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Resumo. A partir da metade dos anos 60 vários autores – desde cientistas políticos,
jornalistas e, em menor número, historiadores – se debruçaram sobre o golpe civil-
militar de 1964 e suas consequências, construindo, paulatinamente, uma perspectiva
histórica que hoje se encontra amplamente estabelecida. Num primeiro momento,
essa perspectiva é mais fruto do trabalho de sociólogos e cientistas políticos, do que
propriamente de historiadores e os estudos sobre o papel dos Estados Unidos na
derrubada do governo João Goulart não foge a esse quadro. O presente trabalho
pretende realizar um balanço historiográfico, traçando os nuances, rupturas e
continuidades do conteúdo em questão. Para isso, foram selecionadas e analisadas
três obras de grande impacto acadêmico, consideradas fundamentais para a
elaboração dessa “perspectiva histórica” e que, ainda hoje, compõem o corpo
bibliográfico de qualquer estudo sério sobre a participação dos Estados Unidos no
golpe de 1964 e as relações exteriores de ambos os países no período. Um tema
permeado por lacunas, discussões e problemáticas envoltas no contexto da crise
política e institucional do governo João Goulart.
Introdução
2 Lincoln Gordon atuou como embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1961 a 1968. Colaborou
com a força tarefa designada para definir as diretrizes e pôr em prática a Aliança para o Progresso na
América Latina e é considerado um dos personagens centrais nas articulações estadunidenses com
os conspiradores civis e militares no Brasil nos idos de 1964.
3 Vernon Walters foi indicado por Lincoln Gordon como adido militar na embaixada dos Estados
Unidos no Rio de Janeiro, por suas ligações antigas como Exército Brasileiro.
seu livro. Teria ele guardado para o final? Consultei ainda o livro de
John Dulles e constatei, nesse meio tempo, que eles não a
conheciam (GREEN; JONES, 2009, p. 69).
Pode-se afirmar com certa precisão que o grande trunfo da obra de Phillys R.
Parker seja a descoberta e os detalhes acerca da Operação Brother Sam, provendo
evidências concretas de que o apoio estadunidense não se deu apenas no campo
político ou diplomático. Segundo a autora, a posição de força com a qual os Estados
Unidos gradativamente influíram no campo diplomático causou resultados negativos
no cenário político interno do Brasil.
Por fim, Parker conclui que Goulart era um presidente fraco, sem habilidades
de liderança, que teria incitado a cisão entre os militares, causando sua derrubada.
Ademais, Goulart não dispunha de vantagens econômicas; para a autora, ele utilizou
seu prestígio entre os movimentos de trabalhadores como “um trampolim para
expandir sua base de poder” (PARKER, 1977, p. 131). Todavia, as críticas de Parker
4Para uma análise mais profunda sobre o tema ver BANDEIRA, Moniz. De Martí a Fidel – A
Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1998.
quanto à política adotada pelos Estados Unidos acompanham toda a obra. Para ela,
os estrategistas estadunidenses, norteados pelos seus interesses econômicos e
pelo anticomunismo, vincularam os programas de assistência financeira, como a
Aliança Para o Progresso, aos seus objetivos políticos, desrespeitando toda a
integridade e soberania da nação brasileira.
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(1) building military alliances along a containment line and (2) promoting the interests of American
business abroad. To a much more incidental degree, it also provided humanitarian relief and limited
technical assistance to the underdeveloped countries.
mergulhado na crise política e econômica como o Brasil. As ações dos EUA na
Conferência em Punta Del Leste e a tentativa de Invasão na Baía dos Porcos em
Cuba, em 1961, logo inflamaram ainda mais o discurso anti-imperialista na América
Latina e o nation building, traduzido pela Aliança, passa a ser visto como um
programa de cunho idealista.
Outro dado novo, revelado a partir das pesquisas de Fico e que ainda não
havia sido apontado por outros analistas, é que, ao contrário dos depoimentos dos
funcionários estadunidenses, como Gordon e Waters houve envolvimento de
brasileiros na Operação Brother Sam. A existência de um contato brasileiro que
cuidaria da entrega das armas, munição e combustível é reveladora. Trata-se do
general-de-brigada José Pinheiro de Ulhoa Cintra, que segundo Castello Branco “era
um dos grandes revolucionários do Exército”, era seu subordinado fiel dos campos
da Itália e, portanto, bastante confiável (FICO, 2008, p. 94-95).
Em 28 de março de 1964, Gordon informou que o general Cintra ficaria
encarregado de fazer uma avaliação sobre a necessidade suplementar de armas
destinadas as forças golpistas e avisaria Vernon Walters;essas armas seriam
enviadas por meia daOperação Brother Sam. A preocupação de Gordon era com os
poucos recursos da polícia e do Exército Brasileiro, incapazes de resistir a grandes
distúrbios internos. Desse modo, Gordon defendeu nos últimos dias antes do golpe
uma participação quase militar dos Estados Unidos no Brasil, descartada por seus
superiores. Ele insistia no risco do país tornar-se comunista. Durante todo o mês de
março, de acordo com Fico, Gordon exerceu um papel fundamental na interpretação
e convencimento do Departamento de Estado de que havia um grande risco no
Brasil.
A nova polêmica levantada por Fico demonstra que a Brother Sam foi
conhecida e planejada com a cumplicidade de brasileiros, como o general Ulhoa
Cintra, auxiliar de Castello Branco, que também estava informado sobre a operação.
Assim, conclui o autor, ocorre uma sucessão de erros por parte do governo dos
EUA, desde o financiamento secreto nas campanhas governamentais de 1962, a
inútil e embaraçosa Operação Brother Sam, o reconhecimento do novo governo
militar com Goulart ainda no Rio Grande do Sul, assim como a aceitação do AI-2,
sintetizam o rol de desastres por parte do governo estadunidense com atuação
central de Gordon.
Considerações Finais
Referências
FICO, Carlos. O grande irmão: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo.
O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
LEACOCK, Ruth. Reaquiem for Revolution: the United States and Brazil, 1961-
1969. Kent: Kent State University Press, 1990.