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HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E

JURÍDICA: compreendendo as
transformações no direito.
Prof. Ulisses Schwarz Viana
ulisses.schwarz@idp.edu.br
PPGD – IDP -BRASÍLIA
MESTRADO ACADÊMICO E DOUTORADO EM DIREITO
Maio a julho de 2023
HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
Ilustração de Adolf Hirémy-Hirschl, Souls at the River Acheron (1989), Viena
HERMENEUIN
EXPRESSÃO / FALA
EXPLICAÇÃO / EXPLANAÇÃO
TRADUÇÃO (ATUAR COMO INTÉRPRETE) – pré-compreender é uma
necessidade para a comunicação ocorrer, a qual se transforma no ato de
compreensão (círculo hermenêutico)

FAZER COMPREENDER
AGOSTINHO – DE TRINITATE

Interpretando as escrituras – as partes obscuras por meio das partes claras


Distinção estoica: i. logos ou verbo interno (endiathethos)
ii. Logos ou verbo externo (prophorikos).

Nossa linguagem não comunica uma cópia exata de nossos pensamentos


interiores (tentamos achar palavras para expressar nossas ideias).
Michael Polanyi – “the tacit dimension’’
JOHANN CONRAD DANNHAUER (1603 – 1666)

UM DOS PRIMEIROS A UTILIZAR O TERMO HERMENÊUTICA FORA DO


CONTEXTO DA INTERPRETACAO DAS SAGRADAS ESCRITURAS

UMA HERMENÊUTICA, MAS COM VÁRIOS OBJETOS

TODAS ASSERÇÕES SÃO EXPRESÕES DE UM SENTIDO PRETENDIDO


GEORG FRIEDRICH MEIER (1718 – 1777)

O QUE SE BUSCA NA VERDADE HERMENÊUTICA NÃO É EXATAMENTE


A LÓGICA OU VERDADE METAFÍSICA, MAS SIM UMA VERDADE
ESTRITAMENTE HERMENÊUTICA, ESSA É ENCONTRADA
EXCLUSIVAMENTE NO PONTO DE VISTA DO AUTOR
(AUTOINTERPRETAÇÃO AUTORAL).
PIETISMO
A UNIVERSALIDADE DO ‘AFETIVO’

O “AFETO” habita em cada palavra. Retorno do logos prophorikos ao logos endiathetos.

JOHAN JAKOB RAMBACH

SUBTILITAS INTELLIGENDI ET EXPLICANDI


SUBTILITAS APPLICANDI (TRANSFORMAÇÃO MORAL DO QUE CRÊ)
FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768 – 1834)

“o mal-entendido se produz por si mesmo, e a compreensão é algo que temos


de querer e procurar sob todos os aspectos”

“Entendimento não tem outro objeto senão a linguagem”

“uma expressão não é meramente um veículo de uma linguagem


supraindividual, mas também a manifestação de uma mente individual”
A hermenêutica universal de Schleiermacher:

1. O aspecto gramatical relacionado com a linguagem com foco na


totalidade do uso;
2. O aspecto psicológico em que se concebe a linguagem como algo interior.
3. A visão puramente sintática da linguagem deve ser superada pelo que
asserção está realmente tentando dizer → este é o lado ‘psicológico’ da
interpretação, como ato de evitar o mal-entendido, como um ato de
‘reconstrução’, .
O papel da hermenêutica é compreender o texto melhor do que seu autor
(inconsciente freudiano?).

O aspecto psicológico leva a uma ‘adivinhação’ interpretativa como


inevitável.

Por detrás de cada palavra falada ou escrita fica alguma coisa a mais.

Interpretação consiste de dois elementos que interagem: “gramatical” e


“psicológico” (vida psíquica do autor)

Psicologização da hermenêutica? Pressuposição da reconstrução da


experiência mental do autor.
THE HERMENEUTICAL CIRCLE – SCHLEIERMACHER

A compreensão é basicamente uma operação referencial: a compreensão


pressupõe uma comparação com aquilo que já sabemos (unidades
sistemáticas ou círculos feito de partes ➔ horizonte é composto de elementos
que juntos formam o círculo.

