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| Saúde Integral, Poder, Cultura e AIDS
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Luiz Fuganti: Algumas pessoas colocaram de fato questões e outras já Cultura e AIDS
deram sugestões e colocações. Já tem muito pensamento, envolvendo Intervenções do Público Visualizações de
isso tudo: atitudes, práticas e a questão seletiva. Na medida em que eu Fala final de Luiz Fuganti Conteúdo : 1204008
for me lembrando de algumas questões essenciais eu vou falando e aí
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peço a generosidade de vocês. Se eu me ausentar de algumas
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questões, me sinalizem de novo: “olha, e essa questão e aquela...,
aqui você esqueceu, aqui você passou e assim por diante”.
Eu vou tentar falar segundo o que está me afetando mais imediatamente e as questões mais gerais do
ponto de vista das políticas públicas que eu me lembro foram levantadas. A gente pode começar pela
questão de como o Brasil ultrapassou as dificuldades iniciais. Eu digo que são iniciais, porque ainda há
muitas dificuldades. Também no Brasil, acredito que ainda se morre de Aids. É muito menos, acho que é
apenas uma minoria, mas acho que ainda acontece isso. Felizmente o Brasil tem algumas comunidades,
alguns movimentos, muito ativos em algumas áreas. O Brasil também tem um setor que é bem forte. Existe
muito homossexualismo no Brasil. As comunidades homossexuais são muito organizadas ou aprenderam
a se organizar e a se defender, porque também no Brasil existe muito preconceito contra homossexuais.
Inicialmente os próprios norteamericanos, a Europa, a moral estabelecida e as religiões diziam que era
uma doença de homossexuais. Era uma doença de libertinos, era uma doença que pegavam aqueles que
se comportavam mal. Era uma espécie de castigo divino ou de outra espécie. Mas, enfim, era preciso
mudar o seu comportamento. O que eu quero dizer é que, no Brasil, esse discurso moralista, nesses
movimentos, não pegava. E esses movimentos começaram a se organizar e a se defender muito
fortemente. E começaram a tomar atitudes em relação à maneira de se relacionar sexualmente e inventar
meios de esclarecimento, meios de se fazer prognósticos, diagnósticos, de remediar, de desestigmatizar
etc. Esse lado, não só das comunidades homossexuais, mas de muitos outros movimentos como também
os GAPs, Grupos de Apoio aos Portadores de HIV, de artistas, de mulheres, mães, porque no Brasil tem
muitos movimentos ativistas se organizando em torno de entidades civis foram muito importantes para
forçar o governo brasileiro a ter uma atitude mais ativa e criar uma política pública direcionada para essa
questão. A gente sabe também que onde o capitalismo é um pouco mais desenvolvido percebese que ele
atua diretamente naquilo que desagrega socialmente e que também viabiliza a condição de sua
reprodução. Então o HIV não se tornou simplesmente uma ameaça para a vida e para as comunidades.
