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Capítulo 1

Economia solidária: origem,


história e conceito1

Habilidades Caro (a) estudante, neste estudo, você desenvolverá


a habilidade de analisar e identificar as diferentes
concepções de economia social, bem como
a importância de integrar as experiências de
economia solidária ao sistema econômico-
produtivo. Desenvolverá ainda a habilidade de
gerenciar empreendimentos cooperativos adotando
critérios de desenvolvimento sustentável e
identificar os tipos de modelos de desenvolvimento
adotados na sociedade.

Seções de estudo Seção 1: Economia solidária

Seção 2: Do conceito de economia solidária

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DACOREGIO, Elisete Gesser Della Giustina. Economia solidária: origem, história e conceito [material
didático]. Economia Solidária. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane
Dal Mago. Diagramação Cristiano Neri Gonçalves RIbeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.
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Capítulo 1

Para início de estudo


A Unidade de Aprendizagem (UA) Economia Solidária está baseada na seguinte
obra: CATTANI, A.; LAVILLE, J.-L.; GAIGER, L. I.; HESPANHA, P. (orgs.) Dicionário
internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009.

Este livro, que você já recebeu em seu endereço, deve estar sempre a sua
disposição. Tenha este material em mãos ao consultar este roteiro de leitura. O
material contém conteúdos que se referem aos resultados que você deverá
alcançar no final de cada capítulo de estudo, a fim de desenvolver parte das
habilidades e competências necessárias a sua formação.

O presente capítulo terá por base, especificamente, a leitura das páginas 26


a 30, 80 a 85, 96 a 102 e 162 a 168 do livro Dicionário Internacional da Outra
Economia. As leituras das páginas indicadas compreendem tópicos referentes à
autogestão, cooperação, cooperativismo e economia solidária, os quais abordam
valores e princípios da economia solidária, bem como o que ela representa para o
desenvolvimento sustentável das comunidades.

Inicie sua leitura pelo texto Construindo a outra economia, no qual Antonio
David Cattani apresenta um breve histórico sobre a construção da obra e ressalta
a importância das novas formas que correspondem a realizações inovadoras,
associadas a novos valores e princípios que se opõem às práticas excludentes.

Para integrar o campo de saber na área da economia solidária, as seções de


estudos a seguir oferecem subsídios para você compreender em que consiste a
economia solidária, seus princípios e valores, bem como para você entender sua
história e origem.

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Economia Solidária

Seção 1
Economia solidária
Você já parou para pensar sobre o modelo de economia dominante e como
fortalecer alternativas que possam superá-lo?

Esta seção deve ser estudada paralelamente à leitura do trecho referente ao


cooperativismo, que vai da página 96 a 102 do livro Dicionário Internacional da
Outra Economia, o qual aborda questões referentes aos primórdios da economia
solidária.

Pense em um jeito de produzir, de vender, de consumir produtos, de oferecer e


receber crédito, em que as pessoas não sejam movidas pela ganância, mas pelo
desejo de que não haja ninguém excluído, de que todos possam viver bem. Esses
são princípios e valores que embasam as experiências de economia solidária.

Atualmente, muito se discute nos meios acadêmicos e políticos sobre a


importância, viabilidade e sustentabilidade de uma economia solidária. Em
verdade, o sentido dessa inquietação reflete a busca por soluções, também
observadas em outros momentos da história do capitalismo, capazes de atuar
na redução da desigualdade proporcionada pelos efeitos deletérios provocados
pelas imperfeições dos mercados capitalistas.

Sendo assim, vamos apresentar na sequência uma síntese acerca das origens
e do desenvolvimento da economia solidária tanto no mundo quanto no Brasil,
no sentido de situar esse fenômeno social e destacar a experiência em rede da
economia solidária com um enfoque especial na organização da sociedade civil
brasileira.

1.1 Primórdios da economia solidária


Segundo Singer (2002b), as origens da economia solidária remontam à Inglaterra
do início do século XIX, no contexto de miséria e desemprego, resultantes da
industrialização mecanizada não regulamentada.

Assim, a economia solidária nasce em resposta à desorganização da vida


causada pelo capitalismo liberal oposto ao intervencionismo estatal, que
tinha na flutuação de preços, por meio da “mão invisível” do mercado, seu
mecanismo eficaz – que em consequência surgem os primeiros cooperativistas
revolucionários e suas primeiras associações, reivindicadoras da organização do

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Capítulo 1

trabalho. Desse modo, artesãos, operários e camponeses passam a se auto-


organizarem para a produção em comum, o socorro mútuo e a comercialização
sob formas cooperativas, fundando uma economia calcada na fraternidade e na
solidariedade.

Nessa direção, Lechat (2002) aponta que os primeiros idealizadores da economia


solidária na Europa foram os socialistas utópicos, assim nomeados por Karl
Marx para diferenciá-los dos socialistas científicos, que buscavam o máximo a
autonomia comunitária. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, várias comunidades
ou aldeias cooperativas foram criadas no século XIX, contudo, não conseguiram
manter-se por mais de alguns anos.

No século XX, surge a valorização de atividades econômicas


associativas nas crises capitalistas. A partir de 1930, acontece
o incentivo às cooperativas de consumo e de habitação, e
nas décadas de 1970 e 1980 as empresas autogestoras e
cooperativas de trabalho; novos movimentos sociais e a
valorização de atividades econômicas sociais e sustentáveis;
comunitarismo e ação local; ecologismo ligado com negócios
sustentáveis; a solidariedade e o comércio justo. Ressurgem,
assim, no final século XX e início do século XXI, como força que
transforma as relações de produção e consumo e cria uma nova
cultura do trabalho, rumo à emancipação dos trabalhadores.

A partir da segunda metade da década de 70 do século XX este quadro mudou.


Uma nova crise do sistema capitalista trouxe, por consequências, o desemprego
e o fechamento de empresas, e criou-se um quadro dramático para a classe
trabalhadora. Floresceu então, a partir de 1977 e até 1984, uma série de
iniciativas para salvar ou criar empregos, através de empresas autogeridas pelos
próprios trabalhadores – e isto com o apoio de alguns sindicatos progressistas.
A partir dessa nova onda de economia social, surgiu nos anos 1980, uma “nova
literatura a seu respeito na Europa e na América do Norte; mas também na
América Latina e, em particular, no Chile, onde se desenvolveu, sobretudo,
graças a Luís Razeto. Nos Estados Unidos, uma série de economistas passou
pela escola de Cornell. Esses economistas ficaram entusiasmados não somente
pelo movimento operário que transformava as empresas falidas em empresas
autogeridas, mas também pela formação de inúmeras cooperativas de trabalho.
(LECHAT, 2002, p. 2 e 3).

O sentido do termo economia solidária ainda é um conceito em construção.


Podemos afirmar que é algo considerado novo, porém, é importante destacar
que as práticas que revelam sua existência não representam nada de inédito
entre comunidades de países da Europa e da América Latina. As conceituações
para o termo economia solidária apontam, principalmente, que esse é ainda um

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Economia Solidária

processo em construção, sendo objeto de várias percepções, as quais vão desde


um novo modo de produção até uma forma de emancipação social.

Vários autores como, por exemplo, Paul Singer, Walmor Schiochet, Armando
Lisboa explicam a economia solidária a partir da ideia de um novo modo de
produção, com as seguintes características: cooperação, autogestão, dimensão
econômica e solidariedade. Considerando essas características, a economia
solidária aponta para uma nova lógica de desenvolvimento sustentável
com geração de trabalho e distribuição de renda, mediante um crescimento
econômico com proteção dos ecossistemas, possibilitando oportunidade a todos,
principalmente àqueles que se encontram excluídos, ou seja, à margem do atual
sistema.

A economia solidária surge como meio alternativo ao capitalismo para a


produção e distribuição, sendo totalmente oposto à economia capitalista, não
realizando a diferenciação entre os detentores do capital e os possuidores da
força de trabalho (SINGER, 2000a). Isso significa que os trabalhadores possuem
capacidade laboral e os meios de produção – capital, equipamentos, matéria-
prima etc.

As discussões acerca das iniciativas vinculadas à economia solidária têm


crescido nas últimas décadas, impulsionadas pelo processo de reestruturação
produtiva; reflexo das mudanças no mundo do trabalho, que vêm se estruturando
no ideário do projeto neoliberal.

Diante do contexto apresentado, podemos afirmar que a economia solidária


ressurge hoje como:

•• resgate da luta histórica dos(as) trabalhadores(as);


•• defesa contra a exploração do trabalho humano;
•• alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos
seres humanos entre si e desses com a natureza.

1.2 Economia solidária no Brasil


No Brasil, as origens da economia solidária estão diretamente ligadas ao quadro
das condições socioeconômicas e políticas das últimas décadas. Foram as ações
da sociedade civil, frente à crise e ao desemprego estrutural, que iniciariam as
experiências de economia solidária. O que hoje é denominado de economia
solidária ainda é, em muitos casos, o que a literatura científica chama de:
cooperativismo, economia informal, economia popular, outros.

Segundo Magalhães (apud RONCONI, 2008, p. 31), ao longo de quase todo


o século XX o cooperativismo, no Brasil, esteve vinculado a projetos políticos

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Capítulo 1

burgueses, não estabelecendo articulação com a realidade imediata dos


trabalhadores. De acordo com Magalhães, foi somente nos anos de 1990, quando
se percebeu que os excluídos do mercado de trabalho brasileiro não seriam
incorporados por nenhum dos projetos de desenvolvimento econômico até então
em debate, que se promoveu o reencontro do cooperativismo com a proposta
política da classe trabalhadora.

Assim, no período que compreendeu as décadas de 1980 e 1990 surgem


diversas alternativas de geração de trabalho e renda em resposta ao
aumento do desemprego urbano causado pela estagnação econômica e pela
reestruturação produtiva; atividades econômicas associativas como alternativas
ao empreendedorismo neoliberal individualista e à informalidade; projetos
alternativos comunitários; recuperação de empresas por trabalhadores/as
(autogestão); associativismo e cooperativismo na organização da agricultura
familiar; assentamentos de reforma agrária e nas atividades extrativistas; a
valorização de redes de produção, comercialização e consumo solidário;
implantação de políticas públicas municipais, estaduais e federal de economia
solidária, criação de fóruns e redes de economia solidária: empreendimentos,
entidades de apoio e fomento e gestores governamentais. Diferentes autores
destacam-se na área de economia solidária no Brasil. São, entre outros, Paul
Israel Singer, Euclides Mance, Marcos Arruda, Luiz Inácio Gaiger, Armando Lisboa
e Antonio David Cattani.

No Brasil, destacam-se os trabalhos de Paul Singer, Luís Inácio Gaiger e Marcos


Arruda, a respeito de cooperativas organizadas segundo a perspectiva de uma
nova economia solidária. Mas as transformações no mundo do trabalho do final
dos anos 1980 e nos anos 1990, que ocasionaram reengenharias nas fábricas e
no setor produtivo em geral, levaram ao surgimento de inúmeras cooperativas
de trabalhadores que assumiram espólios falidos; ou a terceirização do mercado
de trabalho via cooperativas, que se tornaram, nesses casos, instrumentos de
flexibilização e fragilização do próprio trabalho. (GOHN, 2010, p. 135).

O gráfico ilustrado pela figura a seguir, extraído do Sistema Nacional de


Informações da Economia Solidária (SIES), mostra a recente expansão da
economia solidária no Brasil.

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Economia Solidária

Figura 1.1- Expansão da economia solidária no Brasil

Recente Expansão da
Economia Solidária no Brasil:

14000

12000 12221

10000

8000 7413

6000

4000

2000

393 1561
2% 7% 34% 57%

Até 1979 1980 a 1989 1990 a 1999 2000 a 2007

Fonte: Brasil (2006c).

Podemos observar nessa figura que o número de empreendimentos econômicos


solidários até 1979 era de 393. Na década de 1980, esse número passou para
1561. Já na década seguinte passou a 7413, com aumento significativo. No ano
de 2007, o número de empreendimentos estava em 12221.

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Capítulo 1

Seção 2
Do conceito de economia solidária
Você sabe o que é a Economia Solidária? Você conhece algum grupo de
economia solidária?

Essa seção deve ser estudada paralelamente à leitura do trecho economia


solidária que vai da página 162 a 168, autogestão, 26 a 30, cooperação 80 a 85
do livro Dicionário Internacional da Outra Economia, o qual contém as seguintes
abordagens:

• breve histórico das origens e desenvolvimento da economia solidária no


Brasil;

• princípios e valores da nova economia.

A expressão economia solidária, etimologicamente, é uma composição derivada


das palavras gregas Óikos (casa, bens) e nomos (norma, regime), que significa,
em sua junção, economia, gestão da casa. Na expressão latina, Solidum,
significava a responsabilidade de cada um com o grupo social.

Ela engloba, em suas diferentes dimensões, a inclusão dos tradicionalmente


discriminados pela economia dominante; o desafio de por em prática uma gestão
participativa e democrática, as dimensões do trabalho coletivo, da autogestão e
da sustentabilidade.

Alguns autores afirmam que o termo economia solidária não é um conceito, mas
uma noção generalizante que compreende diferentes e diversas práticas. Assim,
a expressão pode ser utilizada mais pelo seu valor de método analítico do que
pela condição conceitual. E essa preocupação mostra a complexidade referente
à questão do conceito de economia solidária. Nesse cenário, sob diversos
títulos, têm emergido práticas de relações econômicas e sociais que, de imediato,
propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de milhões de
pessoas em diferentes partes do mundo.