O círculo hermenêutico sugere uma área de compreensões


compartilhadas.
WILHELM DILTHEY (1833-1911)

O autor começa a busca do desenvolvimento de ganhar “objetivamente


válidas” interpretações da vida interior” – mas reage à tendência nas ciências
humanas de assumir as técnicas e métodos das ciências naturais e aplicá-las
ao estudo do homem.

Geisteswissenchaften
Methode
Erlebnis
DILTHEY
questiona como inconsistência epistemológica a pretensão de
objetividade da ‘escola histórica’ e do idealismo.

Dilthey buscou superar a tendência psicologizante de Schleiermacher.

As unidades de sentido demandam a experiência do passado e de


expectativas futuras.
A existência humana é uma plenitude da existência humana no mundo.

O termo “vida” um slogan contra a fixidez e determinações das convenções,


as forças da vida (Leben) que são dinâmicas e fontes inesgotáveis de todas as
formas de criatividade e sentido.

As categorias que são estáticas, atemporais e abstratas são opostas à


vida (Leben) em si mesma.
Mundo sócio-histórico

Semelhança entre os fatos de nossa experiência mental e aquelas de uma


outra pessoa.
Interpretação e compreensões da vida.

Relação entre aquilo que nos diz sobre a vida interior do homem, em que o mundo
externo é tratado somente em relação ao sentir e ao querer dos homens.

As ciências naturais explicam a natureza.

As ciências humanas (ciências do espírito) compreendem (verstehen) as


expressões da vida.
Ciências humanas (Geisteswissenschaft) são formuladas em três elementos:

1. Erfahrung (experiência) e Erlebnis (vivência). Erlebnis = contato direto


com a vida. Temporalidade.

2. Ausdruck (expressão) = ideias e experiências expressas na forma da


linguagem. A introspecção não serve de elemento para os estudos
humanos (Luhmann e a comunicação).

3. Verstehen (compreensão/entendimento) – uma operação em que nós


captamos a mente de uma outra pessoa
HISTORICIDADE COMO UMA SEQUÊNCIA DE VISÕES DE MUNDO
(Weltanschauungen)

A interpretação do passado – homem como animal hermenêutico.

CÍRCULO HERMENÊUTICO – o sentido (Sinn) não é subjetivo. O ponto de


partida da circularidade da compreensão sempre pressupõe os “outros”.
Busca de superação da metafísica.
HERMENÊUTICA EM MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)

Ideias centrais hermenêutica ‘existencial’* heideggeriana

1. Faticidade e tempo:

a) Dasein e Ambiente: ambiente como algo determinado pela história,


nele os objetos adquirem seu sentido, mas somente em sua relação
com outros objetos (contexto).

b) Dasein e tempo (historicidade): ser no mundo como ‘evento’ (como


sequência de experiências com o mundo.
HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

c) O tempo kairológico (momento de possibilidade) – tempo


cronológico não tem ‘sentido’ para o Dasein.

d) Dasein nunca é uma criatura humana isolada, mas sempre


habita um determinado ambiente composto por outros seres
humanos e coisas.

e) A tríplice estrutura da vida: passado, futuro e presente –


vida é um estado de ‘agitação’.
f ) Coisas e objetos: coisas não são objetos, na verdade elas têm ‘significância’.
Nós ‘encontramos’ as coisas no mundo, não são dadas como certas.

g) Coisas e a estrutura do ‘cuidado’ (Sorge) – nós nos posicionamos dentro


do mundo, nos preocupamos, admiramos, nos fascinamos ou nos
horrorizamos – não somos observadores neutros.

h) Questionamento (tríade):
(1) sobre o que se pergunta?
(2) aquilo que é interrogado
(3) o que se descobre a partir da pergunta.

