve a ceremonia com os Francezes no cap . L
do seu primeiro tratado de modo semelhante ao de Lery :- Ereiup Che
touassap ? (es -tu venu, món compère ?) Pa (oui) – Auge- y -po (voila qui
est bien) -Marapé derere ? (comment t'appelles -tu) Demoursou asin Che
touasap ? (as-tu faim , mon compère ?) etc. ( Voy . dans le Nord du
Brés. faitdurant les années 1613 et 1614, ed . Ferd . Denis, Paris ,
1864 p . , 220/221 .)
HISTORIA DO BRASIL 35

principalmente si lhes entendem a lingua , maldizendo no choro


à pouca ventura que seus avós e os mais antepassados tiveram ,
que não alcançaram gente, tão valerosa como são os Portu
guezes , que são senhores de todas as cousas boas que trazem
á terra de que elles dantes careciam , e agora as têm em tanta
abundancia, como são machados, foices, anzoes , facas, thesouras,
espelhos, pentes e roupas, por que antigamente roçavam os
matos com cunhas de pedras e gastavam muitos dias em cortar
uma arvore , pescavam com uns espinhos, faziam o cabello e as
unhas com pedras agudas, e quando se queriam enfeitar faziam
de um alguidar de agua espelho, e que desta maneira viviam
mui trabalhados. Porém agora fazem -suas lavouras e todas
as mais cousas com muito descanço, pelo que os devem de ter
en muita estima . E este recebimento é tão sądo entre elles
que nunca ou de maravilha o deixam de fazer, sinão quando
reinam alguma malicia ou traição contra aquelles que vão ás
suas aldeias a visital - os ou resgatar com elles ,
A noite toda têm fogo pera se aquentarem , porque dormem
em redes no ar , e não têm cobertores nem vestido, mas dor
mem nús, marido e mulher na mesma rede , cada um com os
pés para a cabeça do outro , excepto os Principaes , que , como
têm muitas mulheres ,' dormem sós nas suas redes, e dali *
· quando querem se vão deitar com a que lhes parece, sem se
pejarenr de que os vejam .
Quando é hora de comer se ajuntam os do rancho e se assentam
em cocoras, mas o pai da familia deitado na rede , e todos comem
em um alguidar ou cabaço, a que chamam cuia , que estas são
as suas baixellas, e dos cabaços principalmente fazem muito
cabedal, porque lhes servem de pratos para comer, de potes e
de pucaros pera agua e vinho , e de colheres, e assi os guardam
em uns capicos que fazem , chamados juraos, onde tambem curam
ao fumo os seus legumes porque se não corrompam , e sem
· terem caixas nem fechaduras, e os ranchos sem portas todos
abertos, são tão fieis uns aos outros que não ha quem tome ou
bula em cousa alguma sem licença de seu dono .
Não moram mais em uma aldeia que enquanto lhes não
apodresce a palma dos tectos das casas, que é espaço de tres ou
quatro annos, e então a mudam para outra parte , escolhendo
primeiro o Principal , com o parecer dos mais antigos, o sitio,
que seja alto, desabafado, com agua perto e terra à preposito
pera suas roças e sementeiras, que elles dizem ser a que não
foi ainda cultivada , porque têm por menos trabalho cortar
arvores que mondar erva ,,e si estas aldeias ficam fronteiras
de seus contrarios e têm guerras, as cercam de pau a pique mui
forte, e às vezes de duas e tres cercas, todas com suas seteiras, e
entre uma e outra cerca fazem fossos cobertos de erva com
muitos estrepes debaixo, e outras armadilhas de vigas mui pesa
das, que, em lhes focando, cahem e derrubam a quantos acham .
36 FR. V. DO SALVADOR :

CAPITULO XIV .

DOS SEUS CASAMENTOS E CREAÇÃO DOS-FILHOS

Não
facil de averiguar, maiormente entre os Principaes
que têm muitas mulheres, qual seja a verdadeira e legitima,
porque nem -um contrato exprimem , e facilmente deixam umas
e tomam outras, mas conjectura -se que é aquella de que primeiro
se namoram e por cujo amor serviram aos sogros, pescando- lhes,
caçando, roçando o mato para a sementeira , e trazendo-lhes a
lenha pera o fogo.
Mas o sogro não entrega a moça até lhe não vir seu
costume, e então é ella' obrigada a trazer atado pela cinta
um fio de algodão, e em cada um dos buchos dos braços outro,
pera que venha á noticia de todos ; e depois que é deflorada
pelo marido ou por qualquer outro , quebra em signal disso os
fios , parecendo -lhe que si o encobrir a levará o Diabo, e 0
marido de qualquer. maneira a recebe, e consumando o matri
monio, se tem que esta é a legitima mulher, ou quando assim
não estão casados, a cunhada ,mulher que foi do irmão defunto,
ainda que lhe ficasse filho delle , ou a sobrinha ( filha, não do
irmão , que esta têm elles em conta de filha propria e não casam
com ello., sinão da irmã) e com qualquer destas com que pri
meiro se casaram , ou seja a sobrinha, ou a cunhada, os casam
depois sacramentalmente as Religiosos que os curam , no mesmo
dia em que os baptizam , dispensando nos impedimentos ,
por privilegio.33) que para isto têm , e lhe tiram todas as outras,

33) Concedido pela bulla de Pio IV de 28 de Janeiro de 1561 que co


meça Insuper Eminentis Apostolicæ Sedis ( Simão Marques, Brasilia
Pontificia " , Lisboa , 1758, p . 108/108 .)
Candido Mendes ( Direito Ciril Ecclesiastico Brasileiro, III, Rio: 1866 ,
p . 1011-1012) , aprese ita duvidas quanto á sua authenticidade:
1º porque não a mencionamo Bullario de Pio IV neni as Constituições
da Bahia de 1707 ;
20 porque funccionando então o Concilio de Trento onde tantas re
formas se preparavam , não parece provavel que désse o Papa faculdades
perpetuas ;
3º porque é singular que se fizessem taes concessões a Portugal e
não á Hespanha, omnipotente na epocha , e que aliás achava -se em con
dições identicas a Portugal pelo que respeita a possessões remotas .
A estes argumentos poder -se- ià responder.que, sendo o Bullario de
Pio IV publicado annos depois de sua niorte, uma omissão qualquer era
muito fácil ; que as Constituições podem não ter feito menção da Bulla
exactamente porque já era muito conhecida ; que a promulgação desta ,
HISTORIA DO BRASIL 37

casando-as com outros, não sem sentimento dos primeiros


maridos , porque de ordinario se ficam com as mais velhas .
A mulher em acabando de parir, se vai lavar ao rio, e o
marido se deita em a rede mui coberto , que não dê o vento,
onde está em dieta , até que se seque o umbigo ao filho , e ali o
vêm os amigos a visitar como a doente, nem ha poder lhes
tirar esta superstição, porque dizem que com isto se preservam
de muitas enfermidades ' a si e ' à criança , a qual tambem
deitam em outra rede com seu fogo debaixo, quer seja inverno,
quer verão, e si é macho, logo lhe põem na azelha da rede um
arquinho com suas frechas , e si é femea, uma roca com algodão.
As mães dão de mamar aos filhos sete ou oito annos, si
tantos estão sem tornar a parir, e todo este tempo os trazem
ao collo, ora ellas , ora os maridos , principalmente quando vão
ás suas roças, onde vão todos os dias depois de almoçarem , e
não comem emquanto andam no trabalho sinão å vespora, depois
que tornam pera casa .
Os maridos na roça derribam o mato, queimam - o e dão a
terra limpa ás mulheres , e ellas plantam , mondam a erva,
colhem o fructo e o carregam e levam pera casa em uns cofos
mui grandes feitos de palma , lançados sobre as costas , que

na presença do Concilio de Trento, servia para affirmar a supremacia


do Pontifice ; que não foi feita concessão semelhante á Hespanha,
porque baslava - lhe o indulto de Pio V de 10 de 1566 que cončedia os
mesmos privilegios por 10 annos constantemente renovados, etc.
Melhor porém que argumementos serve o seguinte trecho de una
carta escrita de Roma, 16 de Fevereiro de 1561, por Lourenço Pires de
Tavora a D. João III, de quem era embaixador junto à Curia ( Torre
do Tombo , p . 1, maço 104 ; doc . 73 ):
« Nas ultimas cartas escrevi a Vossa Alteza o que até então era pas
sado sobre a graça que se pedia para os Bispos da India , acerca dos
casos reservados e dispensações nos gráos de parentesco ; depois disso
tornei a falar ao Cardeal São Clemente e lhe segurei o seu habito e
creio que com isso lhe pareceu mais justa a petição e é despachąda e
concede Sua Santidade que os Bispos da India, Brasil e Ilhas de Vossa
Alteza possam per si ou per seus deputados absolver seus subditos
em todos os casos reservados, posto que conteúdos na bulla da Cea,
porém destes uma vez na vida e no artigo da morte, e que possam dis
pensar sobre irregularidades , e no terceiro e quarto gráo de parentesco,
è posto que a concessão em todo não é conforme ao memorial que de lá
se mandou , é muito pera estimar por ser perpetua pera todos os ditos
Bispos e creio me tem feito Sua Santidade muita graça em não levar
composição por este negocio, visto como é graça pela qual as partes
havendo de vir a Roma ou aos Nuncios deviam pagar composições . A
Bulla tenho mandado fazer porque , sendo amateria perpetua e tocando
a muitos Bispos, a não quizeram conceder por Breve e por isso receio
custar de taxa aos officiaes mais do que se lá cuidaria » (Mss. do Instituto
Historico, Doc . 170, f. 48 v .)
38 FR . V. DO SALVADOR :

pode ser sufficiente carga de uma azemola, e os maridos levam


um lenho aos hombros e na mão seu arco e frechas, que fazem
com as pontas de dente de tubarões , ou de umas cannas agudas,
a que chamam taquaras, de que são grandes tiradores ; porque
logo ensinam aos filhos de pequenos a tirar ao alvo, e poucas
vezes tiram a um passarinho que não o acertem, por pequeño
que seja . Tambem os ensinam a fazer balaios e outras cousas
da mecanica pera as quaes têm grande habilidade, si elles a
querem aprender ; que, si não querem , não os constrangem ,
nem os castigam por erros e crimes que cometam por mais
enormes que sejam .
As mães ensinam as filhas ' a fiar algodão , e fazer redes de
fio e nastros pera os cabellos , dos quaes se presam . muito , e
os penteiam e untam de azeite de coco bravo, pera que se façam
compridos, grossos e negros.
Nas festas se tingem todas de janipa po , de modo que, si
não é no cabello, parecem negras de Guiné, e da mesma tinta
pintam os maridos e lhes arrancam o cabello da barba si acerta
de lhes nascer algum ,e o das sobrancelhas e pestañas, com
que elles se têm por mui " galantes, junto com terem os beiços,
de baixo furados, e alguns as faces, e uns tornos ou batoques
de pedras verdes metidos pelos buracos com que parecem uns
demonios .
Pois hei tratado neste capitulo do contrato matrimonial destes
gentios, tratarei tambem dos mais contratos, e não serei por
isso proluxo ao leitor ; porque os livros que ho escripto os
doutores De contractibus, sem os poderem de todo resolver pelos
muitos que de novo inventa cada dia a cobiça humana, não
tocam a esse gentio , o qual só usa de uma simples commutação de
uma cousa por qutra, sem tractarem do excesso ou defeito do
valor, e assim com um pintainho se hão por pagos de uma
galinha . Nem jámais usam de pesos e medidas,. nem têm
numeros por onde contem mais que até cinco é , si a conta
houver de passar dahi , a fazem pelos dedos das mãos e pés, o
que lhes nasce da sua pouca cobiça ; posto que com isso está
serem mui apetitosos de qualquer cousa que veem , mas tanto
que a têm , à tornam facilmente de graça ou por pouco mais
de nada .

CAPITULO XV .

DA CURA DOS SEUS ENFERMOS E ENTERRO DOS Mortos.

Não ha entre ' este gentio medicos signalados sinão os seus


feiticeiros, os quaes moram em casas apartadas, cada um per si,
e com a porta mui pequena, pela qual não ousá alguem entrar,
HISTORIA DO BRASIL 39

nem tocar -lhe em alguma cousa ' sua; porque , si algum Thas
toma, ou lhes não dá o que elles pedem , dizem: Vai, que has de
morrer , a que chamam lançar a morte ; e são tão barbaros
que se vai logo o outro lançar na rede sem querer comer e de
pasmo se deixa morrer, sem haver quem lhe meta na cabeça
que pode escapar, e assie se podem esses feiticeiros chamar
mais matadores que medicos ; nem elles cúram os enfermos
sinão com enganos, chupando- lhes na parte que lhes doe ; e
tirando da boca um espinho ou prego velho que já nella
levavam , lho mostram , dizendo que aquillo lhes fazia o mal e
que já ficam sãos, ficando elles tão doentes como de antes. Ou
tros medicos ha melhores, que são os acautelados e que pade
ceram as mesmas enfermidades , os quaes, applicando ervas qu
outras medicinas com que se acharam bem , saram os enfermos ;
mas si a enfermidade é prolongada ou incuravel , não ha mais
quem os cure e os deixam ao desamparo.
Testemunha sou eu de um , que achei na Parahyba tolhido de
pes e mãos á borda de uma estrada, o qual me pediu lhe desse
uma vez de agua , que morria de sede, sem os seus, que por alli
passavam cada hora, lh'a quererem dar, antes lhe diziam que
morresse, porque já estava tisico e que não servia mais que pera
comer o pão aos sãos. Mandei eu buscar agua por uns que me
acompanhavam e entretanto o fiqueixatechizando, porque ainda
não era christão, e de tal maneira seacendeu em a sede de o ser
e de salvar sua alma, que, vinda a agua , primeiro quiz que o
baptizasse que beber, e dahi a poucos dias morreu em o incendio
de uma aldeia , onde o mandei levar , sem haver quem o quizesse
tirar da casa que ardia, ven lo que não tinha, elle pés, nem
forças pera se livrar. Donde se vé a pouca caridade que tem
este Gentio com os fracos e enfermos, e juntamente a miseri
cordia do Senhor e effeitos de sua eterna perdestinação, a qual .
não só em este , mảs em outros muitos, manifesta muitas vezes ,
ordenando que percam os Religiosos o caminho que levam , e
* vão dar nos tigipares ou capanas com enfermos que estão
agonisando, os quaes recebendo de boa vontade o Sacramento .
do Baptismo se vão a gozar da Bemaventurança no Céo .
Tanto que algum morre, o levam a enterrar embrulhado na
mesma rede em que dormia ; e a mulher, filhas e parentas
(si as tem) o vão pranteando até á cova com os cabellos soltos
lançados sobre o rosto, e depois o pranteia ainda a mulher
muitos dias ; mas si morre algum Principal da aldea , o untam
.

todo de mel e por cima do mel o empennam com penpas de


passaros de cores, e poem -lhe uma carapuça de pepnas na
cabeça com todos os mais enfeites que elle costumava trazer .
em suas festas, e , fazem - lhe na mesma casa e rancho onde
morava uma cava muito funda e grande, onde The armam sua
rede, e o deitam nella assim enfeitado com seu arco e flechas,
espada e tamaracá, que é um cabaço com pedrinhas dentro
.

.40 FR. V. DO SALVADOR :

com que costumam tanger, e fazem - lhe fogo ao longo da rede


pera se aquentar, e poem - lhe de comer em um alguidar, e agua
em um cabaço, e na mão, uma canguera , que é um canudo
feito de palma cheio de tabaco, e então lhe cobrem a cova.
de madeira e de teria por cima, que não caia sobre o defunto ,
e a mulher por do corta os cabellos e tinge-se toda de janipapo,
pranteando q marido muitos dias, e o mesmo , fazem com ella
as que a vem visitar , e tanto que o cabello cresce até lhe
dar pelos olhos, o torna a cortar e a tingir-se de janipapo
pera tirar o dó, e faz sua festa com seus parentes e muito
vinho .
o marido, quando lhe morre a mulher, tambem se tinge de
janipapo, e quando tira o dó se torna a tingir, tosquia - se e
ordena grandes revoltas de cantar e bailar e beber; nestas
festas se cantam as proesas do defunto ou defunta é do que
tira o do . E si morre algum menino filho de Principal, o
mettem em um pote posto em cocoras, atados os giolhos com a
barriga, e enterram o pote na mesma casa e rancho debaixo do
chão, e ali o choram muitos dias .

CAPITULO XVI .

DO MODO DE GUERREAR O GENTIO DO BRASIL .

E' este gentio naturalmente tão bellicoso que todo o seu cuida
do é como farão guerra a seus contrarios, e sobre isto se ajuntam
no terreiro da aldeia com o principal della os principa es das casas
e outros Indios discretos a conselho , onde, depois de assentados
nas suas redes, que pera isso armam em umas estacas, e quieto
o rumor dos mais que se ajuntam a ouvir, (porque é gente que,
em nenhuma cousa tem segredo), propõe o Maioral suă pratica
a que todos estão mui attentos , e como se acaba respondem
os mais antigos cada um per si até que vêm a concluir ‘ no que
hão de fazer, brindando - se entretanto algumas vezes com o
fumo da erva santa que elles têm por ceremonia grave ; e si
concluem que a guerra se faça ,mandam logo que se faça muita
farinha de guerra e que se apercebam de arcos e frechas e
alguns payezes ou rodellas e espadas de paus tostadas, e como
todas estas cousas estão prestes, à noite, antes da partida,
anda 0.Principal da aldeia pregando ao redor das casas,decla
rando - lhes onde vão e a obrigação que têm de fazerem aquella
guerra , exhortando -os á victoria para que fique delles memoria,
ě os vindouros passam contar suas proezas.
o dia seguinte depois de almoçarem , toma cada um suas armas
nas mãos, e a rede em que ha de dormir ás costas, e ume
HISTORIA DO BRASIL 41

paquevira de farinha, que é um embrulho liado, quanto pode


carregar, feito de umas folhas rijas, que nem se rompem nem
a agua as passa, e não se curam de mais viandas, porque com
a frecha a caçam pelo caminho, e nas arvores acham fructas
e favos de mel.
Os Principaes levam comsigo suas mulheres, que lhes levam
a farinha e as redes, e elles não levam mais que as armas ;
e antes que abalem , faz o Maioral um Capitão da dianteira ,
que elles têm por grande honra, o qual vai mostrando o logar
onde se hão de alojar ; e o caminhar é um após outro , por um
carreiro como formigas, nem jámais sabem ' andar de outra
maneira ; têm grande conhecimento da terra, e não só o caminho
por onde uma vez foram atinam , por mais cerrado que já esteja ,
mas ainda por onde nunca foram .
Tanto que sahem fóra dos seus limites, e entram pela terra
dos contrarios, levam suas espias adiante, que são mancebos
mui ligeiros, e ha alguns de tam bom faro que a meia legua
cheiram o fogo ainda que não appareça o fumo . Chegando
duas jornadas da aldea de seus contrarios não fazem fogo,
porque não sejam por elles sentidos, e ordenam-se de maneira
que possam entrar de madrugada e tomalos descuidados e .
despercebidos, e depois entram com tam grande urro de vozes
e estrondo de bozina e tambores que é espanto, não perdoando
no primeiro encontro a grandes nem pequenos , a que com suas
espadas de pao não quebrem as cabeças, porque não têm por
valor o matar sinão quebram as cabeças, ainda que seja dos
mortos por outros , e quantas cabeças quebram tantos nomes
tomam , largando o que o pae lhes deu no nascimento, que um
e outros são de animaes, de plantas ou do que se lhes antolha ;
mas o nome que tomaram não o descobrem . (ainda que lho
roguem ) si não com graņdes festas de vinho e cantares em seu
louvor, e elles se fazem riscar e lavrar com dente agudo de um
animal, é lançando pó de carvão pelos riscos e lavores ensan
guentados ficam com elles impressos toda a vida , o que têm
por grande bizarria , porque por esses lavores e pela differecça
delles se entende quantas cabeças.quebraram 34) .
* E sendo caso que acham seus contrarios apercebidos com
cercas feitas, fazem- lhe outra contra -cerca de estacas metidas

34) Do mesmo modo que nos quippos do Perú pela cor e pelos nós dos
fios, faziam - se contas , narravam -se factos, etc. Segundo Fernão Cardim ,
os Indios tomaram suas pinturas da magima, cobra m ' uito pintada e
grande que anda sempre n'agua: « tem - se por bemaventurado o Indio
a quem ella se mostra, dizendo que hão de viver muito tempo, pois a
Mänima se lhes mostrou » (Purchas, IV , p . 1318) .
Trata-se talvez de um caso de totemismo de que os nossos chronistas
não julgaram necessario transmittir- nos mais amplos informes.
44 FR. V. DO SALVADOR :

Vão aqui · reunidas algumas notas sobre o pảo que deu nome
ao Brasil .
Em occasião mais conveniente serão talvez completadas.

1) A India produz diversos páos vermelhos entre os quaes os mais


vezes nomeados são o sandalo e o brasil . Este provém da arvore Cae
salpinia Sappan . Os Arabes introduziam -no no commercio com o nome
de Bakkam . No Occidente compararam sua cor vermelha á da brasa
(braglia , brascia, brasa, braise ) e chamaram -no por causa desta seme
lhança lignum brasile ( brasile, bresillum , brisilium ), donde em ita
liano bersi (berzi, barsi ), ou verzi e finalmente verzino. As denomi
nações mais usuaes ficaram sendo brasile e verzino .
Quanto á mådeira , difficilmente lõi trazida ao Occidente antes dos
Cruzados . Como prova mais antiga de seu apparecimento nos merca
dos occidentaes , costuma -se geralmente adduzir um documento do anno
* 1194, que contém disposições sobre os tributos que os Bolonezes
deviam pagar em Ferrara . Eu poderia citar duas provas anteriores,
sem garantir que sejam as mais antigas ; um estatuto genovez do anno
de 1140 relativo ás balanças da cidade, e um privilegio mercantil pro
mulgado pelo conde Philippe de Flandres em fåvor da cidade flamenga
. de Nieuport.
O commerciante experto sabia differençar não só o páo-brasil dos
sandalo vermelho (sandali , rossi ), como tambem distinguir entre as
diversas especies do primeiro .. De um lado a madeira das arvores
bravas, não tinha as mesmas propriedades que a das arvores domes
ticas , de outro differentes terras produziam tambem differentes
sortes de páo -brasil. A este respeito Pegolotti distingue versino colom .
bino ( cholomni), v . ameri, v . seni, e. representa o primeiro como o
melhor , o segundo como vindo em seguida (mais barato um sexto ) e
terceiro como o peior ( valia tres vezes menos que o primeiro ). O ver
melho do primeiro era claro , o do segundo escuro.e o do terceiro ama
rellado .
Verzino Colombino, significa incontestavelmente brasil de Kulam
( Quilon , na costa de Malabar) ; pois Colombo, é denominação.fre
quente dos viajantes e cartographos mediyaes em vez de Kulam : Mar
co Polo que chama a cidade Coilum , testemunha que dá ali brasil
muito fino, que por causa da procedencia era chamado coiluni ;
tambem differentes Arabes fallam do páo brasil que dá em Kulom ,
em parte por experiencia propria , em parte por informações ,
HISTORIA DO BRASIL 45

A significação de ameri (Chiarini dá almeri) é menos segura .


Poder -se- ia pensar no monte El-Omri que defronta a ilha de Ceilão
na costa meridionalda India Anterior ; pois o páo brasil que ali dava
abundantemente era exportado para longe . Mas outro nome geogra
phico recommenda-se ainda á consideração. Entre as terras que pro
duziam páo brasil nomeia - se muitas vezes a ilha de Sumatra . Ora
havia um lugar chamado Lamori , Lamuri , Lambri no lado de Suma
tra fronteiro á India Anterior, e exactamente este era rico em páo
brasil, como informa Marco Polo, o qual desta localidade trouxe se
mentes para plantar um pé de páo brasil em Veneza, o que natural
mente não podia dar bom resultado . Considere - se agora com que
frequencia elide-se o l inicial em italiano como si föra simples ar
tigo e não parte da palavra, e descobrir - se - a que ameri podia vir fa
cilmente de Lamari . Attenda - se ainda å variante almeri de Chiarini
na qual persiste o 1. Por isso, seguindo uma suggestão de Yule, eu
aceitaria a terra de Lambri "de Marco Polo como patria da seganda
especie de pio brasil.
O nome de terceira especie : Semi prende- se com o verosimilhança á
China (arab . Sin) , não porque a propria China produzisse a madeira
Sappan , antes a julgar pela analogia é de crer que os Chins carre
gavam a madeira em seus navios e levavam-na para a India . Como
patria della , teriamos de considerar où ilhas do archipelago indo -ma
laio ou o continente indo-chinez que abunda em mattas de Caesalpinia
Sappan. Nos seculos XV e XVI era nomeada como lugar de producção
deste artigo a terra de Tenasserim , que ainda hoje o é . Mas tambem
Pegu, Sião, Cochinchina podiam produzil- o .
Temos agora , a proposito das especies de páu brasil nomeadas por .
Pegolotti , dado a conhecer quasi todas as terras donde se demonstra ou
é verosimil que a madeira era exportada para o Occidente . Ha a acre
scentar que tambem no Indostão, em Calecut e em geral em toda a
costa de Malabar, produziam a nossa madeira , Tambem na ilha de
Ceylão era abundante e excellente, a ponto de Marco Polo declarar o
brasil singalez o melhor do mundo, ao passo que Pegolotti dando o
primeiro logar ao de Quilon não menciona o de Ceylão. E ' possivel
que este fosse trazido a Quilon e d’ali exportado com os . productos
locaes para o Occidente,
O páu brasil vinha ao mercado em tórus : queriam-no rijo e pesado.
Tirada a casca e o branco da madeira que não eram aproveitados,
46 FR . V. DO SALVADOR :

extrahia -se a materia colorante do amago vermelho por diversos pro


cessos . Esta materia empregava - se para tingir pannos, para ornar mi
niaturas nos manuscriptos, maxime quando se queria salientar os
tons roseos . Na pintura propria era menos empregado . Tambem era
feitiado por marcineiros ( Heyd , Gesch . des Levantehgndels in Mittel
alter, Stuttgart, 1879, II, pag . 576–580 ).

