Você está na página 1de 40

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E

JURÍDICA
Prof. Ulisses Schwarz Viana
ulisses.schwarz@idp.edu.br
FESMPDFT
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
HEMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

Ilustração de Adolf Hirémy-Hirschl, Souls at the River Acheron (1989), Viena


HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

HERMENEUIN
EXPRESSÃO / FALA
EXPLICAÇÃO / EXPLANAÇÃO
TRADUÇÃO (ATUAR COMO INTÉRPRETE) – pré-compreender é
uma necessidade para a comunicação ocorrer, a qual se transforma
no ato de compreensão (círculo hermenêutico)

FAZER COMPREENDER
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

AGOSTINHO – DE TRINITATE

Interpretando as escrituras – as partes obscuras por meio das partes


claras
Distinção estoica: i. logos ou verbo interno (endiathethos)
ii. Logos ou verbo externo (prophorikos).

Nossa linguagem não comunica uma cópia exata de nossos


pensamentos interiores (tentamos achar palavras para expressar
nossas ideias).
Michael Polanyi – “the tacit dimension’’
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

JOHANN CONRAD DANNHAUER (1603 – 1666)

UM DOS PRIMEIROS A UTILIZAR O TERMO HERMENÊUTICA


FORA DO CONTEXTO DA INTERPRETACAO DAS SAGRADAS
ESCRITURAS

UMA HERMENÊUTICA, MAS COM VÁRIOS OBJETOS

TODA ASSERÇÃO SÃO EXPRESÕES DE UM SENTIDO


PRETENDIDO
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768 – 1834)

“o mal-entendido se produz por si mesmo, e a compreensão é algo


que temos de querer e procurar sob todos os aspectos”

“Entendimento não tem outro objeto senão a linguagem”


“uma expressão não é meramente um veículo de uma linguagem
supraindividual, mas também a manifestação de uma mente
individual”
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

A hermenêutica universal de Schleiermacher:

1. O aspecto gramatical relacionado com a linguagem com foco na


totalidade do uso;
2. O aspecto psicológico em que se concebe a linguagem como algo
interior.
3. A visão puramente sintática da linguagem deve ser superada
pelo que asserção está realmente tentando dizer → este é o
lado ‘psicológico’ da interpretação, como ato de evitar o
mal-entendido, como um ato de ‘reconstrução’, .
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

O papel da hermenêutica é compreender o texto melhor do que seu autor


(inconsciente freudiano?).

O aspecto psicológico leva a uma ‘adivinhação’ interpretativa como


inevitável.

Por detrás de cada palavra falada ou escrita fica alguma coisa a mais.
Interpretação consiste de dois elementos que interagem: “gramatical” e
“psicológico” (vida psíquica do autor)

Psicologização da hermenêutica? Pressuposição da reconstrução da


experiência mental do autor.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

THE HERMENEUTICAL CIRCLE – SCHLEIERMACHER

A compreensão é basicamente uma operação referencial: a


compreensão pressupõe uma comparação com aquilo que já
sabemos (unidades sistemáticas ou círculos feito de partes ➔
horizonte é composto de elementos que juntos formam o círculo.

O círculo hermenêutico sugere uma área de compreensões


compartilhadas.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

WILHELM DILTHEY (1833-1911)

O autor começa a busca do desenvolvimento de ganhar


“objetivamente válidas” interpretações da vida interior” – mas reage
à tendência nas ciências humanas de assumir as técnicas e métodos
das ciências naturais e aplicá-las ao estudo do homem.

Geisteswissenchaften
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

O mundo sócio-histórico → a semelhança entre os fatos de


nossa experiência mental e aquelas de uma outra pessoa.
Por meio da interpretação e das compreensões da vida.