O ato de perguntar e a temporalidade.


i) Dasein e ‘Verfallen’ e ‘Geworfenheit’: o Dasein em sua faticidade (vida
humana) está sempre em um ambiente (Umwelt), no qual ele é tentado,
seduzido, tranquilizado ou sente um estranhamento. A vida humana
pertence um a Umwelt específico.

- A liberação de pressuposições ocultas que se tornam ‘parcialmente’


visíveis ao serem interpretadas.

- A necessidade de ‘liberar’ o processo hermenêutico. A realidade


sempre foge de nosso acesso. A realidade não pode ser vista
diretamente, mas sim interpretada de um modo específico e deu uma
‘posição’ específica. A figura do observador
j) Interpretação como teoria do ser, como vida humana em sua
concretude e realidade histórica.

A filosofia deixa assim de ser uma ‘ciência rigorosa’ (Edmund Husserl), livre de
todas as pressuposições.

Heidegger ao falar da filosofia afirma que não ela não pode existir sem
pressuposições, isso porque toda filosofia surge de um ponto de vista
histórico partícula.
O seres humanos não são observadores solitários do mundo porque o mundo
inclui outras pessoas.

Um juízo puramente original é impossível.


k) Dasein e o ‘das Man’

l) Dasein e o humor (Stimmung).

m) Dasein e as ‘pré-concepções’ ou ‘pré-compreensões’ – não podemos


escapar do jogo entre esse ‘pré’ e a interpretação que fazemos dele, sempre na
penumbra do presente bifacetado.

n) Dasein e a ‘ânsia’ [Angst] (ansiedade) que traz o estranhamento que


deixa mais perceptivos ao quotidiano.
o) Angst como sensação de autenticidade porque nos libera de uma
‘inautêntica’ absorção do mundo. Dasein e morte. Um ser direcionado para a
morte.

p) Dasein e ‘consciência’ – sensação de ‘culpa’ que libera o Dasein em


direção à responsabilidade de estar no mundo, colocando diante de suas
possibilidades específicas.

Dasein e a ‘determinação’ para termos responsabilidade com nossa própria


existência.
q) Todo esse cenário filosófico da existência - proposta heideggeriana
de que o Dasein não se apresenta de si para os outros, mas dos outros para
si.

Somos seres ‘lançados’ no mundo (Geworfenheit), seres no mundo e regidos


pela historicidade – tudo faz sentido no pano de fundo da história
(momento histórico) em que o tempo surge como evento, como sequência
de experiências com o mundo.

r) O uso conceitual irrefletido e as autointerpretações arbitrárias se


tornam um problema porque a interpretação se apresenta como elemento
de estar-no-mundo.
s) O problema da ‘autossoberania’ do intérprete como negação da situação
hermenêutica, como perda da dimensão crítica que resulta da necessidade de
somente podemos tornar nossa própria situação mais transparente para que se
possa apreciar a alteridade do texto.

A função crítica da hermenêutica é tornar mais clara a ‘autocrítica’ do interprete em


que ele pode questionar as ‘autoprojeções’ do intérprete.

t) A relação circular entre interpretação e entendimento (compreensão)

u) O círculo hermenêutico: nossa compreensão de um texto como um todo


se baseia em nossa compreensão de cada parte individual, bem como em nossa
compreensão de como cada parte individual se refere ao texto todo.
O círculo hermenêutico
não significa que seja impossível interpretar objetivamente um texto.

Em vez disso, nos encoraja a tentar entender o que lemos no contexto de um


contexto cultural, histórico e literário, junto com nosso próprio contexto
pessoal.

Então, como isso funciona?


HERMENÊUTICA EM HANS-GEORG GADAMER (1900-2002)

Ideias centrais da hermenêutica filosófica de Gadamer:

1. O problema das ciências humanas e as ciências naturais. O


neokantismo – método – conhecimento objetivo.
2. Ciências humanas – conceito de ‘Bildung’.
3. Pré-juízos e pré-compreensões como pré-condições transcendentais
do entendimento (compreensão).
4. Objetividade e certeza do entendimento: somente atingível se evitado
a ‘situação’ da subjetividade na compreensão (entendimento).