2 ) Bâkkam chamavam os Arabes ao páo-brasil já no anno de 851,


como consta das relaçõds publicadas em 1718 por, Eusebio Renaudot
e Båkkam .The chamam ainda hoje . Ignora-se a etymologia de Bakkam ;
segundo Caussin de Perceval « Bâkkam não é nome significativo ; não se
póde decompor, nem se prende com raiz arabica . E' provavel que seja
estranho ao idioma e tirado de outra lingua »,
Procurando , pois, em outra lingua, occorre immediatamente a notoria
antiquissima communicação dos Arabes com os emporios da India , Na
Indi Trans-Gangetica , dão os Malaios ao páo-brasil o nome de Sapang ,
donde procede o aportuguezamento Sapão, usado por Couto, e entre
os Botanicos ' a denominação linneana do Caesalpinia Sappan . E na
India Cis - Gangetica, o páo brasil tem enţre os Malabares, na lingua
da terra que é o tamul, o nome de T'siam Pángam em duas distinctas
palavras.
Reflectindo que os Arabes não têm no seu alphabeto a lettra P,
suspeitei que talvez o arabico Bâkkam fosse alteração do segundo
elemento do tamul Tsiam Pangam ; e submettida a lembrança a
Caussin de Perceval, respondeu este : « Nada se oppõe a que o termo
arabico Bâkkam se considere como corrupção do malabarico Pángam .
Os Arabes não possuem a lettra P e costumam suppril-a com B.
E demais os dois kk de Bâkkam póde-se pronunciar como gg (Paggam )
e esta duplicação de g será substituição da nasal de Pangam » .
Supángam bem se denuncia como alongamento de Sapang . O tamul
é dialecto do sãoscrito , e no sãoscrito não ha substantivo que
termine em duas consoantes , devendo - se accrescentar-lhes sempre
a ou am, segundo o nome é masculino ou neutro .
Mas donde procede Sapang ? Dulaurier, lente de malaio e javanez ,
considera a raiz primitiva de Sapang incertissima. Theodoro Pavie
assegura que nem Isiam Pángam nem Sapang se derivam do sãoscrito
e pertencem a algum idioma estranho que elle não sabia qual fosse .
Appliquemos, porém , ao · Sapang o mesmo methodo que para
Bakkam . Os ricos emporios da India, tão visitados do Occidente pelos
HISTORIA DO BRASIL 47

Arabes, tambem do Oriente os frequentavam os Chins e com tal efli


cacia que até os sen horèaram .
"Como será em chinez o nome do páo brazil ? Diz Loureiro , pag . 262
da Flora Cochinchinensis que é Su fam no . A parescença de Suffan
com Sapangº é intuitiva ; « A lettra F não existe em sãoscrito, 'nem
em um dos modernos dialectos da India derivado delle ; e nos voca
bulos persianos ou arabicos costumam os Indios mudar o F em P. »
No Diccionario da Academia de Pekim , composto por Khang-hy, no .
radical Su , escrito com 03 caracteres 4565 , 4126 , 4059, 1120, 4163,
7925 do Diccionario de De Guignes , encontra- se a palavra Su fang,
significando páo que pode tingir de vermelho . « Fica, portanto ,
respondeu Th . Pavie , inconcusso que o nome indiano Sapang é proprie
dade da lingua chineza . »
Porém nem um desses radios indica a idea de brasă .
Segundo Loureiro, o nome cochinchinez de pão brasil é Cây Vang .
Por outra parte , bem que os Chins possuam a kettra V , é em mui poucos
vocabulos, emquanto é entre eştes frequentissimo o uso do F. Logo o
chinez Fang é mui provavelmente o cochinchinez Vang.
Mas terá o termo cochinchinez alguma cousa com brasa
Cay, segundo Taberd, significa arvore ; vang, páo vermelho para
tingir, Caesalpinia Sappan .
*Ora, o caracter em que está ſigurado este nome Vang, é privativa
mente cochinchinez , e differe muito daquelle com que representa Fang
o Diccionario da Academia de Pekin .
Reparo , porém , que o constituem tres elementos sobrepostos , os
quaes em feitio e valor são identicos nas duas linguas.
O elemento inferior é em De Guignes à chave 75 ; é em Taberd, p.680 ,
col . 3a , uma das chaves de quatro riscas ; e em ambos significa Páo .
O elemento medio é em De Guignes a chave 14 ; é em Tabord
p. 661, col . 1a , uma das chaves de duas riscas ; e em ambas denota
Cobrimonto .
O elemento superior é duplicação da chave -86 De Guignes ; duplicação
de uma das chaves de quatro riscas de Taberd , p . 886 , col. 1a ; e tanto
em cochinchinez como em chinez a chave singela indica Fogo .
Logo, sem muita temeridade se conclue que a significação etymolo
giea do cochinchinez Vang, vem a ser a de pia coberto de fogo e mais
fogo ; em outros termos Páo abrasado ; em outros termos , Páo brasa ,
Ao Instituto Historico e Geographico do Brasil sujeito a conjectura de
que o nome chinez é modificação do cochinchinez, e que Vang, com a
48 FR V. DO SALVADOR :

significação intrinseca de Páo brasa , é o archetypo donde sahiram , por


successivas evoluções, Fang, Pang, Pangam , Bakkam .
Si nisto me não illudo, parece que o nome europeu do páo a que
devemos a sorte de nos chamarmos brasileiros, é litteral traducção do
nome asiatico. (J. Caetano da Silva, Questões Americanas, ap . Rev.
do Inst . XXIX , 2a p . 18/24 . )
3) Segundo o eminente conhecedor da historia do descobrimento do
Brazil, F. A. de Varnhagen , o nome Brasil só começou - se a empre
gar para a costa oriental da America do Sul em 1511 ... Entretanto
esta affirmação não é certa . Tenho encontrado o nome Brasil mais
de uma vez em uso desde 1501 .
Assim é chamado na Beschreibung der Meerfahrt von Lissabon nach
Calacut, de 1504 ( encontrada no espolio de C , Peutinger, e publi
cada por B. Greitfno 26.º Jaheresberionte d . hist . Kreis-Vereins f.
Schwaben -und Neubury , Augsburg , 1861, p . 160. etc. ) : « Darnach
( von Cabowerdj ) faren sy zu einem land , heisst terra de santa
Cenis ( sic ) ... Und bringt man ays gemelten landen vill prisilli .
Das cost nichtz , den das man das abhaut, und sucht man noch
stets in ermelten landen, hofft ander ding darin zu finden . Heisst
terra nova de Prisilli . »
Do mesmo modo diz Giov . da Empoli, em sua narrativa de viagem
escrita no fim de ' 1501 7 Kamusio Navigationi et Viaggi etc . ,, I,
f . 145 a, Veneza , 1565, cf. A. v . Humboldt, Kritische Untersuchungen
MI, 99. ): « Ci trovammo tanto avanti per mezo , la terra della vera
croce , over del Bresil, cosi nominata, altre volte discoperta per
Amérigo Vespucci, >>
E em um diario nautico portiguez , escripto nos annos de 1505 a 1506
(publicado por Schmeller em sua memoria Ueber Valentim Fer
nandes Allemão, Abhandlungen der I Class : d . k . bayrischem Akade
mied . W. Abiheilung III , p. 47) : « Aos 6 dias de Mayo foron
leste-hoeste con å terra do Brasil 200 legoas e dhy se foron ao
Sul atá 40 gráos etc. :( Wieser , Magalhães- Strasse und Austral
Continent, Innsbruck, 1881 , p. 93/94 ) .
4 ) Em Navarrete ( III, p . 25) lemos que um quintal de brasil valia 1865
maravediz ,e sabe-se que 375 destes faziam um ducado de oura (N..IV,393).
De varios documentos antigos e ineditos consta o seguinte :
Em 1509 vendia -se em Anvers o brasil de Santa Cruz, a . 28 soldos
( carta do feitor João Brandão de 8 de Agosto ) .
HISTORIA DO BRASIL 49

Em 1512 se vendia em Hespanha o quintal a , 2000 maravediz .


Em 1515 que os generos estavam por baixo preço pagava - se em
Bruxellas, a 12 soldos ( carta de Ruy Fernandes de 6 de Maio ) .
Em 1517 estava a 23 soldos em França .
Em 1531 vendeu-se em Portugal o que trouxe o Faro , no Algarve,
João de Sousa, em a náo franceza apresada , na razão de 800 a 900 reis .
E' para sentir que os documentos que aqui extratamos não sejam
explicitos acerca da unidade de peso a que se referem ; porém consta
que em 1532 valia em França o quintal a 8 ducados, o que equivalia
a pouco mais de quatro duros ; donde se vê que os 800 a 900 reis
de Faro eram o preço de cada arroba .
Entrou o uso de se effectuarem pagamentos ou darem-se esmolas
em brasil, como antes se davam em pimentas . As vezes até aos se
nhores donatarios se fazia mercê de algum brasil . Na Torre do
Tombo existe um requerimento de Alvaro Dias pedindo a mercê da
licença para levar 4 mil quintaes de brasil da terra de Duarte Coelho .
Ainda em 1662 concedeu D. Affonso VI å seu irmão D. Pedro licença
para mandar tirar do Brasil cada anno mil quintaes de pau brasil ,
sem pagar direitos. Torre de Tombo , cp . chron . 1 , 8-30, 9-74 e 17-120 ;
ib, arm . XXV 9-5 ( Varnhagen, Historia Geral, I, 433 ).

8) Eu El-Rei Faço saber aos que este Meu Regimento virem que
sendo informado das muitas desordens que ha no certão do pao brasil
e na conservação delle, de que se tem seguido haver já hoje muita falta ,
e ir-se buscar muitas leguas pelo certão dentro cada vez será o damno
maior si se não atalhar e der nisso a ordem conveniente e necessaria ,
como em cousa de tanta importancia para a Minha Real Fazenda ,
tomando informações de pessoas de experiencia do Brasil , e commu
nicando-as com as do Meu Conselho, Mandei fazer este Regimento, que
Hei por bem e Mando se guarde d'aqui em diante inviolavelmente :
Primeiramente Hei por bem e Mando que nem -uma pessoa possa cortar
nem mandar cortar o dito pao brasil, por si , ou seus escravos ou fei
tores seus , sem expressa licença ou escrito do Provedor de Minha Fa.
zenda de cada uma das capitanias em cujo districto estiver a matta
em que se houver de cortar, e o que o contrario fizer incorrerá em
pena de morte e confiscação de toda sua fazenda .
2 E o dito Prov dor Mór para dar a tal licença tomará informação
da qualidade da pessoa que lhe pede e si della ha alguma suspeita que
o desencaminhará , ou furtará ou dará a quem o haja de fazer.
M. e Ach . V.
• 50 FR . V. DO SALVADOR :

3 0 dito Provedor Mor fará fazer um livro por elle assignado e nume
rado, no qual se registrarão todas as licenças que assim der, decla
rando - se os nomes e mais confrontações necessarias das pessoas a que
se derem , e se declarari a quantidade do pao para que se lhe dá
licença, e se obrigará a entregar ao contratador toda a dita quanti
dade que trata na certidão para com ella vir confrontar o assento do
livro de que se firá declaração , e nos ditos assentos assignará a pes
soa que levar a certidão e a passoa que levar a licença com o es
crivão .
4 E toda a pessoa que tomar mais quantidade de pao de que lhe
för dada a licença, além de o perder para a Minha Fazenda, si 0
mais que pesar passar de 10 quintaes, incorrerá em pena de 100 cru
zados, e si passar de 50 quintaes, sendo peão será acoutado e degra
dado por 10 annos para Angola, e passando de 100 quintaes, morrerá
por elle e perderá toda sua fazenda .
50 Provedor fará repartição das ditas licenças em um modo que
cada um dos moradores da capitania em que se houver de fazer o
cárte tenha sua parte segundo a possibilidade de cada um é que em
todos se não exceda a quantidade que lhe foi ordenada .
6 Para que se não corte mais quantida de de pao da que eu tiver
dado por contrato ņem se carregue a cada capitania mais da que boa
mente possa tirar della ; Hei por bem e Mando que em cada um anno
se faça repartição da quantidade do pao que se ha de cortar em cada
uma das capitanias em que ha matta delle , de modo que em todo se
não exceda a quantidade do contrato .
7 A dita repartição do pao que se ha de cortar em cada capitania se
fará em presença do meu Governador daquelle Estado pelo Prove
dor -Mór da Minha Fazenda e Oficiaes da Camara da Bahia e nella se
terá respeito ao estado das mattas de cada uma das ditas capitanias para
The não carregarem mais nem menos pao do que convem para bene
ficio das ditas mattas, e do que se determinar aos mais votos se fará
assento pelo Escrivão da Camara e delle se tirarão provisões em
nome do Governador e por elle assignadas que se mandarão aos Pro
vedores das ditas capitanias para as executarem . ,
8 Por ter informação que uma das cousas que maior damno têm
causado nas ditas mattås , em que se perdem e destroem mais paos, é
por os contratadores não aceitarem todo o que se corta sendo bom
e de receber, e querem que todo o que se lhe dá seja rcliço e massico,
de que se segue ficarem pelos matos muitos dos ramos e ilhargas
HISTÓRIA DO BRASIL . 51

perdidos , sendo elle todo bom è conveniente para o uso das tintas ; Man
do que d'aqui em diante se aproveite todo o que fôr de receber e não
se deixe pelos matos nem-um pao cortado assim dos ditos ramos como
das ilhargas e que os contratadores recebam todo, e havendo duvida si é
de receber, a determinará o Provedor de Minha Fazenda com infor
mação de pessoas de credito ajuramentadas. E porque outrosim sou in
formado que a causa de se extinguirem as mattas do dito pao, como
hoje estão, e não tornarem as arvores a brotar é pelo mao modo com
que se fazem os cortes, não lhes deixando ramos e varas que vão cres
cendo e por se lhe pôr fogo nas raizes para fazerem roças, Hei por bem
e Mando que d'aqui em diante se não façam roças em terras de mattas
de pao brasil ou do Brasil , e serão para isso coutadas com todas as
penas e defezas que têm estas coutadas reaes e que nos ditos cortes se
tenha muito tento á conservação das arvores para que tornem a brotar
deixando-lhe varas e troncos com que possam fazer e os que o con
trario fizerem serão castigados com as penas que parecer ao Julgador.
9 Hei por bem e Mando que todos os annos se tire devassa dos cortes do
pao - brasil na qual se perguntará pelos que quebraram e foram contra
este Regimento .
10 E para que em todo haja a guarda e vigilancia que convém , Hei
por bem que em cada capitania das em que houver mattas do dito
pao,haja guardas, duas dellasque terão de seus ordenados a vintena das
condemnações que por sua denunciação se fizerem , as quaes guardas
serão nomeadas pelas Camaras e approvadas pelo Provedor da Minha
Fazenda, e se lhes dará o juramento que bem e verdadeiramente façam
seus officios .
11 O qual Regimento Mando se cumpra e guarde como se nelle
contém , e ao Governador do dito Estado, e ao Provedor Mór da Minha
Fazenda, e aos Provedores de todas as capitanias e a todas as Justiças
dellas que assim a cumpram e guardem e a façam cumprir e guardar
sob as penas nelle conteúdas : o qual se registrará no livro da Minha Fa
zenda do dito Estado o nas Camaras das capitanias aonde houver mattas
do dito pao, e valerá posto que não passe por Carta em Meu Nome e o
effeito della haja de durar mais de um anno , sem embargo da Orde
nação do segundo livro, titulo 39, que o contrario dispõe .
Francisco Ferreira o fez a 12 de Dezembro de 1605. E eu , o Secretario
Pedro da Costa , o fiz escrever . Rei . (Nabuco Araujo, Collècção Chro
nologico- systematica da legislação de fazenda, I, Rio 1830 , nota 10 ).
|
||
LIVRO SEGUNDO .

Da historia do Brasil no tempo do seu


descobrimento .

CAPITULO 1 .

DE COMO SE CONTINUOU O DESCOBRIMENTO DO BRASIL E SE DEU


ORDEM A SE POVOAR .

Posto que el -rei D. Manoel, quando soube a nova do descobri


mento do Brasil feito por Pedro Alvares Cabral , andava mui
occupado com as conquistas da India Oriental pelo proveito que
de si promettiam , e com as de Africa pela gloria e louvor que a
seus vassallos dellas resultava, não deixou, quando teve
occasião , de mandar uma armada de seis velas, e por capitão
mór dellas Gonçalo Coelho, pera que descobrisse toda essa
costa 35) . O qual andou por ella muitos mezes, descobrindo- lhe os

35 ) Gonçalo Coelho sahio de Lisboa para o Brasil em 10 de Junho


de 1503, segundo Damião de Goes (Chronica de D. Manuel, parte I ,
cap . LXV .) Não é , pois, provavel a priori que demorasse pelo menos
18 annos em logar i'culto, e em que nem um motivo sabido exigia
tão longa demora .E que esta não foi tãolonga prova -o maisofacto
de que nada consta de sua estadia, durante periodo tão extenso ,
voluntariamente e inutilmente passado na ociosidade; prova-o mais
a expressão mezes empregada pelo nosso autor e já anteriormente
usada por Gabriel Soares. ( Trat, desc. do Bras . p . 16.)
E' verdade que Porto Seguro (Nouvelles recherches sur les der
niers voyages du navigateur florentin , pag. 11 ) , por suggestões de
J. C. da Silva , interpr tou G. ° C.elho detentis umalegenda indecifravel
que se encontra nas cartas contemporaneas e concluiu que elle fundara
feitoria no Rio de Janeiro ; mas, segundo Wieser, é pouco segura paleo
graphicamente esta interpretação.
54 FR . V. DO SALVADOR :

portos o rios, e em muitos delles entrou e assentoumarcos, com


as armas de El-Rei que pera isso trazia lavrados 36 ) ; mas pela
pouca experiencia que então se tinha de como corria a
costa, e os ventos com que se navega , passou tantos trabalhos e
infortunios que foi forçado tornar - se pera o Reino com duas
caravelas menos , e a tempo que já era morto el - rei D. Manoel,
que falleceu no anno do Senhor de 1521, e reinava seu filho
el-rei D. João III, ao qual se apresentou com as informações
que pode alcançar,

Diz -nos Fr. Vicente, e outros já o tinham dito antes , que Gonçalo
Coelho perdeu duas naus ; Damião de Góes , ao contrario, affirma que
perdeu quatro. Talvez a contradicção seja mais apparente que real,
Sabe-se por Amerigo Vespucci, companheiro da expedição, que junto á
ilha mais tarde chamada de Fernão de Noronha naufragou a nau capi
tanea sem nada se salvar; que a delle (Vespucci) e uma outra nau sepa
raram-se da armada, voltando depois à Portugal , onde chegaram
a 18 de Junho de 1504. Admittir , por tanto, com "Damião, que
da armada de Gonçalo Coelho salvaram - se apenas dois navios,
equivale a dizer que apenas os navios de Vespucci voltaram do
Brasil . Ora os diversos chronistas são accordes em affirmar que
Gonçalo Coelho voltou do Brasil, e alguns até dizem que elle
escreveu um livro a respeito da terra . Ha , porém , uma hypo
these que até certo ponto concilia as duas versões contradictorias .
As naus de Vespucci chegaram separadas das outras, por isto
o seu nome foi tomado á parte, tanto mais que, como se về da carta
do navegador Florentino escripta a Soderini, era sua opinião que
os outros navios se tinham perdido . Chegando depois as naus de
Gonçalo Coelho, tambem o seu nome foi tomado á parte. Os que
tiveram cuidado de comparar as duas entradas e a sahida concluiram
que se tinham perdido apenas duas naus ; os que notaram apenas
a entrada de Gonçalo Coelho concluiram que se tinham perdido
quatro.
Dasnaus perdidas, uma sabe -se que foi a capitanea ; a outra é desco
nhecida ; talvez mesmo que não se tivesse perdido, e que fosse mandada
a Portugal para dar conta do successo , em que, mesmo pela versão
do Florentino, o procedimento de Americo não foi precisamente
correcto. Deste modo explica - se como, escrevendo elle a Soderini em
4 de Setembro de 1504 mostrando -se tão satisfeito da sua posição, já
em 5 de Fevereiro do anno seguinte partia de Sevilha para entrar no
serviço do governo hespanhol. (Navarrete, Coll. I , 351/352, (1a ed . )
Gonçalo Coelho foi mais tarde escrivão da fazenda' dos contos da
cidade de Lisboa . (Barros , Deo . I , 1. III , cap . VI) .
36) Os marcos foram ordenados por D. João II , e empregados pela,
primeira vez em 1484 por Diogo Cão. Segundo Barros eram « um pa
drão de pedra d'alt'ıra de dois estados de homem e com o escudo das
armas reaes deste Reino , e nas costas delle um letreiro em latim e
outro em portuguez , os quaes diziam que Rei mandara descobrir
aquella terra e em que tempo e por que Capitão fora aquelle Padrão
ali posto , e em cima no topo uma cruz de pedra embutida com
chumbo . » (Dec. I , 1 , Ili, cap . III) .
HISTORIA DO BRASIL 55

Pelas quaes El-Rei, parecendo - lhe cousa de importancia,


mandou logo outra armada, e por Capitão-mór della Christovão
Jaques 37 ), Fidalgo de sua Casa, que neste descobrimento trabalhou

37) A questão de Christovão Jaques não pode tratar - se sinão muito


ligeiramente em uma nota .
Sabemos por Fr. Luiz de Souza (Ann , de D. João III, pag . 178)
queelle foimandado em 1526 ;. por um documentopublicado por Porto
Seguro ( Historia pag. 105) que elle só partio depois de 5 de Julho; e
pelas cartas de D.Rodrigo d’Acuña (Navarrete, Collec. III pag. 224-240)
que só chegou a Pernambuco em principios de 1527.
Sabemos pela carta de doação de Pero Lopes que Christovão Jaques
fundou uma feitoria em Pernambuco ( Fr. Gaspar, Memorias de s , Vi
cente, pag: 149); pela carta de Luiz Ramirez (Rev. do Inst ., XV, pag. 16)
que esta feitoria já estava fundada em começos de Junho de 1526 ; que
em 19 de Outubro já se sabia na ilha de Santa Catharina de uma ár
mada portugueza que estivera pelo rio da Prata (pag. 20) , que está
armada tivera por capitão Christovão Jaques (pag. 37) .
Como conciliar estas contradicções ?
Só ha um meio : é admittir duas viagens : a de 1526-1528 é tão certa ,
que não admitte discussão ; mas a outra não o é menos á vista do
testemunho de Ramirez . Admittido mesmo que a feitoria de que dá
noticia Luiz Ramirez no mez de Junho não era a fundada por Chris
tovão Jaques, pois que este em Julho ainda estava em Portugal;
ainda teremos de explicar como de 5 de Julho a 19 de Outubro elle
pôde ir de Lisboa ao rio da Prata e voltar para o Norte.
Sem duvida a rapidez não é em si grande objecção, porque, embora a
média de uma viagem de Lisboa ao cabo de Santo Agostinho fosse então
de 50 dias, podia haver circumstancias especiaes .
Effectivamente houve -as, mas especialmente desfavoraveis.
Ramirez por causa do tempo conservou -se em Pernambuco desde 5
de Junho até 29 de Setembro « sin tenir una ora de tiempo para poder
salir » ; deste dia a 13 de Outubro, o tempo foi ora favorável, ora não ;
a 13 houve tempestade horrivel e cerração e só a 14 é que declarou - se
o bom tempo .
Não é só isto : sabemos que em 19 de Outubro, Christovam Jaques já
passara de Santa Catharina, pois que ahi já conheciam os seus feitos.
E de Santa Catharina que rumo tomou ? Ramirez vinba do Norte e não o
encontrou ; Diogo Garcia vinha do Norte e tambem não o encontrou .
Para o Sul elle não tinha ido, pois de la viera . Nem para a Europa,
egualmente, pois a sua commissão devia durar dois annos , a contar
do dia em que chegasse ao Brasil . Que rumo teria tomado?
Com a hypothese de duas viagens a questão se simplifica . Quando
teria tido , porém , logar a primeira ? Diz-nos Ramirez que Chris .
tovam Jaques levou por linguas ao subir o Prata , uns hespanhoes
que tinham ficado da expedição de Solis, o que fixa como ter
mino a que o anno de 1516 ; diz-nos Frei Luiz de Sousa que a
armada de 1526 foi a primeira que D. João III mandou ao Brasil, o
que fixa como terminum ad quem o anno de 1521. A expedição foi
portanto entre 1516 e 1521.
Quem sabe si esta armada não seria disposta por causa de Fernão
de Magalhães, isto é, por 1519 ? O receio que os Hespanhoes sentiram
em 1527 julgando que fosse de Christovam Jaques uma armada de
56 FR . V. DO SALVADOR :

com notavel proveito sobre a clareza da navegação desta


costa , continuando com seus padrões , conforme o regimento que
trazia .

que havia noticia na foz do rio da Prata , explica -se facilmente


pelas instrucções que trouxera e ameaças que fizera então .
Com estas duas viagens, desapparecem as contradicções .
Na primeira Christovam Jaques fundou uma feitoria em Pernam
buco e foi até o rio da Prata ; as suas instrucções deviam ser contra
os Hespanhoes .
Na segunda , foi que elle fez a guerra activissima aos Francezes .
Temos documentos a respeito de um destes feitos, que se passou
com os navios ( trez, um de * 80 tonel ., dois de 140) de João de Cod
gungar, Francisco Gueret, Mathurin Tournemouche, João B.irco e
João Jamet . Quando estavam negociando em um porto, carregando de
pau brasil e animaes, chegou « certo numero grande de gente portu
gueza ... estando em quatro caravellas ou barcas latinas do dito Rei
de Portugal equipadas e armadas em guerra para acommetter, offen
der , desbaratar e destruir nossos ditos subditos por mandado expresso
de ... El -Rei de Portugal ... ; vieram acommetter e investir os navios
dos ditos supplicantes e a gente que nelles estava atirando todo o dia
muitos tiros d'artilharia contra os ditos navios e gente dos ditos
supplicantes, mataram- lhe os pilotos e muita gente dos navios ...
arrombaram e quebraram os ditos navios por tal maneira que se iam
quasi ao fundo , o que vendo alguns dos nossos subditos se sahiram á
terra e se metteram nas mãos dos selvagens e gente que na dita terra
do Brasil estava ante ; outros dos nossos ditos subditos se metteram
nas mãos e mercê dos ditos Portuguezes esperando ser delles melhor
tratados; porém elles ditos Portuguezes enforcaram alguns dos nossos
ditos subditos, os outros metteram e enterraram em terra até os
hombros e o rosto e depois os martyrisaram e mataram cruelmente ás
setadas e tiros d'espingardas, tomaram e roubaram seus navios, bens
e mercadorias » . (Cop . Mss . da Bib . Nac . do Doc . 30, Maço 41
Parte 1a da Torre do Tombo . )
Nesta segunda vieram commandando navios Gaspar Correia e
Diogo Leite . Segundo se deduz da carta deste (Rev. Inst. VI , p.222) a
armada devia demorar por dois annos depois que aqui chegasso;
mas o certo é que já a 26 de Outubro de 1528 o capitão -mór era Antonio
Ribeiro (Navarrete, V , p . 314) . Seria isto resultado das queixas de
D. Rodrigo e das reclamações francezas ?
Christovam Jaques foi o primeiro a ter a idéa de povoar o Brasil,
offerecendo -se em 1530 para introduzir mil colonos como diz Gouveia
em sua carta de Rouen. 29 de Fev . de 533 a D. João II . (Mss. do
Inst. Hist . , Doc . 170, f. 189 v . ,
Entretanto o seu offerecimento não foi acceito, nem o seu nome figura
entre os dos Donatarios, ou porque não parecesse satisfactorio o seu
desempenho de commissão, sobre o qual ha indicios de muitasqueixas,
fundadas ou não ; ou por qualquer outro motivo não conhecido, e que
teria antes valor biographico do que historico .
Em 1551 estava de partida para o Brasil o navio de Manuel Jaques ,
talvez seu parente, que depois foi ferido na Bahia em um dos com
bates em q le entrou com D. Alvaro da Costa . (Porto Seguro , His
toria, p . 269.)
HISTORIA DO BRASIL 57

E andando correndo esta grande costa veio dar com a bahia a


que chamou de Todos os Santos por ser no dia da sua festa , 1 ° de
Novembro 38) , e entrando por ella, especulando todo o seu recon
cavo e rios , achou em um delles chamado de Paraguassú duas naus
francezas, que estavam ancoradas commerciando com o Gentio,
com as quaes se pôz ás bombardadas, e as metteu no fundo
com toda a gente e fazenda e logo se foi pera o Reino , e deu
as informações de tudo a Sua Alteza , as quaes bem consideradas ,
com outras que já tinha de Pedro Lopes de Sousa , que por
esta costa tambem andou com outra armada, ordenou que se
povoasse esta provincia , repartindo as terras por pessoas que
se lhe offereceram pera as povoarem e conquistarem á custa
da sua fazenda 39), e dando a cada um 50 leguas por costa com
todo o seu certão pera que elles fossem não só sen hores, mas
capitães dellas, pelo que se chamam e se distinguem por
capitanias 40).
Deu- lhes jurisdicção no crime de baraço e pregão, açoites
e morte, sendo o criminoso peão, e sendo nobre até 10 annos
degredo ; e no civel 100 $ de alçada, e que assistam as eleições
dos juizes e vereadores, elles ou seu Ouvidor que elles fazem ,
como tambem fazem escrivães do publico, judicial e notas ,
escrivão da Camara, escrivão da Ouvidoria , juiz e escrivão dos

38) A bahia de Todos os Santos foi descoberta em 1501 , tanto que


no regimento dado a Gonçalo Coelho em 1513. devia servir de ponto
de reunião das naus, caso houvesse extravio . E ' o que diz Vespucci
em sua carta a Soderini.
39) Seg indo um relatorio do Conde de Castanheira ainda inedito,
não foram muitos os que competiram por capitanias ( Porto Seguro,
Historia, p. 141) . Isto explica a tantas vezes censurada amplitude das
concessões territoriaes .
40) A idéa de dividir o Brasil em capitanias foi aventada depois ca
sahida de Martim Affonso para o Brasil em 1530, e estava assentada a
28 de Setembro de 1532, сmo se vê da carta que então lhe escreven
D. João III ( Porto Siguro, Historia , pag. 131/133).
O plano primitivo era demarcal- as entre Pernamb'ico e o rio da
Prata e fazel -as de 50 leguas cada uma , excepto a de Martim Affonso,
que dev ria ter 100. Circumstancias sipervenientes alteraram em mais
de um ponto este plano . Houve capitanias de 30 leguas, como a de Pero
de Goes , de 40 como a de Antonio Cardoso de Barros, de 75 como a de
Fernão Alvares de Andrade, de 80 como a de Pero Lopes, e de 150
como a q le receberam juntos Ayres da Cunha e João de Barros .
A divisão não foi levada para o Sul além da terra de Sant'Anna em 28
gráos e um terço . Para o Norte pelo contrario foi muito além de Per
nambuco , aos confins do Maranhão .
Nem todas as cartas de doação têm sido publicadas ; de sorte que
neste assimpto quasi que só podemos apoiar -nos em Porto Seguro,
que as estudou na Torre do Tombo ,
58 FR . V. DO SALVADOR :

Orphãos, meirinho da villa, alcaide do campo, porque o do carcere


provê o Alcaide-mór ; e El- Rei os officios da sua Real Fazenda,
como são os dos provedores e seus meirinhos, almoxarifes,
porteiros da alfandega, e guardas dos navios. E ainda que os
Donatarios são sesmeiros das suas terras, e as repartem pelos
moradores como querem , todavia, movendo - se depois alguma
duvida sobre as datas, não são elles os juizes déllas, sinão o
Provedor da Fazenda , nem os que as recebem de sesmaria têm
obrigação de pagar mais que dizimo a Deus dos fructos que
colhem , o este se paga a El -Rei por ser Mestre da Ordem
de Christo, a elle dá aos Donatarios a redizima, que é o dizimo
de tudo o que lhe rendemos dizimos . Pertence - lhes tambem
a vintena de todo o pescado que se pesca nos limites das suas
capitanias, e todas as aguas com que moem os engenhos de
assucar pelos quaes Thes pagam de cada 100 arrobas duas ou
tres, ou conforme se concertam os senhores dos engenhos com
elles, ou com seus procuradores ; as quaes pensões não têm a
Rahia , Rio de Janeiro , Parahyba e as mais capitanias de El- Rei ,
nas quaes se paga o dizimo somente. Mas no que toca å juris
dicção do civel e crime lha limitou El-Rei depois muito , como
veremos no capitulo I do livro III .