Entretanto, para Lechat (2002), é um conceito o qual enfatiza o desejo primeiro


da economia social na sua origem de evitar o fosso entre o econômico, o social
e o político, pois é na articulação dessas três dimensões que se situa o essencial
da economia social ou solidária. O termo, economia solidária, tenta dar conta da
originalidade de numerosas iniciativas da sociedade civil que não se encaixam na
trilogia legalizada na França das cooperativas e associações.

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Economia Solidária

Cattani (2006, p. 116) ressalta que Paul Singer conceitua a

Economia Solidária [como] um conceito amplamente utilizado


dos dois lados do Atlântico, com acepções variadas, mas que
giram todas ao redor da ideia de solidariedade, em contraste com
o individualismo competitivo, que caracteriza o comportamento
econômico padrão nas sociedades capitalistas. O conceito se
refere às organizações de produtores, consumidores, poupadores
etc., que se distinguem por duas especificidades: a) estimulam
a solidariedade entre os membros mediante a prática da
autogestão e; b) praticam a solidariedade para com a população
trabalhadora em geral.

Conforme podemos perceber, a economia solidária para Singer (1997, p.10)


compreende:

todas as formas de organizar a produção, a distribuição e o


crédito por princípios solidários. A ideia básica é assegurar a
cada um mercado para seus produtos e uma variedade de
economias externas, de financiamento a orientação técnica,
legal, contábil, etc., através da solidariedade entre produtores
autônomos de todos os tamanhos e tipos.

A chamada “globalização”, que é marcada pela mundialização da produção, do


consumo, da cultura, pela superação das barreiras geográficas trazidas pelos
avanços nos meios de comunicação e descobertas tecnológicas, também é
marcada pelo impacto negativo na vida cotidiana das pessoas, caracterizando-
se pelo desemprego, subemprego, empobrecimento, dificuldade de acessar a
satisfação das necessidades básicas, exclusão no uso-fruto da riqueza produzida,
exclusão no acesso às informações, exclusão aos direitos sociais.

Para Magalhães, (2000, p. 2):

um novo padrão de acumulação capitalista começa a se esboçar


a partir da década de 70 e transformar profundamente a estrutura
dos sistemas de produção, as relações de trabalho e o papel
do Estado em todo o mundo, a globalização e a inovação
tecnológica, e a partir daí, a constituição de um novo patamar
de competitividade, forçam a reorganização dos sistemas
produtivos. A descentralização da produção, a terceirização e
a subcontratação, além de aduzir custos, são estratégias de
adequação a um novo mercado.

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Capítulo 1

Segundo Pauli (2004, p. 22), para melhor compreensão do conceito de economia


solidária é preciso partir de duas explicações:

a primeira é de que a economia solidária é um fenômeno que se


constitui sócio-historicamente como resultado de um conjunto de
experiências diversas que são articuladas conceitualmente pelo
princípio do questionamento do sistema econômico capitalista ou
como alternativa coletiva de subsistência e geração de trabalho
e renda, mas que modificam a sua natureza e estratégia de ação
com o passar do tempo, em acordo com o contexto social que
lhes é específico e propício. A segunda precaução é de que, em
termos conceituais, a expressão economia solidária, amplamente
empregada neste estudo para caracterizar estes movimentos e
empreendimentos, está longe de ser uma unanimidade entre os
teóricos que sistematizam o fenômeno, embora a ampla maioria
utilize esta expressão por considerá-la mais abrangente.

É importante ressaltar que as experiências que vêm se desenvolvendo desde a


década de oitenta do século passado são uma estratégia de enfrentamento da
sociedade civil à crise do mundo do trabalho e ao aumento da exclusão social
de grande parcela de trabalhadores(as). Essas experiências são descritas em
trabalhos divulgados pela Universidade do vale do Rio dos Sinos, pela Cáritas
Brasileira, pela Ação Social Arquidiocesana de Florianópolis, entre outros, e
apontam para ações propositivas com reflexos no campo das políticas públicas
e nos embates que hoje definem os rumos da sociedade; têm garantido a
sobrevivência imediata e a subsistência de populações carentes, oportunizando
o aprendizado de algum ofício, o domínio de técnicas simples e eficientes e o
crescimento intelectual e profissional, num processo de resgate da autoconfiança,
da dignidade, da autonomia e de uma consciência dos direitos civis.

Diante desse contexto, as iniciativas de geração de trabalho e renda com


a perspectiva da economia solidária ressurgem com uma das formas de
enfrentamento, reação, resistência ao empobrecimento da população.

Discutindo a questão do popular, Lisboa (2000, p. 60) considera a economia


popular solidária como política de enfrentamento a pobreza:

[...] a economia popular solidária se fortalece como um dos


atores que constroem, em médio prazo, uma verdadeira política
nacional de enfrentamento da pobreza, amparada numa sólida
opção por um modelo de desenvolvimento endógeno e uma
consequente inserção ativa na mundialização.

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Economia Solidária

2.1 Princípios e características da economia solidária


Considerando as origens e formas de funcionamentos dos empreendimentos,
é possível identificar alguns princípios e características da economia solidária,
tal como definido em documentos do Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil,
2006a). Entre tais princípios e características podemos destacar:

Cooperação
Diz respeito à existência de interesse e objetivos comuns, união dos esforços
e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos
resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades.

Autogestão
As pessoas envolvidas exercitam as práticas participativas de autogestão
dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos
empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus
e interesses.

Viabilidade econômica
Agrega esforços, recursos e conhecimentos para viabilizar as iniciativas coletivas
de produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo.

Solidariedade
Se expressa na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades
que levam à melhoria das condições de vida de participantes; no compromisso
com um meio ambiente saudável; na participação nos processos de
desenvolvimento territorial ou local, nas relações com movimentos sociais e
populares emancipatórios; no bem-estar dos trabalhadores e consumidores.

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Capítulo 1

A próxima figura mostra a representação dos mencionados princípios.

Figura 1.2 - Princípios da economia solidária

Fonte: Brasil (2006b).

Singer (2002, p. 116) considera que a economia solidária:

pode criar um novo ser humano a partir de um meio social em


que a cooperação e a solidariedade não apenas serão possíveis
entre todos os seus membros, mas serão formas racionais de
comportamento em função de regras de convívio. Ao integrar a
cooperativa, muitos experimentam pela primeira vez em suas
vidas o gozo de direitos iguais para todos, o prazer de poderem
se exprimir livremente e de serem escutados e o orgulho de
perceber que suas opiniões são respeitadas e pesam no destino
coletivo.

Dessa forma, o movimento da economia solidária tem se destacado como


um movimento que vem se empenhando na luta por uma sociedade mais
democrática, mais justa, onde as diferenças sociais não sejam tão gritantes e os
direitos e a dignidade da pessoa humana sejam respeitados, sobretudo, o direito
à vida.

Chegamos ao fim deste capítulo 1. Assim, tendo em mente os pontos destacados


neste roteiro, recomendamos-lhe que proceda ao estudo atento dos trechos
indicados até aqui. Preste atenção para o fato de que a economia solidária já é
uma realidade. Compartilhe sua “definição” de diferentes valores e princípios.

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Economia Solidária

Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. I Conferência Nacional de
Economia Solidária: economia solidária como estratégia e política de
desenvolvimento. Brasília: MTE, SENAES, SPPE, DEQ, 2006a.

_____. I Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária:


Documento final. Brasília: TEM, SENAES, SPPE, DEQ, 2006b._____. SENAES.
Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005. Brasília: TEM, SENAES, 2006c. _____.
SENAES. Catálogo dos Empreendimentos Econômicos Solidários no Estado de
Santa Catarina. Brasília: Sociedade Banco de Projetos, [2008].

_____. SENAES. Disponível em <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_


nacional.asp>. Acesso em: 25 ago. 2013.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no


Brasil contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010.

LECHAT, Noelle M. P. As raízes históricas da economia solidária e seu


aparecimento no Brasil. 2002. ITCP/Unicamp. Disponível em: <www.itcp.
unicamp.br/site/downloads>. Acesso em: 10 maio 2013.

LISBOA, Armando. Os desafios da Economia Popular Solidária. In: Cadernos do


CEAS n. 189. Salvador, 2000. p. 51-67.

MAGALHÃES, Reginaldo Sales. A nova economia do desenvolvimento local.


2000, p.17 [mimeo].

PAULI, Jandir. Economia e Mudança de Paradigma. In: PAULI, Jandir; ROSA,


Enéas. Consumo Crítico, Solidário e Coletivo. Passo Fundo: Clio Editora, 2004.

RONCONI, Luciana Francisco de Abreu. A secretaria Nacional de Economia


Solidária: uma experiência de governança pública. Tese de doutorado
apresentada ao programa de Pós-graduação em Sociologia Política de UFSC,
Florianópolis, 2008.

SINGER, Paul. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In


SINGER, Paul; SOUZA, André Ricardo. A economia solidária no Brasil: a
autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000a.

_____. Incubadoras universitárias de cooperativas: um relato a partir da


experiência da USP. In SINGER, Paul. SOUZA, André Ricardo. A economia
solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo:
Contexto, 2000b.

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Capítulo 1

_____. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu


Abramo, 2002a.

_____. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS,


Boaventura de Sousa (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não
capitalista. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002b.

_____. Economia Solidária: geração de renda e alternativa ao liberalismo. In:


Revista Proposta. No 72, mar./mai. 1997, p. 06-13.

14
Capítulo 2

O movimento da economia
solidária no Brasil1

Habilidades Caro (a) estudante, por meio do presente estudo


você desenvolverá as habilidades de integrar as
experiências de economia solidária ao sistema
econômico-produtivo e identificar múltiplas formas
coletivas de gestão cooperativa para desenvolver
projetos de intercooperação.

Seções de estudo Seção 1: Empreendimentos econômicos solidários

Seção 2: Gestores públicos

Seção 3: A Secretaria Nacional de Economia


Solidária

Seção 4: Entidades de assessoria e ou/fomento

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DACOREGIO, Elisete Gesser Della Giustina. Economia solidária: origem, história e conceito [material
didático]. Economia Solidária. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane
Dal Mago. Diagramação Cristiano Neri Gonçalves RIbeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.
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Capítulo 2

Para início de estudo


A Unidade de Aprendizagem (UA) Economia Solidária (ES) está baseada na
seguinte obra: CATTANI, A.; LAVILLE, J.-L.; GAIGER, L. I.; HESPANHA, P. (orgs.)
Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009.

Este livro, que você já recebeu em seu endereço, deve estar sempre a sua
disposição. Tenha este material em mãos ao consultar este roteiro de leitura.
Este material contém conteúdos que se referem aos resultados que você deverá
alcançar no final de cada capítulo de estudo, a fim de desenvolver parte das
habilidades e competências necessárias a sua formação.

Esse capítulo 2 terá por base, especificamente, a leitura dos trechos entre as
páginas 181 a 187, 91 a 95, 224 a 230 e 268 a 272 do livro Dicionário Internacional
da Outra Economia. As leituras das páginas indicadas compreendem tópicos
referentes aos empreendimentos econômicos solidários, cooperativas de trabalho,
incubação de redes de economia solidária e políticas públicas. Essas abordagens
permitem compreender:

• o que são Empreendimentos Econômicos Solidários(ESS);

• o significado de políticas públicas de economia solidária, quais são seus


objetivos e onde são aplicadas;

• o papel dos gestores públicos na elaboração, execução, implementação


e/ou coordenação das políticas públicas de economia solidária e da
Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).

A articulação da economia solidária no Brasil avançou recentemente e tem


buscado evoluir em sua organização com a constituição de redes de produção e
comercialização, organizações de representação de seus participantes etc. Isso
tem permitido fortalecer as ações de elaboração coletiva e a expressão conjunta
de concepções e propostas, bem como de reorganização de fluxos econômicos
e culturais, com vistas a solidificar os processos solidários de consumo,
comercialização, intercâmbio, produção, financiamento e desenvolvimento
tecnológico.

Nesse sentido, vamos estudar na sequência as origens, o desenvolvimento e


as perspectivas do movimento de economia solidária. O objetivo desse estudo
é evidenciar que as experiências diversas de economia solidária fazem parte
de um movimento nacional e global, envolvendo diversos setores. Assim nossa

16
Economia Solidária

intenção é que esse conjunto de textos permita-lhes perceber os componentes


do movimento e suas inter-relações: os próprios empreendimentos solidários e as
pessoas que consomem seus produtos; as Organizações Não Governamentais,
Universidades e outras entidades de apoio e os gestores públicos e os
financiadores dos empreendimentos.

Seção 1
Empreendimentos econômicos solidários
Você sabe o que são empreendimentos de economia solidária (ESS)? Conhece
algum empreendimento solidário em sua comunidade? Sabe como organizar um
empreendimento solidário.

Essa seção deve ser estudada, paralelamente à leitura dos textos empreendimento
econômico solidário, páginas 181 a 187, e cooperativas de trabalho, páginas
91 a 95 do livro Dicionário Internacional da Outra Economia. O objetivo do
autor no texto é apresentar princípios e valores da nova economia, por meio
de suas manifestações nos empreendimentos solidários. Esse estudo ampliará
sua concepção sobre o papel dos empreendimentos solidários em termos do
conhecimento de valores e princípios que fundamentam a economia solidária.