Relação entre aquilo que nos diz sobre a vida interior do homem,
em que o mundo externo é tratado somente em relação ao sentir e
ao querer dos homens.
As ciências naturais explicam a natureza. As ciências humanas
(ciências do espírito) compreende (verstehen) as expressões da
vida.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

HISTORICIDADE COMO UMA SEQUÊNCIA DE VISÕES DE


MUNDO (Weltanschauungen)

A interpretação do passado – homem como animal hermenêutico.

CÍRCULO HERMENÊUTICO – o sentido (Sinn) não é subjetivo. O


ponto de partida da circularidade da compreensão sempre pressupõe
os “outros”.
Busca de superação da metafísica.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

HERMENÊUTICA EM MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)

Ideias centrais do ‘existencialismo’* heideggeriano

1. Faticidade e tempo:

a) Dasein e Ambiente: ambiente como algo determinado pela


história, nele os objetos adquirem seu sentido, mas somente em
sua relação com outros objetos (contexto).
b) Dasein e tempo (historicidade): ser no mundo como ‘evento’
(como sequência de experiências com o mundo.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

c) O tempo kairológico (momento de possibilidade) – tempo


cronológico não tem ‘sentido’ para o Dasein.

d) Dasein nunca é uma criatura humana isolada, mas sempre


habita um determinado ambiente composto por outros seres
humanos e coisas.

e) A tríplice estrutura da vida: passado, futuro e presente –


vida é um estado de ‘agitação’.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

f ) Coisas e objetos: coisas não são objetos, na verdade elas têm


‘significância’. Nós ‘encontramos’ as coisas no mundo, não são
dadas como certas.
g) Coisas e a estrutura do ‘cuidado’ (Sorge) – nós nos
posicionamos dentro do mundo, nos preocupamos,
admiramos, nos fascinamos ou nos horrorizamos – não
somos observadores neutros.
h) Questionamento (tríade): (1) sobre o que se pergunta?; (2)
aquilo que é interrogado; e (3) o que se descobre a partir da
pergunta.
O ato de perguntar e a temporalidade.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

i) Dasein e ‘Verfallen’ e ‘Geworfenheit’: o Dasein em sua


faticidade (vida humana) está sempre em um ambiente
(Umwelt), no qual ele é tentado, seduzido, tranquilizado ou
sente um estranhamento. A vida humana pertence um a
Umwelt específico.
- A liberação de pressuposições ocultas que se tornam
‘parcialmente’ visíveis ao serem interpretadas.
- A necessidade de ‘liberar’ o processo hermenêutico. A realidade
sempre foge de nosso acesso. A realidade não pode ser vista
diretamente, mas sim interpretada de um modo específico e deu
uma ‘posição’ específica. A figura do observador
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

k) Dasein e o ‘das Man’

l) Dasein e as ‘pré-concepções’ ou ‘pré-compreensões’ – não podemos escapar do jogo


entre esse ‘pré’ e a interpretação que fazemos dele, sempre na penumbra do presente
bifacetado.

m) Todo esse necessário filosófico existencialista nos coloca diante da proposta


heideggeriana de que o Dasein não se apresenta de si para os outros, mas dos outros para
si, porque somos seres ‘lançados’ no mundo (Geworfenheit), seres no mundo e regidos
pela historicidade – tudo faz sentido no pano de fundo da história (momento
histórico) em que o tempo surge como evento, como sequência de experiências com o
mundo.

n) O uso conceitual irrefletido e as autointerpretações arbitrárias se tornam um


problema porque a interpretação se apresenta como elemento de estar-no-mundo.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

o) O problema da ‘autossoberania’ do intérprete como


negação da situação hermenêutica, como perda da dimensão
crítica que resulta da necessidade de somente podemos
tornar nossa própria situação mais transparente para que se
possa apreciar a alteridade do texto.
A função crítica da hermenêutica é tornar mais clara a
‘autocrítica’ do interprete em que ele pode questionar as
‘autoprojeções’ do intérprete.
o) A relação circular entre interpretação e entendimento
(compreensão)
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