CAPITULO II .

DAS CAPITANIAS E TERRAS QUE EL - REI DOOU A PERO LOPES E


MARTIM AFFONSO DE SOUSA , IRMÃOS .

Como Pero Lopes de Souza havia já andado por estas partes do


Brasil, coube-lhe a escolha primeiro que a outros 41), e não
tomou todas as suas 50 leguas juntas, sinão 25 em Tamaracá

41 ) Na carta de D. João III a Martins Affonso, a qual se alludiu


em nota da pag. 57, communicando - lhe a idea da divisão do Brasil
em capita nias, diz-lhe que « antes de dar a nem uma pessoa mandei
apartar para vós cem leguas e para Pero Lopes, vosso irmão , cincoenta. »
Entretanto, na forma em que nos foram transmittidas, não são esias
đuas doações as mais antigas .
Pero Lopes chegou ao Brasil em Janeiro de 1531 , seguiu até o rio da
Prata, e mandado por seu irmão a Europa, sahiu de Pernambuco a 4
de Nóvembro de 1532. No principio do anno immediato aportou a
Faro e , segundo parece a Porto Seguro ( Hist. p . 129 ), chegou a Evora a
21 de Janeiro de 1533 .
HISTORIA DO BRASIL 59

de que adiante trataremos, e outras 25 em S. Vicente 42) , que


se demarcam o confrontam com as terras da capitania de seu
irmão Martim Affonso de Sorsa , em tanta visinhança que
não deixa de haver litigio e duvidas, sendo que , quando de prin
cipio as povoaram e fortificaram , foi de muito proveito esta yi
sinhança por se poder ajudar um ao outro e defender do
inimigo , como bem se viu depois de idos pelas muitas guerras
que os moradores tiveram com os Gentios e Francezes, que entre
elles andavam , e por mar, em canoas, The vinham dar muitos
assaltos, e por muitas vezes os tiveram cercados, e sem Se
defenderam muito bem , o que não puderam fazer si as povoa
ções e fortes não estiveram tão proximos.

42) A carta de doação passada em Evora a 1 de Setembro de 1534 diz


claramente « 80 legoas de terra na dita costa do Brasil, repartidas
nesta maneira : 40 leguas que começarão de 12 leguas ao Sul'da ilha
de Cananéa e acabarão na terra de Santa Anna que está em altura
de 28 gráos e um terço ... e 10 leguas que começarão do rio de Cur
paré e acabarão no rio de S. Vicente... e as 30 leguas que fallecem
começarão no rio que cerca em redondo a ilha de Itamaracá ... e
acabarão na bahia da Traição que está em altura de 6 gråos.»
O Dr. M. Lopes Machado na Rev. do Inst . Arch . e Geog . Pernam
bucano , IV , Recife 1884, p . 106/126 , sustenta que a capitania de Pero
Lopes era de 86 leguas.
Seu argumento fundamental é que , embora na carta de doação se
declare que as leguas são 80, em apostilla á mesma carta lançada a
21 de Janeiro de 1535, declara -se que em vez de 10 são 16 .
Effectivamente assim é : « E posto que, resa a apostilla , nesta digo
faço doação e mercê ao dito Pero Lopes de juro e herdade para sempre
de 10 leguas de terra que sejam suas livres e isentas, hei por bem
que sejam 16 leguas de terra das quaes lhe faço doação de juro e her
dade para sempre do modo e maneira que se contém no capitulo .
desta doação que falla nas ditas 10 leguas .)
Nada mais claro, e entretanto a opinião do illustrado escriptor para
hyba no não resiste ao estudo dos documentos. Si a carta de doação
falasse uma só vez em 10 leguas, a conclusão era evidente ; mas
fala - se duas . Uma já foi citada ; a outra é assim : « Outro sim lhe
faço doação e mercê de 10 leguas de terra de longo da costa da dita
Capitania e entrarão pelo sertão tanto quanto poderem e for da minha
conquista, a qual terra será sua e isenta , sem della pagar direito ,
foro nem tributo algum , somente o dizimo da ordem do mestrado de
Nosso Senhor Jesus Christo » .
Não serão antes estas 10 leguas que foram elevadas a 16 ? Parece , por
que em ambos os casos , na carta como na apostila , empregam - se os epi
thetos livre e isen'o .
Accresce que augmentar 6 leguas á capitania de Pero Lopes impor
taya alterar as doações dos confinantes, isto é, importava novas
doações, novas demarcações, noyos padrões , e tudo por causa de 6
leguas. Admittida , porém , a idéa aqui sustentada, nada disto existia :
El- Rei, em paga de novos serviços prestados, augmentava - lhe as van
60 FR. V. DO SALVADOR ;

Donde se verifica bem o que Scipião Africano disse no Senado


de Roma : que era necessario continuar - se com as guerras
de Africa , porque faltando estas as haveria civis entre os visi
nhos, como as houve entre estes (ainda que irmãos) , depois que
venceram os Gentios .
Mas descendo ao particular, a razão das duvidas que estes
senhores têm , ou seus herdeiros, ácerca destas capitanias, me
parece que é por dizerem as suas doações que se demarcarão
pela barra de S. Vicente, um pera o Norte, outro pera o Sul , e
com este rio tem tres barras, causadas de duas ilhas que o
dividem , uma que corre ao longo da costa , e outra dentro do
rio (como se verá na descripção seguinte ) daqui vem duvidar - se
de qual dessas barras se ha de fazer a demarcação 43) .

tagens pessoaes , do mesmo modo que na dita apostilla concede que os


escravos que elle e seus successores poderiam levar forros de direitos
seriam 29 peças, em vez das 24 que se leem na carta de doação.
Mas ha um facto de maior peso : os descendentes de Pero Lopes
arrogavam -se direito a S. Vicente e por algum tempo estiveram de
posse de parte desta capitania. O argimento que os descendentes de
Martim Affonso empregavam para provar que aquelles não podiam ir
além do rio de Bertioga, era que a carta regia marcara somente 10
leguas , ao passo que o terreno que elles reclamavam era pelo menos de
12 leguas . Ora , diz-uos Fr. Gaspar (Mem . p . 148) que os herdeiros de
Pero Lopes falsificaram a carta de doação, e escreveram 12 em vez de 10.
Pois se tinham direito a 16, como pretende o Dr. Lopes Machado, porque
não apresentaram este argumento aos condes de Vimieiro ? por que
renuncia am ás 4 leguas que punham fora de debate as suas pretenções !
Sirva esta de rectificação aos Mut. e Ach. I pag. 1 , em que diz que
o illustrado historiador demonstrou a sua these. Procurou demonstrar,
é mais exacto .
43) Em nota no fim deste livro, serão expostas estas e as outras ques
tões que houve entre donatarios .
Eis os termos da doação de Martim Affonso de Sousa feita em Evora
a 20 de Janºiro 1535 :
* Cincoenta e cinco l guas de terra que comoçarão de treze leguas
ao Norte do Cabo Frio e acabarãu no rio Curiipacé, e do* dito Cabo
Frio começarão as ditas treze ao longo da costa para a bånda do
Norte, e no cabo dellas se porá um padrão das minhas armas e se
lançará uma linha polo rumo do Noroeste até a altura de 21º , e desta
alt ira se lançará outra linha que virá direitamente a loeste e se porá
outro padrão da banda do Norta do dito rio Curupacé, e se lançará
uma linha pelo mesmo rumo de Noroeste até altura de 230, e desta al
tura cortarà a linha direitamente a loeste ; e as quarenta e cinco le
guas que fallecem começarão do rio de S. Vicente, e acabarão 12
leguas ao sul da ilha de Cananéa , e no cabo aas ditas doze leguas se
porá um padrão e se ançará uma linha que vá direitamente para
loest do dito rio S. de Vicente, e no braço da banda do Norte se porá
um padrão e se lançará uma linha que corra direitamente a loeste . »
( Rev. Inst. IX , 1846 , p . 153/154.
HISTORIA DO BRASIL .61

Nesta ilha fóra esteve uma villa que se chamou Santo Amaro,
de que já não ha mais que a ermida do Santo; mas fez -se outra
na terra firme da parte do Sul , chamada a villa da Con
cepção.
Na ilha de dentro ha duas povoações, uma chamada de Santos
e outra de S. Vicente como o rio , a qual veiu edificar Martim
Affonso de Sousa em pessoa, e a povoar de miui nobre gente
que comsigo trouxe , e assim floreceu em mui breve tempo.
Daqui se embarcou em o anno de 1533 pera descobrir mais
costa e rios della e foi correndo até chegar ao rio da Prata 44 ),
pelo qual navegou muitos dias e perdendo alguns navios e gente
delles em os baixos do rio, se tornou pera a sua capitania ,
donde foi chamado por Sua Alteza pera o mandar por Capitão
mór do mar da India, do que serviu muitos annos , e depois de
Governador da India , donde vindo a Portugal serviu muitos
annos po Conselho de Estado atė el-rei D. Sebastião, em cujo
tempo falleceu 45 ).
Pelo certão nove leguas do rio de S. Vicente está a villa de
S. Paulo , em a qual ha um mosteiro da Companhia de Jesus ,
outro do Carmo, e nos têm signalado sitio pera outro de nossa
Serapbica Ordem , que nos pedem queiramos edificar -ha muitos
annos, com muita instancia e promessas, e sem isso era inci
tamento bastante termos alli sepultado na egreja dos Padres da
Companhia um Frade leigo da nossa ordem , Castelhano, a quem
matou outro Castelhano secular, porque o reprehendia que não
jurasse : foi religioso de santa vida, e confirmou -o Deus depois
de seu martyrio com um milagre , é foi que assentando - se uma
mulher enferma de fluxo de sangue sobre a sua sepultura , ficou
sã 46) . Ao redor dessa villa estão quatro aldeas de gentio amigo,
que os Padres da Companhia doctrinam , fora outro muito que
cada dia desce do certão.

41 ) Martim Affonso em barcou effectivamente para o rio da Prata ,


mas em 1531. Dando a Capitanea a costa , não seguiu viagem , man
dando Pero Lopes em seu logar. Quando Pero Lopes seguiu para
a Europa, Martim Affonso ficou sem nem -um navio em S. Vicente .
Quando João de Sousa , partindo de Portugal depois de 28 de Setembro
de 1532, veio com duas caravellas, trazia-Ile permissão dEl-Rei para
tornar lego , e esta permissão logo foi aproveitada, porque estando ainda
em S. Vicente a 4 de Março de 1533 (Rev. Inst., IX , p . 146 ), já em
Junho esta va na ilha Terceira (Fr. L. de Sousa , Ann . p . 378.)
45) A epocha da morta não é conhecida com exactidão : mas deve ter
sido por 1572, si , como diz, Taques, (Rev. Inst., IX , p . 151 ) succedeu - lhe
nesta anno seu filho Pedro Lopes .
46) Chamava-se Fr. Diogo. Eis como Fr. Apolinario da Conceição
narra o sucesso :
62 FR . V. DO SALVADOR :

São os ares destas duas capitanias frios e temperados como os


de Hespanha, porque estão já fora da zona torrida em vinte e
quatro graus e mais ; assim é a terra mui sadia , fresca e de
boas aguas, e esta foi a primeira onde se fez o assucar 57), donde
se levou plantas de cannas pera as oatras capitanias , posto que
hoje se não dão tanto a faze - lo quanto a lavoura do trigo que se
dá alli, e cevada, e grandes vinhas, donde se colhem muitas
pipas de vinho, ao qual pera durar dão uma fervura no fogo .
Outros se dão á creação de vaccas, que multiplicam muito , e são
as carnes mais gordas que em Hespanha, principalmente os ce
vados, que se cevam com milho zaburro e com pinhões de
grandes pinhaes que ha agrestes, tão ferteis e viçosos que cada
pinlia é como uma botija e cada pinhão depois de limpo como
uma castanha ou belota de Portugal .
Cavallos ha tantos, que val cada um cinco ou seis tostões.

« Andando um dia á esmola na sobredita cidade, para alimento de


seus companheiros, achou um soldado muito máo christão e por tal tido
de todos, o qual estava murmurando e defamando todo o estado da
Christandade o que vendo o Religioso, movido de honra de Deus e
fervor da caridade do proximo, o reprehendeu com palavras brandas e
cortezes, admoestando- o da parte de Deus e por seu amor que se lem
brasse que era Christão e tirasse de si aquelle tão depravado costume
e perniciosas palavras que aos homens era motivo de escandalo e a
Deus de ira e castigo ; de caja caritativa admoestação o perverso sol
dado não agradecido como devia, mas endurecido como máo que era,
publicamente com novos juramentos e blasphemias lhe prometteu o
havia de matar, pois fora tão ousado que o reprehendera. Com isto o
humilde Religioso, abaixando a cabeça , se despediu ; e o diabo entrou
no coração d'aquelle blasphemo como no de outro Judas, para lhe
fazer cumprir sua maldade .
« Vindo ao outro dia este Religioso com a esmola pedida para casa,
ao passar um regato que hoje corre por dentro da cerca do nosso
Convento , lhe sa hio o dito soldado ao encontro, dizendo - lhe mui
feias e injuriosas palavras, ao que o Religioso com os joelhos em terra
e mãos levantadas ao Céo, com mui profundissima ' humildade res
pondeu pedindo - lhe perdão ; mas elle , arrancando um punhal , com
muitas punhaladas lhe tirou a vida ... Seu corpo levou o Reverendo
Padre Preposito da Companhia com mui grande pompa ao Collegio
da mesma cidade, ond com todas as honras foi sepultado, e sua
gloria manifestou o misericordioso Senhor...>>
(Fr. Ap . da Conc., Pequenos na terra , grandes no Céo, I , Lisboa,
1732, p . 237-238 .)
47) Em 1526 diz-nos Porto Seguro ( Hist. p. 102 ) que já era exportado
algum assucar de Itamaraca Pernamb :ico . Em 1519, Magalhães
encontrou canna de assucar na bahia do Rio de Janeiro . Entretanto o
logar onde primeiro tratou -sedeconstruir engenhos, parece quefoi
mesmo em S. Vicente . Segundo Gabriel Soares, o logar em que pri
meiro plantou -se canna de assucar foi a capitania dos Ilheos ( Ira
tado, p. 154 )
?
HISTORIA DO BRASIL 63

Mas o melhor de tudo é o ouro de que trataremos adianto


quando tratarmos do governador D. Francisco de Sousa , que
por mandado de El- Rei assistiu nas minas.
Destas villas se foi a poucos annos um morador, de nação
Castelhano por ser muito cioso da mulher, que era Portugueza
natural de 8. Vicente emuito formosa, a morarem uma ilha cha
mada a Cananeia , que fica mais ao Sul e chegada ao rio do Pra
ta ; mas pouco viveo sem seus receios, porque conhecida a fer
tilidade da terra , se foram outros muitos com suas familias, a
morar tambem a ella e se fez uma povoação tão grande como
estou tras.

CAPITULO III .

DA TERRA E CAPITANIA QUE EL-REI DOQU A PERO DE GÓES .

Em companhia de Pero Lopes de Sousa 48 ), andou por esta


costa do Brasil Pero de Góes, Fidalgo honrado muito cavalleiro,
e pela affeição que tomou á terra pediu a el-rei D. João que
The dėsse nella uma capitania, e assim lhe fez mercê de 50 leguas
de terra ao longo da costa 49) , ou as que se achassem donde

48) E mais exacto dizer que veio com Martim Affonso em 1531 .
Desde então até 1546, pouco tempo esteve fóra do Brasil, pois escre
vendo a D. João III em 29 de Abril deste anno, contando - lhe o des
barato da capitania díz - lhe que perdeu 15 annos na terra .
Varnhagen ( Rev. Inst. XXIV , p . 6) assegura que Pero de Goes voltou
para a Europa em 1532 com Pero Lopes : mas a carta de doação é
muito explicita em contrario ; « em todas as mais cousas de Meu Ser
viço, e a que se o dito Pedro de Goes achou, assim com o dito Martim
Affonso como sem elle, depois da sua vinda por ficar lá » . (Silva
Lisboa, Annaes, I, p . 35) .
Pero de Goes da Silveira teve alvará de lembrança para uma
capitania a 10 de Março de 1534, mas a sua doação é de 28 de Agosto de
1536. Deste documento, ( publicado por Silva Lisboa, Ann.do Rio de Ja
neiro, I , Rio, 1834. p.351/ 352) vê-se que o numero de leguas de costa de sua
capitania foi de 30 e não de 50 lezuas: « hei por bem de lhe fazer mercê...
da capitania de 30 leguas de terra na dita costa do Brasil, que come
çarão de 13 leguas adiante do cabo Frio pela banda do Norte onde
se acaba a capitania do dito Martim Affonso de Sousa e se acabarão
nos baixos dos Pargos ; si , porém , não houver dentro do dito limite e
demarcação as ditas trinta leguas, Eu lhe não serei obrigado a satis
fazer, e havendo mais ficará com tudo que mais for » .
O foral de 29 de Fevereiro de 1536 (pub. na Historia do descobri
mento e povoação da cidade de S. João da Barra , Rio, 1868 , de
64 FR. V. DO SALVADOR :

acabassem as de Martim Affonso de Sousa, até que entestasse


com as de Vasco Fernando Coutinho. Da qual capitania foi tomar
posse com uma boa frota que fez em Portugal á sua cu ,ta ,
bem fornecida de gente e todo o necessario e no rio chamado
da Parahyba que está em 21 gráos e dous terços se fortificou e
fez uma povoação 50) , em que esteve bem os primeiros dois
annos e depois se lhe levantou o gentio, e o teve em guerra cinco
ou seis annos, fazendo ás vezes pazes que logo quebravam , e o
apertaram tanto que viu-se forçado a despejar a terra e pas
sar-se com toda a gente pera a capitania do Espirito Santo, em
embarcações que pera isso lhe mandou Vasco Fernandes Cou
tinho , donde ficou com toda a sua fazenda gastada e muitos mil
cruzados de um Martim Ferreira , que com elle armara pera faze
rem muitos engenhos de assucar.
No districto desta terra e capitania cahe a terra dos Aitaca
zes 51), que é toda baixa e alagada , onde estes Gentios vivem
mais á maneira de homens marinhos que terrestres ; e assim
nunca se puderam conquistar, posto que a isso foram algumas
vezes do Espirito Santo e Rio de Janeiro , porque, quando se
ha de vir áş mãos com elles, mettem - se dentro das lagðas, onde
não ha entral-os a pé nem a cavallo: são grandes brizios e nada
dores, e a braços tomam o peixe , ainda que sejam tubarões, pera
os quaes levam em uma mão um pau de palmo pouco mais ou
menos, que lhes mettem na boca direito , e como o tubarão
fique com a boca aberta , que a não pode cerrar com o pau, com
a outra mão lhe tiram por ella as entranhas, e com ellas a vida
e o levam pera a terra , não tanto pera os comerem , como pera
dos dentes fazerem as pontas das suas frechas, que são peço
nhentas e mortiferas, e pera provarem forças e ligeireza, como
tambem dizem que as provam com os veados nas campinas to

F(ernando) J (osé) M ( artins ), ás pag. 35/40 ) repete-se ainda que o nu


mero de leguas da capitania é 30 .
Por C. R. de 12 de Março de 1543, D. João III confirmou a demar
cação que entre si fizeram Vasco Fernandes Coitinho e Pero de Góes,
na qual servia de limite entre as duas capitanias « um rio que tem
na bocca á entrada umas ilhotas de pedra e de baixa -mar e d'ahi
cobre outra ilhota mais pequena , o qual rio se chama na lingua dos
Indios Tapemery , e os ditos Vasco Fernandes e Pero de Góes lhe poze
ram nome rio de Santa Catharina e está em altura de 21 graos . ( Rev.
Inst., XXIV , 1861 p . 204.)
50) Esta povoação chamava-se villa da Rainha .
51 ) Os Aytacazes ou Goytacases , como depois ficaram conhecidos ..
moravam antes á beira-mar, na capitania doEspirito Santo . Depois
de differentes guerras com Vasco Fernandes Coutinho « se afastaram
da visin hança do mar por aquella parte, por escusarem brigas que
da visinhança se seguiam » como nos assegura Gabriel Soares (no Trat.
descrip . do Bras, apud , Rev , do Inst . XIV, 1851 , p . 73) ,
--
HISTORIA DO BRASIL 65

mando-os a cosso ; e ainda com os tigres e onças e outros feros


animaes .
Estas e outras incrediveis cousas se contam desse Gentio :
creia - as quem quizer, que o que daqui eu sei é que nunca foi
alguem a seu poder que tornasse com vida pera as contar. Ver
dade é que já hoje ha delles mais noticia, porque lhes deu uma
cruel doença de bexigas, que os obrigou a nos irem buscar e ser
nossos amigos, como veremos do capitulo X em o livro V desta
historia .

CAPITULO IV .

DA TERRA E CAPITANIA DO ESPIRITO SANTO QUE EL -REI DOOU


A VASCO FERNANDES COUTINHO .

Não teve menos trabalhos com a sua capitania Vasco Fer


nandes Coutinho, a quem El-Rei pelos muitos serviços que lhe
havia feito na India lhe fez mercê de 50 leguas de terra por
costa 52 ), o qual a foi conquistar e povoar com uma grande frota
à sua custa , levando comsigo a D. Jeorge de Menezes 53), o de
Maluco , e D. Simão de Castello Branco e outros Fidalgos, com
os quaes , avistando primeiro a serra de mestre Alvaro, que é
grande, alta e redonda, foi entrar no rio do Espirito Santo, o
qual está em 20 gråos, onde logo å entrada do rio, da banda do
Sul, começou a edificar a villa da Victoria 54) , que agora se chama
a Villa Velha, em respeito da outra villa do Espirito Santo , que

52) A doação de Vasco Fernandes Coutinho foi feita em Evora a 25 de


Setembro de 1534 e diz : « cincoenta leguas de terra , as quaes se come
çarão na parte onde acabarem as cinccenta leguas deque tenho feito
mercê a Pero do Campo Tourinho e correrão para a banda do Sul
tanto quanto couber nas ditas cincoenta leguas ».
() foral é de 7 de Outubro do mesmo anno . Ambos os documentos
publicou Braz da Costa Rubim na Rev , do Inst . de 1861 .
53) D. Jorge de Menezes governou as Molucas de 1527 a 1530, em que
foi preso por Gonçalo Pereira , seu successor, e mandado ao Reino pelo
governador Nuno da Cunha . No anno de 1526 , descobrira elle'a
ilha de Nova Guiné (Ruge, Gesch . der Entdeckungen , p . 206 ) .
54) Gabriel Soares diz o mesmo ; porém Vasco Fernandes Coutinho
em 1540 chamava a sua povoação do Espirito Santo e não da Victo
ria ( Rev. do Inst , XXIV, p . 213) .
M , e Ach . V.
66 FR. V. DO SALVADOR :

depois se edificou uma legua mais dentro do rio , em a ilha de


Duarte de Lemos 55), por temor do Gențio .
E como o espirito de Vasco Fernandes era grande, deixando
ordenados quatro engenhos de assucar, se tornou pera o Reino
a aviar-se pera ir pelo certão a conquistar minas de ouro e
prata de que tinha novas, deixando por seu loco - tenente
D. Jeorge de Menezes, ao qual logo os Gentios fizeram tão cruel
guerra que lhe queimaram os engenhos e fazendas, e a elle ma
taram ás frechadas, sem lhe valer ser tão grande capitão, e
que na India, Maluco e outras partes tinha feitas muitas ca
vallarias 56) .
O mesmo fizeram a D. Simão de Castello Branco , que lhe suc
cedeu na capitania , e a puzeram em tal cerco e aperto que ,
não podendo os moradores della resistir- lhes , se passaram pera
outras . E tornando - se Vasco Fernandes Coutinho do Reino pera
a sua , por mais que trabalhou o possivel pola remediar e vingar
do Gentio , não foi em sua mão , por estar sem gente e munições
de guerra , e o Gentio pelas victorias passadas muito soberbo:
antes viveu muitos annos mui affrontado delles em aquella ilha,
até que depois, pouco a pouco , reformou as duas ditas villas .
Mas emfim , gastados muitos mil cruzados que trouxe da India,
e muito patrimonio que tinha em Portugal, acabou tão pobre
mente que chegou a lhe darem de comer por amor de Deus,
e não sei si teve um lençol seu em que o amortalhassem 57) .
Seu filho do mesmo nome, tambem com muita pobreza viveu
e morreu na mesma capitania ; e não se attribua isto á mal
dade da terra , que antes é uma das melhores do Brasil, porque
dá muito bom assucar e algodão , gado vaccum , e tanto manti

55) Duarte de Lemos residiu a principio na capitania da Bahia, passou


depois para a do Espirito Santo « e tomou seus creados e outras pes
soas que por seu respeito vieram com elle . »
A doação da ilha foi- lhe feita a 15 de Julho de 1537 e depois confir
mada em Lisboa « na rua do Barão, onde pousa o Senhor Vasco Fer
nandes Coutinho , a 20 de Agosto de 1540 » Rev. , ib. , p . 209/213 ).
56) Vasco Fernandes Coutinho foi seguramente mais de uma vez a
Europa : uma em 1540, outra talvez em 1551, em que não se sabia no
ticia delle na capitania (Rev. Inst . , V, 1843 , p . 416 ). Alguns annos
mais tarde estava em Pernambuco, e em 1558 nos Ilhéos.
A morte de D. Jorge de Menezes e de D. Simão foi no governo de
Duarte da Costa ( 1553/1557 ), segundo se deduz das cartas de Nobrega
(M. e Ach . II , p . 152) .
57) Deve ter morrido em 1561, pois a 16 de Outubro Men de Sá no
meava para succeder - lhe Belchior de Azeredo . Antes , a 3 de Agosto
de 1560, elle renunciara a capitania em favor de El-Rei . Talvez por
não tel-o feito com todas as formalidades, passou apesar disto a seus
successores (V. os documentos em Silva Lisboa , Ann ., I, p . 321/323) .
-
HISTORIA DO BRASIL 67

mento, fructas e legumes , pescado e mariscos, que lhe chamava


o mesmo Vasco Fernandes o meu villão farto . Då tambem muitas
arvores de balsamo de que as mulheres , misturando - o com a
casca das mesmas arvores pisadas, fazem muita contaria, que
se manda pera o Reino e pera outras partes.
Mas o que fez mal a estes senhores, depois das guerras, foi não
seguirem o descobrimento das minas de ouro e prata como de
terminavam ; e parece que herdaram delles este descuido seus
successores , pois , descobrindo -se depois na mesma capitania uma
serra de cristal e esmeraldas de que tenho feito menção em o
capitulo V do I livro , nem disto se trata , nem de forti
ficar -se a terra pera defender - se dos cossarios, sendo que por
ser o rio estreito se podera fortalecer com facilidade ; antes,
levando -o pelo espiritual, me disse Francisco de Aguiar Cou
tinho, senhor della, que dissera a Sua Magestade que tinha uma
fortaleza na barra de sua capitania que lh'a defendia e não
havia mister mais, e que esta era a ermida de Nossa Senhora
da Penna que ali está, aonde do mosteiro do nosso Padre
S. Francisco, que temos na villa do Espirito Santo, vão dous
Frades todos os sabbados a dizer missa , e a temos à nossa
conta .
E na verdade a dita ermida se pode contar por uma das
maravilhas do mundo, considerando - se o sitio : porque está sobre
um monte alto um penedo, que é outro monte , a cujo cume se
sobe por 55 degráos lavrados no mesmo penedo, e em cima tem
um plano, em que está a egreja e capella que é de abobeda, e
ainda fica ao redor por onde ande a procissão , cercado de pei
toril de parede, donde se não pode olhar pera baixo sem que
fuja o lume dos olhos .
Nesta ermida esteve antigamente por ermitão um Frade
leigo da nossa Ordem , Asturiano, chamado frei Pedro , de mui
santa vida, como se confirmou em sua morte, a qual conheceu
alguns dias antes, e se andou despedindo das pessoas devotas,
dizendo que, feita a festa de Nossa Senhora, havia de morrer, e
assim succedeu, e o acharam morto de geolhos , e com as mãos
levantadas como quando orava ; e na trasladação de seus ossos
dessa egreja pera o nosso convento, fez muitos milagres, e poucos
enfermos os tocam com devoção que não sarem logo, princi
palmente de febres, como tudo consta do instrumento de tes
temunhas, que está no archivo do mesmo convento 58) .