Ele se tornou também uma ameaça para o modo de viver em sociedade, de acumulação econômica, de
negociações etc., de uma sociedade que precisa, digamos assim, da paz, da saúde e da estabilidade para
realizar bons negócios. Então isso faz parte também de uma atitude de um país que quer manter o seu
nível econômico, seu desenvolvimento econômico. Mas essencialmente teve de fato uma atitude do poder
público e do Ministério da Saúde. Houve uma política do SUS – Sistema Único de Saúde muito ligada é
claro à ação direta dessas comunidades que respondeu à altura e teve atos de Estado que tomaram a
saúde pública como sendo uma prioridade em relação aos negócios privados. Por exemplo,
recentemente, o atual governo do Lula quebrou a patente de um grande laboratório norteamericano, pela
primeira vez na História, porque esse laboratório não queria abrir mão dos lucros exorbitantes que ele
estava tendo em cima de uma descoberta que produzia um medicamento importantíssimo que faz parte do
coquetel que atua para manter a vida dos portadores do HIV. Há, então, uma atitude estatal forte nesse
sentido, há uma intervenção do Estado muito forte, mas que não é simplesmente uma vontade de um bom
governo, mas uma conquista social. Os próprios movimentos sociais se impõem, de alguma maneira,
conjugados com o ministério e fazem essa atuação direta. Uma vez que a pobreza no Brasil é muito forte,
as desigualdades no Brasil são muito grandes, existem ricos muito ricos, mas muito mesmo, e existem
pobres muito pobres; existem pobres não tão pobres; pobres ainda um pouco menos pobres. Enfim, existe
de tudo, mas a grande maioria é pobre e talvez tenha até 30% de gente que viva naquela linha abaixo da
pobreza. Eu preciso ver isso, pode ser que não chegue a ser 30%, mas bem acima de 20% vive na linha
abaixo da pobreza. Então o Brasil é um país de grandes desigualdades e sabese muito bem que onde há
muita pobreza e falta de condições, se o Estado não intervir, existe uma calamidade pública mesmo, uma
epidemia que não tem mais nenhum controle. O brasileiro gosta muito de sexo; faz muito sexo. É uma
cultura de sexo, é uma cultura que vitaliza e que prioriza do corpo; as pessoas gostam dos prazeres da
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vida. A sexualidade faz parte da vida, é uma coisa bonita. E é por isso que aqui eu já aproveito e respondo
uma questão sobre o não uso do preservativo. Não é que é uma boa ou má idéia. Eu sinto que é uma
idéia que não convence. Porque a natureza, a vida não funciona por proibição ou por uma sugestão de
abstinência. É mais ou menos como você dizer: a tua vida tem mil faces, mas tem cem ou cento e
cinqüenta faces que você não pode viver, que é proibido você viver. É uma coisa estranha para a vida. Um
dia desses, lá na Matola sede, me perguntaram sobre a questão do sexo com animais e queriam saber,
em outras palavras, se isso era legítimo. Se isso deveria ser feito ou não. Aí eu respondi que a questão
não era se deve ou não deve; se há relação, é porque pode. Se há é porque pode, mesmo que tenha uma
proibição. A questão é que se é natureza, ela gosta do que pode, faz o que pode. A questão então é não
proibir o que pode, mas, aí sim, fortalecer a capacidade seletiva para que tudo o que ela puder seja
vitalizador, seja potencializador; que não se morra pela boca e não se beba o próprio veneno ou morda a
isca que nos mata. Então é esta a questão. Não exatamente proibir a relação, mas agir nessa relação de
um modo tal que você tenha a capacidade, tenha a prudência, tenha a defesa para não ser destruído.
Então, se relacionar sim, mas de modo suficientemente protegido para que você se fortaleça a cada
relação que você tenha e não se enfraqueça. E assim, sob todos os pontos de vista e não apenas sob o
ponto de vista do HIV. Do ponto de vista ético; do ponto de vista das idéias; do ponto de vista da vitalidade
do corpo; da alegria coletiva; da coletividade; da cultura; de todos os pontos de vista: todas as relações
que a gente tem, a gente pode ter. Mas a questão é: de que jeito que você pode ter? Não é de qualquer
jeito, não é de qualquer maneira. Então essa é a capacidade seletiva, aí entra a questão que a própria
cultura, na sua essência é isso.
“A cultura cria a maneira de viver. Essa é a postura ativa da cultura. É por isso que a cultura não pode se
jogar fora, não pode se menosprezar. Porque as culturas criam estilos próprios de viver e aquilo que se
chama cultura simplesmente como uma tradição estagnada, isso não é cultura. A cultura é sempre viva, é
sempre dinâmica, ela sempre se modifica”.
Então o que o Estado geralmente faz em relação à cultura, dizendo que isso vai para o Ministério, vai para
um departamento, é folclorizar a cultura. A cultura vira folclore. E por que vira folclore? Porque é um objeto
de troca, uma mercadoria. Eu posso vender uma dança, um canto, uma atitude: ‘Olha que bonito, que
exótico’. Aquilo tem valor de mercado.