O presente estudo descreve o perfil dos empreendimentos econômicos solidários


existentes no Brasil e apresenta as organizações governamentais que dão
suporte a essa experiência no Brasil, com destaque para o papel dos gestores
públicos na gênese e sustentação dos ESS.

Convém lembrar, que a sistematização aqui apresentada sobre o movimento


da economia solidária no Brasil foi realizada a partir de pesquisas no portal
do Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES) e portal do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária (FBES).

Na concepção de ser um movimento, a economia solidária no Brasil está


organizada em três segmentos: empreendimentos da economia solidária,
entidades de assessoria e/ou de fomento e gestores públicos.

17
Capítulo 2

A figura a seguir mostra a representação da organização da economia solidária no


Brasil.

Figura 2.1 – Economia solidária no Brasil

Fonte: FBES (2014).

De acordo com a definição da I Conferência Nacional de Economia Solidária


(CNES), realizada em Brasília, 2006, os empreendimentos econômicos solidários
são organizações com as seguintes características:

1. Coletivas e suprafamiliares (associações, cooperativas, empresas


autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas etc.),
cujos participantes são trabalhadores dos meios urbano e rural
que exercem a autogestão das atividades e da alocação dos seus
resultados.
2. Permanentes (não são práticas eventuais). Além dos
empreendimentos que já se encontram implantados, em operação,
devem-se incluir aqueles em processo de implantação quando o
grupo de participantes já estiver constituído e definido sua atividade
econômica.
3. Que podem dispor ou não de registro legal, prevalecendo a
existência real ou a vida regular da organização.

18
Economia Solidária

4. Que realizam atividades econômicas de produção de bens, de


prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de
crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização
(compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e
de consumo solidário. As atividades econômicas devem ser
permanentes ou principais, ou seja, a razão de ser da organização.
5. São singulares ou complexas. Ou seja, deverão ser consideradas as
organizações de diferentes graus ou níveis, desde que cumpridas
as características anteriormente identificadas. As organizações
econômicas complexas são as centrais de associação ou de
cooperativas, complexos cooperativos, redes de empreendimentos
e similares. (MTE, 2014).

Vale observar que os empreendimentos econômicos solidários estão organizados


em: EES de troca de produtos e serviços (como, por exemplo, os clubes de
troca, redes solidárias); EES de produção (associações, grupos de produção,
cooperativas populares, empresas recuperadas etc); EES de comercialização
ou organização para a comercialização (centros de comercialização, lojas, feiras,
entre outras); EES de prestação de serviços (associações, grupos de produção,
cooperativas populares, empresas recuperadas etc.); EES de poupança, crédito
ou finanças solidárias (cooperativas de crédito, bancos comunitários, banco de
trocas solidárias, e outros); EES de consumo ou uso coletivo de bens e/ou serviços
(cooperativas, grupos ou núcleos de consumo, EES de beneficiamento etc.).

As ligas ou União desses empreendimentos, conforme sua organização são as


seguintes:

•• Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito da Economia


Familiar e Solidária (ANCOSOL);
•• Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em
Autogestão (ANTEAG);
•• Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST/CONCRAB);
•• União nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e
Economia Solidária (UNICAFES);
•• Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL).

O SIES é um sistema desenvolvido pela secretaria nacional de economia solidária


em parceria com o fórum brasileiro de economia solidária, como um instrumento
para identificação e registro de informações de empreendimentos e entidades de
apoio à economia solidária no Brasil.

19
Capítulo 2

Tem como objetivos: constituir uma base nacional de informações da economia


solidária com identificação e caracterização de empreendimentos econômicos
solidários; fortalecer e integrar os empreendimentos econômicos solidários por
meio de cadastro, elaboração de catálogos de produtos e serviços, a fim de
facilitar processos de comercialização; favorecer a visibilidade da economia
solidária, fortalecendo os processos organizativos, de apoio e adesão da
sociedade; subsidiar processos públicos de reconhecimento da economia
solidária; subsidiar a formulação de políticas públicas; subsidiar a elaboração de
marco jurídico adequado à economia solidária e facilitar o desenvolvimento de
estudos e pesquisas em economia solidária.

Segundo dados publicados pela SENAES (2006), extraídos do SIES, em fins de


2005 foram identificados 21.859 empreendimentos econômicos solidários em
todas as regiões do Brasil. Considerando a distribuição territorial, há uma maior
concentração dos EES na região Nordeste, com 43,5%. Os restantes 56,5 %
estão distribuídos nas demais regiões: Norte com 12%, Sudeste com 18%, região
Centro-Oeste 10% e 16,5% na região Sul. O mapa a seguir representa esta
distribuição.

Figura 2.2 – Mapa da distribuição do ESS no Brasil

21.859 EES

12 %
43,5 %

10 % 1.687.035
Participantes
63% Homens
18 %
37% Mulheres

Área de Atuação:
16,5%
48% Rurais
35% Urbanas
17% Rurais/Urbanas
Fonte: SENAES (2006).

20
Economia Solidária

A análise deste mapa nos permite também identificar o número de associados


nos empreendimentos econômicos solidários com mais 1 milhão e 600 mil
homens e mulheres. Segundo a própria SENAES, a este conjunto agrega-se mais
de 25 mil trabalhadores e trabalhadoras participantes que, embora não sócios,
possuem algum vínculo com o EES.

As informações sobre as suas características socioeconômicas indicaram


os valores não mercantis da economia solidária, como a solidariedade e a
democracia, as dimensões culturais, étnicas e ecológicas da sustentabilidade
do desenvolvimento, no qual a produção, a distribuição e a preservação dos
recursos naturais e sociais sejam dimensões de um processo de emancipação
humana.

A Carta de princípios da economia solidária do FBES reafirma com clareza as


dimensões da economia solidária:

A economia solidária não é apenas uma resposta provisória e


reação a uma situação. A proposta de desenvolvimento a partir
da economia solidária apresenta alternativas. Ela se apresenta
como perspectiva de desenvolvimento econômico e social
baseado em novos valores culturais e em novas práticas de
trabalho e de relação social. O desenvolvimento não se restringe
ao crescimento econômico e deve abranger as relações entre as
pessoas, a organização do trabalho, resgatar a dimensão humana
na produção, na comercialização e no consumo. Deve rever as
transformações sofridas no mundo do trabalho recuperando a
relação entre trabalho e tempo livre e a questão socioambiental.
Estamos falando de desenvolvimento que envolve o social, o
político e o afetivo a partir do local, do espaço territorial e também
no sentido mais geral, estamos falando de desenvolvimento
sustentável. Estamos nos contrapondo à visão que prega que os
mais fortes sobrevivem e que sobrevivem a partir de práticas e
relações competitivas e individualistas. (FBES, 2014)

Essas informações indicam a importância da economia solidária como


uma resposta a favor da inclusão social para milhares de trabalhadores e
trabalhadoras, a qual propicia visibilidade a milhares de empreendimentos
econômicos solidários no Brasil, sendo ainda uma importante alternativa de
inclusão social pela via do trabalho e renda, embora, ainda existam grandes
dificuldades que limitam a expansão desses empreendimentos.

Diante do contexto apresentado a economia solidária se expandiu a partir de


instituições e entidades, que apoiavam iniciativas associativas comunitárias e
pela constituição e articulação de cooperativas populares, redes de produção e
comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária etc.

21
Capítulo 2

Atualmente, a economia solidária tem se articulado em vários fóruns locais e


regionais, resultando na criação do fórum brasileiro de economia solidária. Hoje,
além do fórum brasileiro, existem vários fóruns estaduais com milhares de
participantes (empreendimentos, entidades de apoio e rede de gestores públicos
de economia solidária) em todo o território brasileiro. Foram fortalecidas ligas e
uniões de empreendimentos econômicos solidários e criadas novas organizações
de abrangência nacional.

Seção 2
Gestores públicos
A partir do entendimento sobre o que são empreendimentos econômicos
solidários, vamos refletir sobre seguintes questões: Quem, em sua opinião, está
apoiando esses empreendimentos? Que circunstâncias possibilitaram o seu
fortalecimento? Afinal, o que são gestores públicos?

O que significa, qual o seu objetivo e como é formada a articulação de gestores


de políticas de economia solidária de prefeituras e governos estaduais?

Essa seção deve ser estudada, paralelamente à leitura dos textos políticas públicas,
de Walmor Schiochet, livro Dicionário Internacional da Outra Economia, páginas 268
a 272. De início, será abordado o que são políticas públicas. Em seguida, Schiochet
apresenta a definição da economia solidária como política pública. Por fim, o autor
chama atenção que é preciso reconhecer que a economia solidária como política
pública caracteriza-se ainda por sua dependência da vontade dos governos.

Os gestores de políticas públicas fomentam o desenvolvimento da economia


solidária no Brasil, visando a dar respostas adequadas à classe trabalhadora
no sentido de proporcionar a interlocução, o intercâmbio, a sistematização, a
proposição de políticas públicas governamentais e a realização de projetos
comuns, para o fomento e desenvolvimento da economia solidária, de modo a
qualificar as ações desenvolvidas, a partir dos órgãos de governo voltados para
este segmento.

Os gestores públicos são considerados as Instâncias de Políticas Públicas (IPP)


de economia solidária. Essas instâncias estão amparadas no governo federal com
os programas e projetos da SENAES e também os programas, departamentos ou
secretarias estaduais e municipais de economia solidária. Em síntese, os gestores

22
Economia Solidária

públicos são: aqueles que elaboram, executam, implementam e/ou coordenam


políticas de economia solidária de prefeituras e governos estaduais.

No Brasil, os gestores públicos estão organizados em forma de rede, com a


denominação de Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária
(Rede de Gestores), que é formada por gestores municipais e estaduais. A
referida rede nasceu de uma necessidade de articulação dos gestores públicos
espalhados por todo esse Brasil, no sentido de fomento e de articulação com
os demais setores, com os demais atores da economia solidária, como meio de
fortalecê-las e atender às demandas dos trabalhadores e trabalhadoras.

O propósito da Rede é ampliar cada vez mais a construção de ferramentas dentro


do Estado brasileiro, para o fomento e desenvolvimento da economia solidária,
bem como estimular e fortalecer a organização e participação social desse
segmento nas decisões sobre as políticas públicas.

De acordo com o regimento interno, os objetivos da rede de gestores são:

•• construir e desenvolver uma agenda comum para a ampliação,


consolidação e institucionalização de políticas públicas de
economia solidária no país, vinculadas às estratégias de
desenvolvimento, fortalecendo o perfil sustentável que essas devem
ter;
•• ampliar a articulação com outros atores da economia solidária com
vistas a fortalecer um espaço comum para a discussão de políticas
públicas e para fortalecer a organização e participação social dos
diversos segmentos dela integrante;
•• fortalecer a interlocução entre as esferas de governo (municipal,
estadual e federal) pela integração de estratégias, programas e
instrumentos que possam estruturar e consolidar as políticas
públicas da ES;
•• estimular a organização e articulação de cadeias produtivas entre
empreendimentos da economia solidária.

23
Capítulo 2

Seção 3
A secretaria nacional de economia solidária
Após o estudo das seções anteriores, você já deve ter percebido que a SENAES
é parte da história de mobilização e articulação do movimento da economia
solidária existente no país. Entretanto, você pode estar se perguntando: O que é
SENAES? Quando foi criada e quais as suas atribuições?

A proposta dessa seção é apresentar a SENAES, a qual foi fundamental para que o
governo federal, como um todo, se envolvesse com a economia solidária, de modo
a entendermos o contexto em que a SENAES foi criada e como tornou-se foco
unificador dos esforços, bem como ensejou de uma ação sinérgica nas atividades
desenvolvidas, que institucionalizou uma política pública para dar sustentação e
disseminar a prática econômica baseada na colaboração solidária.

3.1 Secretaria nacional de economia solidária


A SENAES, a qual está vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego(MTE),
foi criada com a missão de valorizar a cooperação e a autogestão, contribuir
para combater a pobreza e a desigualdade social e promover processos de
desenvolvimento mais justos e solidários. Está ligada diretamente e faz parte da
história de mobilização e articulação do movimento de economia solidária no
Brasil. À história de sua fundação vincula-se o grupo de trabalho brasileiro de
economia solidária, constituído por várias entidades nacionais, organizações e
redes internacionais ligadas à temática para organizar as atividades da economia
solidária no II e III Fórum Social Mundial.

Em consonância com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego, a SENAES


tem o objetivo de viabilizar e coordenar atividades de apoio à economia solidária
em todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão
social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário.

Cabe destacar que o mencionado grupo de trabalho organizou, em 2002, uma


reunião nacional ampliada para discutir o papel da economia solidária no futuro
governo, uma vez que, na oportunidade, existia uma conjuntura que apontava
para a eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da
Silva, para a Presidência da República, o que acabou, de fato, acontecendo,
em 2003. Nessa reunião, foi elaborada uma Carta para o Presidente a ser eleito,
sugerindo a criação de uma secretaria nacional de economia solidária. Nessa
oportunidade, também decidiu-se realizar a 1ª. Plenária Nacional de Economia
Solidária.