O círculo hermenêutico não significa que seja impossível


interpretar objetivamente um texto. Em vez disso, nos
encoraja a tentar entender o que lemos no contexto de um
contexto cultural, histórico e literário, junto com nosso
próprio contexto pessoal. Então, como isso funciona?
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

HERMENÊUTICA EM HANS-GEORG GADAMER (1900-2002)

Ideias centrais da hermenêutica filosófica de Gadamer:

1. O problema das ciências humanas e as ciências naturais. O


neokantismo – método – conhecimento objetivo.
2. Ciências humanas – conceito de ‘Bildung’.
3. Pré-juízos e pré-compreensões como pré-condições
transcendentais do entendimento (compreensão).
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

4. Objetividade e certeza do entendimento: somente atingível


se evitado a ‘situação’ da subjetividade na compreensão
(entendimento).

5. Necessidade de processar nossos pré-juízos (preconceitos)


interpretativamente.

6. Interpretação como autocrítica.

7. Positivismo e sua tentativa de obnubilar a ‘subjetividade’.


HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

8. Somente a distância temporal que pode resolver a questão da


hermenêutica crítica – a ‘compreensão’ das falsas pré-
compreensões que nos levam à incompreensão.

9. Característica da hermenêutica é sua prontidão de rever suas


opiniões quando melhores ‘insights’ surgem.

10. A interpretação se opera em tempos diferentes – em uma


consciência que se efetua temporalmente – a história determina o
pano de fundo de nossos valores, cognições e, até mesmo de nosso
juízos críticos.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

11. Gadamer traz de volta a questão da aplicação – o problema


hermenêutico da aplicação.
12. A compreensão envolve algo como ‘aplicação’ – aplicando texto
para ser entendido na situação presente do intérprete.

13. O conceito de hermenêutica abarca: a literária; a teológica e a


jurídica.

14. A hermenêutica teológica e a jurídica: nelas há uma tensão


entre o ‘texto fixo’ – do direito ou do evangelho – e o sentido (Sinn)
a que se chega por meio da aplicação no momento concreto da
interpretação, seja nos julgamentos seja na pregação.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

15. Uma lei não existe para ser compreendida historicamente,


mas para ser concretizada em sua validade legal ao ser
interpretada (processo unitário = compreensão + aplicação).

16. Esta situação implica em que o texto, seja o legal seja o do


evangelho, se for compreendido corretamente – ou seja, de
acordo com a pretensão que ele apresenta – deve ser
entendido a todo momento, em cada situação concreta, em
um novo e diferente modo.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

17. A tensão:
(1) identidade do objeto comum (o texto);
(2)a mutabilidade das situações em que ele deve ser
‘compreendido’.

18. Compreensão se demonstra como um evento.


HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

19. Gadamer: a interpretação jurídica é um processo


unitário – descoberta do sentido e como aplicar o
texto legal. Na interpretação legal o intérprete deve
adaptar-se às circunstâncias particulares.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

20. Gadamer: uma pessoa que é dominada por suas


paixões subitamente não pode ver mais o que é certo
fazer em uma dada situação. Aquele que perdeu seu
autodomínio e, assim, sua própria correção, qual seja
sua própria correção dentro de si – de modo que
dirigido pela dialética da paixão, em que sua paixão
lhe dita aquilo que lhe parece correto. Novamente é
colocada a situação hermenêutica particular do
intérprete.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

GADAMER E A HERMENÊUTICA JURÍDICA

1. A hermenêutica jurídica não tem o propósito de


entender determinado texto, mas sim tem que ser
medida prática preenchendo a ‘lacuna’ no sistema
jurídico-dogmático.
2. A suplementação jurídica do juiz na concretização
da lei no caso específico como um trabalho de
concretização.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

4. Aplicar o direito não é uma mera questão de


conhecer o direito.
- Tem que conhecer o direito + os elementos que
determinam essa aplicação.
- Mas o pertencimento ao governo da lei é necessário
para o reconhecimento da ordem jurídica como
válida e que ninguém pode isentar-se de seu
cumprimento (nem o juiz).
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

5. A importante e essencial conexão entre a


hermenêutica jurídica e a dogmática jurídica.