É o capitalismo já matando a cultura, folclorizando a cultura, mas a cultura em sua essência é outra coisa.
É uma atitude ativa que seleciona maneiras de viver. Modos de vida que não proíbem as relações como:
‘Ah, uso camisinha ou não uso camisinha...’. Não é pela produção é pela capacidade de fazer com que
cada relação seja fortalecedora e não enfraquecedora. É uma capacidade que faz com que toda relação
tenha algo de positivo para dar, uma vez que para que haja relação tem que ter algo em comum. Então,
essa postura responde à questão de ‘Ah, não use camisinha, mas se abstenha do sexo”. Não vai
funcionar. Ao menos para mim não funcionaria e acho que para muita gente. Então, tem gente que é
capaz de se abster. Existe gente que é capaz, mas são muito poucos. Você vê a igreja católica. Os padres
são proibidos de casar. Mas há muita promiscuidade nos conventos, entre as freiras, entre os padres. Há
muitos casos de pedofilia, safadeza, sacanagem. Há muito nessas instituições que proíbem o padre de ter
relações sexuais. A proibição sempre chama a transgressão. Então a questão é outra, a gente tem que ir a
favor da natureza e não contra a natureza; a favor do amor, a favor da vida, a favor do sexo, a favor de tudo
o que é bom. Porque isso é bonito, faz parte da vida e não estigmatizar a vida e dizer que há um modelo
de comportamento, que deve ser assim e não deve ser assado, porque não vai funcionar. Não é uma
atitude boa. Então, a sociedade brasileira, ainda voltando àquela outra questão de como o Brasil resolve
isso...
“De alguma maneira, a sociedade brasileira é mais plural nesse sentido. Ela já admite várias maneiras de
se relacionar. Vou dar como exemplo uma política municipal na cidade de Santos”.
Houve um prefeito que morreu há uns três ou quatro anos de câncer, chamado David Capistrano. Mas,
antes disso, ele foi secretário da saúde do município, na época da prefeita Telma de Souza, do PT
Partido dos Trabalhadores. Nessa gestão, Santos foi a primeira cidade no Brasil que começou a distribuir
seringas descartáveis e camisinhas no Porto de Santos. O Porto de Santos era o lugar onde mais havia
contaminação de Aids, por causa da prostituição e também porque a droga rolava solta. Então, você vai
dizer o que? Não use drogas? Enquanto isso os jovens vão se drogando, usando a mesma seringa e isso
e aquilo e a Aids vai se espalhando e se torna uma calamidade pública. A prefeitura começou a distribuir
seringas e os moralistas tiveram uma atitude radical. A Igreja, vários setores reacionários da sociedade
disseram que era um absurdo que estavam incentivando o uso das drogas, aprovando uma prática que
deveria ser proibida. O que se entendia na época era que uma atitude moral não iria resolver. As pessoas
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usavam drogas do mesmo jeito.
Assim, pensouse, ao menos, em como conter a contaminação. Com a camisinha foi a mesma coisa. As
prostitutas do Porto de Santos não só espalhavam a Aids na própria cidade e no Estado de São Paulo,
mas para o mundo inteiro, porque é um porto internacional e os marinheiros poderiam espalhar a Aids
para o mundo também. Santos era a cidade com o maior nível de contaminação de HIV e reduziu
drasticamente. Foi uma atitude política do Partido dos Trabalhadores. Foi este secretário da Saúde
municipal, prefeito mais tarde, mas na época David ainda era secretário municipal, quem desospitalizou o
Anchieta, sendo o primeiro manicômio brasileiro a ser fechado. Soltou os loucos, tratandoos de outra
maneira. Porque até então eles recebiam eletrochoques, camisasdeforça. Então, são práticas, são
atitudes públicas necessárias e favoráveis à vida e não contra, do tipo “não faça, não faça”, porque se a
vida pode ela vai fazer, ela vai dar um jeito de fazer.