24
Economia Solidária

Nessa plenária foi referendada uma carta produzida, decidindo realizar a 2ª


Plenária Nacional durante o III Fórum Social Mundial para discutir a criação de
um Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Ainda na 1ª. Plenária, iniciou-se o
debate e aprofundamento de uma plataforma política para o fortalecimento da
economia solidária no Brasil. Trata-se de um conjunto de prioridades relacionadas
às finanças solidárias, ao marco jurídico para os empreendimentos econômicos
solidários, à formação e à educação, às redes de produção, comercialização e
consumo, à democratização do conhecimento e da tecnologia e à organização
social de economia solidária. (BRASIL, 2010).

Para a criação do FBES foi agendado uma outra (3ª) plenária nacional, sendo
que esse momento foi antecedido de encontros estaduais para preparação da
discussão nacional e eleição dos delegados. O FBES foi criado em junho de
2003 na 3ª Plenária, no mesmo momento de criação da SENAES no Ministério do
Trabalho e Emprego. Foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego
com a publicação da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 e instituída pelo
Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003, fruto da proposição da sociedade civil
e da decisão do já então Presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Seu objetivo fundamental é coordenar atividades de apoio à economia solidária


em todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão
social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário. Nessa direção, o
decreto 5063, de 08 de maio de 2004, estabeleceu as seguintes competências da
SENAES:

I - subsidiar a definição e coordenar as políticas de economia


solidária no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego;
II - articular-se com representações da sociedade civil que
contribuam para a determinação de diretrizes e prioridades da
política de economia solidária;
III - planejar, controlar e avaliar os programas relacionados à
economia solidária;
IV - colaborar com outros órgãos de governo em programas de
desenvolvimento e combate ao desemprego e à pobreza;
V - estimular a criação, manutenção e ampliação de
oportunidades de trabalho e acesso à renda, por meio de
empreendimentos autogestionados, organizados de forma
coletiva e participativa, inclusive da economia popular;
VI - estimular as relações sociais de produção e consumo
baseadas na cooperação, na solidariedade e na satisfação e
valorização dos seres humanos e do meio ambiente;
VII - contribuir com as políticas de microfinanças, estimulando o
cooperativismo de crédito, e outras formas de organização deste
setor;
VIII - propor medidas que incentivem o desenvolvimento da
economia solidária;
IX - apresentar estudos e sugerir adequações na legislação,

25
Capítulo 2

visando ao fortalecimento dos empreendimentos solidários;


X - promover estudos e pesquisas que contribuam para o
desenvolvimento e divulgação da economia solidária;
XI - supervisionar e avaliar as parcerias da Secretaria com outros
órgãos do Governo Federal e com órgãos de governos estaduais
e municipais;
XII - supervisionar e avaliar as parcerias da Secretaria com
movimentos sociais, agências de fomento da economia solidária,
entidades financeiras solidárias e entidades representativas do
cooperativismo;
XIII - supervisionar, orientar e coordenar os serviços de secretaria
do Conselho Nacional de Economia Solidária;
XIV - apoiar tecnicamente os órgãos colegiados do Ministério do
Trabalho e Emprego, em sua área de competência; e
XV - articular-se com os demais órgãos envolvidos nas atividades
de sua área de competência. (BRASIL, 2010).

Sendo assim, a SENAES colabora com a missão do Ministério do Trabalho e


Emprego, fomentando e apoiando os empreendimentos econômicos solidários
por meio de ações diretas ou por meio de cooperação e convênios com outros
órgãos governamentais (federais, estaduais e municipais) e com organizações da
sociedade civil que atuam com a economia solidária.

É importante observar que a decisão do governo federal de criar a secretaria


nacional de economia solidária, respondendo positivamente às mobilizações
feitas no campo da economia solidária (seminários, plenárias, fóruns), significou
uma mudança profunda nas políticas públicas de trabalho e emprego, que visam
à geração de renda e à garantia de direitos de cidadania da população menos
favorecida na sociedade.

Nesse sentido, o MTE passou a assumir, para além das iniciativas de emprego
e de proteção dos trabalhadores assalariados, o desafio de implementar
políticas que incluam as demais formas de organização do mundo do trabalho e
proporcionem a extensão dos direitos ao conjunto dos trabalhadores.

26
Economia Solidária

Seção 4
Entidades de assessoria e ou/fomento
A economia solidária apresentou avanços, recentemente, na sua articulação
política, econômica, social e humana, e vem constituindo uma nova mentalidade,
avançando na construção de uma outra economia. Quem está apoiando esses
empreendimentos? Que circunstâncias possibilitaram o seu fortalecimento?

Essa seção deve ser estudada, paralelamente à leitura dos textos incubação de
redes de economia solidária, páginas 224 a 230. Esse texto apresenta as entidades/
organizações que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto
aos empreendimentos econômicos solidários, tais como: capacitação, assessoria,
incubação, assistência técnica e organizativa e acompanhamento.

Consta-se que podem ser consideradas entidades de apoio, assessoria


e fomento à economia solidária às organizações públicas e privadas sem
fins lucrativos, que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio
direto, capacitação, assessoria, incubação, assistência técnica e de gestão e
acompanhamento junto aos empreendimentos de economia solidária, tais como:
capacitação, assessoria, incubação, pesquisa, acompanhamento, fomento a
crédito, assistência técnica e organizativa.

As entidades de apoio estão aglutinadas nos seguintes segmentos:

•• Igrejas e pastorais sociais;


•• Movimento sindical;
•• Organizações Não Governamentais (ONGs) e Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs);
•• Incubadoras universitárias da ES.

Integram esses segmentos diversas entidades nacionais, como: Cáritas brasileira,


Instituto Marista de Solidariedade (IMS), Rede Universitária de Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCPs); Rede Unitrabalho,
Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE); Instituto
Brasileiro de Análises Socioeconômicas (IBASE); Agência de Desenvolvimento
Solidário (ADS/CUT); entre outras.

27
Capítulo 2

Essas entidades realizam ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos
empreendimentos econômicos solidários, tais como:

•• Capacitação, formação e qualificação.


•• Assessoria e acompanhamento.
•• Incubação e fomento de empreendimentos.
•• Assistência técnica e organizativa.
•• Desenvolvimento e disseminação de conhecimentos e tecnologias
sociais.
•• etc.

Essas entidades constituem a organização da sociedade civil. A sociedade civil,


segundo Scherer (2006), é um conceito clássico da sociologia política, mas na
atualidade ele tende a ser utilizado num modelo de divisão tripartite da realidade:
Estado, mercado e sociedade civil. A partir dessa visão, a sociedade civil é a
representação de vários níveis de como os interesses e os valores da cidade se
organizam em cada sociedade, para encaminhamento de suas ações em prol de
políticas públicas sociais e políticas, protestos sociais, manifestações simbólicas
e pressões políticas. (SCHERER, 2006, p. 3).

A sociedade civil constitui, hoje, no Brasil, uma força social determinante. Na


atualidade, é possível constatar a organização associativa em torno de vários
temas. Para Westphal (2010, p. 121), a sociedade civil é a teia viva composta
pelos sujeitos sociais, que nela estabelecem relações muito além de interesses
políticos, é o contexto no qual os sujeitos realizam interações e se constituem
enquanto membros de um coletivo.

Como proposta de estudo, encerra-se por aqui o conteúdo do capítulo.

28
Economia Solidária

Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. I Conferência Nacional de
Economia Solidária: Economia Solidária como estratégia e política de
desenvolvimento. TEM. Brasília: MTE, SENAES, SPPE, DEQ, 2006.

_____. I Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária:


Documento final. – Brasília: TEM, SENAES, SPPE, DEQ, 2006.

_____. SENAES. Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005. Brasília: TEM.


SENAES, 2006.

_____. SENAES. Catálogo dos Empreendimentos Econômicos Solidários no


Estado de Santa Catarina. Brasília: Sociedade Banco de Projeto, [2008].

_____. SENAES. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/a-economia-


solidaria/Acesso em: 25 ago. 2013.

_____. SIES. Economia Solidária: gestão coletiva, resultados compartilhados.


Disponível em: <http:// portal.mte.gov.br/ecosolidaria/sistema-nacional-de-
informacoes-em-economia-solidaria. >. Acesso em: 05 dez. 2013.

FBES. FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA.Sobre o Fórum


Disponível em: <www.fbes.org.br>. Acesso em: 14 nov. 2014.

MTE.MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. A Economia Solidária.


Disponível em:< http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/os-empreendimentos-
economicos-solidarios.htm >. Acesso em: 6 dez. 2014.

OLIVEIRA, Benedito Anselmo de; VERARDO, Luigi. Desenvolvimento na


Perspectiva da Economia Solidária. IV Plenária Nacional de Economia
Solidária: caderno de aprofundamento aos debates. Nov. 2007. p.
6-12. Disponível em: <http://www.fbes.org.br/index2.php?option=com_
docman&task=doc_view&gid=641&Itemid=14>. Acesso em: 05 dez. 2013.

SCHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais.


Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, jan./abr. 2006. p. 109-130.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/v21n1/v21n1a07.pdf>. Acesso em:
05 dez. 2013.

29
Capítulo 3

Articulação nacional da
economia solidária1

Habilidades Caro (a) estudante, por meio do presente estudo


você desenvolverá a habilidade de identificar as
múltiplas formas coletivas de gestão cooperativa
para desenvolver projetos de intercooperação,
relacionando e observando como a organização
em que você atua ou pretende atuar está articulada
com as demais organizações. Desenvolverá também
a habilidade de identificar as formas de articulação
entre os atores da economia solidária e de integrar
as experiências de economia solidária ao sistema
econômico produtivo.

Seções de estudo Seção 1: Organização: articulação em rede

Seção 2: Fóruns de economia solidária

Seção 3: Fórum catarinense de economia solidária

Seção 4: Conferências públicas de economia


solidária

Seção 5: Conselhos de economia solidária

1
DACOREGIO, Elisete Gesser Della Giustina. Economia solidária: origem, história e conceito [material
didático]. Economia Solidária. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane
Dal Mago. Diagramação Cristiano Neri Gonçalves RIbeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.
31
Capítulo 3

Para início de estudo


A Unidade de Aprendizagem (UA) Economia Solidária (ES) está baseada na
seguinte obra: CATTANI, A.; LAVILLE, J.-L.; GAIGER, L. I.; HESPANHA, P. (orgs.)
Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009.

Este livro, que você já recebeu em seu endereço, deve estar sempre a sua
disposição. Tenha este material em mãos ao consultar este roteiro de leitura.
Este material contém conteúdos que se referem aos resultados que você deverá
alcançar no final de cada capítulo de estudo, a fim de desenvolver parte das
habilidades e competências necessárias a sua formação.

Este capítulo 3 terá por base, especificamente, a leitura dos trechos entre as
páginas 21 a 25, 260 a 263, 278 a 283, 284 a 288, 293 a 298 e 328 a 334 do
livro Dicionário Internacional da Outra Economia. As leituras das páginas indicadas
compreendem tópicos referentes ao movimento social, redes de colaboração
solidária, redes sociais, saberes do trabalho associado e utopia.

O Brasil possui diversas formas de organizações dos trabalhadores, as quais


englobam organizações solidárias, cooperativas, associações de diversos setores
em que os trabalhadores se organizam e buscam soluções em comum para
aumento da renda, geração de empregos e da sustentabilidade na comunidade.

Diante desse contexto, você entenderá o que é uma organização em rede e,


sobretudo, a rede da economia solidária, suas relações com o Estado e suas
articulações políticas, e compreenderá como a economia solidária foi sendo
articulada por meio de diversas iniciativas associativas, representadas em
cooperativas populares, associações de bairro, por empresas autogestionárias
etc., concretizando uma proposta de solidariedade e cooperação, originando
vários fóruns locais e regionais, resultando na criação do fórum brasileiro de
economia solidária.

Essa trajetória e identidades de diversos grupos associativos civis no Brasil tem


sido objeto de análise de diversos estudiosos, como Scherer-Warren (1999; 2000;
2003; 2004), além de Avitzer (1998; 2006), Costa (2002; 2006), Gohn (2006; 2010);
Dagnino (2006), entre outros.

32
Economia Solidária

Seção 1
Organização: articulação em rede
Você sabe o que são organizações em rede? Como são e como funcionam as
organizações da economia solidária?

Esta seção deve ser estudada paralelamente à leitura dos textos redes de
colaboração solidária, intervalo entre as páginas 278 a 283, e redes sociais,
intervalo 284 a 288 do livro Dicionário Internacional da Outra Economia, o qual traz
abordagens sobre redes.

Neste estudo, você compreenderá como ocorre a organização em forma de rede


e qual o papel dos empreendimentos econômicos solidários nesse processo.
Também entenderá que a articulação em rede é uma das estratégias da economia
solidária.

Assim, é importante percebermos como se dá a organização em forma de rede


e qual o papel dos empreendimentos econômicos solidários no interior da rede.
Nesse processo, há um outro tipo de ativismo, que se alicerça nos valores da
democracia, da solidariedade, da cooperação e da responsabilidade social e
que vem crescendo significativamente nos últimos tempos. Por exemplo, o
movimento de economia solidária, que tem suas expressões empíricas nos
empreendimentos populares solidários, no fórum brasileiro de economia solidária
e na rede de entidades brasileiras de economia solidária (REBES). (SCHERER,
2006, p. 11).