58 ) Segundo frei Apolinario da Conceição era este o epitaphio que


se lia na sua campa : sepultura do Santo Frei Pedro Palaceos natural
do Rio Seco em Castella , fundador desta ermida, que assim na vida
como na morte floreceo em milagres. Falleceu na era de 157 ... A ul
tima letra já não se divisa , accrescenta o mesmo autor (Primazio
seraphica na região da America ,Lisboa , 1732, p . 111/112). Devia ser
2, a dar - se fé a Jaboatão (M. c Ach . I , p. 18) .
68 FR . V. DO SALVADOR :

CAPITULO V.

DA CAPITANIA DE PORTO SEGURO.

Esta capitania foi a primeira terra do Brasil que se descobriu


por Pedro Alvares Cabral indo pera a India , como está dito no
capitulo do I livro , e della fez El-Rei mercê e doação 59 ) de
cincoenta leguas de terra na forma das mais a Pedro do Campo
Tourinho, natural de Vianna, muito visto na arte de marear,
o qual , armando uma frota de muitos navios á sua custa , com sua
mulher e filhos e alguns parentes e muitos amigos, partiu de
Vianna , e desembarcou no rio de Porto Seguro, que está em
dezeseis graus e dous terços, e se fortificou no mesmo logar onde
agora é a villa cabeça desta capitania . Edificou mais a villa de
Santa Cruz , e outra de Santo Amaro , onde está uma ermida de
Nossa Senhora da Ajuda , em um monte mui alto e, no meio
delle, no caminho por que se sobe, uma fonte de agua milagrosa
assim nos effeitos que Deus obra por meio della , dando saude aos
enfermos que a bebem , como na origem , que subitamente a deu
o Senhor ali pela oração de um Religioso da Companhia 60) , se
gundo me disse como testemunha de vista e bem qualificada um
neto do dito Pedro do Campo Tourinho e do seu proprio nome,
meu condiscipulo em o estudo das Artes e Theologia, e depois

59) A doação de Pero do Campo Tourinho foi publicada por occasião


das questões do duque de Aveiro sobre a donataria, questões em que
foi um dos advogados Manuel de Lemos Meza ( n .° 5668 do Catalago da
Exp. de Host . e Geogr . do Brasil).
Eis os termos da doação feita em Évora a 7 de Outubro de 1534 : « hei
por bem e me praz de lhe fazer mercê... de cincoenta leguas de
terra na dita costa do Brasil, as quaes se começarão na parte onde
se acabarein as cincoenta leguas de que tenho feito mercê a Jorge de
Figueredo Corrêa na dita cos'a do Brasil da banda do Sul quanto
couber nas ditas cincoenta leguas » .
O foral passado em Evora a 23 de Setembro do mesmo anno parece
que ainda não foi publicado . A Bibliotheca Nacional possue cópia.
60) Attribue-se este facto ao padre Francisco Pires e a Vicente Ro
drigues. « Cavando este junto da egreja, escreve Fernão Cardim em
Outubro de 1585 , arrebentou uma fonte de agua que sae debaixo do altar
da Senhora , e faz muitos milagres, ainda agora ; .. , o Padre (Vicente
Rodrigues) que é um velho de 70 annos , vae lá todos os sabbados a pé
dizer missa e pregar a quasi toda a gente da villa , que ali costuma ir
aos sabbados em romaria, e para sua consolação lhe deu o Padre
(Christovam de Gouveia ) licença que se enterrasse naquella egreja
quando fallecesse . » (Cardim , Narrat. Epist., p . 22/23) .
HISTORIA DO BRASIL 69

Deão da Sé desta Bahia, o qual , depois da morte de seu avó, se voiu


à viver com sua avó 6l) e mãe , por sua mãe Leonor do Campo,
com licença 62 ) de Sua Magestade, vender a capitania a D. João
de Lencastre, primeiro Duque de Aveiro, por cem mil réis de
juro. O qual mandou logo Capitão que a governasse em seu nome
e fizesse um engenho à sua custa e desse ordem a se fazerem
outros, como se fizeram , posto que depois se foram desfazendo
todos, assim por falta de bois, que não cria esta terra gado vac
cum , por causa de certa erva do pasto que o mata , como por os
muitos assaltos do gentio Aymoré, em que lhe matavam os es
cravos, pelo que tambem despovoaram muitos moradores e se
passaram pera outras capitanias .
Porém , sem isto, tem outras cousas pelas quaes merecia ser
bom povoada , porque no rio Grande 63), onde parte com a capi
tania dos Ilhéos, tem muito pau brasil, e no rio das Caravellas
muito zimbo 64) , dinheiro de Angola , que são uns busioszinhos

61 ) A mulher de Pero de Campos Tourinho chamava-se Ignez Fer


nandes Pinto e já era fallecida, assim como elle, em 1556 .
Leonor de Campos foi casada provavelmente duas vezes , sendo a
primeira vez com Gregorio de Pesqueira, de quem enviu vou pelo anno
de 1559. Deste primeiro casamento não teve filhos, ao que parece ;
até, si, como penso , se applica a ella um trecho das cartas jesuiticas
(M. , Ach. , VII, - VIIIp . 46) viveram elle sem castidade. E ' sem funda
mento que G. Soares diz que ella não casou nunca ( Trat ., p . 64).
62) A licença de venda da capitania de Porto Seguro foi dada por
Alv , de 16 de Julho de 1559. A escriptura foi passada a 19 de Agosto
do mesmo anno .
63) Hoje conhecido pelo nome de Jequitinhonha .
64) « A moeda do Congo era , como se sabe, o Zimbo, colhido na costa
e particularmente na ilha de Loanda, n'uns pequenos cestos, donde
se deriva naturalmente a palavra cofo como medida monetaria, indi
cada pelos nossos diccionaristas em relação ao Congo e Angola , e
correspondente a 10 milheiros de zimbo, ou 10 $ 000 da nossa moeda,
segundo elles .
« N'um curioso manuscripto, porém , de 1782, Historia de Angola por
Elias Alexandre da Silva Correia, encontramos a seguinte divisão do
zimbo e a sua reducção a dinheiro portuguez :
1 bondo (naturalmente o cofo ) 10 lifucos (lufucos no nosso texto ) ;
100 fundas, 100.000 simbos, 5000 réis ;
1 lifuco, 10 fundas, 10.000 zimbos, 500 réis ;
1 funda , 1.000 zimbos, 50 réis .
A funda é ainda divisivel em equivalentes de 25, 20, 12 '/ , 10 5
réis. Isto em relação ao melhor zimbo . Ha, porém , tres qualidades
inferiores, que correm egualmente por moeda : o'zimbo cascalho,
cascalho escolhido e os busios. Estas qualidades eram principalmente
colhidas e circulavam na costa do Brasil (Bahia ) » . ( Luciano Cordeiro,
Escravos e minas de Africa , segundo diversos, Lisboa, 1881 , p . 8) .
70 FR , V. DO SALVADOR :

mui miudos de que levam pipas cheias e trazem por ellas na


vios de Negros 65 , e na terra deste rio, e em todas as mais que ha
até entestar com as de Vasco Fernandes Coutinho, se dá muito
bem o gado vaccum e se podem com facilidade fazer muitos
engenhos.

CAPITULO VI .

DA CAPITANIA DOS ILHÉOS.

Quando El-Rei D. João III repartiu as capitanias do Brasil , fez


mercê de uma dellas com 50 leguas de terra por costa a Jeorge
de Figueiredo Corrêa , Escrivão de sua Fazenda, a qual começa
da ponta do sul da barra da Bahia, chamada o morro de S. Paulo,
por diante 66) .
Este Jeorge de Figueiredo fez uma frota bem provida do ne
cessario e moradores, com a qual mandou um Častelhano 67 ),
grande cavalleiro, homem de esforço e experiencia, chamado

65) O seguinte trecho de Barleus mostra quaes os Negros antigamente


importados no Brasil , e que juizo se formava da sua capacidade :
Tertia mancipiorum classis Afrorum est, quorum omnium labo
riosissimi Angolenses . Ardrenses ignavissimi, pertinaces , stupidi, la
bores horrent, si paucissimos exceperis qui laborum patientissimi sui
precium augent. Calabrensis parum pensi habent , ob ignaviam et
socordiam. Negrita Guinæenses, Serra Leonæ, et quos Caput Viride
mittit minus ad servitia prompti, atamen politiores, plus elegantiæ
et nitori student , proesertim sexus muliebris quamobrem eos domes
ticis officiis adhibent Lusitani. Negritæ Conguenses et Sonhenses
apțissimi ad operas, ut ex re Societatis fit, hujus mercatus rationem
haberi ei amicitia jungi Comites Sonhensem et Conguensem ». (Barlæus ,
Historia , Amsterdam , 1647 , p. 128 ) .
66 ) A carta de doação , passada em Evora a 26 de julho de 1534 , ainda
está inedita , bem como o foral de 11 de Março de 1335 .
Eis os termos da doação : ... « hei por bem e me praz de lhe fazer
mercê ... de cincoenia leguas de terras na dita costa do Brasil e que
começarão na ponta da bahia de Todos os Santos da banda do Sul e
correrão ao longo da costa para o dito Sul quanto couber nas ditas 50
leguas . » A Bibliotheca Nacional possue cópia msc . de ambos estes do
cumentos .
Segundo Porto Seguro , fundado em documento inedito (Chanc. de
D. João III , 1. 68 ), Jorge de Figueredo Correia já era fallecido a 26
de Setembro de 1551. ( Hist . p . 185 ).
67) Gandavo ( Hist. da prov . de S. Cruz, Lisbôa 1576 ), diz que
Jorge de Figueiredo mandou um João de Almeida; não falla em Fran
cisco Romero ,
HISTORIA DO BRASIL 71

Francisco Romero, o qual , desembarcando no dito morro, começou


ali a povoar, e por se não contentar do sitio se passou pera
onde está a villa dos Ilhéos , que assim se chama pelos que tem
defronte da barra ; e vindo assentar pazes com o gentio Tupi
naquim , foi com a capitania em grande crescimento , e neste
estado a vendeu o Donatario com licença de Sua Magestade a
Lucas Giraldes 68) que nella metteu grande cabedal, com que
veiu a ter oito engenhos, ainda que os feitores (como costumam
fazer no Brasil) lhe davam em conta despeza por receita, man
dando - lhe mui pouco ou nem-um assucar , pelo que elle escreveu
a um Florentino chamado Thomaz, que lhe pagava com cartas
de muita eloquencia : Thomazo , quiere que te diga ? manda la
asucre , deixa la parolle , e assignou sem escrever mais letra .
Mas não foi este o mal desta capitania , sinão a praga dos sel
vagens Aymorés, que com seus assaltos crueis fizeram despovoar
os engenhos ; e si hoje estão já de paz 69) , ficaram os homens tão
desbaratados de escravos e mais fábrica , que se contentam com
plantar mantimento pera comer . Porém , no rio do Camamú e
nas ilhas do Tinharé e Boepeba , que são da mesma capitania e
estão mais perto da Bahia , ha alguns bons engenhos e fazendas70 ), .
e no rio de Taipé, que dista só duas leguas dos Ilhéos , tem Bar
tholomeu Luiz de Espinha um engenho, e junto delle está uma
lagôa de agua doce onde ha muito e bom peixe do mar e peixes
bois, e um pomar formoso de marmellos, figos e uvas e fructas
de espinho.

68) A licença para vender a capitania foi dada definitivamente a


Jorge de Alarcão de Figueredo por Alv . de 1 de Outubro de 1560,
com apostilla de 18 de Outubro .
69) A pacificação dos Aymorés teve logar no governo de Diogo Bo
telho, em 1602 ou 1603 ( V. Fernão Guerreiro, Relação annual das
cousas que fizeram os Padres da Companhia , Lisboa 1605, reimpressa
em 1875 no que diz respeito ao Brasil, por Candido Mendes , no vol .
II dos Mem . para hist . do Maranhão.
70) O primeiro povoador desta zona foi Sebastião de Ponte ( M , e
Ach ., ll, p . 180/182). Depois houve segundos povoadores ; dos quaes
aſfirma Jaboatão (Orbe Scraphico, I, p . 95) o principal foi Domingos da
Fonceca Saraiva á filho de Diogo Affonso da Veiga, e segundo neto de
Francisco da Fonceca Saraiva ,Senhor da villa de Trancoso , e naturaes
de Armamar, villa no bispado de Lamego da provincia da Beira . Com
este se foram ajuntando depois, tanto em povoadores da terra como em
vinculo de parentesco, os Araujos de Vianna e Ponte de Lima, os Góes de
Lisbôa, Tourinhos, Sás, Menezes, e outros de varias familias de conhe
cida é nobre ascendencia, e unidos todos amigavelmente foram
repartindo entre si as terras de que se iam apossando em virtude
das sesmarias que lhes concediam os Governadores do Estado em
nome do Rei, e debaixo do senhorioda illustre e antiquissima casa
da Castanheira , a quem haviam os Senhores Reis de Portugal feito
mercê . »
72 * FR. V. DO SALVADOR :

CAPITULO VII .

DA CAPITANIA DA BAHIA .

Toma esta capitania o nome da Bahia por ter uma tão grande
que por antonomasia e excellencia se levanta com o nome
commum o apropriando -o a si se chama a Bahia, e com rasão :
porque tem maior reconcavo , mais ilhas e rios dentro de si
que quantas são descobertas em o mundo, tanto que, tendo hoje
50 engenhos de assucar , e pera cada engenho mais de 10 lavra
dores de cannas de que se faz o assucar, todos têm seus esteiros
e portos particulares, nem ha terra que tenha tantos caminhos
por onde se navega .
As ilhas que dentro de si tem entre grandes e pequenas
são 32 ; só tem um sipão, que é não se poder defender a entrada
dos cossarios, porque tem duas bocas ou barras, uma dentro da
outra, a primeira a leste , da ponta do padrão da Bahia ao morro
de S. Paulo , que é de 12'leguas ; a segunda, que é a interior,
do sul da dita barra ou ponta do Padrão á ilha de Taparica, que
é boca de tres leguas.
Está esta Bahia em 13 graus e um terço , e tem em seu circuito
a melhor terra do Brasil, porque não tem tantos areaes como
as da banda do Norte, nem tantas penedias como as do Sul , pelo
que os Indios velhos comparam o Brasil a uina pomba, cujo peito
é a Bahia e as azas as outras capitanias, porque dizem que na
Bahia està a polpa da terra e assim dá o melhor assucar que
ha nestas partes.
Tambem e tradição antiga entre elles que veiu o bemaven
turado apostolo São Thomé a esta Bahia , e lhes deu a planta da
mandioca e das bananas 71 ) de São Thomé, de que temos tratado

71) Humboldt sustentou que a banana era originaria da America ;


mas esta opinião tem sido muitas vezes combatida e Alph. de Candolle
( Origine des plantes cultivées, Paris , 1883 , pag . 242/248) resumindo o
debate apresenta contra ella argumentos difficeis de responder - se.
Em um dos mais importantes capitulos do bello livro em que o
Dr. K. von der Steinen historia a sua arrojada expedição ao Xingú
(Durch Central Brasilien , pag. 310/314) nega tambem o illustre explo
rador o indigenato da banana, principalmente fundado em conside
rações linguisticas, que lhe permittiram chegar a conclusões de grande
alcance quanto á distribuição geographica das raças da America
do Sul .
Entretanto, notarei que nas Singularités de la France antartique
(p . 160/163 da edição de Gaffarel ), diz Thevet que a pacova era muito
HISTORIA DO BRASIL 73

no primeiro livro ; e elles, em paga deste beneficio e de lhes


ensinar que adorassem e servissem a Deus e não ao Demonio, que
não tivessem mais de uma mulher nem comessem carne hu
mana , o quizeram matar e comer, seguindo-o effeito até uma
praia donde o Santo se passou de uma passada a ilha de Maré,
distancia de meia legua, e dahi não sabem por onde. Devia de ser
indo pera a India , que quem taes passadas dava bem podia
correr todas estas terras, e quem as havia de correr tambem
convinha que désse taes passadas. Mas , como estes Gentios não
usam de escripturas, não ha disto mais outra prova ou indicios
que achar-se uma pegada impressa em uma pedra em aquella
praia, que diziam ficara do Santo quando se passou à ilha , onde
em memoria fizeram os Portuguezes no alto uma ermida do
titulo e invocação de São Thomé 72 ).
Pela banda do Norte parte esta capitania com a de Pernam
buco pelo rio de São Francisco , o qual era merecedor de se
escrever não só em um capitulo particular, sinão em muitos, por
as muitas e grandes cousas que delle se dizem ; mas contento -me
com passal -as em summa ou a vulto, como hei passado outras,
porque estão todas as do Brasil tão desacreditadas que não sei si
ainda assim o quererão ler .
Está este rio em altura de 10 graus e uma quarta ; na bocca
da barra tem duas leguas de largo ; entra a inaré por elle
outras duas somente , e dahi pera cima é agua doce , donde ha tão
grandes pescarias que em quatro dias carregam de peixe quantos
caravellóes la vão é, si querem , navegam por elle até 20 leguas,
ainda que sejam de 50 toneladas de porte .

conhecida no Brasil, -no Rio de Janeiro , onde até então os Portuguezes


não tinham conseguido implantar -se com successo ; diz mais que a
pacova brasileira era differente de outras especies que conhecia , em
consequencia de suas longas viagens, differente na folha e no fructo,
que ambos eram maiores aqui do que noEgypto e Damasco ( it. p. 161 ).
Tambem em 1587 , Gabriel Soares ( Tratado descriptivo do Brasil
p . 179/180) diz que a pacoba é originaria da terra, que os lodios
tinham tres especies , entre as quaes a pácobuçu e a pacobamirim .
Quanto ás bananeiras - estas foram , segundo o mesmo autor, intro
duzidas da ilha de S. Thomé : « têm as arvores, folhas e creação como
as pacobeiras , e não ha nasarvores de umas ás outras nem -uma diffe
rença ; .... as quaes são mais curtas que as pacobas , mas mais grossas
e de trez quinas. »
72) A lenda de Sumé, como observa Burton , exigiria antes um volume
que uma nota . « Fm toda a extensão da costa oriental da America, desde
à Florida até o Prata, havia tradicções de um mysterioso emigrante
branco, que por toda a parte tinha o mesmo nome . Colombo encontrou
Indios que adoravam diabos pintados chamados Zemes. Enciso ( 1519)
registra que Sumi era adorado pelos Caribas ou Guaranys de Cuba, e no
Haity tornou-se Zemi; no Paraguay era Pay Zomé ; e albures era Py
74 FR. V. DO SALVADOR :

No inverno não traz tanta agua , nem corre tanto como no


verão, e no cabo das ditas 20 leguas faz uma cachoeira por onde
a agua se despenha, e impede a navegação; porém dahi por
diante se pode navegar em barcos que lá se armarem até um
sumidouro 73 ), onde este rio vem 10 ou 12 leguas por baixo da
terra, e tambem é navegavel dahi pera cima 80 ou 90 leguas,
podendo navegar barcos, ainda mui grandes, pela quietação com
que corre o rio, quasi sem sentir -se, e os Indios Anaupirás na
vegam por elle em canộas 74) .

zome, Zome, Zoe, Summay, Zamna ( America Central) e especialmente


Sumé. E ' possivel que a palavra fosse Tamói, litteralmente avô ; mytho
logicamente (Une fête brésilienne p . 85/88) um regenerador de povos ...
Sumé, de quem affirmaremos ser o typo de muitos naufragos en ropeus
atirados á costa brasileira muito antes do descobrimento official da
terra, appareceu , vindo domar ou do Oriente, no Maranhão, em Per
nambuco, na Bahia , no Cabo Frio , em S. Vicente e em outras partes ,
onde suas pegadas eram e são ainda mostradas. Andaya só ou acom
panhado por um menino , que tambem deixava pegadas. Branco , de
barbas longas e vestes talares, tornou-se uma especie de Triptolemo, Pro
metteu e Esculapio reunidos, ensinando aos selvagens o preparo da man
dioca , o uso do fogo, a extracção do cabello do corpo e o conhecimento
dos simplices e venenos , especialmente do Maté, erva de S. Thomé, que
era mortal até que o Apostolo mudou - lhe as propriedades. Afinal
quando alguns Indios malyados tentaram matal-o, elle fugiu para o
mar e foi-se tão mysteriosamente como viera .
« Esta « légère croyance das Sauvages Austraux » , manipulada por
Yves d'Evreux (pg . 438/449), pelo padre Vieira , por Vasconcellos que
trata-a prolixamente) e um batalhão de escriptores ecclesiasticos,
tornou -se depressa em doutrina . Sumé evidentemente era Tuma ,
S. Thomé, cuja incredulidade o levou a este campo de missão ingrato , o
o menino era seu anjo da guarda. O mytho espalhou -se até o interior e
encontram -se pegadas de S. Thomé não só no littoral, mas tambem em
S. Thomé das Letras, junto a Campanha de Minas-Geraes, no Paraguay,
e até junto ao rio Diamante, ao sul da Mendoza dos Andes » The captivity
of Hans Stade of Hess, Lond. 1864, p . 137/138 . Cf. AL. , Ach . c II , p.72.
73) « Desta primeira cachoeira ( a que chamam porto do Jacaré) até a
segunda que chamam de Paulo Affonso, corre o rio por distancia de
algumas trinta leguas, e no meio desta, o celebrado Sumidouro .
Deu motivo a este engano a pouca indagação dos que primeiro o des
cobriram ; porque vendo o rio nas suas enchentes fazer um como
remanso ou lago e esconder-se na entrada deste logar logo por entre as
serranias que lhe ficam diante, e não apparecerem as suas aguas senão
d’ahi a doze leguas, entenderam corria todo por debaixo da terra . »
( Jaboatão, Orbe. Seraph., I , p. 382) .
74 ) Provavelmente os Amoipiras , de outros autores, participio da
lingua geral , que segundo Baptista Caetano significa oriundo de longe ,
crescido lá ; ligadoao sub. amboipi, que significa a outra banda, o
outro lado além mar ; e o part. iper, elevado, subido, crescido ( An . da
Bibl. Noc . VII, Rio , 1879, s . v . )
HISTORIA DO BRASIL 75

E ' Gentio este que ainda não foi tratado e dizem que se
ataviam com algumas peças de ouro , pelo que Duarte Coelho
de Albuquerque, senhor que foi de Pernambuco, tratou no Reino
desta conquista ; mas nunca se fez, nem o rio se povoou até gora
mais que de alguns curraes de gado, o roças de farinha ao longo
do mar ; sendo assim que é capaz de boas povoações , porque
tem muito påu -brasil e terra pera engenhos.
Não trato do rio Sergipe, do rio Real e outros que ficam nos
limites desta capitania da Bahia, por não ser prolixo, e tambem
porque ao diante pode ser tenham logar .
Desta capitania da Bahia fez mercè El-Rei D. João IIl a Fran
cisco Pereira Coutinho 75) , fidalgo mui honrado, de grande fama e

As tradicções dos Indios , quaes nos transmitte Gabriel Soares,


dizem que primitivamente o littoral brasileiro era habitado por Ta
puyos, até que os Tupinaês os expulsaram para o interior .
« Quando os Tupināês viviam ao longo do mar, residiam os Tupi
nambás no certão , onde certas aldeias delles foram fazendo guerra
aos Tapuias que tinham por visinhos , a quem foram perseguindo por
espaço de annos tão rijamente que entraram tanto pela terra a
dentro que foram visinhar com o rio de S. Francisco . E neste tempo
outros T'upinambás fizeram despejar aos Tupinaês de junto do mar
da Bahia , como fica dito, os quaes os metteram tanto pela terra den
tro , afastando - se dos Tupinambás, que tomaram o caminho aquelles
que iam seguindo os Tapuias, pelo que não poderam tornar para o mar
por terem diante os Tupinaês, que, como se sentiram desapressados
dos Tupinambás, que os lançaram fora da ribeira do mar , e soube
ram dest'outros Tupinambás que seguiram os Tapuias, deram -lhes
nas costas e apertaram com elles rijamente, o que tambem fizeram
de sua parte os Tapuias fazendo - lhe crua guerra, ao que os Tupi
nambós não podiam resistir ; e vendo - se tão apertados dos seus
contrarios , assentaram de se passarem da outra banda do rio de
S. Francisco , onde se contentaram da terra , e assentaram ali sua
vivenda, chamando -se Amoipiras, por o seu principal se chamar Amoi
pira : onde esta gente multiplicou a maneira que tem senhoreado ao
longo deste rio de S. Francisco , a que o Gentio chama Pará, mais
de 100 leguas, onde agora vivem : e ficam -lhe em frontaria dest'outra
parte do rio , de um lado os Tapuias, e de outro lado os Tupinaês,
que se fazem cruel guerra uns aos outros, passando com embarca
ções ao seu modo á outra banda , dando grandes assaltos nos contra
rios, os Amoipiras aos Tapuias , que atravessam o rio em almádias
que fazem da casca de arvores grandes, cujo feitio fica atraz decla
rado (G. Soares, Tratado p. 315, 346. Cf. p. 305 , 306 .
75) Eis os termos da doação, feita (em Evora ?) a 5 de Abril de 1534
(inedita ?) « por esta presente carta lhe faço mercê... de cincoenta leguas
de terra na dita costa do Brasil,as quaes se começarão na ponta do rio
de S. Francisco e correrão para o Sul até a ponta da bahia do Todo
los Santos, entrando nesta terra e demarcação delles toda a dita bahia
de Todolos Santos e a largura della de ponta a ponta se contará.
76 FR . V. DO SALVADOR :

cavallarias em a India, o qual veiu em pessoa com uma grande


armada á sua custa em o anno do nascimento do Senhor de 1535 ,
e desembarcando na ponta do Padrão, da ahia pera dentro ,
se fortificou onde agora ch mam a Villa Velha . Esteve de paz
alguns annos com os Gentios e começou dous engenhos ; levan
tando - se elles depois, lhos queimaram e lhe fizeram guerra por
espaço de sete ou oito annos, de maneira que lhe foi forçado e
aos que com elle estavam embarcarem - se em caravellões e
acolherem - se à capitania dos Ilhéos 76) , aonde o mesmo Gentio ,
obrigado da falta do resgate que com elles faziam , se foram
ter com elles assentando pazes, e pedindo-lhes que se tornassem ,
como logo fizeram com muita alegria ; porém , levantando - se
uma tormenta , deram á costa dentro na bahia, na ilha Taparica,
onde o mesmo Gentio os matou e comeu a todos , excepto um
Diogo Alvares 77), por alcunha posta pelos Indios o Caramurů,
porque lhe sabia fallar a lingua e não sei si ainda isto bastaria ,
pelo que são carniceiros e ficaram encarniçados nos compa
nheiros , si delle não se namorara a filha de um Indio principal ,
que tomou a seu cargo o defendel - o . E dessa maneira acabou
Francisco Pereira Coutinho com todo o seu valor e esforço, e a
sua capitania com elle .

nas ditas cincoenta leguas, e não havendo dentro no dito limite as


ditas cincoenta leguas se lhe entregue a parte que para comprimento
dellas fallecer para a bandado Sul & » (Msc . da Bibliotheca Naciona).
76) Como se vê de uma carta de Pero do Campo Tourinho escripta a
D. João III em 28 de Julho 546, Coutinho refugiou -se na capitania
de Porto Seguro ( Rev. Ins, X , 1848, p . 134 ).
77) Para não entrar na tão controvertida questão de Caramurú, li
mito-me a transcrever da Historia general y naturalde las Indias, de
Oviedo , o seguinte trecho do Liv . XXII , c . III, que descreve exacta
mente a posição do Diogo Alvares em 1535, quando chegaram á
Bahia os naufragos companheiros de Simon de Alcazaba :
* Ali ( na bahia de Todos os Santos) acharam e vivia um Diogo
Alrares, Portuguez, que lhes disse que havia vinte e cinco annos que
estava naquella terra só e ha seeram
achavamuimui obedientes
bem com e os tinha tam
os Indios, eo
por seu capitão e
sujeitos e lhe guardavam tanto acatamento como si nascera senhor
delles ; e tinha comsigo sua mulher, que era India, da qual tinha
muitos filhos e duas ilhas casadas com dous Hespanhóes que ali esta
vam . Este assento e povoação deste Diogo Alvares seriam até trezentas
casas , que eram como casarias espalhadas, porém á vista uma de
outras muitas dellas , em que haveria mil homens Indios ; e acharam
com este Diogo Alvares quatro christãos que se haviam recolhido
ali que vieram perdidos de uma armada de Portugal que se perdeu
quatro mezes antes disto ; a qual armada levava 300 homens que nem
um escapou sinão estes quatro, e os Indios queimaram as náos della e
HISTORIA DO BRASIL 77

CAPITULO VIII.

DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO QUE EL-REI DOOU A


DUARTE COELHO .

As 50 leguas 78) de terra desta capitania se contêm do rio de


S. Francisco , de que tratei no capitulo proximo passado, até
o rio de Igarussú, de que tratei no capitulo II deste livro , e
chama -se de Pernambuco , que quer dizer mar furado, por res
peito de uma pedra furada por onde o mar entra, a qual está
vindo da ilha de Tamaracá , e tambem se poderá assim chamar

navios na costa , onde deram de travez ; a estes quatro christãos trouxe


esta náo S. Pedro a esta cidade e porto de S. Domingos da ilha Hes
panhola ... A este Diogo Alvares deu-se a chalupa a troco de basti
mento, e tambem lhe deram duas pipas de vinho, e falou -se - lhe em
algumas cousas da Fé e , ao que mostrou, estava bem nella e deu a en
tender que vivia naquella costa e soledade para salvar e soccorrer aos
christãos que por ali passassem ; e disse que havia salvado Francezes ,
Portuguezes, Castelhanos que por aquella costa se haviam perdido, é
que si elle não estivera ali que os Indios houveram morto a estes que
ficavam da armada de Simão de Alcazaba . Disse que oitenta leguas dali
pela costa adiante tinha El-Rei de Portugal uma fortaleza donde lhe
levam o brasil, que se chama Pernambuco, onde residem oito ou dez
pessoas , e que esperavam de Portugal uma armada que ia a povoar
aquella costar. (Op. cit., edic , Amador de los Rios , II, pag. 161/165 ).
Este trecho, muito importante em si , levanta entretanto mais questões
do que resolve. Que armada era esta de Portugal que se perdeu em
1535 ? Da India não parece que seja, pois que os chronistas nada
dizem a tal respeito . Seria alguma armada mandada a povoar o
Brasil ? Seria alguma armada de guarda - costa , no genero da de
Christovão Jacques ?
Outra cousa : Jaboatão (Orbe Seraphico, I, p . 52 , 55 ) dá a descen
dencia de Caramurú ; mas entre seus genros não enumera genro algum
hespanhol . E ' mais uma prova da pouca consciencia com que foram
feitos os nossos trabalhos genealogicos , dos quaes apenas se salvam
parcialmente os de Taques e talvez os de Borges da Fonseca .
78) A carta de doação foi passada em Evora a 10 de Março de 1531,
e diz textualmente : .. « hei por bem e me praz de lhe fazer, como de
feito por esta presente carta faço , mercê ... de sessenta leguas de terra
na dila costa do Brasil, as quaes se começarão no rio de S. Fran
cisco, que é do cabo de S. Agostinho para o Sul, e acabarão no rio que
cerca em redondo toda a ilha de Itamaracá , ao qual rio ora nova
mente ponho nome rio de Santa Cruz e mando que assi se nomeie» ,
( Fornandos Gama, Memorias historicas de Pernambuco, 1, Recife,
1841 , p . 43 ).
78 FR. V. DO SALVADOR :

por respeito do porto principal desta capitania , que é o mais


nomeado e frequentado de navios que todos os mais do Brasil .
Ao qual se entra pela boca de um recife de pedra, tão estreita
que não cabe mais de uma nau enfiada após outra,e entrando
desta barra ou recife pera dentro, fica logo ali um poço ou
surgidouro , onde vêm acabar de carregar as naus grandes e
nadam as pequenas carregadas de 100 toneladas ou pouco mais,
pera o que está ali uma povoação de 200 visinhos com uma fre
guezia do Corpo Santo , de quem são os mareantes mui devotos ,
e muitas vendas e tabernas, e os passos de assucar, que são umas
logeas grandes onde se recolhem os caixões até se embarcarem
nos navios .
Esta povoação , que se chama do Recife, está em oito gråos,
uma legua da villa de Olinda , cabeça desta capitania , aonde
se vai por mar e por terra , porque é uma ponta da area como
ponte , que o mar da costa que entra pela dita boca cinge ao
léste , e voltando pela outra parte faz um rio estreito que a
cinge ao loeste , pelo qual rio navegam com a maré muitos bateis
e as barcas que levam as fazendas ao varadouro da villa , onde
está a alfandega.
A villa se chama de Olinda, nome que lhe poz um Gallego
criado de Duarte Coelho, porque, andando com outros por entre
o mato buscando o sitio onde se edificasse, e achando este que
é em um monte alto , disse com exclamação e alegria :
O linda ! .
Desta capitania fez El- Rei D. João III mercê a Duarte Coelho
pelos muitos serviços que lhe havia feito na India 79 ), na tomada
de Malaca e em outras occasiões ; o qual , como tinha tão vale
rosos e altos espiritos , fez uma grossa armada em que se em
barcou 80) com sua mulher, D. Beatriz de Albuquerque, e seu

79) Duarte Coelho foi para a India em 1509 , na armada do marechal


D. Fernando Coutinho , e li esteve até 1529. Em 1516/1517, foi á
China, sendo o primeiro europeu que fez esta viagem por mar em
navio europeu (Ruge, Gesch . der Ento . p . 213) .
Na sua segunda viagem ao mesmo paiz, livrou tres navios portu
guezes de uma armada d'El- Rei da China sessenta e cinco velas .
Por este successo, mandou fazer a ermida de Nossa Senhora do
Monte em Malaca . Em fins de 1532 foi n'uma armada á costa de
Malagueta . Dahi foi em meados de 1533, com sete velas, á ilha Ter
ceira , esperar as naus da India . Dentro de poucos dias reuniu-se-lhe
Martim Affonso de Sousa, de volta do Brasil, com quem tornou para
Lisboa (Fr. L. de Sousa , Anno's, p . 377, 378 e 382) .
80) Segundo Porto Siguro (ilist ., p . 173) Coelho embarcou para
Pernambuco em Outubro de 1531. Em sua Vobiliarchia Pernambucana,
Borges da Fonseca , fundando-se em documentos hoje desconhecidos,
assegura que elle chegou à sua capitania em 9 de Março de 1535
( Rev. Inst. Arch . Pern ., IV , 1883 , p . 114 ) .
HISTORIA DO BRASIL 79

cunhado, Hyeronimo de Albuquerque , e foi desembarcar no


rio de Igaraçú, onde chamam os Marcos 81 ) , porque ali se de
marcam as terras da sua capitania com as de Tamaracá e as
mais que se deram a Pero Lopes de Sousa, onde já estava uma
feitoria d'El-Rei pera o pau - brasil, e uma fortaleza de madeira
que El-Rei lhe largou , e nella se recolheu, e morou alguns
annos e ali lhe nasceram seus filhos Duarte Coelho de Albu
querque e george de Albuquerque, e uma filha chamada D. Ignez
de Albuquerque, que casou com D. Hyeronimo de Moura , e cá
morreram ambos e um filho que houveram , todos tres em
uma semana .
Dali deu Duarte Coelho ordem a se fazer a villa de Igaraçú ,
uma legua pelo rio dentro, do qual tomou o nome, e tambem
se chama a villa de S. Cosme © Damião pela egreja matriz
que tem deste titulo e orago, a qual é mui frequentada dos
moradores da villa de Olinda que dista della quatro leguas, o
de outras partes mais distantes, pelos muitos milagres que o
Senhor faz pelos merecimentos e intercessão dos Santos. Esta
villa encarregou Duarte Coelho a um homem honrado, Viannez,
chamado Affonso Gonçalves, que já o havia acompanhado da
India.
Da villa de Iguaraçů ou dos Santos Cosmos, mandou vir de
Vianna seus parentes , que tinha muitos e mui pobres, os quaes
vieram logo com suas mulheres e filhos, e começaram a lavrar
a terra entre os mais moradores que já havia, plantando
mantimentos e cannas de assucar, pera o qual começava já o
Capitão a fazer um engenho e em tudo os ajudavam os Gentios
que estavam de paz e entravam e sahiam da villa com seus
resgates ou sem elles, cada vez que queriam . Mas embe
bedando -se uma vez uns poucos, se começaram a ferir e matar
de modo que foi necessario mandar o Capitão alguns Brancos
com seus escravos que os apartassem , ainda que contra o pa
recer dos nossos linguas e interpretes, que lhe disseram os dei
xasse brigar e quebrar as cabeças uns aos outros, porque, si lhes

81) « O padrão foi effectivamente collocado no logar indicado, e este


é ainda hoje conhecido pela denominação de Sitio do Marco, que
muitos chamam do Marcos , suppondo derivação do nome de algum
primitivo dono .
« Uma prova recente, irrecusavel, acaba de confirmar o facto : a
esforços do Sr. Dr. Francisco Manuel Raposo de Almeida, o Insti
tuto Archeologico de Goyana mandou reconhecer aquelle logar, e a
commissão nomeada para este fim , auxiliada pelas observações e
insistente trabalho daquelle illustrado cavalheiro, teve a fortuna de
descobrir o referido padrão a poucos palmos de profundidade da su .
perficie actual do sólo . » (M. Lopes Machado ," Rev. Inst . Arch .
Pern . , IV, p . 114) .
80 FR . V. DO SALVADOR :

acudiam , como sempre se receiem dos Brancos, haviam cuidar


que os iam prender ē captivar e se haviam de pôr em resis
tencia . E assim foi, que logo se fizeram em um corpo, e com a
mesma furia que uns traziam contra os outros se tornaram
todos os nossos, sem bastar vir depois o mesmo Capitão com
mais gente pera os acabar de aquietar. E o peior foi que alguns
que ficaram fóra da bebedice, se foram logo correndo à sua
aldea appellidando arma, porque os Brancos se haviam já des
coberto com elles , e tinham presos, mortos e captivos e feridos
quantos estavam na villa , e assim o iriam fazendo pelas aldeas .
É pera mais confirmaçãodesta mentira, levaram um dos mortos ,
que era filho do Principal da aldea, com a cabeça quebrada,
dizendo que por ali veriam si fallavam verdade ; o qual visto
e ouvido pelo Principal e pelos mais , se puzeram logo em arma,
e foram dar em os escravos do Capitão que andavam no mato
cortando madeira , onde mataram um , e os outros fugiram pera
a yilla a contar o que se passava .
E não bastou mandar-lhes o Capitão dizer que os seus proprios
fizeram a briga e se mataram uns aos outros com a bebedice, e
que os Brancos foram só apartal -os e eram seus amigos.
Nada disto bastou : antes appellidou o Principal os das outras
aldeias, mandando-lhes parte do escravo do Capitão que haviam
morto pera que se cevassem nella , como os da sua haviam feito
na outra, e assim se ajuntaram infinitos e puzeram em cerco a
villa dando-lhe muitos assaltos e matando alguns moradores, e
entre elles o capitão Affonso Gonçalves 82) de uma frechada que
lhe deram por um olho e lhe penetrou até os miolos. O qual os da
villa recolheram e enterraram com tanto segredo que o não
souberam os inimigos em dous annos que durou o cerco : antes
viam tanta vigia e concerto que parecia estar dentro algum
grande capitão, sendo que cada um o era de si mesmo , e a neces
sidade de todos ; porque até as mulheres vigiavam o seu quarto
na fortaleza emquanto os homens, dormiam . E estando ellas de
poste uma noute, vendo os inimigos tanto silencio que parecia
não haver ali gente, subiram alguns e começaram a entrar
pelas portinho !as das peças ; mas ellas , que os haviam sentido
subir, os estavam aguardando com suas parta zanas nas mãos,
e quando estavam já com meio corpo dentro lhas metteram pelos
peitos, e os passaram de parte a parte ; e uma, não contente com
isto, tomou um tição e poz fogo a uma peça , com que fez fugir
os outros e espertar os nossos, que foi um feito mui heroico
pera mulheres terem tanto silencio e tanto animo .

82) Porto Seguro ( Hist., I, p . 453 e 454) publica uma carta de Affonso
Gonçalves , escripta , provavelmente de Igarussú a 3 de Maio, de 1548.
Ahi lê-se que a povoação ficava a 5 leguas da villa de Duarte Coelho,
que tinha duzentas almas , que não havia Padre para dizer missa .
HISTORIA DO BRASIL 81

O aperto maior que houve neste cerco foi o da fome, porque se


não podiam valer de suas roças , onde tinham o mantimento, nem
do mar pera pescar e mariscar, e si da ilha de Tamaracá os não
soccorreram pelo rio em um barco, sem duvida morreram todos à
fome. E ainda este soccorro lhe quizeram estorvar por muitos
modos , mandando ameaçar aos da ilha que só por isto lhes iriam
fazer guerra , e esperando o barco, quando passava lhe tiravam
da terra muitas frechadas, pelo que era necessario ir mui bem
empavezado , e com tudo sempre feriam alguns remeiros . E uma
vez determinaram fazer uma armadilha com que metessem o
barco no fundo com quantos iam nelle , e pera este effeito cor
taram uma grande arvore , que estava em uma ponta de terra por
onde haviam de ir costeando , e não a cortaram de todo, sinão
quanto se tinha por uma corda , pera que , quando passasse o
barco por junto della , então a largassem e deixassem cabir .
Mas quiz Deus que elles cahissem na armadilha que fizeram ,
porque a arvore não cahiu pera fóra , sipão pera a terra, e os
colheu debaixo , matando e ferindo a muitos 82) .
Outros muitos milagres obrou Nosso Senhor em este cerco pela
intervenção dos bemaventurados S S. Cosme e Damião , padroeiros
desta villa, que , si isto não fora , não se puderam sustentar com
tantas necessidades quantas padeciam . Nem Duarte Coelho os
podia soccorrer por estar tambem nesse tempo em continuos

(82) Hans Stade esteve em Pernambuco em 1548, de fins de Janeiro a


fins de Abril , e conta alguns factos semelhantes aos narrados por
nosso autor ,
Ao chegar, pediu -lhe Duarte Coelho e a seus companheiros que fossem
em soccorro de Garasu cercado pelos Indios, e effectivamente foram
quarenta homens . Na feitoria , assentada a duas milhas para o interior
em um braço de mar, a defeza poderia ser de 90 Christãos, e uns trinta
escravos do Brasil e de Guiné, pertencentes aos moradores. Os siti
antes eram orçados em oito mil , e o cerco muito apertado. Exhaustos os
viveres , foram os sitiados buscal-os a Itamaracá , encontrando grandes
embaraços postos pelos Indios : paos atravessados no canal , madeira
secca atirada para depois servir de brulotes , pimenta acesa nas
margens para repellir a gente com a fumaça , árvores meio cortadas
e seguras por cipós etc. Apezar disto os sitiados conseguiram tornar :
incolumes , com o que os Indios desanimaram , fizeram pazes e retira
ram-se. 0 cerco durara quasi um mez ; morreram muitos Indios e dos
Christãos nem um (Historia, parte I , c . IIII / V ).
Apezar das semelhanças entre estas narrativas , ha pelo menos dois
ponios de divergencia a assignalar : o cerco a que Hans Stade assistiu
durou so um mez, e ninguem morreu dos Christãos.
Que Affonso Gonçalves não morreu desta feita sabe -se ainda pela sua
carta de 3 de Maio a que referime na nota anterior . E’ , pois, provavel
que Hans Stade assistiu apenas a parte do drama e que este primeiro
assedio não fosse mais que o começo de outro muito mais prolongado e
mortifero .
M. O Ach . V. 6
82 FR . V. DO SALVADOR :

assaltos do Gentio na villa de Olinda, e lhe terem por terra todos


os caminhos tomados . Sómente mandou levar em uns barcos as
crianças e a mais gente que não pudesse pelejar, porque não
estorvassem nem comessem o mantimento aos mais, que não foi
pequeno accordo pera aquelle tempo ; até que quiz Nosso Senhor
que os mesmos inimigos cansados já de pelejar se pacificaram e
tornaram a ter paz e amizade com os Brancos , com o que tornaram
a fazer suas fazendas 83) .

CAPITULO IX .

DE COMO DUARTE COELHO CORREU A COSTA DE SUA CAPITANIA ,


FAZENDO GUERRA AOS FRANCEZES E PAZ COM O GENTIO E SO FOI
PERA O REINO .

Não menos foi o aperto em que Duarte Coelho (como temos


tocado) esteve todo esse tempo em a villa de Olinda ,
tendo - o por algumas vezes o inimigos posto em cerco em
sua torre , com muitas necessidades de fome e sede , contra quem
não valiam as ballas que valerosamente atiravam de dentro ,

83) Is primeiras relações entre os Portuguezes e os Indios de Per


nambuco foram mais tarde coniadas do seguinte modo pelo chefe Mam
boré Caçu aos Francezes no Maranhão :
« Vi o estabelecimento d s Peros em Pernambuco e Potyni e prin
cipiaram como vos outros agora .
« No principio os Peros só queriam negociar e não morar ahi : dor
miam então á vontade com as rap.irigas , o que os nossos companheiros
de Pernambuco e de Potyu reputavam grande honra .
Depois disseram ser- lhes preciso ahi morar, que necessita vain
construir fortalezas para guardal -os , edificar cidades para morarem
juntos , parecendo assim que só desejavam ser uma mesma nação .
«Depois fizeram - lhez entender que não podiam iomr assim as filhas
delles, que Deus sómente lhes permittia possuil-as por meio do casa
mento e que não podliam casar-se com ellas sinão baptisadas e que para
isso era necessario um Pay (Padre).
« Vieram os Padres, plantaram uma cruz, começaram a instruil- os e
depois foram baplisados .
Depois fizeram ver que tanto elles como os Padres precisa yam de
escravos para servil -os e trabalhar para elles , o que foram obrigados
a dar lhes.
« Não satisfeitos com os escravos aprisionados na guerra, quizeram
tambem seus filhos e finalmente captivaram toda a naça e com tal
Lyrannia e crueldade a trataram sempre que a maior parte dos que
escaparam , viram -se otrigados como nós a deixar o paiz » ( Claude
d'Abbeville Hist . de la mission des Pères Capucins en l'isla de Ma
ragnan , Paris , 1614, c . XXIV . f 119 v./150 r ) .
HISTORIA DO BRASIL 83

ainda que com ellas matavam muitos Gentios e Francezes .


Mas Deus Nosso Senhor, que excitou o animo de Raah, mulher
deshonesta, pera que escondesse os espias do seu povo e fosse
instrumento da victoria que se alcançou contra Jericho , o excitou
tambem á filha de um Principal destes Gentios , que se havia
afeiçoado a um Vasco Fernandes de Lucena 84 ) e de quem tinha
jå filhos, pera que fosse entre os seus, e gabando os Brancos ás
outras as trouxesse todas carregidas de cabaços de agua e
mantimentos, com que os nossos se sustinham , porque isto
faziam muitas vezes , e com muito segredo.
E era este Vasco Fernandes tão temido c estimado entre os
Gentios que o Principal se tinha por honrado em tel -o por genro ,
porque o tinham por grande feiticeiro ; e assim , uma vez que o
cerco era mais apertado e estavam os de dentro receiosos de os
entrarem , sahiu elle só föra, e lhes começou a prégar na sua
lingua brasilica que fossem amigos dos Portuguezes, como elles
o eram seus , e não dos Francezes , que os enganavam e traziam
ali pera que fossem mortos . E logo fez uma risca no chão com
um bordão que levava , dizendo -lhes que se avisassem que nem
um passasse daquella risca pera a fortaleza , porque todos os que
passassem haviam de morrer. Ao que o Gentio deu uma grande
risada , fazendo zombaria disto, e sete ou oito indignados se foram
a elle pera o matarem , mas em passando a risca cahiram todos
mortos ; o que visto pelos mais, levantaram o cerco e se
puzeram em fugida .
Não crera eu isto, posto que o vi escripto por pessoa que
o affirmava , si não soubera que neste proprio logar onde se
fez a risca, defronte da torre , se edificou depois um sumptuoso
templo do Salvador, que é matriz das mais egrejas de Olinda,
onde se celebram os Divinos Officios com muita solemnidade ;
e assim não se ha de attribuir aos feitiços, sinão á Divina Pro
videncia, que quiz com este milagre signalar o sitio e im
munidade do seu templo .
Com estas e outras victorias , alcançadas mais por milagres
de Deus que por forças humanas, cobrou Duarte Coelho tanto
animo que não se contentou de ficar na sua povoação paci
fico , sinão ir-se em suas embarcações pela costa abaixo até o
rio de S. Francisco , entrando nos portos todos de sua capitania ,

81) Os documentos contemporaneos fallam mais de uma vez de um


Vasco Fernandes, que occupou o logar de almoxarife e feitor régio de
Pernambuco até 1551. Embora não ienha o sobreronie de Lucena , é bem
possivel que fosse este .
Em Março de 1518 , escrevia Duarte Coelho que havia treze annos que
Vasco Fernandes estava com elle em Pernambuco ( Porto Seguro, Hist.
p . 175) .
84 FR . V. DO SALVADOR :

orde . achou naus francezas que estavam ao resgate de


pau -brasil com o Gentio, e as fez despejar os portos, e tomou
algumas lanchas e Francezes, posto que não tanto a seu salvo
e dos seus que não ficassem muitos feridos, e elle de uma bombar
dada, de que andou muito tempo maltratado. E com tudo não se
quiz recolher até não alimpar a costa toda destes ladrões e
lazer pazes com os mais dos Indios ; e isto feito, se tornou pera
a sua povoação com muitos escravos que lhe deram os Indios
dos que tinham tomado em as suas guerras, que uns lá
tinham com os outros, o que o fez tambem muito temido e
estimado dos circumvisinlios de Olinda, dizendo todos que
aquelle homem devia ser algum Diabo immortal, pois se não
contentava de pelejar em sua casa com elles e com os Fran
cezes , mas ainda ia buscar fora com quem pelejar . E com
isto, mais por medo que por vontade, lhe foram dando logar pera
fazer um engenho uma legua da villa, e seu cunhado Hyero
nimo de Albuquerque outro, e os lavradores suas roças de man
timentos e cannaviaes, a que o Gentio os vinha ajudar ; e lhes
traziam muitas gallinhas, caças e fructas do mato, peixe e
mariscos, a troco de anzoes, facas, fouces e machado que elles
e . timavam muito .
Fez tambem caravellões e lanchas em que fossem resgatar
com os da costa com quem tinham feito pazes, donde, a troco das
mezmas ferramentas e de outras cousas de pouca valia , resgata
vam muitos escravos e escravas de que se serviam e os casa vam
com outros livres que os serviam tão bem como os ciptivos.
Vendo Duarte Coelho que a terra estava quieta , e os mora
dores contentes , determinou ir-se a Portugal com seus filhos,
deixando o governo da capitania a seu cunhado Hyeronimo de
Albuquerque em companhia da irmã 85) . O intento que o levou
devia ser pera requerer seus serviços, que na verdade eram
grandes ; e ainda que eram pera seu proveito e de seus descen
dentes, aos quaes rende hoje a cipitania perto de 20.000 cru
zados, muito mais eram pera El- Rei, a quem só os dizimos pas
sim cada anno de 60.000 cruzados, fóra o pau-brasil e direitos

85) Duarte Coelho esteve seguramente em l'ortugal duas vezes , 2


primeira antes de 1517 , quando fez contracto com alguns negociantes
para a fundação de engenhos, e a segunda depois de 1552, talvez em
meiado de 1553. (Em companhia de Thomé de Sousa ? E ' natural que o
Governador, que ainda não visitara as capitanias do Norte , fizesse- o na
sua partida para Enropa, na intenção de dar informações completas a
D. João III . ) Segundo Jaboatão (Orbe Seraphico, I, p . 143), Duarte Coelho
fallecei em Olinda a 7 de Agosto de 1551; mas isto não pode ser exacto
nem quanto ao dia, porque muito bem observa Porto Seguro que já a 10
de Maio era passada a carta de confirmação a favor de seu filho (Hist. ,
p . 271); nem quanto ao local, porque, como se vê adiante , foi em Lisboa .
HISTORIA DO BRASIL 85

do assucar, que importam muito os desta capitania por haver 'em


ella 100 engenhos. Porém , como ainda então não havia tantos ,
nem tanta renda, e devia estar mexericado com El-Rei que lhe
tomara a jurisdicção, quando lhe foi beijar a mão lho remocou e
o recebeu com tão pouca graça que, indo - se pera casa , enfermou
de nojo e morreu dahi a poucos dias ; pelo que indo Affonso
de Albuquerque 86) com do ao paço , e sabendo El- Rei delle por
quem o trazia , lhe disse : Peza -me ser morto Duarte Coelho,
porque era muito bom cavalleiro .
Esta foi a paga de seus serviços ; mas mui differente a que de
Deus receberia , que é só o que paga dignamente, e ainda ultra.
condignum , aos que o servem .

CAPITULO X.

DE COMO NA ABSENCIA DE DUARTE COELHO FICOU GOVERNANDO


HYERONIMO DE ALBUQUERQUE A CAPITANIA DE PERNAMBUCO ,
E DO QUE NELLA ACONTECEU NESTE TEMPO .