Aí entra uma outra questão que atravessou aqui. As camisinhas fora do prazo ou que estão contaminadas
com algum tipo de bactéria. Isso pode acontecer. Então tem que se desenvolver laboratórios ou ter lugares
de checagem. Esta deve ser uma exigência dos movimentos e dizer que querem checar a positividade
desse produto. É preciso a garantia, a autenticação do Ministério da Saúde: um selo do Ministério da
Saúde dizendo que o produto é bom. Mostrar que não vai fazer mal à população, mas sim defendêla,
levando esse produto para ela, seja alimento, seja camisinha, medicamentos em geral. Isso é
fundamental.
Respondendo a uma outra questão em relação às ofertas de alimentos que vêm do exterior. Esse tipo de
oferta muitas vezes vem bem intencionado, digamos assim. Existe muita gente que realmente é solidária e
sensível à pobreza dos povos, às doenças. Tem muita gente assim. Mas, o problema é que essa mesma
gente não tem o controle do processo do envio e recebimento. Então os que detêm o controle do
processo, geralmente é gente de poder. É gente que enriquece às custas disso. Provavelmente se
apodera dos próprios alimentos, troca os alimentos. É possível que haja donos de supermercados ou de
distribuidoras de alimentos que simplesmente modificam esse tipo de questão. Eu sei que existem
instituições sérias como, por exemplo, os médicos sem fronteira. Parece que é gente muito séria. Na Cruz
Vermelha, também há gente séria, não tenho bem certeza, mas parece que ela é uma instituição séria. A
questão é se aliar com instituições sérias, criar alianças mesmo. Se o governo não ouve, vá direto a essas
instituições, mostrando que os problemas existem, são sérios e é preciso resolvêlos. Que precisamos
checar se as camisinhas que chegam são válidas, são boas. O mesmo em relação aos alimentos. Ou seja,
criar um posto de fiscalização, laboratórios. E essa atitude tem de vir de vocês mesmo e chegar até os
órgãos que podem realmente ter força de decisão para que o governo tome uma atitude diferente.
E, agora, respondendo a uma outra questão. O governo ou o atual Estado não digo o Guebusa... E
quem sou eu para falar de Guebusa, de Chisano? De Machel, acho que posso falar, porque simpatizo com
muita coisa que vi aqui. Tenho também minhas críticas, a gente pode falar entre amigos, não vou sair
falando, mas enfim. Tinha realmente uma atitude de unidade nacional, o espírito de vigilância, de cuidado
com o inimigo, o espírito de força de trabalho, a partir do próprio povo, de construção da própria riqueza,
da atitude que alguém estava falando antes – acho que foi você – de a gente ter uma atitude criativa e não
esperar simplesmente favores de fora. Então, a riqueza se faz em casa; a riqueza se faz pela atitude; pela
capacidade produtiva que tem de se desenvolver, enfim. Entretanto, o Estado atual é um Estado que vem
com duas insígnias: liberdade e democracia, certo? Mas o modelo é ocidental. Esse Estado democrático e
livre é o mesmo que, em nome do povo, enriquece poucos, se serve da máquina administrativa e
burocrática para fazer negócios privados e espúrios e rouba ou desvia literalmente orçamento público,
senão diretamente, de modo indireto. Onde tem suas propriedades, valoriza aqui, valoriza ali. Ou seja, há
um direcionamento para que se acumule e que se privatize. Então eu digo sempre que o Estado
democrático e livre ocidental, que é tão propalado e querido como um valor universal tem um conteúdo
terrível. O conteúdo dele é o capital. Então, o Estado é apenas o gerente do capital. O Estado não está a
favor das populações. Ele só está a favor das populações da mesma maneira que certas igrejas estão a
favor do povo quando o povo está fraco, doente e miserável. Daí essas mesmas igrejas dizem: o reino dos
céus é dos miseráveis, dos pobres, dos doentes, dos desvalidos; é deles o reino dos céus. É engraçado.