A partir dessas interações é que se articulam forças da sociedade civil, as quais


conjugam reivindicações para a superação da exclusão social, transparência
do poder público e participação ativa da sociedade civil organizada. Os autores
que discutem os movimentos sociais são unânimes em afirmar que o mundo
contemporâneo exige uma nova configuração dos movimentos sociais.

Em seu recente trabalho de mapeamento das formas de demandas e lutas da


sociedade civil brasileira, Gohn (2010) destaca as articulações em redes como
novas formas que compõem o quadro do associativismo no Brasil.

Resulta que a sociedade civil organizada passou a orientar suas


ações coletivas e associações por outros eixos – focada menos
nos pressupostos ideológicos e políticos – predominantes
nos movimentos sociais dos anos de 1970 e 1980, e mais nos

33
Capítulo 3

vínculos sociais comunitários organizados segundo critérios de


cor, raça, idade, gênero, habilidades e capacidades humanas.
Dessas articulações surgem as redes sociais e temáticas
organizadas segundo gênero, faixas etárias, questões ecológicas
e socioambientais, étnicas, raciais, religiosas etc., além dos
fóruns, conselhos, câmaras etc, que compõem o novo quadro do
associativismo brasileiro. (GOHN, 2010, p.12).

Ainda, seguindo Gohn, a articulação em rede proporciona ligações estreitas entre


a sociedade civil e o Estado:

no universo das cooperativas populares – elas se articulam


em redes, promovem congressos, criam continuamente novos
centros comunitários localizados em territórios habitados pelas
camadas populares, organizam parcelas da população que se
dedicam à produção e comercialização de inúmeros produtos de
uso doméstico, alimentação. Uma infinidade de atividades são
nucleadas em cooperativas ou associações nos próprios bairros
populares. (GOHN, 2010, p. 135).

Pensar a sociedade civil organizada é pensar numa sociedade de redes


(SCHERER, 2007, p. 1), sociedade essa que também é foco de estudo de Castells
(2002) e Scherer 1999. A palavra rede, de origem latina (retis), usada para objetos
de nosso cotidiano (rede de pesca, rede de dormir, entre outras) passou a ser
usada cada vez mais na ciência moderna, por diversos campos do conhecimento
[...] o que permite uma representação das relações de um conjunto de nós/pontos
interligados por uma teia/linhas de conexão.

Arruda, no texto elaborado por ocasião da Reunião do Fórum Brasileiro de


Economia Solidária (FBES), em 2005, descreve rede como instrumento que
tecem a democracia e liberdade, comparando a economia solidária ao gesto do
pescador que lança a rede no mar:

Quando o pescador estende sua rede no chão ou na água, ela


se deita horizontalmente, espraiada para alcançar o espaço mais
amplo que puder. Nenhum nó está acima dos outros, nem é mais
importante do que os outros. Nenhum nó pode pensar os outros
nós como competidores, adversários ou inimigos. Cada nó sabe
que, fazendo parte da rede, está indissoluvelmente ligado a
quatro nós ao seu redor, que por sua vez estão ligados cada um
a quatro outros nós, numa progressão exponencial para formar a
rede. Portanto, cada nó tem consciência de sua responsabilidade
por si próprio, pela sua ligação com os quatro nós seus vizinhos,
e pela integridade de rede inteira. Cada nó sabe que é único e
que os outros nós também são únicos. É esta diversidade de nós
que forma a unidade da rede. Assim é a economia solidária. Ela

34
Economia Solidária

trata de muito mais do que a mera atividade de produzir para


sobreviver... Ela convoca cada habitante a empoderar-se para
ser sujeito do desenvolvimento dos seus potenciais individuais e
coletivas. (ARRUDA, 2005).

A articulação em rede é uma das estratégias da economia solidária. Os grupo/


empreendimentos de ES que se isolam têm muito mais dificuldades de sobreviver,
enquanto os que se juntam a outros podem potencializar seus esforços e obter
mais resultados. Para Mance (1999), um dos autores que têm estudado a
formação de redes solidárias, as redes podem ser definidas:

[...] articulação entre diversas unidades que, através de


certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se
reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades,
as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto à medida que
são fortalecidas por ele, permitindo-lhes expandir-se em novas
unidades ou manter-se em equilíbrio sustentável, cada nódulo
da rede representa uma unidade, e cada fio um canal por onde
essas unidades se articulam através de diversos fluxos. (MANCE,
1999, p. 24).

Cabe destacar que a organização, em forma de rede, permite uma articulação


social mais eficiente, uma vez que possibilita identificar e mobilizar atores, animar
a organização de novos atores em rede, influir nas organizações e alianças
estratégicas e abrir espaços políticos de reconhecimento da economia solidária
nas esferas de poder. Assim, para entender a economia solidária como uma
rede, é preciso identificar como são conduzidas as ações na direção do conceito
propositivo de rede.

Para Scherer (2008), a organização do movimento social em forma de rede


significa:

estruturar-se de forma mais democrática, mais horizontalizada,


com uma participação mais equitativa, sem hierarquias de poder.
A democracia/participação; diversidade/pluralismo e inclusão
sócio-econômica-cultural aparecem como ponto forte ou valores
de convergência dos movimentos sociais no novo milênio
(SCHERER-WARREN, 2008, p. 12).

O movimento da economia solidária se fundamenta nos valores da solidariedade,


da democracia, da autogestão, da cooperação e da responsabilidade social.
Esses são os seus princípios básicos. Dessa forma, é que esse movimento vem
se desenvolvendo, sobretudo, por meio dos fóruns formados pelos chamados
empreendimentos solidários e pelas entidades que os apoiam, formando redes de
empoderamento da ES no Brasil.

35
Capítulo 3

Seção 2
Fóruns de economia solidária
Certamente você já fez a seguinte pergunta: De que forma está organizada a
economia solidária no Brasil?

Esta seção focaliza a organização do movimento da economia solidária no Brasil.


Em primeiro lugar, a partir da leitura do texto movimento social, intervalo das
páginas 260 a 263 e saberes do trabalho associado, intervalos 293 a 298 do livro
Dicionário Internacional da Outra Economia. O conteúdo desta seção ampliará sua
concepção sobre o termo movimento social.

A organização de economia solidária consiste fundamentalmente na articulação


entre três segmentos de movimento: empreendimentos solidários, entidades
de assessoria e fomento e gestores públicos. Assim, neste estudo, você verá
como se deu a construção da organização da economia solidária, a qual vem se
desenvolvendo, sobretudo, por meio das reuniões dos fóruns formados pelos
chamados empreendimentos solidários e pelas entidades que os apoiam.

Nesse sentido, verá informações importantes, as quais buscam retratar aspectos


da trajetória histórica das formas de organização da economia solidária, bem
como compreender o que são fóruns de economia solidária como, por exemplo,
o fórum brasileiro.

O FBES está organizado em todo o país em mais de 160 fóruns municipais,


microrregionais e estaduais, envolvendo diretamente mais de 3.000
empreendimentos de economia solidária, 500 entidades de assessoria, 12
governos estaduais e 200 municípios pela rede de gestores em economia
solidária.

No que tange à importância da organização do movimento no contexto brasileiro,


é essencial que se considere que:

A modernidade, como já indicara Max Weber, privilegiou


teórica e praticamente dois espaços, o mercado e o estado,
ou seja, as dimensões econômica e política. A crise dessa
mesma modernidade revela a enorme complexidade do real e
faz presentes outros espaços, pelo menos tão determinantes
quanto os anteriores. Também a crise dos modelos e dos
programas políticos questiona o protagonismo dos partidos e
traz à luz outras articulações de demandas e propostas sociais.

36
Economia Solidária

Não é por acaso, nem devido a modas passageiras, que uma


atenção especial tem sido dada aos movimentos sociais. Eles
são laboratórios de criatividade, nos quais se testam novas
alternativas societárias. Não se trata de projetos globais de
discutida aplicação, mas de experiências localizadas e concretas,
talvez mais eficazes e com potencial efeito multiplicador.
(SCHERER, 1993, p. 7).

Os primeiros fóruns de economia solidária no Brasil foram organizados nos


Estados do Rio de Janeiro (1996) e São Paulo (1999), e nos Estados do
Rio Grande do Sul (1996) e em Santa Catarina (1999). As grandes reuniões
deliberativas desses fóruns são chamadas plenárias, as quais costumam
ser conduzidas por equipes de coordenação, compostas por representantes
indicados ou eleitos por suas bases, com reuniões periódicas e planejadas.
Nos fóruns se discutem questões e se propõem ações de interesse comum,
constituindo-se, portanto, como instâncias políticas do movimento.

Podemos afirmar que atualmente o FBES é a instância nacional de articulação,


debate, elaboração de estratégias e mobilização do movimento de economia
solidária no Brasil.

As atuais formas de associações civis organizadas em redes são


compostas por: movimentos sociais, associações comunitárias,
ônus, fóruns, conselhos, câmaras, assembleias etc. Elas podem
ser agrupadas em três grandes blocos: 1) os movimentos e ações
de grupos identitários que lutam por direitos: sociais, econômicos,
políticos, e, mais recentemente, culturais; 2) movimentos e
organizações de luta por melhores condições de vida e de trabalho,
no urbano e no rural, que demandam acesso e condições para –
terra, moradia, alimentação, saúde, transportes, lazer, emprego,
salário etc.; 3) os movimentos globais ou globalizantes como
o Fórum Social Mundial. [...] na realidade, esta forma de
movimento constitui a grande novidade deste novo milênio.
(GOHN, 2010, p. 13-14).

As ações mais comuns, promovidas por esses fóruns, são as feiras de exposição
e venda de produtos e serviços categorizados “de economia solidária”. Além
da comercialização em si, essas feiras constituem oportunidades para troca de
experiências, divulgação do movimento.

Uma referência internacional em termos de organização de movimentos sociais


é o Fórum Social Mundial (FSM), cuja primeira edição ocorreu em janeiro de
2001 no município de Porto Alegre. O FSM tem sido o ambiente privilegiado de
atividades do movimento nacional de economia solidária, bem como de outros.

37
Capítulo 3

É importante destacar que o FBES é, antes de tudo, fruto do processo histórico


que culminou no I Fórum Social Mundial, o qual contou com a participação de 16
mil pessoas, vindas de 117 países, entre os dias 25 a 30 de janeiro de 2001. Entre
as diversas oficinas, que promoviam debates e reflexões, 1.500 participantes
acotovelam-se na oficina denominada “Economia popular solidária e autogestão”,
na qual se tratou da auto-organização de trabalhadores, políticas públicas e das
perspectivas econômicas e sociais de trabalho e renda.

A manifestação de interesses e a necessidade de articular a participação


nacional e internacional do I FSM propiciaram a constituição do Grupo de
Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT-Brasileiro), composto de redes e
organizações de uma diversidade de práticas associativas do segmento popular
solidário: rural, urbano, estudantes, igrejas, bases sindicais, universidades,
práticas governamentais de políticas sociais, práticas de apoio ao crédito, redes
de informação e vínculo às redes internacionais.

O GT-Brasileiro buscou a unidade na diversidade, favorecendo a construção


da identidade do campo da denominada “economia solidária”, graças à prática
de respeitar as contribuições diversas de cada região e especificidades de
suas organizações. É a partir desse grupo que se propõe a constituição de um
fórum em dimensão nacional. Nisso, tanto a realização das plenárias quanto a
elaboração dos princípios da economia solidária foram decisivas para ampliar e,
ao mesmo tempo, caracterizar seu campo de ação.

O movimento que vinha sendo articulado pelo GT-Brasileiro era constituído,


principalmente, por entidades de assessoria/fomento e por um segmento de
gestores públicos e apontava, desde o início, para a necessidade de combinar
a ampliação regional com o investimento em empresas e empreendimentos
do campo da denominada “economia solidária”. Faltava uma política pública
nacional de economia solidária e um processo de enraizamento, constituído,
principalmente, pelos empreendimentos de economia solidária e empresas de
autogestão, nas diversas regiões do país.

No final de 2002, decorrente do processo eleitoral que culminou com a vitória


do Governo Lula, o GT-Brasileiro elaborou a Carta ao Governo Lula intitulada
“Economia Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento”. Aquele
documento de interlocução com o futuro governo apresentava as diretrizes
gerais da economia solidária e reivindicava a criação da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES).

A I Plenária Brasileira de Economia Solidária, realizada em São Paulo, nos dia


9 e 10 de dezembro de 2002, contando com mais de 200 pessoas – entre
trabalhadoras/es de empreendimentos associativos, entidades de representação,
entidades de assessoria/fomento e gestores de políticas públicas – foi aprovada

38
Economia Solidária

e encaminhada a Carta de solicitação da criação da SENAES. Também nesse


espaço, iniciaram as discussões para criação do FBES

A II Plenária, realizada durante o FSM de janeiro de 2003, em Porto Alegre,


definiu agenda de mobilização de debates e sensibilização pelas regiões do
país e legitimou o GT-Brasileiro como promotor do processo de mobilização da
economia solidária.

Em junho de 2003, realizou-se a III Plenária Brasileira de Economia Solidária, que


contou com um processo preparatório de mobilização em 17 estados. Foi nesse
evento que foi criada, de forma definitiva, a denominação Fórum Brasileiro de
Economia Solidária (FBES).