- Gadamer afasta a ideia de uma dogmática jurídica


que torne cada julgamento em um mero ato de
subsunção.

6. O papel criativo do juiz na hermenêutica jurídica.


HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

7. Para Gadamer uma condição essencial para a


possibilidade de uma hermenêutica jurídica é que se
reconheça que a lei é vinculante para todos os
membros da comunidade.

8. O juiz é submetido ao direito como todo e qualquer


membro da comunidade.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

9. A ciência do direito, para Gadamer, está se afastando do


formas extremas de positivismo, o que, também para ele, é
historicamente compreensível.
*Pós-positivismo (rótulo genérico)?

10. Um positivismo jurídico que limite a realidade do


direito inteiramente ao ‘direito estabelecido’ – subsunção
dedutiva pura) nega a relação indissolúvel entre a ideia da
universalidade do direito e a situação concreta do caso.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

11. Por outro lado, não se pode assumir a força do caso


concreto para a criação do direito como algo
dedutivamente pré-determinado, gerando um improvável
sentido de dogmática que contenha todas as verdades
jurídicas, formando um sistema coerente, perfeito.

- Não tem sentido uma dogmática perfeita.


- Necessidade de uma mutabilidade DENTRO DE CERTOS
LIMITES.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

CONTRIBUIÇÃO DE F R I E D R I C H M Ü L L E R PARA A
HERMENÊUTICA JURIDICA
– metódica estruturante –

Elementos estruturais:

1. Texto normativo;
2. Campo ou âmbito normativo;
3. Programa normativo;
4. *Texto normativo como ‘ponta do iceberg’ normativo.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

✓Para Müller, a texto da norma é a "ponta do iceberg


normativo" (Müller 1994, 271), apenas um dos elementos em
torno do qual a "normatividade" está estruturada.
✓A normatividade, em contraste com o positivismo jurídico,
(Müller 1994, 20), não pode ser pensada independentemente
da realidade (Wirlichkeit).
✓Müller postula o texto normativo como revelação apenas de um
feixe inicial do que realmente significa um determinado
mandamento jurídico.
✓A norma não se limita exclusivamente ao texto.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

A 'descoberta' da 'norma' passa pela busca do seu


âmbito normativo / campo normativo:
(dos aspectos factuais e relativos aos aspectos
administrativos, legislativos e jurisdicionais do
Direito Constitucional), a partir dos quais será possível
descobrir a norma a ser aplicada como uma solução para o
caso concreto em questão.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

Friedrich Müller e o problema interpretativo


relacionado com as denominadas lacunas no
direito:

“Se for constatado que a questão levantada pelo caso na lei


(constitucional) atual não é regulamentada com clareza suficiente -
o "problema da lacuna" na metodologia convencional - então a lei
constitucional de forma alguma autoriza isso preenchendo lacunas,
pela chamada formação jurídica criativa praeter ou contra legem.
Na contorção e na ruptura de uma norma jurídica que carece de
uma regulamentação sem um texto normativo positivo”.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

GADAMER

“TODO SER QUE PODE SER


COMPREENDIDO É LINGUAGEM”
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

➢Niklas Luhmann (O direito da sociedade): “Interpretar não se


presta à autoiluminação, senão para a aplicação em conexões
comunicativas, de modo que então sempre são apresentadas
ocorrências, fundamentos, argumentos e, assim como sempre, fica
a certeza de que podem ser impulsionados novos argumentos, o
que contribui para a utilização e reconhecimento de autoridade*.
Supõe-se por isso que os participantes na comunicação tem
sempre o mesmo texto diante dos olhos(...).
➢Interpretando: O texto? A intenção? Axiologia? Regras?
Princípios?

Você também pode gostar