Então, eles precisam que as populações miseráveis aumentem; que fiquem cada vez mais miseráveis e
pobres e doentes. Porque sem essas populações, o reino de Deus não se estabelece. Então o reino de
Deus cresce, mas na verdade que reino é esse? É o reino dos sacerdotes, dos padres, do papa, disso e
daquilo. Ou seja, tem que ter cuidado; tem que ter espírito crítico. O Estado faz a mesma coisa. Ele não
quer ver cidadãos fortes e livres, ao menos esse Estado democrático liberal que é gerente do capital. Por
que? Porque o capital precisa dos trabalhadores para aumentar a mais valia do capitalista. E o
trabalhador só aumenta a mais valia porque é prisioneiro de um salário e de uma função que é ativada
pelo próprio capital. Então, o trabalhador tem de se tornar refém. Tem de comer na mão do capitalista. E o
capitalista diz que agora é por aqui; depois, por ali: você come na minha mão, faz o que eu quero. É mais
ou menos isso que é a liberdade do Estado, o liberal e democrático. O Estado está aí não para ajudar as
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populações, de fato. Ele está aí para gerenciar a acumulação de capital e sempre com a cara de bonzinho;
sempre com a cara de “em nome do povo”, “em nome dos interesses nacionais”. Só que o interesse
nacional geralmente é o interesse de uma multinacional. O povo geralmente é “eu”, “meu bolso”: “eu sou o
povo”. Enfim, eu não estou dizendo que o Estado moçambicano tenha se transformado nisso. Eu estou
falando que isso já chegou aqui e que isso poderá ser ou já é dominante. Existem velhos combatentes da
Frelimo Frente de Libertação de Moçambique e outros, com outras atitutes, até com certas divergências
em relação à Frelimo, mas que têm atitudes favoráveis ao povo, que não se confundem com esses
corruptos que estão aumentando o bolso e aumentando as propriedades.
A questão então é essa: será que o Estado moçambicano realmente está favorável? Eu sinto, e agora vou
falar a minha opinião de estrangeiro que está a poucos dias aqui, que parece que o Guebusa está numa
outra direção. Não sei. Oxalá, como dizem no Brasil, tenha essa atitude. Agora, é complicado, quando
simplesmente se reforça a segurança pública e a gente sabe que a violência é estimulada pela própria
miséria ou pela fabricação da miséria. É como ser contra o terrorista e continuar invadindo o Afeganistão,
o Iraque... Você está fazendo fábricas de terroristas, porque o terrorista faz a guerra a sua maneira. É ruim,
é errado, mas o que você vai dizer a alguém que dá sua vida e se explode com outras pessoas? Que é um
imoralista? O cara está dando a vida, ele já perdeu tudo, inclusive a vida na explosão. Então não adianta
moralizar a atitude do terrorista e dizer: pára, é mal... Sim, mas o que adianta classificar? O fato é que
estão multiplicando os terroristas. Por que? Por atitudes autoritárias do Ocidente. Vão lá, em nome da
democracia roubam todo o petróleo iraquiano. O petróleo custava 25 dólares o barril. Em nome da
manutenção do preço foi feita essa guerra toda e hoje está em 60 e poucos dólares, porque as empresas
norteamericanas se apoderaram dos poços iraquianos. Eles mesmos aumentaram os preços e
financiaram a guerra. Ou seja, são estados perversos. Pensam na acumulação do capital. A questão crítica
então que se põe aqui é: será que o Estado moçambicano, a partir de 90, 92, com os acordos de paz, com
a nova Constituição, com a eleição de 94, com os dois mandatos do Chisano, será que não entrou no
espírito neoliberal? Na verdade, o nome exato é neocolonial. Então, a questão essencial que se põe,
nesse sentido, é essa: o Estado pode ter uma atitude de proteção de seus cidadãos, simplesmente para
que sobrevivam trabalhadores suficientes para fazer a riqueza dos outros. Sendo assim, o interesse do
Estado é outro. O interesse nosso é diferente do interesse do Estado. Nós aqui: a gente compõe. O Estado
quer combater o HIV e nós também, mas por motivos diferentes. Mas, então, vamos nos aliar nesse ponto,
certo? A questão não é saber se o Estado tem mesmo boas intenções, isso ou aquilo.