5. Necessidade de processar nossos pré-juízos (preconceitos)


interpretativamente.

6. Interpretação como autocrítica.

7. Positivismo e sua tentativa de obnubilar a ‘subjetividade’.


8. Somente a distância temporal que pode resolver a questão da
hermenêutica crítica – a ‘compreensão’ das falsas pré-compreensões que
nos levam à incompreensão.

9. Característica da hermenêutica é sua prontidão de rever suas


opiniões quando melhores ‘insights’ surgem.

10. A interpretação se opera em tempos diferentes – em uma


consciência que se efetua temporalmente – a história determina o pano de
fundo de nossos valores, cognições e, até mesmo de nosso juízos críticos.
11. A consciência do tempo presente é ela mesma determinada e
constituída historicamente –’ necessidade de elaborar nossa ‘situação
hermenêutica

12. Gadamer traz de volta a questão da aplicação – o problema


hermenêutico da aplicação.

13. Para Gadamer a compreensão é sempre interpretação, assim


interpretação é a forma explícita da compreensão.

Interpretação não é somente um ‘ex post fato’ suplemento da


interpretação.
14. A compreensão envolve algo como ‘aplicação’ – aplicando texto para
ser entendido na situação presente do intérprete.

15. O conceito de hermenêutica abarca: a literária; a teológica e a


jurídica.

16. A hermenêutica teológica e a jurídica: nelas há uma tensão entre o


‘texto fixo’ – do direito ou do evangelho – e o sentido (Sinn) a que se chega
por meio da aplicação no momento concreto da interpretação, seja nos
julgamentos seja na pregação.
17. Uma lei não existe para ser compreendida historicamente, mas para
ser concretizada em sua validade legal ao ser interpretada (processo unitário
= compreensão + aplicação).

18. Esta situação implica em que o texto, seja o legal seja o do


evangelho, se for compreendido corretamente – ou seja, de acordo com
a pretensão que ele apresenta – deve ser entendido a todo momento, em
cada situação concreta, em um novo e diferente modo.

19. A tensão:
(1) identidade do objeto comum (o texto);
(2) a mutabilidade das situações em que ele deve ser ‘compreendido’.

20. Compreensão se demonstra como um evento.


HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

21. Emilio Betti – distinção:


(1) cognitivo/normativo
(2) interpretação reprodutiva.

Betti (epistemológico) – forma representativa (um espírito [do


autor] fala a outro [intérprete]) x Gadamer (ontológico) – procura a
ideia da lei – não é uma decodificação, mas uma adequação a uma
questão prática do presente. Não é uma investigação histórica.

22. Gadamer: a interpretação jurídica é um processo unitário –


descoberta do sentido e como aplicar o texto legal. Na interpretação
legal o intérprete deve adaptar-se às circunstâncias particulares.
24. Gadamer: uma pessoa que é dominada por suas paixões subitamente
não pode ver mais o que é certo fazer em uma dada situação. Aquele que
perdeu seu autodomínio e, assim, sua própria correção, qual seja sua própria
correção dentro de si – de modo que dirigido pela dialética da paixão, em que
sua paixão lhe dita aquilo que lhe parece correto.

Novamente é colocada a situação hermenêutica particular do


intérprete.
GADAMER E A HERMENÊUTICA JURÍDICA

1. A hermenêutica jurídica não tem o propósito de entender


determinado texto, mas sim tem que ser medida prática preenchendo
a ‘lacuna’ no sistema jurídico-dogmático.

2. A suplementação jurídica do juiz na concretização da lei no caso


específico como um trabalho de concretização.

3. Aplicar o direito não é uma mera questão de conhecer o direito.


a) Tem que conhecer o direito + os elementos que determinam essa aplicação.
b) Mas o pertencimento ao governo da lei é necessário para o reconhecimento
da ordem jurídica como válida e que ninguém pode isentar-se de seu
cumprimento (nem o juiz).
4. Aplicar o direito não é uma mera questão de conhecer o
direito.
a) Tem que conhecer o direito + os elementos que determinam essa aplicação.
b) Mas o pertencimento ao governo da lei é necessário para o reconhecimento
da ordem jurídica como válida e que ninguém pode isentar-se de seu
cumprimento (nem o juiz).