O FBES saiu dessa III Plenária com a incumbência de articular e mobilizar as


bases da economia solidária pelo país, em torno da Carta de Princípios e da
Plataforma de Lutas, aprovadas naquela oportunidade. Além de se definir a
composição e funcionamento do FBES, foi iniciado um processo de interlocução
do FBES com a SENAES, com o compromisso de promover um intercâmbio
qualificado de interesses econômicos, sociais e políticos, numa perspectiva de
superar práticas tradicionais de dependência, que tanto têm comprometido a
autonomia necessária ao desenvolvimento das organizações sociais.

Outro fruto decorrente daquele evento foi o desencadeamento da criação dos


fóruns estaduais e regionais que puderam garantir, por sua vez, a realização
do I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária com
trabalhadoras/es advindos de todos os estados.

Esse encontro aconteceu em agosto de 2004. Nesse processo, a economia


solidária foi desafiada a gerir abastecimento, comercialização, trabalhar com
moeda social, promover rodadas de negócio, realizar feiras em todos os estados,
fazer campanha de consumo consciente, comércio justo e solidário, constituir
redes, cadeias produtivas, finanças solidárias, trabalhar no campo do marco legal
(especialmente: lei geral do cooperativismo e cooperativa de trabalho).

Em 2006, após a realização das conferências estaduais, realizou-se a I Conferência


Nacional de Economia Solidária, em Brasília. Nessa Conferência, foram discutidas
as resoluções voltadas à participação no Conselho Nacional de Economia Solidária
(CNES) e propostas para políticas públicas para a economia solidária.

39
Capítulo 3

A figura a seguir ilustra a estrutura que forma o FBES.

Figura 3.1 - Estrutura do fórum brasileiro de economia solidária

Fonte: Dacoregio (2010, p. 90).

A articulação e representação nacional do FBES ocorre por meio da


coordenação nacional. Dela participam 16 entidades e redes nacionais, além
de 3 representantes de cada Fórum Estadual de Economia Solidária (FEES).
Desses, integram a coordenação nacional 3 representantes estaduais, sendo
que 2 são trabalhadores de empreendimentos (buscando contemplar o setor
rural e o urbano) e 1 de entidade ou de rede de gestores. Para o trabalho de
interlocução com movimentos sociais e instituições privadas e públicas, além de
gestão política do cotidiano, existe a coordenação executiva nacional, a qual tem
a função de acompanhar os trabalhos da Secretaria Executiva Nacional (SEN),
sediada em Brasília.

A partir desse histórico, podemos afirmar que existe hoje um expressivo


crescimento da economia solidária e de sua organização. Como se constata em
2002, a organicidade da economia solidária se manifestava em apenas cinco
estados, já em 2003, as plenárias estaduais foram realizadas em 17 estados.
Em 2006, os fóruns estaduais já estavam presentes em todos os 27 estados do
Brasil. Esse crescimento também tem promovido articulações e intercâmbios
internacionais, especialmente com América Latina, na Rede Intercontinental para
a Promoção da Economia Solidária (RIPESS).

40
Economia Solidária

Referente à experiência de articulação do movimento da economia solidária em


rede é importante destacar que o fórum brasileiro se constitui como forma de
articulação/organização do movimento (SCHERER, 2006, p. 124). É no espaço
dos fóruns da sociedade civil que se constroem, de forma mais sistemática,
propostas para a transformação social e formas de negociação com o Estado e o
mercado.

Assim, podemos dizer que o movimento da ES atua na:

a. Prestação de serviços: a economia solidária está hoje presente


nas ações e proposições de diferentes movimentos (segurança
alimentar, catadores, trabalhadores sindicalizados, quilombolas,
agricultura familiar, sem terra, pescadores etc.), bem como
na construção de políticas públicas em diferentes setores,
compreendendo que os sujeitos devem ser percebidos como
cidadãos de direitos e deveres. Assim, é possível afirmar que
o movimento de ES contribui para a construção de uma nova
sociedade, pautada na ética solidária e democrática.
b. Pressão política: nos espaços de organização (fóruns: nacional,
estaduais e regionais, grupo de trabalhos, conselho nacional etc.)
que buscam a discussão, construção e mediação política para a
efetivação das políticas públicas. São espaços de participação
dos empreendimentos, ou seja, dos sujeitos que se articulam para
reivindicações, com o intuito de superar a exclusão social.
c. Formulação de políticas públicas: vários espaços como: plenárias
nacionais e estaduais, conferências, seminários, audiências
públicas, entre outros, são instâncias políticas consideradas
estratégicas que assegurem a autonomia e a capacidade de
mobilização e proposição, em torno de políticas públicas e de
articulação com movimentos sociais.

41
Capítulo 3

Seção 3
Fórum catarinense de economia solidária
Você conhece algum fórum de economia solidária?

Esta seção apresenta um exemplo de articulação de economia solidária em rede, a


qual se configura em uma experiência concreta de fórum, esse está oportunizando
condições favoráveis ao fortalecimento da economia solidária em Santa Catarina.

O avanço da articulação e organização da ES no Brasil tem permitido fortalecer


ações de elaboração coletiva e a expressão conjunta de concepções e propostas,
bem como de reorganização de fluxos econômicos e culturais, com vistas a
fortalecer os processos solidários de consumo, comercialização, intercâmbio,
produção, financiamento e desenvolvimento tecnológico.

No Estado de Santa Catarina (SC), por exemplo, os empreendimentos de


economia solidária vêm sendo historicamente apoiados a partir das ações de
entidades que oferecem assessoria e fomento à ES em geral, organizações da
sociedade civil, em especial, dos movimentos sociais, formados por associações
sem fins lucrativos (ONGs), igrejas, entre outros, e pela atuação das universidades,
via as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), que prestam
serviços de apoio e fomento para a incubação e promoção de empreendimentos
solidários. Em SC, até o final de 2007, foram mapeados 689 empreendimentos de
economia solidária, distribuídos em vários municípios. (BRASIL, 2008).

O histórico do grupo de trabalho Catarinense teve início na I Jornada Catarinense


de Socioeconomia Solidária, que aconteceu em maio de 2000. O grupo de
trabalho tinha na sua origem o objetivo principal de oportunizar condições
favoráveis ao fortalecimento dos empreendimentos de socioeconomia solidária
do Estado de Santa Catarina e de aglutinar entidades com atuação estadual e
regional, que trabalhassem com a temática da economia solidária.

Essa jornada foi organizada por integrantes do Núcleo de Estudos e Assessoria


em Empreendimentos Produtivos Populares da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), por técnicos do Centro de Estudos e Promoção da
Agricultura de Grupo (CEPAGRO), pelos representantes do Fundo de Miniprojetos
Alternativos, da CNBB-Regional Sul IV e pela Agência de Desenvolvimento
Solidário (ADS/CUT).

42
Economia Solidária

Entre os objetivos dessa jornada estava o fortalecimento da articulação entre


grupos rurais e urbanos, na perspectiva de construir uma rede de trocas que
potencializasse as experiências de economia solidária já existentes em SC.

Para que possamos entender a importância dessa organização, é essencial


considerarmos que:

vivemos tempos de profunda mudança civilizatória, cujos


resultados são incertos. A emergência e o reconhecimento
da Economia Solidária (ES) em diversas regiões do planeta
são sinais desta grande transformação. Em muitos lugares do
Brasil a economia popular solidária atravessa uma fase de vigor,
ganhando escala e se consolidando. Já em Santa Catarina,
apesar das suas experiências de cooperativismo e autogestão
terem se tornado uma referência nacional importante, a vertente
popular da ES barriga-verde tem encontrado muitas dificuldades
em se consolidar. Inúmeros exemplos (bem e mal sucedidos)
catarinenses se destacam: a Cooperminas (ex-CBCA), uma
cooperativa autogestionária de extração de carvão em Criciúma,
com 400 mineiros; a Bruscor (uma fábrica autogestionária
de cordas em Brusque); as inúmeras formas associativas
(condomínios, de grupo) da agricultura familiar; a expansão das
cooperativas populares (com destaque para os assentamentos
do MST e para a rede das cooperativas de crédito/Sistema
Cresol) e da maricultura ao longo do nosso litoral; e a frustrada,
mas relevante Cooperativa de Consumo das Comunidades, que
surgiu a partir do programa das feiras e armazéns comunitários
gestados nos bairros populares de Florianópolis. Em nível de
entidades de apoio, realçamos a atuação do Centro Vianey
e do CEPAGRO; a continuidade do Fundo de Mini-Projetos/
CNBB, que em mais de 10 anos já financiou centenas de
empreendimentos; o surgimento das Incubadoras Tecnológicas
de Coop. Populares na FURB e na UFSC, bem como da Agência
de Desenvolvimento Solidário na Escola Sul da CUT (ADS/
CUT) em Florianópolis. Também já se encontra em processo
de instalação um escritório da ANTEAG (Associação Nacional
dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação
Acionária) em Florianópolis. (LISBOA, 1999, p. 1).

Como desdobramento da jornada Catarinense de Socioeconomia Solidária, já


no ano 2000 iniciou-se a articulação em torno da constituição de um fórum ou
grupo de trabalho de economia solidária no Estado. O grupo de trabalho nasceu
como uma organização informal, de caráter estadual, que congrega instituições
da sociedade civil que atuam no desenvolvimento da economia solidária – seja
no fomento, na assessoria, na articulação – e empreendimentos de economia
solidária (cooperativas, associações, empresas autogestionárias, grupos
informais de produção, agroindústrias familiares, etc.). No ano seguinte, o GT

43
Capítulo 3

organizou, em Lages a I Feira Catarinense de Socioeconomia Solidária, o que


repercutiu muito na motivação para o fortalecimento do próprio GT.

Em 2002, a grande ação do GT foi a realização do Seminário Estadual, que


discutiu e tirou encaminhamentos importantes acerca de temas relacionados
à produção, comercialização, crédito, legislação e tributação. Como
desdobramento desse seminário, o GT organizou no ano de 2003, a II Feria
Catarinense de Socioeconomia Solidária realizada em Blumenau.

Ainda em 2003, o GT ajudou na organização e desenvolvimento de uma


audiência pública sobre a economia solidária em Santa Catarina, com o propósito
de colocar o tema no dia a dia do legislativo catarinense e proporcionar o
intercâmbio de informações e busca de apoio para o avanço dessa nova proposta
de geração de trabalho e renda no estado. Outra grande ação do GT nesse
ano foi à formulação de uma proposta de programa para a economia solidária
apresentada ao governo do Estado.

No ano de 2004, aconteceram reuniões, cuja principal preocupação que orientou


as discussões do GT foi a de definir uma agenda propositiva com temas
prioritários para nortear a política do Estado para a ES.

No início de 2005, o grupo de trabalho refletiu sobre sua organização,


apontando a necessidade da discussão sobre a mudança de denominação
de grupo de trabalho para fórum estadual, tendo presente a preocupação
de facilitar o diálogo com outros fóruns estaduais e com o fórum brasileiro e
não caracterizar a ideia de uma comissão de trabalho. Assim, optou-se pela
nomenclatura que é padrão em todo o Brasil, dessa forma, a partir de 2005, o
grupo de trabalho passou a ser chamado de Fórum Catarinense de Economia
Solidária (FCES). A realização da III Feira Catarinense de Economia Solidária em
Itajaí (maio 2005) foi mais uma ação do Fórum Catarinense de fortalecimento e
articulação de ES.

O FCES buscou a unidade na diversidade, favorecendo a construção da


identidade graças à prática de respeitar as contribuições diversas de cada
região e especificidades das suas organizações. Criado por meio da participação
coletiva, o símbolo da rede da economia solidária em SC expressa seu objetivo
maior, que é o fortalecimento da ES no Estado, o qual é ilustrado pela seguinte
figura.

44
Economia Solidária

Figura 3.2 - Representação do fórum catarinense de economia solidária

Fonte: Dacoregio (2010, p. 96).

O fortalecimento da economia solidária em Santa Catarina e também no Brasil


passa pela sua crescente federação em redes de produção, de comercialização,
de financiamento. É o que constatou a I Conferência Nacional de ES: “A
economia solidária está ultrapassando a dimensão de iniciativas isoladas e
fragmentadas para sua inserção nas cadeias produtivas, redes e articulações com
processos de desenvolvimento locais e territoriais, orientando-se, cada vez mais,
rumo a uma articulação nacional e internacional, em especial, a latino-americana”.

Partindo-se da prática e compreendendo o movimento da economia solidária


como uma rede que conecta vários nós, defini-se também o fórum catarinense
de ES como parte da rede. O FCES tem como objetivo o fortalecimento da rede
de economia solidária catarinense e organiza-se estrategicamente em redes
solidárias. Assim, podemos entender o FCES como parte da rede, a partir das
dinâmicas próprias de trabalho. Percebendo os elementos básicos da rede, seus
nós/células e a suas conexões.