“O Estado, na verdade, é apenas uma forma reguladora que é apoderada por forças de várias naturezas.
A questão é a gente saber que forças se constituem e atravessam o Estado”.
Se há uma composição com essas forças das comunidades, das ONGs, dos movimentos sociais, das
associações, que realmente falam a partir do ponto de vista imanente da sociedade, então, que bom. A
questão é que sempre tem que se conquistar essa posição. O Estado não vai dar isso de mão beijada. É
uma conquista. Não tem de se ter ilusão em relação a isso não; é preciso manter firme essa questão na
base. Podese, em nome dos mesmos valores que o Estado veicule, cobrar. A questão não é
transparência? A questão não é investimento direcionado dos gastos em relação à Saúde Pública? Onde
o Estado está investindo em Saúde Pública? O que é Saúde Pública? Aí entramos em outra questão que
foi tocada aqui também. A questão do saneamento, por exemplo.
O saneamento é fundamental. Não vai se eliminar o cólera, a malária e outras doenças sem saneamento.
Então, a questão do saneamento, é uma questão de política pública. A questão do urbanismo, por
exemplo, planos diretores de uma cidade ou inclusive de áreas rurais. Como se organiza e se distribui o
espaço humano? Como é que se distribuem essas relações? Isso tudo pode ser uma questão de saúde
pública. Então a questão é muito mais ampla. Mas, na verdade, tudo tem que partir da base, da atitude. É
não esperar que o governo faça, porque é improvável que ele faça. Se ele fizer, vai ser por interesses
outros que não a vida potente de uma população. Porque a população potente, livre e soberana não
interessa a qualquer Estado que exerce captura ou tira lucro do seu povo. Porque, na verdade, o Estado é
apoderado por um certo grupo. O Estado em vez de ser coisa pública é apoderado por elementos
privados, por quem tem interesses privados. De novo, estou insistindo aqui, que não estou dizendo que
seja o caso de Moçambique, porque isso pode acontecer aqui e eu sinto que tem um capitalismo
selvagem, destruidor, entrando sutilmente no país. Não sei nem se é sutil ou já escancarado. Eu soube
que a Igreja Universal do Reio de Deus entrou nas barbas da Frelimo, na sede da Frelimo, em Maputo.
Alugaram um espaço lá dentro do prédio. O que está acontecendo com a Frelimo, não é? Eu acho, que se
eu estivesse aqui em Moçambique, eu seria um dos maiores defensores da Frelimo. Eu acho que foi uma
coisa linda, bonita, da independência de Moçambique; esses movimentos todos que foram feitos em nome
da expulsão do colonialismo, do chibalo, da exploração. A independência é um valor fundamental. Mas
será que essa independência não foi agora mascarada com o nome de democracia e liberdade. Será que
essa independência não virou uma dependência mais sutil? Eu digo sempre que, no Brasil, nós tivemos a
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independência feita por uma português, que foi D. Pedro I. Ele simplesmente era filho de um rei de
Portugal. E ele bradou: Independência ou Morte! Esta terra é livre! Livre? Ora, na verdade, era o
capitalismo instalado lá e havia uma monarquia para garantir a remessa dos lucros e a acumulação. Então
foi uma maneira de manter o poder nas mãos de quem criou a independência. Então a independência
pode ser uma máscara, assim como democracia e liberdade. “ Ah, a democracia é um valor fundamental,
um valor universal”, diriam. Não existe valor em si. O valor precisa de uma força ou de uma potência que o
sustente. Então a questão fundamental é a qualidade das relações afetivas e de força e de potência entre
as pessoas, entre as sociedades e não simplesmente uma forma ideal, porque forma ideal nós temos
suficiente. Por exemplo, a ONU.
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