Resão tinha (si tivera perfeito uso della) o Ger tio desta capi
tania pera não se inquietar e inquietal- a com a absencia de
Duarte Coelho, pois ficava em seu logar sua mulher D. Bea
triz de Albuquerque, que a todos tratava como filhos, e Hyero
nimo de Albuquerque, seu irmão , que assim por sua natural
brandura e boa condicção , como por ter muitos filhos da3 tilhas
dos Principaes , os tratava a elles com respeito .
Mas como é gente que se leva mais por temor , que por amor,
tanto que viram absente o que temiam , começaram a fazer das
suas , matando e comendo a quantos Brancos e Negros seus escra
vos encontravam pelos caminhos, e o peior era que nem por isto
deixavam de lhes vir á casa com seus resgates , dizendo que elles
o não faziam , sinão alguns velhacos, que haviam mister bem
castigados . Muito dava isto em que entender a Hyeronimo de
Albuquerque, por não saber que consello tomasse, e assim
chamou a elle os Officiaes da Camara e outras pessoas que o
podiam dar, e juntos em sua casa Thes perguntou o que faria .
Começou logo cada um a dizer o que sentia e os mais foram
de parecer que os castigassem e lhes fizessem guerra ; mas , não
concordando em o modo della, se desfez a junta sem reso

86 ) Provavelmente seu cunhado deste nome, que depois foi frade


franciscano (Rev. Inst. Arch . Pern ., IV . , p . 85).
86 FR . V. DO SALVADOR :

lução do caso , e se foi cada um pera sua casa . Só ficaram


alguns que melhor sentiam e entre elles um chamado Vasco
Fernandes de Lucena , homem grave e mui experimentado nesta
materia de Indios do Brasil, que lhes sabia bem a lingua e as
tretas de que usam , o qual disse ao Governador que não era bem
dar guerra a este Gentio sem primeiro averiguar quaes eram
os culpados, porque não ficassem pagando os justos pelos
peccadores , e que elle ( si lhe dava licença ) daria ordem e traça
com que elles mesmos se descobrissem e accusassem uns aos
outros , e sobre isto ficassem entre si divisos e inimigos mortaes,
que era o que mais importava ; porque todo o reino em si
diviso será assolado, e uns aos outros se destruiriam sem nós
lhes fazermos guerra , e quando fosse necessario fazer - lha , nos
ajudariamos do bando contrario, que este foi sempre o modo
mais facil das guerras que os Portuguezes fizeram no Brasil, e
pera isto mandasse logo ordenar muitos vinhos e convidar os
Principaes das aldeas, pera que os viessem beber, e no mais
deixasse a elle o cargo .
Pareceu isto bem aos que ali estavam , e o Governador en
commendando- lhes o segredo como convinha, mandou fazer os
vinhos, e elles feitos mandou chamar os Principaes das aldeas
dos Gentios, e tanto que vieram os mandou agazalhar pelos lin
guas ou interpetres , que o fizeram ao seu modo, bebendo com
elles, porque não suspeitassem ter o vinho peçonha o bebessem
de boa vontade. E depois que estiveram carregados, lhes disse
Vasco Fernandes de Lucena que o Governador os mandára
chamar porque determinava ir fazer guerra aos Tobayaras, que
eram outros Gentio ; seus contrarios, o que não queria fazer sem
sua ajuda ; porém , como entre elles havia alguns velhacos, como
elles mesmos confessavam , que ainda em sua presença matavam
e comiam os Portuguezes e os seus escravos que achavam pelos
caminhos, se receia va que em sua absencia viriam a suas casas
a matar suas mulheres e filhos, pelo que era necessario, antes
que se partissem , saber quem eram estes pera os castigar, e
premiar os bons. E como elles (deve de ser pela virtude do vinho,
que entre outras tem tambem esta) nunca fallam verdade sinão
quando estão bebados , começaram a nomear os culpados , e sobre
isto vieram ás pancadas e frechadas , ferindo - se e matando uns
aos outros , até que acodiu o governador Hyeronimo de Albu
querque e os prendeu ; e depois de averiguar quaes foram os
homicidas dos Brancos, uns mandou pôr em bocas de bombarda,
e disparal -as á vista dos mais, pera que os vissem voar feitos
pedaços , e outros entregou aos accusadores que os mataram em
terreiro, e os comeram em confirmação da sua inimizade. E assim
a tiveram dahi avante tão grande como si fòra de muitos annos ,
e se dividiram em dous bandos, ficando os accusadores com os
seus sequazes, que era o maior numero, onde dantes estavam ,
da villa atė å matta do pau-brasil , por onde tiveram os Portu
HISTORIA DO BRASIL 87

guezes logar de se alargarem por esta parte e fazerem seus


engenhos e fazendas, assim na vargea do Capiguaribe , que é a
melhor de toda esta capitania, como em todo o espaço que ha
atė á villa de Igarusu ; ē a gente dos culpados e accusados se
passou pera as mattas do cab ) de Santo Agostinho louvando aos
Portuguezes, que haviam feito justiça.
Porém de la vinham fazer tanta guerra a estoutros nossos
amigos de uma grande cerca que fizeram nos outeiros que cercam
a vargea de Capiguaribe da bandit do Sul , chamados Guara
rapes , que foi necessario ao capitão -mór Hyeronimo de Albu
querque ir dar nella com os Branco ; que pode ajuntar, e mais
de dez mi! de estoutros Indios que perà isto se The offereceram
de boa vontade , e como eram tantos, e os da cerca seiscentos
frecheiros, com muita confiança remetteram a ella e a acom
metteram por todas as partes, parecendo -lhes que já a tinham
ganhario . Mas os de dentro, como andavam mais resguardados,
se defenderam e 0 ; offenderam de modo, matando e ferindo
tantos que foi forçado aos Capitães , depois de muitas horas de
peleja, mandal- os recolher pera uma caiçara ou cerca de rama
que fizeram vinte e cinco braças afastada da dos contrarios . E
hiruve toda aquella noite grande fogo de pulhas e brabatas
de parte a parte, como costumam , dizendo todavia os contrarios
sempre que não o haviam com os Brancos, antes queriam sua
amizade , sinão com o ; Indios, e assim o mostraram o dia seguinte ,
porque , estando os nossos Portuguezes e Indios mui descuidados,
cuidando que não os viriam buscar, elles com um soccorro de
duzentos frecheiros que lhes veiu de outra aldeia, sahiram com
tanta pressa e os commetteram com tanta furia , que a muitos
não deram logar pera tomar armas, e sem ellas e sem ordem
alguma lançaram à fugir 87 ) , tirado o capitão -mór Hyeronimo de
Albuquerque, que se foi retirando com os Portuguezes ordenada
mente, mas não tanto a seu salvo que lhe não quebrassem um olho
com uma frecha 88) , naquella primeira remettida, que depois não
quizeram seguil -os, sinão aos Negro ; que iam fugindo, nos quaes

87) Esta narrativa não está muito de acordo com uma carta de Je
ronymo de Albuquerque a El - Rei , de 28 de Agosto de 1575 em que dava
o gentio por atemorisado, submetido e calado . Verdade é que o facto
se podia ter dado mais tarde; e é mesmo provavel , porque os Indios
a que se referia Jeronymode Albuquerque eram do lado de Igarussù .
( Revist. Inst ., XLIX , parte 1a , pag. 584/586)

88) Por isso alguns documentos dão -lhe a alcunha O Torto . Se


gundo Jaboatão, falleceu em 1591 ; seguramente, depois de 13 de No
vembro de 1581, em que assignou o testamento ( P. Seguro Hist .
p . 272.) testamento , verdadeiramente curioso, foi publicado na
Rev. dó Inst . Arch . Pernambucano, IV , pp . 111/119 .
88 FR . V. DO SALVADOR :

fizeram grande destruição e matança , de que depcis se vingaram


indo com Duarte Coelho de Albuquerque , que por morte de seu
pae veiu com seu irmão Jorge de Albuquerque a governar esta
sua capitania e foi dar guerra a este gentio do Cabo, como a seu
tempo contaremos .

CAPITULO XI .

DA CAPITANIA DE TAMARACẢ .

Já dissemos em o capitulo 1l como Pero Lopes de Sousa


não tomou as cincoenta 89) leguas de terra de que El -Rei lhe fez
mercê todas juntas, sinão repartidas: vinte e cinco da capitania
de São Vicente pera o Sul , e outras vinte e cinco da capitania
de Pernambuco pera o Norte, a que chamam de Tamaracá, por
respeito de uma ilha assim chamada, na qual está situada a
villa da Concepção com uma egreja matriz do mesmo titulo , e
outra da Santa Misericordia .
A ilha tem duas leguas de comprido, ou pouco mais ; ao redor
della vêm desembocar cinco rios , dos quaes o de Igaraçú , que
demarca e extrema esta capitania da de Pernambuco, e está em
sete graus , e um terço , alaga da ilha da parte do Sul , onde
está a dita villa e o porto dos navios , os quaes pera entrarem
têm por balisa e signal umas barreiras vermelhas, com as quaes
pondo - se Nordeste – Sudoeste, entram pela barra á vontade ;
outra barra tem a ilha á parte do Norte , pela qual entram cara
vellões da costa . Os outros rios que da terra firme desta capitania
vêm desembocar ao redor desta ilha são os de Araripe, Tapirema,
Tujucupapo e . Gueena , nos quaes ha mui bons engen hos de
assucar, principalmente em este ultimo de Gueena, onde estå
outra freguezia .

89) Na carta que D. João III escreveu a Martim Affonso de Sousa


em 28 de Setembro de 1532, lê -se que já tinham sido apartadas para
Pero Lopes 50 leguas de terra « nos melhores limites desta costa, por
parecer de pilotos e de outras pessoas . »
As 30 leguas depois acrescentadas foram naturalmente premio pelos
feitos de Pero Lopes narrados neste capitulo ,
HISTORIA DO BRASIL 89

Em esta ilha de Tamaracá tinham os Francezes feita uma


fortaleza 90) com um presidio de mais de 100 soldados com muitas
munições e artilharia , onde se recolhia a gente dos seus navios

90 ) No mez de Dezembro de 1530 (aliás 31), o Barão de S. Blancard


despachou de Marselha para o Brasil sua nau La Pélérine, armada
com dezoito peças de bronze , outras de ferro, béstas, lanças e cento e
vinte soldados . Carregou-a de generos procurados pelos naturaes da
terra, de munições para um forte, de provisões e instramentos para
começar a cultura do solo . Era commandante João Duperret , que
depois de navegação de tres mezes chegou a Pernambuco , onde en
controu seis Portuguezés. Estes atacaram - n'os auxiliados pelos Indios,
mas foram vencidos e com os indigenas entraram para o serviço dos
Francezes , ajudando -os na construcção de uma fortaleza , em que se
consummiram quatro mil ducados.
Enta bolado o trato com os Brasis, os Francezes em breve reuniram
tantos generos que mal cabiam no deposito ; foi mandado parte para a
Europa, no mesmo navio , sob o commando do Senhor Du Barram , que
comsigo levou quarenta soldados e carregamento computado no valor de
sessenta e dois mil e trezentos ducados . A viagem correu prospera até
que no moz de Agosto de 1532, a falta de provisão obrigou à aportar a
Malaga . Ahi estava uma armada portugueza de dez caravellas e navios
e nella Antonio Correia , Capitão -Mór, e D. Martinho , os quaes , inda
gando donde vinha e o que trazia a gente da La Pélérine, deram -lhe
trinta quintaes de biscoitos para remediar o aperto e prometteram - lhe
conserva até Marselha , pois que se destinavam a Roma.
Os Francezes acceitaram tanto uma cousa como outra . Sahidos
juntos, não andadas ainda eincoenta leguas, apparece'i a calmaria . No
dia seguinte, que era 15 de Agosto , D. Martinho, lingindo querer cousultar
os pilotos sobre a navegação a fazer, reuniu -os todos, e nesta occasião
prendeu a Du Barram , ao mestre e a outros Francezes , apossou - se da
nau e mandou-a para Portugal.
Sabendo disto e da fundação do forte, El-Rei mandou uma armada de
tres navios sob o commando de Pero Lopes, a qual por Dezembro poz
cerco á fortaleza e bombardeou - a durante dezoito dias. O Senhor de La
Motte, que era o Commandante, vendo que tão cedo não seria soccorrido,
propoz capitulação, e Pero Lopes aceitou -a, promettendo vida e bens aos
sitiados, é leval-os a logar livre , onde lhes daria a liberdade. Assim ,
porém , não o fez, a pezar do juramento solemnemente prestado sobre a
hostia consagrada : mandou enforcar o Senhor de La Notte, mais vinte
companheiros , dois entregou vivos aos Indios para que os comessem ,
os outros levou comsigo para Portugal. El-Rei mandou -os prender em
Faro, onde passaram vinte e quatro mezes ; afinal foram soltos os que
restaram , fora onze que foram enforcados e quatro que morreram de
maus tratos .
E ' esta a versão deduzida de uma reclamação em latim do Barão de
$ , Blancard , publicada por Porto Seguro na primeira edição da sua
Historia p . 411/444 , e depois reimpressa por ello mesmo na quarta
edição do Diario de Però Lopes e por Gaffarel no Brésil Français .
Apezar de ligeiras divergencias, é o mesmo facto narrado pelo nosso
· autor .
90 FR . V. DO SALVADOR :

quando vinham a carregar de pau - brasil, que os Gentios lhe


cortavam e acarretavam ao ; hombros a troco de ferramenta , e
outros resgates de pouca valia que lhes davam , como tambem
lhes traziam a troco dos mesmos muito algodão e fiado, e redes
feitas em que dormem , bugios , papagaios, pimenta e outras

Na reclamação de Saint Blancard , a data da tomada da Pélerine


fixa - se em 1531. E ' porque elle não usava de calendario que come
çasse o anno em primeiro de Janeiro . A prova é que D. Martinho dá
conta a El- Rei em carta de 19 de Agosto de 1532 « de uma não de França
de Marselha que tomou Antonio Correia com grande valor e foi de
importancia por vir do Brasil , que , si tornara a salvamento a sua terra ,
se houveram de armar outras muitas logo em Marselha e por toda a
Italia » ( Fr. Luiz de Sousa , Annaes de D. João III, pag . 317) . Outra
prova é que D. Martinho de Portugal, que é a quem se refere o Barão
de S. Blancard (a proposito, D. Martinho, como arcebispo de Funchal,
foi um dos prelados do Brasil ), partiu de Lisboa a 17 de Julho de 152
e foi a Malaga , donde sahiu nas galés de D. Alvaro de Bação , chegando
a Genova em 16 de Novembro do mesmo anno ( Rebello da Silva , Corpo
dip : port. II, p . 412/413 ). Ainda outra prova é a carta de D. João III
a Martim Affonso de Sousa, escripta a28 de Setembro de 1532 , em que
se lê: « Na costa de Andaluzia, foi tomada agora pelas minhas cara
vellas que andavam na armada do Estreito uma não franceza carregada
do Brasil ; e trazida a esta cidade,etc.» (Porto Seguro, Historia , p. 133. )
Fixado o anno, precisemos mais a data . Como se vê no roteiro de
Pero Lopes ( pag . 11 de 4a ed . ) , chegou este domingo 4 de Agosto perto
a ilha de S. Aleixo, onde viu uma nau grande , que, por julgar fran
ceza , preparou -se para combater. Segue- se grande lacuna no roteiro,
que depois só continua: « segunda - feira 3 dias do mez de Novembro da
era de 1532 parti do porto de Pernambuco » . Portanto entre estas duas
datas extremas deram-se os factos, o que não está em desaccordo com o
eiror mensen decembris do Barão de S. Blancard .
Acceito este ponto, fica patenteado um erro da reclamação e da
nossa Historia . Pero Lopes não foi mandado de Lisboa para exterminar
a fortaleza ; fel-o na volta para Portugal , porque no praso de quatro
mezes elle não poderia ir de Pernambuco a Europa, trazer a armada ,
bombardear a fortaleza por desoito dias e estar de volta a 4 de No
vembro . E este pravo ainda mais se restringe lembrando que a 28 de
Setembro, elle ainda não era chegado a Portugal, como o evidencia
a carta de D. João III .
Quando Pero Lopes partiu de S. Vicente , a sua força constava de
tres navios : a Nossa Senhora das Candeias, o galeão S. Vicente e uma
caravella que, indo para Sofala, foi aggregada á expedição por Martim
Affonso na Bahia . Esta foi para o rio da Prata , mas acabada a empreza,
naturalmente podia separar - se , e foi o que provavelmente fez. Em
nem -uma destas naus figura comocommandante João Gonçalves. Figura ,
porém , Balthazar Gonçalves como commandante da caravella Rosa , que
fora mandada para o Maranhão. Si os dois são o mesmo, como épos
sivel , Gonçalves depois de ter accompanhado Diogo Leite ao Maranhão ,
teria voltado a Pernambuco, ou porque ahi havia uma feitoria, ou
porque Martim Affonso lhe marcara algum ponto de encontro .
HISTORIA DO BRASIL 91

cousas que a terra dả , que pera os Francezes era de muito ganho.


E por esta causa assim neste porto como em os mais do Brasil
commerciavam com o Gentio e os alteravam contra os Portu
guezes, induzindo - os que os não consentissem povoar , antes os
matassem e comessem , porque o mesmo vinham elles a fazer. O
qual sabido por el rei D. João III , ordenou uma armada mui bem
provida de todo o necessario , e mandou nella por Capitão -Mór
Pero Lopes de Sousa pera que viesse primeiramente a esta ilha e
daqui a todos os mais portos, e lançasse della todos os Francezes
que achasse, e destruisse suas fortalezas e feitorias, levantando
outras , donde lhe carregassem o pau - brasil por sua conta, porque
esta era a droga que tomava pera si .
Esta armada partiu de Lisboa e navegou prosperamente até
avistar a ilha de Tamaracá , a tempo que havia della sahido
uma nau franceza carregada pera França ; a qual cuidou fugir
The, mas mandou atraz della uma caravella muito ligeira, e
por capitão della um João Gonçalves , homem de sua casa , de
cujo esforço tinha muita confiança pela experiencia que delle
tinha de outras armadas em que o acompanhou contra os COS
sarios na costa de Portugal e de Castella . E como a caravella
era um pensamento , e a nau franceza sobrecarregada, posto que
alojou muita parte da carga do pau-brasil emfim foi alcançada,
e querendo- se pôr em defesa, lhe tiraram da nossa com um
pelouro de cadea , que a colheu de prôa a popa e a desenxar
ceou de uma banda e lhe matou alguns homens, com o que
se renderam os mais , que eram 35 entre grandes e pequenos,
e a nau com oito peças de artilharia. Com a qual preza se tornou
o capitão João Gonçalves, havendo já 27 dias que o Capitão
Mór estava na ilha , onde teve informação de outra nau que vinha
de França com munições e resgates aos Francezes e à mandou
esperar por outras duas caravellas, de que foram por capitães
Alvaro Nunes de Andrada, homem fidalgo gallezo , da geração
dos Andradas e Gamboas, e Sebastião Gonçalves de Arvellos,
os quaes a tomaram e entraram com ella na mesma maré em
que João Gonçalves entrou com a outra . Com que os Francezes
da fortaleza começaram a enfraquecer e desmaiar , e muito mais
por que se lhe levantou um Levantisco e alguns Portuguezes
que elles tinham tomado e andavam entre os Gentios, os quaes,
como lhes sabiam fallar já a lingua, os amo tinaram contra os
Francezes de tal modo que, si Pero Lopes de Sousa Th’o não
prohibira , quizeram logo matal -os e comel -os , que tão variavel
é o Gentio e amigo de novidades ; e assim vieram logo os
Principaes offerecer - se a Pero Lopes de Sousa pera isto e pera
tudo o mais que lhes mandasse , o qual os recebeu benignamente,
e lhes disse que não fizessem o mal aos Francezes, porque todos
eram irmãos, nem elle lh’o havia de fazer ,si lhe não resistissem ,
antes muitos beneficios e favores .
Sabido isto pelos Francezes (que logo lh'o foram dizer), The
92 FR . V. DO SALVADOR :

mandou o seu Capitão 91 ) offerecer que fosse tomar entrega da


fortaleza e delles, que todos queriam ser seus prisioneiros e
captivos, e só pediam mercê das vidas, e assim se fez , não
esperando o Capitão da fortaleza que Pero Lopes de Sousa
chegasse a ella, mas ao caminho lhe trouxe as chaves, e lh'as
entregou com todos os seus soldados desarmados . Elle lhes
mandou entregar a sua roupa, e despejada a fortaleza da arti
Tharia e do mais que tinha , a mandou arrasar, fazendo outra
mais forte na povoação, e outra nos Marcos pera resguardo da
feitoria d'El -Rei , que depo's Sua Alteza deu a Duarte Coelho ,
onde logo se tratou de fazer muito pau pera a carga dos navios.
E emquanto estas cousas se faziam , succedeu uma noite que ,
estando o Capitão -Mór com a candeia accesa e janella aberta ,
The tiraram de fora com duas frechas, das quaes uma lhe foi
tocando com as pennas pelo roupão, e ambas se foram pregar
em umas rodellas que estavam defronte na parede . O qual sus
peitando nos Francezes , mandou pela manhã que os enforcassem
todos e começa ndo -se a fazer execução, vendo dous 92) que elle
havia tomado pera a fortaleza por serem bombardeiros, que os
mais eram innocentes, disseram em altas vozes que ellas eram os
culpados, que lhe haviam atirado cuidando de o acertarem , e
nem -um daquelloutros tinha culpa ; pelo que mandou soestar a
execução nelles e enforcar a estoutros, mas estavam muitos
enforcados e cá se consumiram todos, com o que os Gentios fica
ram estimando mais os Portuguezes e os começaram a ajudar
a fazer suas roças e fazendas , e a cortar e trazer o pau que se
havia de carregar nos navios d'El Rei , o que tudo se lhes pagava
muito a seu gosto .
Carregados os navios da armada que o Capitão havia trazido
pera este effeito, se partiram pera o Reino, e elle nos outros
foi correr a costa , como El -Rei" lhe mandava, onde entrou em
muitos portos e queimou algumas naus francezas que achou ;
mas os Francezes lhe fugiram pela terra dentro com os Gentios ,
donde depois nos fizeram muito mal, Ultimamente chegou a S.
Vicente, onde achou a seu irmão mais velho, Martim Affonso de
Sousa, fortificando e povoardo a sua capitania ; e dando ordem a
se povoar e fortificar tambem a sua de S. Vicente pera o Sul, se
tornou a esta de Tamaracá , e achando boa informação de um
Francisco de Braga, grande lingua do Brasil , que havia deixado

91 ) Como se viu em nota anterior, este chamava De La Mothe. Y dem


Lopes suspendio dedit dictum da ninun della mote capitanem et viginti
alios ex suis sodalibus, diz Saint Blancard ,

92) Naturalmente refere -se a estes dois a frase de reclamação do


Barão de S. Blancard : duosque vivos silvestribus declamandos et man
dendos tradidit ( Porto Seg. , Hist., I , 443) .
HISTORIA DO BRASIL 93

em seu logar, o tornou a deixar com todos seus poderes, e se


tornou a Portugal a dar conta a El -Rei do que tinha feito ,
donde foi por Capitão - Mór de quatro naus pera a India o anno
de 1539 , e á tornada pera o Reino se sumiu a nau em quevinha,
sem nanca mais apparecer, nem cousa alguma della 93) .

CAPITULO XII .

DO QUE ACONTECEU NA CAPITANIA DE TAMARACÁ DEPOIS QUI


DELLA SE FOI O DONATARIO PERO LOPES DE SOUSA .

Como o capitão Francisco de Braga sabia fallar a lingua do


Gentio e era tão conhecido entre elles, não faziam sinão o que
elle queria e lhes mandava, e assim se ia esta capitania povoan
do com muita facilidade. Mas chegou nesse tempo Duarte Coelho
a povoar a sua , e como fez a povoação nos Marcos, foi a
muita vizinhança causa de terem algumas differenças, por fim
das quae : The mandon Duarte Coelho dar uma cutilada pelo
rosto, e o Capitão vendo que se não podia vingar se embarcou
para as Indias de Castella, levando tudo o que pôde. Pelo que
ficou a capitania desbaratada, e perdida como corpo sem cabeça,
e muito mais por chegarem neste tempo povas que era morto
Pero Lopes de Sousa vindo da India, onde El -Rei o mandou
por Capitão-Mór das naus 94 ) . Mas sua mulher D. Isabel de
Gamboa 95 ) mandou logo aprestar um pataxo em que viesse o
capitão João Gonçalves, quejá havia estado com seu marido , e se
partisse a pressa sem esperar por outros tres navios, que se
ficavam negociando, e assim se partio ; porém os que partiram
derradeiro chegaram , e o primeiro arribou ás Antilhas e foi

93) Como atraz fica visto . Pero Lopes já vinha de S. Vicente, e seguiu
directamente para Portugal, onde chegou em 21 de Janeiro de 1533. Por
documentos que não conhecemos, Porto Seguro concluiu que quem
ficou commandando a fortaleza foi Paullos Nunes ( Hist ., 129/130 .)

94) De Francisco de Braga não tenho encontrado menção em outro


autor ou em documento algum contemporaneo . Pelo texto , sua admi.
nistração deve ter sido depois de Novembro de 1532, acabando antes de
1539 , pois a cetilada de Duarte Coelho é anterior á morte de Pero Lopez .
João Gonçalves segundo Porto Seguro, foi o fundador da villa da
Conceição de Itamaracá ( IIistoria geral p . 170) .

95 ) Filha de Thomė Lopes de Andrade, feitor em Flandres e da


casa da India (Sousa, Hist. Gen. , XII, p . 1113 ) . Porto Seguro accres
centa que era uma herdeira rica. Talvez parente do Alvaro Nunes de
Andrade, de que o autor falla a p . 90 .
94 FR : V. DO SALVADOR :

dar á costa na ilha de Santo Domingo, com os mastros que


brados , posto que se salvou a gente . Vendo Pedro Vogado, que
assim se chamava o Capitão -Mór dos tres navios , que não era
chegado o capitão João Gonçalves à ilha , os carregou logo
de pau brasil e os tornou a mandar , avisando a D. Isabel do
que passava e de como elle ficava entretanto governando .
A qual , em vez de o mandar continuar porque o fazia mui
honradamente , mandou outro Capitão que mais era pera go
vernar uma barca 96) , e assim se embarcou e se foi por essas ca
pitanias abaixo como fez o Braga, deixando esta em termos de
se acabar de despovoar, si não fora um morador honrado cha
mado Miguel Alvares de Paiva, o qual levantaram por Ca
pitão, porque nunca se quiz sahir da ilha, antes teve mão nos
outros qu se não fossem , nem mandassem suas mulheres e
filhos, como alguns queriam com medo dos Gentios que neste
tempo tinham cercada a villa de Igarassú , e os ameaçavam que
lhes haviam de fazer o mesmo .
Este Capitão era o que soccorria os do cerco com os barcos de
mantimentos, como dissemos no capitulo IX , e trazia outros
entre a ilha e a terra firme com soldados e armas pera que
estorvassem ao inimigo a passagem , até que finalmente se
quietaram e chegou o capitão João Gonçalves das Antillas ,
cuja vinda foi mui festejada, e os Gentios lhe tinham muito
respeito, por verem que assim lhe tinha Pero Lopes de Sousa,
quando cả esteve , e assim não lhe chamavam sinão o Capitão
Velho, e pae de Pero Lopes . E na verdade elle o parecia no
zelo com que o servia e procurava o augmento desta sua capi
tania, não consentindo que aos Indios se fizesze algum aggravo,
mas cariciando a todos, com que elles andavam tão contentes
e domesticos que de sua livre vontade se offereciam a servir
os Brancos, e Îhes cultivavam as terras de graça ou por pouco
mais de nada, principalmente um anno que houve de muita
fome na Parahyba, donde só pelo comer se vinham meter por
suas casas a servil-os ; e assim não havia Branco , por pobre que
fosse, nesta capitania , que não tivesse vinte ou trinta Negros
destes de que se serviam como de captivos, e os ricos tinham
aldèas inteiras.
Pois que direi dos resgates que faziam, donde por uma foice, uma
faca, um pente, traziam cargas de gallinhas, bugios, papagaios ,
mel, cera , fio de algodão, e quanto os pobres tinham Ďurou
esta ėra , a que ainda os moradores antigos chamam dourada,

96) Houve uni Luis de Seixas , capitão de Itamaracá, de quem na carta


de Jeronymo de Albuquerque a que atraz me referi,se le que se tinha
levantado com dividas. ( Rev. do Inst , XLIX , part. 14, p . 584). Não
deve, porem , ser este ,porque o facto a que Albuquerque se refere deu - se
pelo anno de 1555, portanto muito depois do cerco de Igarassú .
HISTORIA DO BRASIL 95

emquanto viveu o Capitão Velho ; mas depois que morreu , vieram


outros a destruir quanto estava feito, fazendo e consentindo faze
rem - se tantas vexações e aggravos aos pobres Gentios em suas
proprias terras e aldeas que se começaram a inquietar e rebellar
e os que pela nossa paz e amizade se afastaram dos Francezes ;
e , si não eram alguns da beira-mar, os outros do certão de nem
uma maneira os admittiam entre si , nem queriam seu com
mercio. Depois uns o outros se liaram com elles , e nos fizeram
tão grandes guerras quaato os moradores desta capitania o
sentiram em suas pessoas e fazendas, e não menos o Donatario,
que todo esse tempo recebeu della perdas sem proveito, e emfim
The veio a custar tomar - lhe El-Rei um grande pedaço della ,
que é grande parte da Parahyba , por havel- a cor quistado e
lìbertado do poder dos inimigos á custa do sua fazenda e de
seus vassallos, como em o livro IV veremos .

CAPITULO XIII .

DA TERRA E CAPITANIA QUE EL-REI DOM JOÃO TERCEIRO DOOU


A JOÃO DE BARROS .