5. A importante e essencial conexão entre a hermenêutica


jurídica e a dogmática jurídica.
- Gadamer afasta a ideia de uma dogmática jurídica que torne cada
julgamento em um mero ato de subsunção.

6. O papel criativo do juiz na hermenêutica jurídica.


7. A versão de Gadamer do círculo hermenêutico lida com preconceito
(não no sentido negativo), tradição e compreensão no processo de
interpretação.

8. Para Gadamer, uma abordagem historicista da teoria da interpretação é


crítica, uma vez que a situação de uma pessoa na vida é dada em sua perspectiva.
O intérprete aplicador do direito é ser ‘historicizado’.

9. Há uma real distinção entre interesse histórico e interesse dogmático?

- Jurista compreende o sentido da lei no caso presente e por causa do presente


caso. O intérprete-aplicador aplica a interpretação partir do que ele ‘aprendeu’
no caso presente.

- Historiador não tem nenhum caso para começar e, assim, ele determina o
sentido da lei pela construção de toda sua linha de aplicações (para entender o
sentido atual da lei, precisa-se mediar entre a aplicação original e a aplicação
atual.
10. Gadamer produz uma crítica à Escola Histórica de Savigny [1840: System
des römischen Rechts], porque esta tinha como escopo da hermenêutica jurídica
uma pura função histórica em que este autor ignora a tensão entre a intenção
original e o sentido jurídico no presente.

11. A lei é uma criação legal que necessita ser entendida de um modo
jurídico. A Escola Histórica de Savigny tinha como escopo da hermenêutica
jurídica uma pura função histórica em que este autor ignora a tensão entre a
intenção original e o sentido jurídico no presente.

12. Para Gadamer uma condição essencial para a possibilidade de uma


hermenêutica jurídica é que se reconheça que a lei é vinculante para todos
os membros da comunidade.

13. O juiz é submetido ao direito como todo e qualquer membro da


comunidade.
14. A ciência do direito, para Gadamer, está se afastando do
formas extremas de positivismo, o que, também para ele, é
historicamente compreensível.
*Pós-positivismo (rótulo genérico)?

15. Um positivismo jurídico que limite a realidade do direito


inteiramente ao ‘direito estabelecido’ – subsunção dedutiva pura)
nega a relação indissolúvel entre a ideia da universalidade do direito
e a situação concreta do caso.
16. Por outro lado, não se pode assumir a força do caso concreto para a
criação do direito como algo dedutivamente pré-determinado, gerando
um improvável sentido de dogmática que contenha todas as verdades
jurídicas, formando um sistema coerente, perfeito.

- Não tem sentido uma dogmática perfeita.


- Necessidade de uma mutabilidade dentro de certos limites.
HERMENÊUTICA JURÍDICA - JOACHIM HRUSHKA (1935-2017)

Verständnis und Interpretation


(Compreensão e Interpretação)

1. Ponto de vista fático e sua relação vivencial com a questão a ser objeto
da interpretação: colocar os próprios pontos de vista em questão
para tornar possível sua compreensão a partir do texto.
2. De início não se modifica os pontos de vista fáticos, mas sua
modificação já é pressuposta anteriormente, como antecipação
de sentido (Sinnantizipation) como expectativa geral de sentido
(Sinnerwartung) - daí a estrutura hermenêutica da pré-
compreensão (Vorverständnis).

3. Hruschka propõe a reflexão que torna possível deixar a pré-


compreensão em seu conteúdo, o que, por sua vez, permite que a
pré-compreensão seja criticável e submetida à correção por
meio do texto. A questão se põe como justificável ou não diante
do texto.
4. Essa reelaboração explícita da antecipação de sentido deve evitar
que entre em jogo as pré-opiniões (Vormeinungen) não reconhecidas
que tornem a compreensão do texto impossível.

