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ARTIGO - Metodologia de Pesquisa e Criação
ARTIGO - Metodologia de Pesquisa e Criação
PRODUÇÃO DE SENTIDO
Gostaria de iniciar esta fala com o trecho inicial do conto literário O Enxoval, de
Anton Tchékhov, escrito em 1883:
Qual a importância desse trecho para com o assunto a ser abordado aqui, neste
texto? Bem, em primazia, foquemos em dissecar o trecho. Para isso, optei por
uma análise simples, dividindo a construção da compreensão em três pontos
basais que elucidam diferentes formas de se ler – ou interpretar – o mesmo
trecho, nomeadas aqui de descrição, singularização e expressão, termos
elucidados mais à frente.
O ato de interpretar uma obra de arte, acredito, caminha por meios semelhantes
à curta análise que ofereci acima. Ao fruir – ou ler, como considero o termo mais
adequado – uma obra, o outro (aquele que frui) faz uso de diversos mecanismos
para significa-la, compreende-la ou representa-la. Esses mecanismos, ligados à
experiencias e conhecimentos do próprio leitor, servem como decodificares e
revelam sentidos na mesma medida em que este faz uso do que é conhecido
por ele. Assim, é possível observar como diferentes indivíduos encontram
diferentes percepções acerca de uma mesma obra, pois esta gera níveis de
empatia diferentes de acordo com o aprofundamento do outro sobre sua
temática. A experiencia de ler uma obra é pessoal e, mesmo no limite da
percepção – o da simples descrição – trás uma amostragem do que é o objeto.
E quanto maior o contato do leitor com a obra, mais aprofundada se torna essa
interpretação, trazendo sentidos além da apresentação mais óbvia dada pela
descrição geral e causando – ou evocando – elementos que ampliam os
significados, geram representação.
Para ele, a descrição deve ser tratada como o “desejo de criar relações
miméticas entre algo dito e algo feito” (p.6), enquanto a evocação “tem como
ambição a provisão de um grupo de qualidades que criam um senso empático
de vida naqueles que o encontram[...]” (idem). Disso, entendo que os diferentes
níveis de interpretação de uma obra estejam diretamente ligados à forma não
apenas de como o leitor lê a obra (pela descrição e singularização), mas como
ele reage à mesma (pela singularização e expressão). A empatia, ou reação,
citada por Eisner (2008) é uma relação de geração de sentido, onde o leitor da
obra percebe nela elementos que suscitam algum tipo de emoção, sendo que
esta, por conseguinte, é gerada pelo autor por meio de escolhas como a
linguagem técnica (descrição), autoralidade (singularização) e sua interpretação
pessoal (expressão). Dos paralelos traçados entre as falas dos autores citados
e pelos pontos aqui definidos, é possível perceber, então, que existe um eixo
conector entre ler e criar arte, que acredito poder utilizar como base para um
método de pesquisa de processo criativo. Mas, aprofundarei ainda mais no
espectro da criação, neste momento.
CRIAR E COMPREENDER
Mas, como?
Ora, muito antes de buscar respostas, a busca por questões deve ser levada em
consideração. Assim como a interpretação de uma obra se liga à subjetividade,
à expressividade e experiencia do artista, o processo de compreender – ou
descobrir – está intimamente ligado à ideia de espelhamento da obra sobre o
artista e como ele aborda sua obra: “A pesquisa em artes visuais parte da
maneira como a obra é feita” (REY, 2002, p. 125). Esse vai e vem prático-teórico,
que descreve, reflete e discute o que é feito, permite lançar questões sobre a
obra de forma consistente, sempre pressionando a mesma a liberar mais e mais
conteúdo. A partir do momento que se elucida uma pergunta, novos processos
devem ser instaurados para que outras questões se ergam. Dessa forma,
retoma-se a fita de moebius citada por Rey (2002, p. 123), num processo infinito
de idas e vindas, de enfrentamentos e incertezas, que é o processo criativo.
McNiff (2008) fala brevemente sobre esse aspecto infinito da pesquisa e do
aprendizado, assim como alerta sobre seus perigos:
Com isso em mente, retorno aos conceitos apresentados no início dessa fala:
descrição, singularização e expressão. Buscando a sistematização e a
simplificação sugeridas por McNiff (2008), utilizarei desses três pontos
previamente embasados para construir a base metodológica para meu próprio
processo criativo.
A descrição deve ser tratada como o primeiro fator de análise, pois considero
aqui que este ponto engloba momentos do processo criativo que definem o futuro
da obra: a idealização; a escolha do(s) meio(s) de execução; a(s) técnica(s) a
ser(em) utilizada(s) e; o projeto. Todos esses aspectos surgem num momento
prévio à concepção, atuando para que tanto o artista como o leitor compreendam
do que se tratará a obra, muito antes de trazer conceitos e questionamentos. O
papel da descrição é – como seu significado léxico – trazer uma apresentação
organizada, sistematizada da obra, numa explanação direta do que é e como
será realizada a mesma.
Por fim, a fase de expressão definiria o marco poético da obra, onde as questões
relacionadas à própria sutileza e emoção do artista, e de como ele percebe e
retrata estes em sua obra, devem ser apresentadas. Aqui, acredito que diversas
abordagens – como a de base psicológica em Jung, como descreve ter feito
McNiff (2008, p.31) – possam ser utilizadas para alcançar interpretações, mas
não respostas. A expressão por sí só, como dito anteriormente, é relativizada por
elementos de caráter pessoal e de difícil balizamento. Se buscarmos respostas
universais para relações tão intimas que uma obra pode fazer transparecer em
diferentes indivíduos poderemos, mais uma vez, nos perder no loop infinito que
a própria pesquisa traz. Uma certeza pode ser facilmente rebatida por outra, o
que acaba impossibilitando uma compreensão do todo.
CONCLUSÃO
EISNER, Elliot. Art and Knowledge, In: KNOWLES, J. Gary (org.) Handbook of
the Arts in Qualitative Research: Perspectives, Methodologies, Examples and
Issues; Thousand Oaks, CA: SAGE, 2008.