Segundo Pedrini (2004), a economia solidária é permeada pela constituição


de várias redes regionais, bem como de uma articulação estadual. Tal fato nos
mostra que as redes embasam, fortalecem e impulsionam a economia solidária,
dando-lhes maior possibilidade de construir a autogestão, a sustentabilidade
futura, pois propõe a construção de políticas públicas de trabalho e renda, e
busca ir além do já estabelecido, tecendo novas relações de trabalho, cidadania e
um novo projeto societário. Nesse sentido, focar o olhar sobre a organização em
rede do FCES significa conhecer os sistemas vivos, ou seja, os nós da rede; as

45
Capítulo 3

formas de inclusão social dos nós; entender como se sustenta e se autoproduz


a rede.
Significa ainda responder a diversas perguntas, por exemplo, como é a sua
complexidade organizacional? A sua organização possibilita experiências de
democracia? Como são resolvidas as tensões entre as tendências competitivas?
Como buscar um consenso mínimo que permita uma gestão coletiva,
transformando todos os elos da rede em agentes do capital social? Como se
dão as trocas no interior da rede? Como é animada e mantida a participação dos
membros na rede? Como se dão as informações? Como garantir a inclusão dos
mais excluídos? Como incluir politicamente no debate público as populações
mais excluídas e discriminadas? Quais as formas de trabalhos para a promoção
de reconhecimento social?

Pensar a ideia de rede implica pensar, desde um ponto de vista epistemológico, a


possibilidade de “integração de diversidade”. Distingue-se da ideia de unicidade
totalizadora, comum em interpretações do marxismo positivista acerca da
necessidade de articulações das lutas sociais. A análise em termos de redes
de movimentos implica buscar as formas de articulação entre o local e o global,
entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das
identidades dos atores com o pluralismo.

Enfim, trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo


em que se apresenta cada vez mais como interdependente, intercomunicativo, no
qual surge um número cada vez maior de movimentos de caráter transnacional,
como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e
outros. Subjacente ao transnacionalismo, há uma opção que também é ética –
humanística. E essa também é a opção da análise em termos de redes, ou seja, a
do compromisso com os princípios humanísticos que permitem a comunicação,
articulação, intercâmbio e solidariedade entre os atores sociais diversos.
(SCHERER, 2006, p. 7-8).

É importante destacar que o FCES é uma organização informal que congrega


instituições da sociedade civil e governamentais que atuam no desenvolvimento
da economia solidária – seja no fomento, na assessoria, na articulação – e
empreendimentos de economia solidária, os quais têm a missão de oportunizar
condições favoráveis ao fortalecimento dos empreendimentos de ES do Estado
de Santa Catarina.

É um espaço plural e diversificado, que garante a participação e engajamento


sem discriminação de crença, cultura, gerações, capacidades físicas, sexo,
cor ou opção sexual. Assim, busca-se a verdadeira inclusão social, em que as
pessoas passam de vítima a sujeito, a protagonistas. A próxima figura reflete a
abrangência do FCES, oferecendo uma pequena amostra de sua articulação e
representação.

46
Economia Solidária

Figura 3.3 -Organização do fórum brasileiro de economia solidária

Fonte: Dacoregio (2010, p. 98).

O principio de funcionamento das redes é a informação, a produção, circulação,


reedição, arquivamento, a troca. Assim, para se articular, o FCES possui um
e-group, que serve de canal de comunicação e realiza reuniões ordinárias
bimensais, e muitas vezes, extraordinárias, para dar conta dos seus objetivos,
bem como realizar o planejamento a cada início de ano. Outros canais como
correios, telefones etc., também servem de auxílio no repasse das informações.
Também possui um sistema de arquivamento de suas produções. Apesar dessa
organização, ainda é preciso avançar para superar desafios como o de estimular
e manter a conectividade dos participantes, estimular para uma cultura de
compartilhamento de conhecimento, experiências, informação e ideais.

Desse modo, para manter viva a rede e garantir a participação nos espaços
de discussão como, por exemplo, fóruns, plenárias, entre outros, o FCES
criou um processo de formação e informação descentralizado, permitindo a
troca de experiências e o empoderamento de todos os elos. As ações são
planejadas conjuntamente, garantindo a descentralização e despersonificação.
Assim, o FCES constitui-se como um grupo que funciona como uma rede de
corresponsabilidade mútua, na qual todos procuram interagir democraticamente,
para fortalecimento de toda a rede.

47
Capítulo 3

Vale observar que o FCES se articula com FBES mediante seus representantes, e
também partilha dos seus princípios, reafirmando: a) pluralidade e a diversidade,
garantindo a participação e engajamento sem qualquer forma de discriminação,
b) a valorização social do trabalho humano, o caráter emancipatório da economia
solidária e as práticas cujas relações são baseadas na equidade, na cooperação,
na solidariedade, no resgate da dignidade e da cidadania, reafirmando a
importância dos trabalhadores e trabalhadoras serem os detentores dos
meios de produção e dos respectivos resultados; c) a visão de uma sociedade
autogestionária na qual o desenvolvimento econômico tem como centralidade
o homem e a mulher; d) na busca de uma relação de intercâmbio e integrada
com a natureza, na valorização do saber local, da cultura, da tecnologia popular
e da ética do consumo; e) o estímulo ao conhecimento e à cooperação entre
as organizações que o integram, fomentando o desenvolvimento de cadeias
produtivas locais e regionais; f) a articulação de um espaço de representação
em busca do fortalecimento da ES, enquanto política pública que respeita o
protagonismo e autonomia dos empreendimentos, das redes e entidades que o
integram, fortalecendo o desenvolvimento local e autossustentável.

Para cumprir com sua missão e de acordo com seus princípios, o FCES tem
como objetivos:

•• Fomentar a criação de redes, fóruns locais e/ou regionais.


•• Realizar feiras de ES.
•• Realizar seminários setoriais para definição de estratégias comuns
de organização da produção, comercialização, crédito e inovação
tecnológica.
•• Realizar seminários e jornadas para discussão do ideário
socioeconômico, político e cultural da economia solidária, bem
como para troca de experiências e divulgação.
•• Promover estratégias de comercialização e divulgação dos
produtos da ES, como catálogos, campanhas publicitárias, entre
outros.
•• Representar o FBES no Estado de Santa Catarina.
•• Discutir com o poder publico estadual e federal a implementação
de políticas públicas para o desenvolvimento da economia solidária.

A coordenação é assumida de forma espontânea, por um conjunto de instituições


e empreendimentos que participam de forma mais comprometida e constante. A
partir dessa forma de gestão, vão se constituindo outras estruturas de poder que
possibilitam vivenciar relações sociais e políticas mais democráticas, rompendo

48
Economia Solidária

com as relações tradicionais, piramidais. Entretanto, essa organização horizontal


ainda apresenta limites e desafios que precisam ser superados. Porém, a vivência
de outras relações está sendo construída.

Como estratégia de fortalecimento, o FCES vem fomentando a constituição de


fóruns regionais, como já ocorre na região catarinense do Vale do Rio Itajaí, bem
como nos municípios de Florianópolis, Chapecó, Criciúma e Joinville.

Essa estratégia via a instrumentalização do FCES e das redes regionais para a


elaboração de políticas públicas em ES, como por exemplo, a construção da
proposta de lei de economia solidária para o Estado de Santa Catarina, a qual
está sendo negociada com o poder público estadual, e que fortalecerá a adesão
política e social, articulando os movimentos sociais com o poder público.

O FCES concretizou também, por meio da realização da I Conferência Estadual,


o desejo de reunir representantes dos empreendimentos solidários, dos
movimentos sociais e organizações que fomentam a economia solidária e/ou se
serve dela para combater a pobreza e a exclusão social e dos representantes dos
governos federal, estaduais e municipais que apoiam a ES.

Para encerrar, destacamos que os fóruns, como um todo, têm criado redes que
ultrapassam as fronteiras nacionais e têm alterado a linguagem e a cultura do
mundo associativismo. De certa forma, eles têm pautado as ações das redes
de movimentos e ONGs. Todos juntos são os novos agentes estruturantes das
redes movimentalistas e mobilizatórias, construindo e definindo os espaços e os
vínculos de sociabilidade e cultura política do país. (GOHN, 2010, p. 173).

49
Capítulo 3

Seção 4
Conferências públicas de economia solidária
Já parou para pensar no que são conferências públicas? Qual é a importância
desse espaço de discussão?

Esta seção deve ser estudada paralelamente à leitura do texto associativismo,


páginas 21 a 25, e utopia, intervalo de páginas 328 a 334 do Dicionário
Internacional da Outra Economia, o qual contém algumas abordagens sobre as
políticas públicas para a economia solidária.

As conferências de políticas públicas são espaços amplos e democráticos de


discussão e articulação coletivas de propostas e estratégias de organização. Sua
principal característica é reunir governo e sociedade civil organizada para debater
e decidir as prioridades nas políticas públicas nos próximos anos. 

No caso das conferências públicas de economia solidária - nacional, estaduais,


territoriais e municipais – elas representam um importante espaço de formação
e difusão sobre o movimento, além de contribuir para a definição de diretrizes
que nortearão suas políticas públicas. Representam ainda espaços importantes
de interlocução entre governo e sociedade civil para a afirmação da economia
solidária como estratégia e política de desenvolvimento, a partir do debate e
proposição de princípios, diretrizes, estratégias e prioridades para as políticas
voltadas ao fortalecimento da economia solidária.

Considerada como um passo fundamental no sentido de dar visibilidade à


economia solidária, a I Conferência Nacional de Economia Solidária foi realizada
em Brasília, de 26 a 29 de junho de 2006, por meio da convocação dos
Ministérios do Trabalho e Emprego (tem), do Desenvolvimento Agrário (MDA), e
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Os três segmentos da economia solidária foram representados:

•• Por empreendimentos econômicos solidários e suas entidades de


representação (50% dos delegados);
•• Por entidades e organizações da sociedade civil (25% dos
delegados);
•• Pelo poder público (25% dos delegados).

50
Economia Solidária

Além dos delegados estaduais, participaram da Conferência delegados


nacionais membros do CNES e outros representantes indicados pela Comissão
Organizadora Nacional (CON).

Teve como objetivos principais discutir os três eixos temáticos:

•• Os fundamentos da ES e seu papel para a construção de um


desenvolvimento sustentável, democrático e socialmente justo.
•• O balanço do acúmulo da economia solidária e das políticas
públicas implementadas.
•• Os desafios e prioridades para a construção de políticas públicas
de economia solidária, sua centralidade, a articulação com as
demais políticas e os mecanismos de participação e controle social.

De acordo com seu documento final, a II Conferência Nacional de Economia


Solidária, realizada entre as 16 a 18 de junho de 2010, com o lema Pelo
Direito de Produzir e Viver em Cooperação de maneira Sustentável, teve
como objetivo avançar no reconhecimento do direito a formas de organização
econômicas baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva, na
cooperação, na autogestão, na sustentabilidade e na solidariedade. Durante
a realização do mencionado evento, foram convocadas várias conferências
temáticas que trataram sobre seguintes temas:

•• formação e assessoramento técnico;


•• finanças solidárias;
•• etnodesenvolvimento;
•• comercialização justa e solidária;
•• cooperativismo solidário.

Já III Conferência aconteceu nos dias 26 a 29 de novembro de 2014 e teve os


seguintes objetivos:

•• realizar um balanço sobre os avanços, limites e desafios da


economia solidária, considerando as deliberações das conferências
nacionais de economia solidária;
•• promover o debate sobre o processo de integração das ações de
apoio à economia solidária, fomentadas pelos governos e pela
sociedade civil;
•• elaborar planos municipais, territoriais e estaduais de economia
solidária;

51
Capítulo 3

•• elaborar um Plano Nacional de Economia Solidária(PNES) contendo


visão de futuro, diagnóstico, eixos estratégicos de ação, programas
e projetos estratégicos e modelo de gestão para o fortalecimento
da economia solidária no país.
Outras conferências públicas também tratam de temas e questões de interesse
da economia solidária. Como por exemplo: Conferência de Segurança Alimentar
e Nutricional (CSAN), Conferência de Desenvolvimento Rural Sustentável
(CDRS), Conferência de Meio Ambiente (CMA), Conferência das Cidades (CC),
Conferência das Mulheres (CM) etc.

Seção 5
Conselhos de economia solidária
O que você sabe sobre Conselhos de Políticas Públicas (CPP)? E conselhos de
economia solidária?

Esta seção apresenta uma abordagem sobre os conselhos de economia


solidária, os quais são órgãos colegiados criados pelo estado, cuja composição
e competência são determinadas pela lei que os instituiu. Esses conselhos foram
concebidos como órgão consultivo e propositivo para a interlocução permanente
entre setores do governo e da sociedade civil que atuam em prol da economia
solidária.

Os conselhos de ES são espaços de participação e controle social com


representações de empreendimentos econômicos solidários, de organizações
governamentais e da sociedade civil: entidade de apoio e fomento e movimentos
sociais. Essas esferas públicas são constituídas com a finalidade de garantir a
participação social na formulação de políticas públicas de economia solidária
em âmbito nacional, estadual ou municipal. Além disso, os referidos conselhos
acompanham a implementação de fundos públicos, a execução de programas,
projetos e ações de economia solidária.

De acordo com a SENAES, o Conselho Nacional de Economia Solidária foi criado


pelo mesmo ato legal que, em junho de 2003, instituiu a secretaria nacional
de economia solidária no Ministério do Trabalho e Emprego, a qual tem por
atribuições principais:

52
Economia Solidária

•• a proposição de diretrizes para as ações voltadas à economia


solidária nos Ministérios que o integram e em outros órgãos do
governo federal;
•• o acompanhamento da execução dessas ações, no âmbito de uma
política nacional de economia solidária.
O CNES foi concebido como órgão consultivo e propositivo para a interlocução
permanente entre setores do governo e da sociedade civil que atuam em prol da
economia solidária.