5. Necessidade de revisão e suspensão de pré-juízos inconsistentes


somente pelo recuo e aclaramento. O tratamento do texto como
‘óbvio’ leva ao fracasso da compreensão textual.

6. Nesse contexto se coloca a relação hermenêutica com textos


legais/jurídicos.
8. A “Fusão de horizontes” (Horizontverschmelzung)
de Gadamer coloca a tarefa do leitor ou do ouvinte
diante de limites de um precipitado alinhamento do
texto com suas expectativas de sentido, o que se
resolve com a suspensão dos pré-juízos e pré-
compreensões.

9. Nessa suspensão há sempre uma correlação do


horizonte em que vive “aquele que compreende” com
o horizonte de onde o texto se origina.
10. O horizonte do presente está sempre em construção: uma
confrontação com aquilo a ser compreendido e que se realiza com
o texto compreendido. O texto compreendido reside em um
horizonte que para ser efetivamente compreendido deve ser
apreendido no apropriar-se da compreensão.

11. A compreensão não pode ser um simples ‘compreender-se-


com-o-outro’ como se fosse uma simples comunicação, mas
deve expressar antes de tudo a ideia de conformidade ‘em
algo’. “Compreender-com-o-outro” significa ‘acordo’ sobre a
compreensão de “alguma coisa”.
12. Nesse compreender “alguma coisa” a compreensão
conquista sua própria racionalidade e pode ser expressada na
linguagem e transformada em “interpretação”.

13. A perspectiva e a visão de um texto é interpretada, em que


as questões nele tratadas são levadas a uma nova
representação – segundo a intenção do intérprete. Mas
somente segundo essas questões (do texto) e nada mais.
14. Hruschka: a tese básica do positivismo jurídico sucumbe
com a perspectiva hermenêutica porque não recorre à
dimensão ‘externa à linguagem’, sem a qual os textos não
podem ser compreendidos e conduzidos à linguagem. Os
textos legais não são exceção.

15. Nesse cenário, o “legal” não se determina, portanto, como


“autônomo”, pois os textos legais não são “expressão da
legalidade” e necessitam ser transformados em algo
“compreensível”. Desafio ao dogma do “estar-em-si” do direito
positivo mostra seu lado obscuro.
16. De modo circular: a base para a interpretação jurídica é o
texto legal, os qual, por sua vez, necessita ser interpretado.

17. O texto legal não é um puro objeto físico das palavras e


signos, em face do qual, desprovido de qualquer relação, o
julgador, em vez disso, terá que estabelecer com ele uma
relação. Antes de voltar-se rumo à interpretação, o intérprete
já dever uma compreensão do texto legal (dogmática??),
mesmo que ainda de modo fragmentário. Sem isso, não teria
como dar início à interpretação.
18. Não é satisfatória a pura referência à ‘lei’ como
ponto natural de partida de todo ‘interpretar’, essa
‘lei’, desde o momento em que surge como ponto de
partida, deve ser de alguma forma ‘compreendida’.
19. A compreensão desse ‘ponto de partida’ pressupõe
questões: (1) o que o julgador pressupõe e em que ele
contribui? (2) o que deve o julgador pressupor e em
que ele deve contribuir?

20. São perguntas fenomenológicas: não indagam


sobre o que deve ser, mas sim sobre o que ocorre no
ato de compreensão do texto legal.
21. A autonomia do conceito de interpretação em face do
conceito fundamental de compreensão.

22. A interpretação jurídica não pode ser pensada sem uma


compreensão do direito, essa compreensão como elemento
autônomo é ‘externo’ ao direito.