No fim das 25 leguas de terra da capitania de Tamaracá que


El-Rei doou a Pero Lopes de Sousa , doou e fez mercê a João de
Barros, feitor que foi da Casa da India , de 50 leguas por costa 97),
o qual, cuidando de se aproveitar a si e a seus amigos, armou
com Fernão Alvares de Andrade , thesoureiro mór do Reino, e

97 ), A carta de doação de João de Barros não foi ainda publicada


nem é conhecida . O foral, lavrado em Evora a 11 de Março de 1535,
imprimiu - o Antonio Henriques Leal ás pags . 321/325 das suas Locu
brações ( Lisboa , 1874 ).
No foral lê-se que a sua capitania é de 50 leguas de costa , mas na
doação de Fernão Alvares de Andrade, publicada por Porto Seguro,
passada a 18 de Junho de 1535, lê-se : « a Fernão Alves 75 leguas que
começam do cabo de Todos os Santos da banda do leste e vão correndo
para loeste ate o rio que está junto com o rio da Cruz e aos ditos Ayres
da Cunha e João de Barros 150 leguas, a saber : 100 leguas que co
meçam onde se acara a capitania de Pero Lopes de Sousa da banda do
Norte e correm para a dita banda do Norte ao longo da costa tanto
quanto co ::ber nas ditas 100 leguas, e as 50 que começam da abra de
Diogo Leite da banda de loeste e se acabam no cabo de Todos os Santos
da banda do leste, do rio do Maranhão ( Pero Lopes, Diario , 1a edic .
p . 80, cf. com llist. Geral, 1 , p . 445, n . 37 ) .
96 FR . V. DO SALVADOR :

Ayres da Cunha, que veio por Capitão da empreza , mandando


com elle dous filhos seus em uma frota de 10 navios em que
vinham 900 homens, e com todo o necessario pera a jornada e
pera a povoação, que vinham fazer , se partiram de Lisboa no
anno de 1535. Mas, desgarrando - se com as aguas e ventos, foram
tomar terra junto do Maranhão , onde se perderam nos
baixos 98) .
Deste naufragio escapou muita gente, com a qual os filhos de
João de Barros se recolheram a uma ilha, que então se chamava
das Vaccas es gora de S. Luis, donde fizeram pazes com o gentio
Tapuya que então ali habitava , resgatando mantimentos e
outras cousas que lhes eram necessarias ; e chegou o trato e
amizade a tanto que alguns houveram filhos das Tapuyas, como
se descobriu depois que cresceram , não só porque barbaram , e
barbam ainda hoje todos seus descendentes como seus paese
avós, sinão pelo amor que têm aos Portuguezes em tanta ma
neira que nunca jámais quizeram paz com os outros Gentios
nem com os Francezes , dizendo que aquelles não eram ver
dadeiros Perós 99) , (que assim chamam aos Portuguezes, parece
por respeito de algum que se chamava Pedro) ; e, todavia ,
quando na era de seis centos e quatorze entraram os nossos no
Maranhão, logo os vieram ver e fazer pazes com elles , dizendo
que estes eram os seus Perós desejados de que elles descendiam .
Donde se collige que não era o Maranhão a terra que
El -Rei deu a João de Barros, como alguns cuidam , si não est'outra ,
que demarca pela Parahyba com à de Pero Lopes de Sousa
porque , si fora a do Maranhão, havendo seus filhos escapado
do naufragio e chegado á do Maranhão com quasi toda a sua

98 ) « ( sinistro de Ayres da Cunha , parece hoje bem provado, não


se deu no Boqueirão. Tambem não acreditamos que fosse nos bancos
da Corôa Grande , mas nos recifes e parceis do littoral dos Lençoes
Grandes, delles muito abundante » . Tal é a opinião de Candido Mendes
( Rev. do Inst, XLI, parte . 2a , pag . 118 ). Veja-se tambem o que o
mesmo autor escreve a respeito dos Indios barbados, que não passam
de uma lenda , sinão verdadeira fabula ( ib p . 120) .

99 ) As diversas opiniões emittidas sobre a origem desta designação


reuniu e refutou Candido Mendes em 1878 na sua memoria : Porque
rasão os indigenas do nosso littoral chamavam aos Trancezes Jaïrs c
aos Portuguezes Però ( Rev. Inst. XLI, p . 2a 71 , 145 ). Não parece ,
porém , que a opinião apresentada pelo illustre escriptər maranhense
( que a origem é a p :oposição portugueza pero ) seja mais fundada que
as outras. Mais provavel é que Pero se ligue a Iperu ( tubarão ), por
causa dos Portugriezes terem vindo do mar .
Os Tapuias effectivamente parece que então habitavam no Maranhão
como şevê de Gabriel Soares, Yves d'Evreux e Claude d'Abbeville ;
mas a palavra Pero, si elles empregavam-na , foi porque a pediram
emprestada aos Tupis .
-
HISTORIA DO BRASIL 97

gente 100 ), e achando a da terra tam benevola e pacifica, que causa


havia para que não a povoassem ? Prova- se tambem , porque
todas as que se deram em aquelle tempo foram contiguas
umas com outras, e os Donatarios heréos uns dos outros pela
ordem que vimos nos capitulos precedentes . E finalmente se
confirma, porque a do Maranhão foi dada a Luis de Mello da
Silva, que a descobriu , como se verá em o capitulo seguinte, e
não devia El-Rei de dar a um o que tinha dado a outro.
Nem o mesmo João de Barros em primeira Decada, Livro sexto ,
Capitulo primeiro, onde falla da sua capitania , faz menção
do Maranhão ; mas só diz que da repartição que el-rei D. João III
fez das capitanias na provincia de Santa Cruz , que commum
mente se chama do Brasil, lhe coube uma, a qual lhe custou
muita substancia de fazenda por rasão de uma armada , que fez
em companhia de Ayres da Cunha , etc. , que é a armada ( como
temos dito) que arribou, e se foi perder no Maranhão, e dahi
mandou depois em outros navios buscar seus fillos, donde ficou
tam pobre e individado que não poude mais povoar a sua terra ,
a qual já agora é de Sua Magestade, por cujo mandado depois
se conquistou e se ganhou ao gentio Potiguar á custa de sua
real fazenda .

100) Para não augmentar o numero de notas, resumirei aqui o


que Porto Seguro apurou de documentos ineditos a respeito desta
expedição .
À frota composta de 10 navios sarpou de Lisboa em Novembro
de 1535 e dirigiu- se felizmente para Pernambuco, onde Duarte Coelho
den interpretes, e uma fusta de ramos que fosse adiante sondando .
Seguindo para o Norte , Ayres da Cunha desembarcou no Ceará -mirim ,
mas encontrando resistencia da parte dos Potyguares e Francezes
seguiram para diante, levando alguns naufragos de um galeão de
D. Pedro de Mendoza . Montado o cabo de S. Roque, esgarrou -se a
fusta de ramos, que depois um navio hespanhol encontrou, tomando
a bordo os tripolantes.
Seguiu -se o naufragio de Ayres da Cunha ; entretanto nove dos
navios chegaram salvos ao Maranhão em Março de 1536 , como já se
sabia em Évora a 15 de Julho . Na ilha do Maranhão fundou - se uma
villa a que deram nomo de Nazareth . A principio estiveram os
colonos de paz com os Indios, mas depois levantando-se estes , quei
inaram as plantações, puzeram em cerco Nazareth e obrigaram -n'os
a embarcar . Tres caravelhões foram dar os Antilhas : dois a Porto
Rico, com 45 colonos e 140 Indios, um a S. Domingos, onde os mo
radores lançaram mão dos Indios e dos bens dos infelizes, que por
mandado da metropole foram retidos como colonos. João de Barros
só á custa de muitos trabalhos poude rehaver seus dois filhos ( Porto
Seguro, Hist . Ger . p . 186/191 ).
Mo Ach . v . 7
98 FR . V. DO SALVADOR :

CAPITULO XIV.

DA TERRA E CAPITANIA DO MARANHÃO QUE EL-REI D. João III


DOOU A LUIS DE MELLO DA SILVA.

O Maranhão é una grande bahia que fez o mar, cuja boca se


abre ao Norte em dous graus e um quarto de linha pera o Sul,
entre a ponta do Pereha, que lhe fica á Leste, e a do Cumá a
Oeste ; tem no meio a ilha de S. Luis, que é de 20 leguas de
comprido e 7 ou 8 de largo, onde esteve Ayres daCunhaquando
se perdeu com a sua armada e os filhos de João de Barros, como
dissemos no capitulo precedente. A qual ilha sahe desta bahia
como lingua , com a ponta de Arassoagi ao Norte onde tem a boca .
Dentro tem outras muitas ilhas, das quaes a maior é de seis le
guas ; desaguam nesta bahia cinco rios caudelosos e todos nave
gaveis, que são : o Monim , o Itapucurú, o Mearim , o Pinarė,
que dizem nasce muito perto do Perú , e o Maracù , que se deriva
por muitos e mui espaçosos lagos .
Todos estes rios têm bonissimas aguas, e pescados, excel
lentes terras , muitas madeiras, muitas fructas, muitas caças ,
e por isto muito povoadas de Gentios .
No tempo que se começou a descobrir o Brasil , veiu Luis de
llo da Silva , ilho do Alcaide Mor de Elvas , como aventu
reiro em uma caravella a correr esta costa pera descobrir
alguma boa capitania que pedir a El- Rei; e não podendo passar
de Pernambuco, desgarrou com o tempo e aguas, e se foi entrar
no Maranhão, do qual se contentou muito e tomou lingua do
Gentio e depois na Margarita de alguns soldados que haviam
ficado da companhia de Francisco de Orellana, que como teste
munhas de vista muito lha gabaram e prometteram muitos
haveres de ouro e prata pela terra dentro . Do que movido Luis
de Mello , se foi a Portugal pedir a El-Rei aquella capitania pera
a conquistar e povoar, e sendo-lhe concedida 101 ) , se fez prestes
em a cidade de Lisboa, e partiu 102) della em tres naus e dúas ca
ravellas com que chegando ao Maranhão se perdeu nos esparceis

101) Não se conhece a doação, nem o foral desta Capitania, mas


provavelmente é posterior a 1550. Em 1608, o Procurador da Caroa
sustentava que Luis de Mello havia sido donatario do Pará e não do
Maranhão ( P.S.g. Hist, p . 261.)

102) Luis de Mello ainda não partira a 26 de Fevereiro de 1551


( Porto Seguro, Hist . p . 261 ). Em 1557 já de volta a Portugal, partia
para a India, como se verá adiante , livro III , cap . V.
!
HISTORIA DO BRASIL 99

e baixos da barra, e morreu a maior parte da gente que levava


escapando só elle com alguns em uma caravella, que ficou fora
do perigo, e dezoito homens em um batel que foi ter á ilha de
Sancto Domingo, dos quaes fui um meu Pae , que Nosso Senhor
tenha em Sua Gloria , o qual sendo moco, por fugir de uma ma
dastra e ssr Alemtejano, como o Capitão, dà geração dos Palhas,
e com pouco grão pera sustentar a vida, se embarcou então
pera o Maranhão, e depois pera esta Bahia, onde se casou e me
houve e a outros filhos e filhas 103) .
Depois de Luis de Mello ser em Portugal , se passou á India ,
onde obrou valerosos feitos, e vindo -se pera o Reino muito rico
o com tenção de tornar a esta empreza, acabou na viagem em
a nau S. Francisco que desappareceu sem se saber mais novas
della 104) ; nem houve quem tratasse mais do Maranhão , o que
visto pelos Francezes lançaram mão delle , como veremos em o
iivro V.
Mas hão - se aqui por fim deste de advertir duas cousas : A
primeira, que não guardei nelle a ordem de tempo e antigui
dade das capitanias e povoações, sinão a do sítio e conti
guação de umas com outras começando do Sul pera o Norte, o
que não farei nos seguintes livros , em que seguirei a ordem dos
tempos e successão das cousas . A segunda que não tratei das
do Rio de Janeiro , Şeregipe, Parahyba e outras, porque estas se
conquistaram depois e povoaram por conta de El-Rei por ordem
dos seus Capit e Governadores Geraes , e terão seu logar
quando tratarmos delles em os livros seguintes.

103) João Rodrigues Palha, morador no logar de Matuim , casado


com Messia de Lemos e fal. 17 de Novembro de 1596 , teve :
1. Fr. Vicente , Franciscano, baptisado em 1567 na Sé ;
2. Isabel de Lemos, baptisada na Sé a 23 de Março de 68 ; foi se
gunda mulher de Jeronymo Moniz Barreto ;
3. Maria de Lemos Landim , baptisada a 20 de Abril de 71 , ca.
sada com o licenciado Bartholomeu Madeira de Sà ;
4. Paula, baptisada a 29 de Junho de 1581 ;
5. Constança de Pina, que casou com João Serrão ;
6. Agueda de Lemos, baptisada na Sé a 12 de Fevereiro de 1583
casada com Egas Moniz Barreto ;
7. Filippe de Lemos , baptisado a 7 de Maio de 1596 ; escudeiro
fidalgo por Prov . de 18 de Janeiro de 1620 .
Tal é a descendencia que se lê á folha 92 v . das
milias de todas as Capitanias do Brasil ( Mss . Memorias de fa
da Bibliotheca
Nacional ), cujo autor , Roque Leme, as terminou em 1792.

104) No anno de 1573 .


100 FR . V. DO SALVADOR :

Por descuido deixou de sahir a seguinte nota a pag . 6 .


São mais sete nomes que deverão entrar na lista das pessoas
que assistiram ao descobrimento do Brasil , com Pedr' Alvares
Cabral, Nicolao Coelho , Bartholomeu Dias , Duarte Pacheco , An
tonio Corrêa e outros .

1 ) Foram oyto os que partirão nesta primeyra armada ; e se al


guem contou menos , bom será que os numere segunda vez . 0
Prelado e superior a todos assi nos meritos , como na autoridade da
pessoa , era o V. P. Fr. Henrique de Coimbra , homem de não vulgar
talento e semelhante espirito . Tinha largado a Toga de Desembar
gador da Casa da Supplicação em Lisboa pelas asperezas do nosso
Instituto que abraçou no santo Convento de Alanquer , aonde foy No
viço com tanto fervor que logo deu indicios claros de suas virtudes
eminentes . Taez erão os exemplos , que assi a Religião como el-Rey
D. Manoel, edificados , e affectuosos , lançavão mão delle para.
seu
negocios de particular ponderação . O Monarca o tomou por
confessor , e fez Bispo de Ceuta , o Summo Pontifice Inquisidor ,
mas não chegou a possuir a Cadeyra Primás de Braga , como escre
vorão alguns mal informados , porque o apanhou a morte antes que
tivesse a confirmação Pontificia , como dizem outros , e he melhor
o seu fundamento , porque nós não achamos seu nome no catalogo
doz Pastores daquella Igreja . A Provincia tambem o tinha em grande
conta , como já temos visto e ainda notaremos varias vezes . Seus
companheiros erão os seguintes : Frey Gaspar , Frey Francisco da
Cruz, Frey Simão de Guimarães, e Frey Luiz do Salvador , todos quatro
Pregadores e excellente3 Letrados , Frey Maffen , Sacerdote, Organista ,
e Musico , que tambem com estas prendas podia ter parte na con
versão das almas , havendo experiencia certa de que o demonio tam
bem se afugenta com as suavidades das harmonias , Frey Pedro
Netto , Corista de Ordens Sacras , e Frey João da Victoria , Frade
leyg ) e do numero daquelles idiotas , em cuja bocca imprime o
Senhor dos humildes o que hão de responder na presença dos ty
rannos ; muytos dos quaes tem honrado a nossa Religião padecendo
martyrio . ( Fernando de Soledade , Historia Seraphica , III , Lisboa
1705, p . 489/490 .
2 ) As questões relativas aos donatarios têm sido tão pouco
estudadas que, depois de feita a promessa da nota 43, hesitei muito em
cumpril-a .
-
HISTORIA DO BRASIL 101

O seguinte é tudo quanto pude apurar . Quem quer que for versado
em nobiliarchia portugueza, poderá completar os claros e solver muitis
das duvidas subsistentes.

S. VICENTE , A 28 de Setembro de 1532, escreveu D. João III a Martım


Affonso de Sousa que lhe fizera doacção de uma capitania de 100 leguas
de costa ; mas a carta so foi passada em 20 de Setembro de 1535 .
Martim Affonso viveu até 1571. Succedeu -lhe seu filho Pero Lopes
confirmado por D. Sebastião a 25 de Julho de 1574 , que morreu em
Africa na batalha de Alcacer Quibir , com seu filho mais velho, Martim .
Foi terceiro donatario Lopo de Sousa , filho segundo de Pero
Lopes, confirmado por D. Felippe a 8 de Agosto de 1587 e assassinado
a 15 de Outubro de 1610. Deixou apenas um filho illegitimo do mesmo
nome, que , por escriptura de transacção e amigavel composição cele
brada em Lisboa a 7 de Março de 1611 , cedeu a D. Marianna de Sousa
da Guerra, irmã de seu pae , todo o direito que podia haver á capi
tania . D , Marianna , condessa de Vimieiro, foi confirmada por D. Fe .
lippe III a 22 de Outubro de 1621 e viveu até 1645 .
Neste anno succedeu na capitania D. Sancho de Faro, conde de
Vimieiro , que viveu até 10 de Novembro de 1648. Seguiu -se seu filho
D. Diogo de Faro : era menor de 14 annos e administrou - lhe os bens
como tutor seu tio D. Affonso de Faro .
Em 1653, D. Diogo cedeu a capitania a Luiz Carneiro , conde da
ilha do Principe, com dote a sua prima D. Marianna de Faro e Sousa
que com elle casou .
Foi oitavo donatario Luiz Carneiro de Sousa ; teve carta de confir
mação a 3 de Março de 1676 e falleceu em Janeiro de 1708 .
Foi nono donatario Antonio Carneiro de Sousa , terceiro conde da
ilha do Principe, confirmado a 19 de Fevereiro de 1709 e fallecido a
2 de Novembro de 1724 .
Foi decimo donatario Francisco Carneiro de Sousa, quarto conde
da ilha do Principe, que morreu a 18 de Novembro de 1731 .
O ultimo donatario , Carlos Carneiro de Sousa, vendeu a capitania a
el - rei D. José , que por decreto de 29 de Outubro de 1753 creou- o conde
de Lumiares, com diversos privilegios e favores, além de um juro real
de 700 $ cada anno, pagos pelos effeitos do Conselho Ultramarino .
S. AMARO . Teve doação desta capitania por carta passada em Evora
a 11 de Setembro de 1534 Pero Lopes de Sousa, que a possuiu
até 1539 .
102 FR . V. DO SALVADOR :

Seguiu -se, segundo Taques, seu filho do mesmo nome, que viveu
até 1545 .
O terceiro donatario foi o filho segundo de Pero Lopes, de nome
Martim Affonso, que em 1558 foi morto em Baharem com D. Alvaro
da Silveira .
Foi quarto donatario D. Jeronyma de Albuquerque, que ainda vivia
em 1577, e quarta a filha desta , D. Isabel de Lima , casada primeiro
com D. Francisco de Lima e depois com André de Albuquerque ( com
este ultimo já o era em 1585 ) . Já tinha fallecido em 1607 .
D. Isabel , não tendo successão, deixou por herdeiro seu primo Lopo
de Sousa , terceiro donatario da capitania de S. Vicente ; mas D. Luis
de Castro, filho do Conde de Monsanto e de D. Ignez Pimentel, filha de
Martim Affonso , primeiro donatario de S. Vicente, disputou -lhe a
herança , conseguindo sentença favoravel a 20 de Maio de 1615, Então
jà era morto D. Luis ; mas a sentença aproveitou a seu filho D. Alvaro
Pires de Castro, depois primeiro Marquez de Cascaes, fallecido a 11 de
Junho de 1674 .
D. Luis Alvares de Castro, 60 Conde de Monsanto e 20 Marquez de
Cascaes, falleceu a 21 de Julho de 1720, e foi o setimo e ultimo dona
tario, porque, propondo-se José de Góes de Moraes, filho do capitão
mór governador Pedro Taques de Almeida, comprar esta capitania por
44 mil cruzados, D. João V por Alvará de 22 de Outubro de 1709 re
solveu que a compra fosse feita para a Fazenda Real , e effectivamente
passou-se escriptura a 19 de Março de 1711 .

PARAHYBA DO SUL . D. João III fez doação desta capitania a Pero de


Góes da Silveira a 28 de Agústo de 1535 ; não se sabe até quando este
viveu .
Succedeu-lhe seu filho Gil de Góes que a 22 de Março de 1619 vendeu
a capitania por uma terça vitalicia de 200$, dos quaes poderia testar
100$ em sua mulher, D. Francisca del Aguilar Manrique.
A 15 de Dezembro de 1671 foi elevada novamente a capitania e di
vidida em duas, uma de 20 leguas para o Visconde do Asseca , o
outra de 10 para seu irmão João Corrêa de Sá, general do Estreito .
A 23 de Novembro do mesmo anno, por ter fallecido o Visconde de
Asseca, foi confirmada à capitania em Salvador Corrêa de Sá , se : 1
filho, que por ser de menor edade teve como tutor seu avô do mesmo
nome .
Representando este que não se tinham achado na capitania as leguas
-
HISTORIA DO BRASIL 103

concedidas , foram dadas ao Visconde de Asseca mais 30 leguas até a


bocca do rio da Prata , e 45 a João Correia de Sá, a 5 de Março de 1676 .
A posição destas capitanias é assim definida no § 8 da Instrucção dada a
D. Manoel Lobo, fundador da colonia do Sacramento : « Posto tenha
concedido duas capitanias de terra naquella costa ao Visconde de As
seca e João Corrêa de Sá , se entende da bocca do rio da Prata, que
tem principio no cabo de Santa Maria e corre pela costa para o porto
do Rio de Janeiro . »
Salvador Corrêa de Sá, segundo Visconde de Asseca e 40 donatario ,
morreu moço , sem casar, em 1678 .
Succedeu-lhe Diogo Corrêa de Sá , seu irmão , que falleceu a 5 de
Novembro de 1745 .
Martim Corrêa de Sá, 6º donatario, vendeu a capitania á Fazenda
Real por 4000 cruzados annuaes em um padrão de juro real e as honras
de grandeza de Conde de Asseca .
Da capitania de João Corrêa de Sá não tenho encontrado noticia .

Espirito SANTO . Vasco Fernandes Coutinho teve doação a 1 de Ja


neiro de 1531, e governo'i até 1561 .
Succedeu - lhe seu filho legitimo Jorge de Mello, que não teve geração
e pouco tempo durou .
Por fim de 1563, segundo Rubim , começou a governar Vasco Fer
nandes Coutinho, filho legitimado do primeiro, que viveu até 1589,
e não tendo filho deixou por herdeiro seu sobrinho Francisco de Aguiar
Coutinho . Este legado deu logar a questões, que demoraram sua reali
sação até que o legatario teve sentença favoravel .
Em 1620, Francisco de Aguiar Coutinho veio para sua capitania ,
mas pouco depois retirou - se . Não tendo tam bem filho, deixou-a a
Ambrosio de Aguiar Coutinho, filho mais velho de sua irmã D. Maria
de Castro e Antonio Gonçalves da Camara .
Succedeu-lhe Antonio Luis Gonçalves da Camara Coutinho, que
obteve confirmação em 23 de Novembro de 1666. Por Alvará de 6 de
Junho de 1674, com apostilha de 1 de Outubro do mesmo anno, foi
The concedida licença para vender'a capitaria por 40 mil cruzados
a Francisco Gil de Araujo .
Francisco Gil de Araujo , setimo donatario, teve carta de doação
a 18 de Março de 1675, e falleceu a 24 de Dezembro de 1685 .
Succedeu - lhe seu filho Manoel Garcia Pimentel, confirmado a 5 de
Dezembro de 1687, que falleceu antes de Maio de 1711 .
104 FR . V , DO SALVADOR :

Foi ultimo donatario Cosme Rolim de Moura , primo e cunhado de


Pimentel, que a 6 de Abril de 1718 vendeu a capitania á Corda por 40
mil cruzados .
Esta lista de donatarios, deduzo - a de carta de confirmação de Antonio
Luis da Camara Coutinho . Não concorda com a lista de Braz da
Costa Rubim , que dá a seguinte : em 1613, Ambrosio de Aguiar
Coutinho ; por seu fallecimento , Antonio Gonçalves da Camara, casado
com D. Maria de Castro, filha daquelle ; 7º Ambrosio Aguiar Cou
tinho e Camara ; 8º Antonio Luis Coutinho da Camara .
E ' provavel que esta lista esteja mais certa ; mas eu não posso dar
sinão o que se contem nos documentos que compulsei.

Porto SEGURO . Foi primeiro donatario Pero do Campo Tourinho


por carta passada em Evora a 7 de Outubro de 1534 .
Renunciou depois em favor de seu filho Fernando, que por alvará
de 19 de Novembro de 1554 foi mandado metter de posse . Fallecendo
sem filhos, deixou - a por testamento é irmā, D. Leonor do Campo , que
obteve confirmação a 30 de Maio de 1556 .
Enviuvando esta, foi- lhe concedida por Alvará de 16 de Julho de
1559 licença para vendel-a ao Duque de Aveiro, que a poderia deixar
por testamento a D. Pedro Diniz . A escriptura foi passada a 9 de
Agosto do mesmo anno, por 100 $ de juro á razão de 12.500 réis o
milheiro, seiscentos mil réis em dinheiro de contado,' e dois moios
de trigo em cada um anno, emquanto vivesse a dita D. Leonor ; a
venda foi confirmada a 6 de Fevereiro de 1560 .
O Duque de Aveiro D. João falleceu em Lisbôa a 22 de Agosto de
1571, deixando por testamento a capitania a seu filho D. Pedro Dinis ,
50 donatario .
Não tendo este successor , tornou á casa de Aveiro, sendo della 60
donatario D. Alvaro de Lencastro , que a 11 de Abril de 1627 fez
della graça e mercê a seu filho D. Affonso . Não sendo esta doação
feita com dispensação regia , quando D. Affonso falleceu em Castella
tomou posse della o duque D , Raymundo em 1637, o qual a 8 de
Março de 1655 nomeou - lhe por administrador D. Francisco Manoel
de Mello . D. Raymundo, so donatario, falleceu em Madrid a 6 de
Outubro de 1666 , sem successão .
Seguiu -se então o largo pleito sobre a casa de Areiro, sentenciada
primeiro ao arcebispo D. Pedro de Lencastro, que falleceu em Lisboa a
23 de Abril de 1673 ; depois de sua morte a D. Maria da Guadalupe
HISTORIA DO BRASIL 105

de Lencastro, duqueza de Arcos, falecida em Madrid a 9 de Fevereiro


de 1715 ; e por sentença de 18 de Fevereiro de 1720, sentenciada a
D. Gabriel Pereira de Leon Lencastro, duque de Banhos e seu filho . A
capitania , que andava fóra da casa ducal e até já fora adjudicada a
Corða, foi- lhe entregue em 1724. Morrendo este go donatario sem suc
cessão a 23 de Junho de 1745, foi seu successor o marquez de Gouveia ,
por sentença de 1749 .
A este, executado a 13 de Janeiro de 1759 como regicida, foi confis
cada , e incorporada de uma vez á Corôa .