23. Compreensão = busca epistemológica ////////


Interpretação como objetivação linguística do sentido
perseguido, tornando tangível, acessível e transmissível.
24. Para a hermenêutica jurídica de textos legais é
fundamental e de notável consequência ter-se em
mente que o texto legal possui assim um sentido por
meio de fenômenos ‘extrapositivos’. Por fim, deve ser
observado que o direito se refere a um princípio
‘extrapositivo’: a compreensão.
CONTRIBUIÇÃO DE F R I E D R I C H M Ü L L E R PARA A
HERMENÊUTICA JURIDICA
– metódica estruturante –

Elementos estruturais:

1. Texto normativo;
2. Campo ou âmbito normativo;
3. Programa normativo;
4. *Texto normativo como ‘ponta do iceberg’ normativo.
✓Para Müller, a texto da norma é a "ponta do iceberg
normativo" (Müller 1994, 271), apenas um dos elementos em
torno do qual a "normatividade" está estruturada.
✓A normatividade, em contraste com o positivismo jurídico,
(Müller 1994, 20), não pode ser pensada independentemente
da realidade (Wirlichkeit).
✓Müller postula o texto normativo como revelação apenas de um
feixe inicial do que realmente significa um determinado
mandamento jurídico.
✓A norma não se limita exclusivamente ao texto.
A 'descoberta' da 'norma' passa pela busca do seu
âmbito normativo / campo normativo:
(dos aspectos factuais e relativos aos aspectos
administrativos, legislativos e jurisdicionais do
Direito Constitucional), a partir dos quais será possível
descobrir a norma a ser aplicada como uma solução para o
caso concreto em questão.
Friedrich Müller e o problema interpretativo
relacionado com as denominadas lacunas no
direito:

“Se for constatado que a questão levantada pelo caso na lei


(constitucional) atual não é regulamentada com clareza suficiente -
o "problema da lacuna" na metodologia convencional - então a lei
constitucional de forma alguma autoriza isso preenchendo lacunas,
pela chamada formação jurídica criativa praeter ou contra legem.
Na contorção e na ruptura de uma norma jurídica que carece de
uma regulamentação sem um texto normativo positivo”.
GADAMER

“TODO SER QUE PODE SER


COMPREENDIDO É LINGUAGEM”
Niklas Luhmann (O direito da sociedade):
“Interpretar não se presta à autoiluminação, senão para a aplicação em conexões
comunicativas, de modo que então sempre são apresentadas ocorrências, fundamentos,
argumentos e, assim como sempre, fica a certeza de que podem ser impulsionados novos
argumentos, o que contribui para a utilização e reconhecimento de autoridade*. Supõe-
se por isso que os participantes na comunicação tem sempre o mesmo texto diante dos
olhos(...).

➢Interpretando: O texto? A intenção? Axiologia? Regras? Princípios?


COMO COMPRENDER A TAREFA HERMENÊUTICA DO INTÉRPRETE
JURÍDICO NA COMPLEXIDADE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA?

Uma visão a partir da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann


(Escher) – “Drawing Hands”, uma imagem dos ‘paradoxos’.
„Das Recht stammt nicht aus der Feder des
Gesetzgebers“
(“O direito não se origina da pena do legislador”).
Rechtssoziologie. 3ª ed. Darmstadt: Wesdeutscher Verlag. P. 208.

A deficiência do conceito de positividade do direito


“Bom que se registre que as operações que se realizam no interior do sistema se inserem no
conceito de decisão. Essa interpretação se funda na visão de LUHMANN (1987a: 207-217) de que
de modo equívoco, por influência do positivismo científico, passou-se a ver o conceito de
positividade que funda na ideia de uma ‘norma positivada’, posta pelo legislador. Sem meias
palavras, LUHMANN (1987a: 208) declara que: „Das Recht stammt nicht aus der Feder des
Gesetzgebers“ (“O direito não se origina da pena do legislador”).
LUHMANN se posiciona teoricamente contra essa deficiência do conceito de positividade
do direito, que conduz a um ‘decisionismo’ (LUHMANN, 1995: 38-39), sendo que este autor
recoloca a questão das decisões jurídicas em um processo decisório autopoiético e autorreferente
em que a validade do direito é imputada ‘juridicamente’ a essas mesmas decisões.”

(VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingência no sistema jurídico.
2015. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 87).
UMA SOCIEDADE SEM SERES HUMANOS?

Ser humano como acoplamento entre sistema biológico e sistema


psíquico.

Acoplamento do sistema psíquico com o sistema de comunicação


que é a sociedade moderna (diferenciada
funcionalmente/comunicações especializadas).

A ideia de pessoa como construção do sistema: homem como


elemento do ambiente do sistema.
A i m p r o b a b i l i d a d e d a
c o m u n i c a ç ã o :

A dupla contingência (alter e ego).

O processo seletivo da comunicação: produção de um conteúdo


informativo, emissão e aceitação desse conteúdo.

COMUNICAÇÃO – código binário - construção do sentido (Sinnbegriff):


meios simbolicamente generalizados.
IDEIAS CENTRAIS DA TEORIA DOS SISTEMAS (NIKLAS LUHMANN)

▪ Sistema (System) e Ambiente (Umwelt)

▪ Autorreferência e heterorreferência: o problema redução de


complexidade.

▪ Autodescrições e heterodescrições
▪ A sociedade como um sistema de comunicação
(diferentes comunicações).

▪ Racionalidades – racionalidade sistêmica (construção do


sentido) ➔ HORIZONTES (Edmund Husserl) em que a
comunicação pode se movimentar (comunicar).

▪ A realidade como construção: policontexturalidade.


▪ Funcionalismo: da função à estrutura (inverter a lógica da
estrutura que se volta a uma função)

▪ Problemas e soluções especializadas: adequada a superar a


improbabilidade da comunicação.

▪ Diferenciação funcional e as necessidades diferenciadas de


racionalidade da sociedade moderna altamente complexa
▪ Função (sistêmica) social do direito: normatividade do direito
e expectativas sociais.

▪ Prestações do sistema jurídico (Verhaltenssteuerung &


Entscheiden).

▪ Direito como sistema social autopoiético: codificação e


programação.
Autopoiese:

▪ Operative Geschlossenheit & kognitive Öffnung (fechamento


operacional & abertura cognitiva).

▪ O paradoxo da abertura no fechamento.

▪ Autoprodução e autoreprodução do sistema:


Selbsterzeugung/Selbstreproduktion des Systems.
▪ Há uma função e v o l u t ó r i a do sistema jurídico?

Epistemologia evolucionária: mecanismos evolutórios do sistema


jurídico: variação – retenção – estabilização (Donald T. Campbell).

Expectativas sociais: normativas e cognitivas: como o direito deve


reagir às frustrações de expectativas? Sanção? Aprendizado?

Possibilidade de mudança: incorporação de mudanças sociais,


capacidade evolutória.
▪ A constituição como ‘acoplamento estrutural’ – política e
direito? Relação horizontal-funcional e não vertical-
hierárquica. O direito deixa de ser um mero instrumento de
implementação do poder político. Reciclagem do direito pela
‘abertura cognitiva’.

▪ O caráter ‘imunológico’ da função social do direito (teoria


da separação de poderes – Tratamento jurídico de conflitos:
solução, prevenção e futuro).
▪ Mecanismos de imunização dos sistemas (política
partidária x administração pública x opinião pública)

▪ A Constituição imuniza o direito como imunização do


poder, o juiz constitucional deve atuar com vistas a que o
texto constitucional é um texto imunizante do poder na
democracia (De Giorgi).
O intérprete como ‘observador de observadores’ (círculo
sistêmico?) : intérprete do ‘mundo’ que assume riscos.

▪ O intérprete jurídico ‘observado’: quod custodiet ipsos custodes?

▪ Aplicação autopoiética versus aplicação alopoiética.


▪ Riscos da decisão – falta de efetividade, limites da concretização da decisão.

▪ Ressonância e negação.

▪ Soluções jurídicas simbólicas e illusion of control: riscos do ativismo


autológico (fechamento sem ‘cognição’) e alopoiético (heterorreferente)

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