IlhEos , Doada a Jorge de Figueredo Correa a 26 de Julho de 1534,


que por uma lembrança de 12 de Dezembro de 1535, mostrou desejo
que fosse - lhe successor seu filho segundo, Jeronymo de Alarcão de
Figueredo .
Fallecendo aquelle, seu filho mais velho Ruy de Figueredo ( obtendo
supplemento de edade por não ter ainda 25 annos , por Alvará de 22
de Novembro de 1552) , fez renuncia dos direitos que poderia ter em seu
irmão, que assim ficou sendo o segundo donatario .
Por Alvará de 1 e 18 de Outubro de 1560, Jeronymo de Alarcão obteve
supplemento de edade ( era então de 24 annos) licença para vender a
capitania a Lucas Giraldes. A escriptura de venda foi passada a
10 de Novembro de 1560, por quatro mil oitocentos e vinte cinco cruza
dos, sendo Lucas Giraldes confirmado por carta de 6 de Junho de 1561.
Por morte deste , foi quarto donatario Francisco Giraldes , confir
mado a 10 Agosto de 1566. Giraldes, que a 9 de Março de 1588 foi
nomeado governador do Brasil , falleceu pouco depois.
Succedeu - lhe sua filha D. Maria Giraldes , casada com Francisco
de Sá de Menezes . A prima desta , D. Juliana de Sousa, casada com
D. João de Castro e filha de Nicolao Giraldes , moveu-lhe , porém,
questões por dividas e por Alvará de 27 de Outubro de 1615 (sic) foi
mandada pôr a capitania em leilão . O primeiro leilão deu-se a 10 de
preço de nove mil trezentos e sessenta cruzados ; mas a 4 de Junho de
Julho de 1615 pelo 1619 foi annullado e mandou-se proceder a outro , O
segundo leilão teve logar a 4 de Junho de 1620 por dezesete mil cru
zados . Tanto em um como em outro, foi adjudicada a D. Helena de
Sousa , filha de D. João de Castro, que assim foi a quinta donataria .
For Alvará de 15 de Junho de 1620 e 4 de Março de 1621 mandou -se -lhe
passar carta de doação com todas as jurisdicções e da maneira que
Lucas Giraldes tinha a capitania .
106 FR . V. DO SALVADOR :

D. Helena de Sousa casou com Jeronymo de Ataide , 20 Conde de


Castro Dairo e 6o Conde de Castanheiro.
Foi sexto donatario D. Anna de Lima e Ataide , por não ter D. Jorge ,
filho de D. Helena, sido mais que administrador da casa . D. Anna ,
7a Condessa , casou com Simão Corrêa da Silva, de quem teve diversos
filhos que não sobreviveram .
Por morte della , D. Luiz Innocencio de Castro ; Almirante de Por
tugal, ficou por dono da capitania, por estar annexa ao morgado que
possuia D. Anna, e ser elle neto de D. João de Castro, päe de seu päe
D. Francisco de Castro . Foi confirmado a 13 de Maio de 1711 , e
falleceu a 3 de Novembro de 1733 .
D. Antonio José de Castro , oitavo e ultimo donatario, vendeu a
capitania a Coroa , sendo em compensação creado , a 10 de Junho
de 1754, Conde de Rezende de juro e herdade, dispensado tres vezes nå
lei mental . Na mesma forma de juro e herdade, com a mesma dispensa
da lei mental, lhe concedeu El -Rei o officio de Almirante do Reino e
cinco mil cruzados de renda .

Bania. Doada a Francisco Pereira Coutinho em 5 de Abril de 1534 .


Com a morte delle , que foi pelo anno de 1547, succedeu - lhe geu
filho Manoel Pereira , o qual com o consentimento de sua mulher
D. Felippa e de seu filho mais velho Miguel Coutinho, desistiu da
demanda que trazia com El- Rei por um padrão de 400 $ , de se fez
verba a 6 de Agosto de 1576.
Em seus descendentes se constituiu o chamado Morgado do juro, que,
informa-nos Porto Seguro, por descuido dos ultimos herdeiros chegara
a prescrever, quando em 1796 Joséde Seabra da Silva, sendo ministro
do Reino, alcançou o decreto de 13 de Maio, supprimindo por seus
serviços â prescripção em favor de seu filho e agraciando a este como
herdeiro de sua mãe.

ITÁPARICA. - Em Abril de 1552. Thomé de Sousa deu a D. An


tonio de Ataide , conde de Castanheira, em sesmaria à ilha de
Itaparica o mais à ilha pequena que está detraz della na bocca
do rio Jaguaripe da banda do Sudoeste, assim como a ribeira que
se chama do rio Vermelho que está da banda de Leste , é pela dità
ribeira duas leguas de terra pelo certão; e do dito rio para contra a
cidade do Salvador o que estivesse por dar e não achiasso dono . Deu
The tambem a terra de Tatuapara , desde o porto de Anguria até en
HISTORIA DO BRASIL 107

testar com a cidade . Esta sesmaria foi confirmada em Lisboa a 10 de


Maio de 1556 .
A sesmaria foi convertida em capitania, comprehendendo somente
as ilhas de Itaparica e Tamarandiva , a 10 de Novembro de 1556 .
Fallecendo o conde de Castanheira, succedeu - lhe seu filho D. Anº
tonio de Ataide , segundo conde, que obteve confirmação a 15 de No
vembro de 1575, e depois nova confirmação a 8 de Abril de 1593.
Foi terceiro donatario D. Manuel de Ataide ; quarto D. João de
Ataide , fallecido a 14 de Setembro de 1637.
Os seguintes condes de Castanheira : D. Antonio , que falleceu em
Lisboa a 14 de Dezembro de 1647; D. Jeronymo, casado com a donataria
dos Ilheos e fallecido a 12 de Dezembro de 1669 ; D. Anna de Ataide ,
setima condessa de Castanheira , morta sem successão, não requereram
confirmação .
Fel - o, porém , o segundo Marquez de Cascaes, D. Luiz Alvares, que
a obteve å 23 de Novembro de 1706, bem como seu filho D. Manuel
José , que a obteve a 17 de Junho de 1721. O segundo Marquez de
Cascaes era neto do terceiro conde de Castanheira D. Antonio , e mor
rendo D. Anna, setima condessa , sem deixar descendencia , coube - lhe
grande parte de sua casa , na qual esta capitania , que desde então
passa aos mesmos donos que a de Itamaracá.

RECONCAVO DA BAHIA.- Muito pouco conhecida é a historia desta ,


da qual , a falar verdade, só se conhecem com certeza os dois primeiros
e o ultimo donatario . O seguinte é o que se apurou de mais provavel .
D. Alvaro da Costa , filho do governador D. Duarte, obteve de seu
pae uma sesmaria dada em Janeiro de 1557, comprehendendo da barra
do Paraguassú da parte do Sul até a barra de Jaguaripe, que poderão
ser quatro leguas de costa pouco mais ou menos , e para o certão pelo
dito rio acima dez leguas. Esta sesmaria teve confirmação régia a
12 de Março de 1562.
A 29 de Março de 1556, foi a mesma sesmaria elevada a capitania
com a mesma extensão de costa , mas sendo a largura das dez leguas
para o certão a que houvesse entre os dois rios de Jagnarip : e Para
guassú . D. Alvaro falleceu por 1578, porque a 8 de Abril Pedro Carreiro
concedeu uma sesmaria em seu nome e como seu procurador, e a 16
de Julho Christovam de Barros pediu outra a Sebastião Alvares , mas
como procurador a D. Leonor de Sousa sua viuva ( vide, Sousa,
Ilist . Gen. , XII, p. 771 ) e de seu filho menor D. Duarte da Costa .
108 FR . V. DO SALVADOR :

Succedeu -lhe, pois seu filho D. Duarte da Costa , que foi segundo
donatario ,
Entrando para a ordem dos. Jesuitas, deve ter sido terceiro dona
tario seu tio D. Francisco da Costa , que falleceu em Marrocos onde
D. Henrique o mandara por embaixador , pelo anno de 1590, pouco
mais ou menos .
Succedeu - lhe seu filho D. Duarte da Costa , que morreu solteiro ; e a
este seu irmão D. Gonçalo da Costa .
Foi sexto donatario D. Francisco da Costa, seu filho, que naufragou
nas costas de França, com D. Manuel de Menezes, a 15 de Janeiro
de 1627, e setimo D. Pedro da Costa , cuja filha herdeira , D. Maria de
Noronha, constituiu donatario D. Luis da Costa , fallecido em 5 de
Dezembro de 1681 .
Destes nasceu D. Antonio Estevão da Costa a 25 de Dezembro de 1671,
fallecido em Janeiro de 1724.
O nono e ultimo donatario foi D. José da Costa , nascido a 22 de
Julho de 1694 e fallecido sem successão a 10 de Março de 1766. A este
comprou D. José a capitania, ignoro em que data ; mas , segundo
Porto Seguro, pela pensão de 640$ 000.

PernamBUCO . Doada a Duarte Coelho a 11 de Março de 1534, que


a governou até 1554.
O segundo donatario , Duarte de Albuquerque Coelho, foi confirmado
a 10 de Maio do mesmo anno, e governou até 1578, em que foi morto
na batalha de Alcacer-Quibir , sem descendencia .
Foi terceiro donatario seu irmão Jorge de Albuquerque Coelho,
confirmado em 1582, o qual , segundo Pereira da Costa, falleceu
por 1596 ; mas é provavel que mais tarde , por que em 1601 Bento
Teixeira dedicava - lhe sua Prosopopéa .
Seguiu - se -lhe seu filho Duarte de Albuquerque Coelho, confirmado
em 1603, que obteve segunda confirmação em 8 de Agosto de 1628 ,
Depois da restauração de Portugal, houve grandes duvidas sobre si
a capitania deveria ser incorporada á Coroa ; mas sentença de 31 de
Agosto de 1677, mandou devolvel-a aos donatarios . Eram estes então
os condes de Vimioso, D. Miguel de Portugal e D. Maria Margarida
de Castro e Albuquerque , filha unica de Duarte de Albuquerque : 0
primeiro falleceu a 15 de Novembro de 1687, e o segundo a 25 de Ou
tubro de 1689 .
Continuando apezar disto as duvidas , D. Francisco de Portugal,
HISTORIA DO BRASIL 109

filho natural de D. Miguel e se : herdeiro, obteve a 16 de Janeiro


de 1716 um alvará de concerto , pelo qual desistia de súas pretenções
pelo titulo de Marquez em duas vidas para elle e seu filho, duas na
de Conde do Vimioso para filho e neto , uma nas commendas que ao
presente lograva e oitenta mil cruzados de uma só vez, consignados
e pagos no rendimento da mesma capitania, em 10 annos, a oito mil
cruzados cada anno . Por carta de 10 de Março do mesmo anno foi- lhe
concedido o titulo de Marquez de Valença .
ITAMARACÁ . Até 1711 , a historia é a mesma que a de S. Amaro .
D. Luiz Alvares de Castro , 70 donatario, falleceu a 27 de Julho
de 1720 .
D, Manoel José de Castro , que succedeu-lhe , falleceu a 29 de Agosto
de 1742 .
D. Luiz José Thomaz de Castro Noronha Ataide e Sousa , go do
natario , falleceu a 14 de Março de 1745, sem geração . Passou então
a capitania ao marquez de Louriçal , ultimo donatario , que a vendeu
á Corôa , ignoro quando e por quanto .
Das capitanias de João de Barros , Fernando Alves de Andrada ,
Ayres da Cunha e Luis de Mello da Silva , ignoro si houve successão
ou transacção .

3) Por muito curiosos e pouco conhecidos, junto os dous docu


mentos relativos a donatarios : os autos das arrematações da capitania
dos Ilhéos e o auto de posse da capitania de Porto Seguro .
« E logo no dito dia , mez e anno atrás escripto, dez dias do
mez de Julho de mil seiscentos e quinze annos , em Lisboa , eu escrivão,
a requerimento de André Dias Prestes , procurador dos autores D. João
de Castro e D. Juliana de Souza, sua mulher , fui à praça do Pelou
rinho Velho, onde Francisco Monteiro, Procurador do Conselho, trouxe
em prégão a capitania dos Ilhéos, dizendo em altas vozes : nove mil
e setenta cruzados me dão pela villa de S. Jorge dos Ilhéos das partes
do Brasil, capitania e governança das terras de Francisco de Sá de
Menezes e pelas villas de Bay Pibia e Gram Cairo, que estão no dis
tricto da dita villa , e por todas as cousas que se acharem serem annexas
e dos ditos rios , terras , aguas , engenhos, mattas, cannaviaes, roças de
mantimentos, escravos e mais cousas que se acharem pertencentes á
dita capitania e é lanço dos autores . Ha quem mais dê, quem me diga
mais ? Em praça arremato , e conta faço, que mais não acho que nove
mil trezentos e sessenta cruzados por esta capitania e villas e mais
110 FR . V. DO SALVADOR :

cousas atrás nomeadas , pois não acho quem me dê mais . Dou-lhe uma ,
dou - lhe duas e uma mais pequenina. Em praça arremato , affronta faço
que mais não acho que nove mil trezentos e sessenta cruzados . Dou - lhe
uma, dou-lhe duas e dou - lhe tres , e faça-lle bom proveito .
« Houve por arrematada a dita capitania dos Ilhéos e villas e terras
é mais cousas atrás nomeadas ao dito André Dias Prestes em nome do
autor D. João de Castro e D. Juliana de Sousa, sua mulher, seus con
stituintes, andando muita parte das terras pela praça do Pelourinho
Velho á rua nova dos Ferros , apregoando o sobredito no lanço dos
autores , e affrontando a muitas pessas, e fazendo as diligencias que o
direito requer , por onde disse que havia por bem feita a arrematação
e assignou com o dito porteiro , etc.

Aos quatro dias do mez de Junho de mil seiscentos e vinte annos,


em Lisboa, a requerimento de Manoel Aranha, procurador do Autor,
fui eu escrivão á praça do Pelourinho Velho, onde Francisco Monteiro,
porteiro do Conselho, trouxe em prégão a capitania dos Ilhéos do réo
Francisco de Så de Menezes, Fidalgo da Casa de Sua Magestade ,
dizendo em alta voz : dezesete mil cruzados me dão pela capitania de
S. Jorge, que tambem se diz dos Ilhéos , sita no Estado do Brasil, com
todas suas terras , rendas, engenhos, pescarias, direitos de qualquer
qualidade que sejam , jurisdicções , datas de Officios é Alcaidarias,
asšim e da maneira que a dita capitania foi dada por doação a Jorge
de Figueiredo, e por virtude della pertence ao réo Francisco de Sá de
Menezes e a D. Maria Giraldes, sua mulher, e os ditos dezesete mil
cruzados lança o Autor D. João de Castro , outrosim fidalgo de Sua
Magestade, em nome e como legitimo administrador de sua filha menor
D. Helena de Sousa, por licença que para isso teve do Juiz , por não
haver lançador, a saber : nove mil seiscentos e quarenta cruzados que
og réos deviam á dita D. Helena de Sousa pela sentença atrás, que
é o por que se manda vender a dita capitania e os sete mil duzentos
e setenta cruzados com que se prefaz a quantia dos ditos dezesete mil
cruzados se abaterão de outra sentença de maior quantia, que a dita
D. Helena tem contra os ditos réos, que a execução corre no juizo
da correição da cidade Pedro Fialho, de que é escrivão Manuel
Guterres . Quem mais quizer lançar, venha - se para mim , receber- lhe
hei o lanço ; e ha quem mais diga, mais quem mais me dè mais ?
Em praça vendo, em praça arremato, affronta faço que mais não
acho que dezesete mil cruzados por esta capitania e annexos, como é
HISTORIA DO BRASIL 111

declarado . Dou-lhe uma, dou-lhe duas e uma mais pequenina é outra


mais pequenina . Em praça lo, em praça arremato, affronta faço
que mais não acho que dezesete mil cruzados por esta capitania . Ha
quem mais me dê, mais quem mais me diga ? E por não achar quem
me dê mais , dou - lhe uma , dou-lhe duas , dou - lhe tres e faça - lhe boa
prol .
Houve por arrematada a dita capitania e suas pertenças annexas,
e jurisdicções como atrás é declarado, e o dito Manuel Aranha em
nome delles constituintes os Autores D. João de Castro, como pai e
legitimo administrador de sua filha D. Helena de Sousa ao dito seu
lanço dezesete mil cruzados pela maneira atrás declarada mettendo
lhe o dito porteiro um ramo verde na mão, affrontando no dito lanço
pela dita praça e rua Nova dos Ferros e muita gente que estava , fa
zendo as mais diligencias que o direito requer e a arrematação, a
qual o dito Manuel Aranha disse que aceitava , e assim o dito ramo
recebeu em nome dos seus constituintes e assignou com o dito
porteiro .

Auto de posse que desta capitania de Porto Seguro tomou o licen


ciado Domingos Ferraz de Sousa em nome e como procurador do
Excellentissimo Senhor D. Raymundo, Duque de Aveiro .
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e seis
centos e cincoenta e seis annos , aos tres dias do mez de Março da
dita éra , nesta villa de Nossa Senhora da Penna, capitania de Porto
Seguro e casa donde se costuma a fazer meação, ahi estando pre
sentes os officiaes da Camara que este presenta anno servem , a saber :
Manoel Barbosa Magalhães, Antonio de Oliveira, Juizes ; Salvador
Gonçalves Mealhada e João Rebello, Vereadores, e Procurador do
Conselho Belchior Fernandes , e bem assim o Capitão -mór Pero
Sequeira da Veiga , que para o presente anto foi chamado, e outra
mais gente , Ministros e Officiaes de Justiça, e será presente perante
mim Taballião ao diante nomeado e os sobreditos , e appareceu o
licenciado Domingos Ferraz de Sousa, Procurador do Excellentissimo
Senhor D. Raymundo , Duque de Aveiro , como constou do so bestabele
cimento da letra e signal de D. Francisco Manoel de Mello, Pro
curador Geral do dito Senhor no Estado do Brasil, e outros si de
um Alvará de procuração bastante do dito Excellentissimo Senhor ,
que são os conteudos acima, a cujo requerimento compassei este auto,
que estão registrados no livro da Camara, e com as ditas procurações
112 FR . V. DO SALVADOR :

apresentou outros mais papeis que foram vistos e lidos e vi


nham em forma juridica sem padecerem duvida alguma, e requereu
o dito procurador que em virtude dos ditos papeis que apresentava
se lhe désse posse actual e real , natural e civel de toda a capitania
de Porto Seguro, suas rendas, fóros, tributos , jurisdicções, assim e
do modo que por suas doações era concedido e os Duques de Aveiro
em nome de quem pedia a dita posse, que o Excellentissimo Senhor
D. Raymundo, legitimo successor e herdeiro do Duque de Aveiro e
suas terras e annexos e deste marquezado : e vistos pelos ditos Ca
pitão -mór e Officiaes da Camara , e não terem duvida nem embargo
å dita poss2 , a mandaram dar, e em seu cumprimento se levantou o
dito licenciado Domingos Ferraz de Sousa , e em alta voz disse que
elle em nome e como Procurador do Excellentissimo Senhor D. Ray
mundo , Duque de Aveiro, tornava posse desta capitania de Porio
Seguro, e se havia pessoa ou pessJas que o contradissessem a dita
posse ? e as mesmas palavras eu Taballião com voz clara e intelli
givel repeti por varias vezes, e por não haver quem a contradissesse
investi e empossei e houve por investido e empossado ao dito Senhor
D. Raymundo, Duque de Aveiro , em toda esta capitania de Porto
Seguro , como verdadeiro senhor della na forma e maneira que a ti
veram e possuiram seus antecessores, assim desta villa , povoação e
povoações , como de todo o comprimento da terra de cincoenta leguas
por costa , que se demarcam nas extremas das capitanias dos Ilhéos
para a parte do Norte, e do Espirito Santo para a banda do Sul, com
todo o sertão que se achar ser da conquista deste Reino e de todos os
mattos , valles , brejos, planicies, campos, rios, pontes , lagðas, portos,
e enseadas , mar e ilhas até dez leguas em toda sua demarcação ao
már, com todas as jurisdicções de justica , politica e militar , não
prejudicando os que Sua Magestade como Rei e Senhor tem e pode ter
e a Ordem de Christo , tudo na forma das ditas doações ; e outro si o
investi e empossei de todas as rendas , redizimos , tributos , pensões e
quaesquer outros emolumentos que se costumam pagar ao Senhor e
Donatario da Serra , que tudo o Excellentissimo Senhor D. Raymundo,
Duque de Aveiro , logra va a possura e mandava cobrar por seus Oficiaes
e Procuradores . E para mais ter vigor e constar desta dita posse , o dito
licenciado Domingos Ferraz de Sousa , Procurador do dito Excellen
tissimo Senhor D. Raymundo, Duque de Aveiro , em seu nome bateu o
pé na rua publica , tomando della terra em signal de dominio, e an
dando pela dita villa em companhia dos ditos Ministros e Officiaes de
-
HISTORIA DO BRASIL 113

justiça e guerra , tomando posse, quebrando ramos de arvores, e orde


nando que de hoje em diante um e outro se nomeiem pelo Excel
lentissimo Senhor Duque de Aveiro , nosso Senhor, em seu nome se
appellidem e usem de suas armas nos sellos e insignias publicas e se
reconheçam por seus Vassallos .
E logo exercendo o dito licenciado Domingos Ferraz de Sousa, Pro
curador do dito Senhor, autos de jurisdicção em seu nome, suspendeu
a Belchior Gonçalves de Macedo, Taballião , e ao Meirinho Miguel da
Fonseca e outros, os quaes não appellaram nem aggravaram , antes
consentiram na suspensão, confessando que o dito Senhor Duque podia
por si e seus Procuradores suspendel -os e prover os officios em quem
Sua Mercê fosse servido . E visto pelo dito licenciado Domingos Ferraz
de Sousa como Procurador e em nome do dito Senhor sua obediencia,
submissão de vassallagem , lhe levantou a suspensão, mandando que
em nome do dito Excellentissimo Senhor D. Raymundo, Duque de
Aveiro, exercessem seus officios emquanto o dito Senhor não orde
nasse o contrario por si ou por seu Procurador Geral e Administrador
desta capitania, D. Francisco Manoel de Mello, ou qualquer outro
que o dito Senhor de novo seus poderes deve conceder . Logo o dito
licenciado Domingos Ferraz de Sousa em nome do dito Senhor en
tregou a mim Taballião como escrivão da Camara que tambem serviu >
um sinete de prata, em forma lavrada, em que estão abertas as armas
da Casa de Aveiro, para com elle se fecharem e sellarem as cartas ,
Provisões e mais cousas que na dita Camara com sello se costumam
passar , assim como tãobem no juizo da Ouvidoria desta capitania
ha outro das mesmas armas para a Chancellaria della , posto que no
tal falta a espada de Santiago , que por baixo do escudo nesta da
Camıra apparece , por cujas armas de hoje em diante será reconhe
cido o dito Excellentissimo Duque de Aveiro por Senhor de todos os
vassallos desta capitania .
De que tudo fiz este auto de posse, pelo qual , como acima dito é,
dei a dita posse real, actual, pessoal, natural e signal , ao dito Senhor
de que foram testemunhas o capitão Antonio de Abreu da Rocha, e
Antonio Rodrigues, Francisco de Magalhães Aranha e Luiz Gonçalves
Coudam , que assignaram com os ditos Officiaes e Ministros acima no
meados. E eu Francisco de Pina , Taballião do publico e judicial e
notas nesta villa de Nossa Senhora da Penna, capitania de Porto Seguro,
pelo Excellentissimo Senhor D. Raymundo, Duque de Aveiro , nosso
Senhor, que o escrevi e assignei de meu signal , rogo e publico que tal é .
M. Ach . V. 8
114 FR . V. DO SALVADOR :

4 ) Sobre as questões de limites entre S. Vicente e Santo Amaro


transcrevo por brevidade o seguinte trecho de Porto-Seguro :
« Por este mesmo tempo se debatiam e logo resolviam no Sulas questões
acerca dos deslindes entre as antes chamadas capitanias de Santo
Amaro e S. Vicente. A primeira , originariamente de Pero Lopes , fòra
adjudicada por sentença confirmada pelo rei ( 1617 ) em favor do conde
de Monsanto , D. Alvaro Pires de Castro e Sousa, que vinha á ser
o sexto donatario legitimo. A segunda, primitivamente de Martim
Affonso , fòra (igualmente por sentença que teve confirmação régia)
adjudicada á condessa do Vimieiro, D. Marianna de Sousa Guerra.
« Emquanto se decidiam as duvidas que pendiam de sentença , fòra
capitão de S. Vicente Martim de Sá que, ausentando - se para o Rio.
nomeou por logar- tenente a Fernão Vieira Tavares, o qual se apre
sentou na capitania tomando posse de todas as villas desta . Logo,
porém, que o morgado de Martim Affonso foi adjudicado á condessa.
de Vimieiro, nomeou esta por delegado a João de Moura Fogaça , o
qual , ao passar pela Bahia, fez ao Governador Geral preito e home
nagem pela dita Capitania , e alcançou delle , Governador, ordem
para que as Camaras dessem por suspensa a autoridade de Tavares .
Aggravou este para a Relação do Estado expondo como, apezar de
haver sido julgado não pertencer ao seu constituinte a capitania de
Martim Affonso, erani delle as villas do districto , por isso que se
achavam todas para o Norte da linha divisoria das mesmas capitanias,
tiradas Leste - Oeste pelo meio da barra de S. Vicente .
« Por este lado tinha justiça e, em conformidade com o accordam da
Relação, foram adjudicadas a seu successor Alvaro Luiz do Valle, o
Ouvidor e Capitão-Mór Logar -tenente do Conde de Monsanto , as villas
e terras para o Norte da dita linha divisoria , de forma que a nobre
capitania do honrado Martim Affonso se resignou dahi em diante ,
injustamente , a ter por villa principal a da Conceição de Itanhaem .
E dizemos injustamente porque , sendo certo que as villas de S. Vicente
e Santos, situadas ao Norte da linha tirada Leste - Oeste na barra , per
tenciam de direito a Pero Lopes, com todo o terreno, desde certa linha
alem da serra por diante, no caminho de S. Paulo , já tudo começava
outra vez a ser do possuidor da costa para o Norte da foz do Juquiri
queré ; isto é, do herdeiro da capitania de Martim Affonso , a quem se
deviam adjudicar então as villas de S. Paulo e de Mogy, as the nas
de Jaraguá , os engenhos ou fabricas de ferro de Ipanema etc. , i os
interessados fossem mais conhecedores da geographia ou tivessem visto
HISTORIA DO BRASIL 115

um mappa exacto que só por si apresentaria na maior clareza


este negocio que a tántos preoccupou . ( Porto - Seguro, Hist . Geral,
P, 462 463) .

Para organisar a lista geral dos donatarios , que por ser a primeira
tentada certamente abunda em erros , consultei : Sousa , Historia genea
logica da Casa Real, Lisboa 1735/1748 , 13 vol .; Provas do Hist. Gen.
ib, 1739/1748, 6 vol .; Memorias historicas e genealogicas dos Grandes
de Portugal, ib, 1755 : Affonso de Torres, Nobiliarchia , 10 vol. Mss da
Bibliotheca Fluminense ; Pedro Taques , Hist. da Cap. de S. Vicente, na
Rev , do Inst . Hist . IX (á not . 43 por erro de impressão dá- se este
volume por publicado em 1846 , quando a verdadeira data é 47) ;Gaspar
da Madre Deus , Mem . para a hist , da cap. de S. Vicente , Lisboa
1792 ; Alvares Pegas , Commentari in Ordinationes regni Portugaliæi
ib, 1669/1758, 15 volumes ; (no Rio não existem as Allegações em favor
de D. Agostinho de Lencastre e dos Condes de Vimioso, que tão
interessantes seriam para o estudo da questão) ; Lemos Mesa ,
Doação da capitania de Porto Seguro (s . 1. n . d . , donde foi tirado o
auto de posse acima transcripto), A. da Silveira Pinto, Resenha das
familias titulares e grandes de Portugal, Lisboa, 1883, 1 ° vol . etc.
Consultei tambem as cartas de doação ou confirmação geralmente
ineditas : dos condes da Ilha do Principe, marquezes de Cascaes, Vis
condes de Asseca, D. Luiz Innocencio de Castro, ( da qual extrahi os
leilões da capitania dos Ilhéos ), conde de Castanheira , D. Alvaro da
Costa etc.
Achei tambem indicações preciosas nas duas edições da Historia
Geral do Visconde de Porto Seguro, a primeira das quaes é citada
nesta collecção quando se declara o volume , e a segunda quando
apenas se declara a pagina .
?
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1
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j

Ma'ieriaes e Achégas para a Historia e Geo

graphia do Brasil .

‫باران کو اس‬

I. Informações e fragmentos historicos do padre

Joseph de Anchieta (1584-1586 ), publicados por Ca


pistrano de Abreu . - 1 $ooo .

II . Cartas do padre Manuel da Nobrega ( 1549-1560 ),

publicadas por Valle Cabral. - 1 $ 500 .

III . Cartas do padre Joseph de Anchieta ( 1554-1567 ) ,

publicadas por Teixeira de Mello ( no prelo ) .

V. Historia do Brasil de Fr. Vicente do Salvador

( 1627 ) publicada por Capistrano de Abreu e Valle


Cabral .
Publicados os livros I e II .. 19000

VII - VIII . Cartas avulsas de Jesuitas ( 1550-1568 ),

publicadas por Valle Cabral.

Impressas em vol. de 326 paginas, que ainda não foram publicadas


por causa das notas.

A ' venda na Imprensa Nacional .

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