O mencionado conselho é composto por 56 entidades, divididas entre três


setores: governo, empreendimentos de economia solidária e entidades não
governamentais de fomento e assessoria à economia solidária, conforme Decreto
nº 5811, de 21 de junho de 2006 que dispõe sobre sua composição, estruturação
e funcionamento. (BRASIL, 2006a).

Outros conselhos - nacionais, estaduais, territoriais e municipais - tratam


de temas e questões de interesse de economia solidária, tais como:
desenvolvimento rural sustentável, segurança alimentar e nutricional, assistência
social, de igualdade racional etc.

O conselho nacional de economia solidária é composto pelas seguintes


instâncias:

•• Plenário;
•• Comitê permanente;
•• Comitês temáticos;
•• Secretaria executiva.

Você estudou, ao longo deste capítulo, a identificação das formas de articulação


entre os atores da economia solidária e a integração das experiências de
economia solidária ao sistema econômico produtivo. As principais instâncias,
como os Fóruns de Economia Solidária, o Fórum Brasileiro de Economia
Solidária, o Fórum Catarinense de Economia Solidária, as Conferências Públicas
de Economia Solidária e os Conselhos de Economia Solidária. Assim, com este
estudo, encerramos o capítulo 3.

53
Capítulo 3

Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto n. 5811 de 21 de junho de 2006. Dispõe sobre a composição,
estruturação, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Economia
Solidária - CNES. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 2006a. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5811.
htm>. Acesso em: 17 jan. 2014.

_____. Ministério do Trabalho e Emprego. I Conferência Nacional de Economia


Solidária: Economia Solidária como Estratégia e Política de Desenvolvimento.
Brasília: MTE, SENAES, SPPE, DEQ, 2006. Disponível em: <http://www.catalisa.
org.br/textoteca/445-i-conferia-nacional-de-economia-solida-junho-2006-
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_____. I Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária:


Documento final. Brasília: TEM, Senaes, SPPE, DEQ, 2006b.

_____. SENAES. Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005. Brasília: TEM,


SENAES, 2006c.

_____. SENAES. Catálogo dos Empreendimentos Econômicos Solidários no


Estado de Santa Catarina. Brasília: Sociedade Banco de Projetos, 2008.

_____. SENAES. Disponível em <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_


nacional.asp>. Acesso em: 25 ago. .2013

_____. SIES. Economia Solidária: gestão coletiva, resultados compartilhados.


Disponível em <www.sies.gov.br>. Acesso em: 17 maio 2013.

DACOREGIO, Elisete Gesser Della Giustina. Um novo modo de ser e de viver:


as relações materiais e simbólicas da igreja católica com os Mini-Projetos
Alternativos e a economia solidária, em Chapecó/SC. Dissertação de Mestrado,
UFSC, 2010.

FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA. Sobre o Fórum. Disponível


em <www.fbes.org.br> Acesso em: 22 maio 2013.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no


Brasil contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010.

LISBOA, Armando. Economia. Solidária: Similia, similibus curentur. 1999.


Disponível em: <www.ecosol.org.br/txt/similia.doc>. Acesso em: 22 ago. 2013.

MANCE, Euclides. A revolução das redes: a colaboração solidária como uma


alternativa pós-capitalista à globalização atual. São Paulo: Vozes, 1999.

54
Economia Solidária

PEDRINI, Dalila Maria; PRIM, Lorena de Fátima; SANTOS, Nilce Ribeiro dos.
Apontando caminhos: a solidariedade na economia catarinense. In: GAIDER, Luiz
Inácio (Org). Sentidos e experiências da Economia Solidária no Brasil. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

SCHERER-WARREN, Ilse; ROSSIAUD, Jean. A democratização Inacabável: as


memórias do futuro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

SCHERER-WARREN, Ilse. Rede sociais e de movimentos. In: Ferraro Júnior,


L. A. (org.) Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e
coletivos educadores - Volume 2, 2007.

_____. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Revista Sociedade e


Estado, UNB, v. 21, n. 1, jan./abr.  2006

_____. Fóruns e redes da sociedade civil: percepções sobre exclusão social e


cidadania. Revista Política & Sociedade. Florianópolis: UFSC/PPGSP, n. 11, out.
2007.

_____. Movimentos sociais na América Latina: Caminhos para uma política


emancipatória? Texto de abertura a sessão 4 – O global em questão: redes e
movimentos sociais transnacionais no Seminário NPMS, 2008, UFBA, Salvador.

55
Capítulo 4

Experiências de economia
solidária no Brasil1

Habilidades Caro (a) estudante, neste capítulo você


desenvolverá a habilidade de identificar e descrever
as principais redes brasileiras de articulação da
economia solidária, a partir do estudo de algumas
experiências de redes e cadeias de produção e
consumo de economia solidária, as quais são
importantes mecanismos para a articulação de
financiamentos, comercialização e consumo
solidários, bem como chamar a atenção do governo
e a sociedade para a nova economia.

Seções de estudo Seção 1: O banco Palmas

Seção 2: Cadeias produtivas

Seção 3: As empresas recuperadas - autogestão

1
DACOREGIO, Elisete Gesser Della Giustina. Economia solidária: origem, história e conceito [material
didático]. Economia Solidária. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane
Dal Mago. Diagramação Cristiano Neri Gonçalves RIbeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.
57
Capítulo 4

Para início de estudo


A Unidade de Aprendizagem (UA) Economia Solidária (ES) está baseada na
seguinte obra: CATTANI, A.; LAVILLE, J.-L.; GAIGER, L. I.; HESPANHA, P. (orgs.)
Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009.

Este livro, que você já recebeu em seu endereço, deve estar sempre a sua
disposição. Tenha este material em mãos ao consultar este roteiro de leitura.
Este material contém conteúdos que se referem aos resultados que você deverá
alcançar no final de cada capítulo de estudo, a fim de desenvolver parte das
habilidades e competências necessárias a sua formação.

O capítulo 4 terá por base, especificamente, a leitura dos trechos entre as páginas
31 a 36, 208 a 212, 255 a 259, 43 a 48 e 193 a 197 do livro Dicionário Internacional
da Outra Economia. As leituras das páginas indicadas compreendem estudos
referentes aos bancos comunitários de desenvolvimento, finanças solidárias, moeda
social, cadeias produtivas e empresas recuperadas. Essas leituras trarão subsídios
para refletirmos sobre os seguintes contextos:

• as finanças e o crédito solidário, os quais são fundamentais para


sustentar uma outra economia;

• o consumo consciente e seu poder transformador na construção de uma


economia mais justa;

• as cooperativas de produtores rurais, mostrando a importância da


agricultura familiar para uma vida melhor;

• o desenvolvimento local, articulando empreendimentos solidários e


fortalecendo a economia local;

• as redes e cadeias, articulando atividades de produção, comércio e


consumo;

• as empresas recuperadas, onde empregados se transformam em donos


da fábrica e evitam seu fechamento.

“Outro mundo é possível, outra economia acontece”. Essa frase, enraizada


nas iniciativas de economia solidária pelos quatro cantos do Brasil, foi a
motivação central na elaboração deste capítulo. Por intermédio dele, você terá
a oportunidade de conhecer um panorama das principais e mais emblemáticas
experiências da economia solidária que se configuram enquanto alternativas de
geração de trabalho e renda. Para tanto, tais experiências serão analisadas em
sua inserção em movimentos mais amplos nos quais elas se integram, a saber, o
movimento de economia solidária no Brasil.

58
Economia Solidária

Seção 1
O banco Palmas
Você já recorreu a algum sistema de crédito e financiamento? Quais os principais
entraves?

Esta seção trará uma abordagem referente aos bancos comunitários de


desenvolvimento; finanças solidárias e moeda social, respectivamente, nos
intervalos de páginas 208 a 212 e 255 a 259 do livro Dicionário Internacional da
Outra Economia.

Tais leituras reforçam e ampliam, com muita clareza, pontos fundamentais para
sustentar uma outra economia: as finanças e o crédito; as trocas solidárias e a
moeda social.

Como exemplo de que “outra economia acontece”, apresentamos a experiência


da comunidade de Palmas, situada na capital cearene, Fortaleza, que criou o
banco comunitário Palmas.

Os dados apresentados na sequência foram obtidos no portal banco


Palmas (2014), o qual é conhecido formalmente por Banco Comunitário de
Desenvolvimento (BCD). Foi fundado em 1998 no Conjunto Palmeira, um bairro
popular, com 32 mil moradores associados, situado na periferia de Fortaleza -
Ceará. Essa associação implantou uma rede de solidariedade entre produtores e
consumidores.

Situada na região sul de Forteleza, o Conjunto Palmeira, é uma comunidade


com aproximadamente 30 mil habitantes. Os primeiros habitantes chegaram em
1973, vindos de despejos realizados na região litorânea da cidade. Os dados
históricos apontam que os moradores foram construindo espontaneamente seus
barracos, dando origem a uma grande favela, sem nenhuma rede de saneamento
básico, água tratada, energia elétrica, escola ou outro serviço público. Em 1981,
foi fundada a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira (ASMOCONP). A
partir dessa Associação, deu-se início o processo de organização das famílias.

A missão do banco Palmas é implementar projetos de trabalho e geração de


renda por meio de sistemas de economia solidária, procurando fornecer acesso
a serviços bancários para os moradores das comunidades mais pobres, que
normalmente não teriam acesso a eles nos bancos tradicionais, em virtude da
falta de histórico de crédito ou garantia financeira e/ou distância física. O objetivo

59
Capítulo 4

do banco é garantir microcréditos para produção e consumo local, com taxas de


juros mínimos e sem requisitos para inscrição, comprovante de renda, ou fiador (a
confiabilidade do tomador é garantida por vizinhos), sendo utilizada uma moeda
social local.

De acordo com o fundador do banco Palmas, Joaquim Melo, os “Bancos


comunitários mostram que é possível um novo sistema financeiro baseado
na cooperação e na solidariedade”. Em 2000, o banco criou a moeda social
“palmas”, a qual só circula no comércio local, entre os moradores e comerciantes,
de forma a forçá-los a consumir o que é vendido ali e dinamizar a economia.

A moeda social local em circulação, também chamada de “moeda local” ou


“moeda social”, é uma moeda complementar à moeda oficial do Brasil, o Real, e
criada por cada banco comunitário. Os bancos oferecem empréstimos em
quantidades pequenas em reais e também na moeda local, que circula somente
dentro do bairro. Uma unidade de moeda local é igual a um real, e ambas podem
ser trocadas livremente, a qualquer hora. Vale observar que há incentivos locais
para comerciantes e consumidores para usar a moeda social.

Moeda social local “Bancos comunitários mostram que é possível um


em circulação, também novo sistema financeiro baseado na cooperação e na
chamada de “moeda
local” ou “moeda
solidariedade”, diz Joaquim Melo, 48 anos, fundador do
social”, é uma moeda banco Palmas. Em 2000, o banco Palmas criou a moeda
complementar ao social “palmas”.
real do Brasil e criada
por cada banco A gestão do banco é feita localmente pela própria
comunitário. Os bancos
ASMOCONP e seu quadro de pessoal é majoritariamente
oferecem empréstimos
em quantidades voluntário. O crédito é fornecido a juros muito baixos,
pequenas em reais e sem exigência de consultas cadastrais, comprovação de
também na moeda renda ou fiador. Nesses casos os vizinhos passam a dar a
local, que circula
somente dentro do
garantia ao tomador do crédito, assumindo se a pessoa é
bairro. Uma unidade responsável ou não. Vale observar que o banco começou
de moeda local é igual com apenas 10 clientes a partir de um empréstimo de R$
a um real, e ambas
2.000,00 (dois mil reais) contraído junto a uma Organização
podem ser trocadas
livremente a qualquer não Governamental (ONG) local. A figura na sequência
hora. Incentivos locais representa a cadeia do funcionamento do banco Palmas
para comerciantes e
consumidores existem
para usar a moeda
local.

60
Economia Solidária

Figura 4.1 - Cadeia do funcionamento do banco Palmas

Fonte: Instituto Palmas (2014).

Diante desses dados, Joaquim Melo, coordenador do Instituto Palmas, ressalta a


importância da participação comunitária no processo:

tudo o que foi feito ao longo desses anos, fomos nós que fizemos.
[...] Quando a comunidade faz, ela apreende, cria identidade,
veste a camisa, apaixona-se e possibilita “vida longa”. Por isso
chegamos até aqui. ao projeto. Por isso chegamos até aqui. Esta é
verdadeira sustentabilidade ( NESOP-USP, 2013, p. 17).

Em março de 2003 foi criado o Instituto Banco Palmas (IBP) uma organização da
sociedade civil, sem fins lucrativos, criado também a partir da experiência da
ASMOCONP, neste caso com o objetivo de fazer a gestão do conhecimento e
difusão das práticas de economia solidária do banco Palmas.

A partir da experiência do banco Palmas, a metodologia de finanças solidárias foi


discutida em vários municípios do Ceará como um instrumento eficaz na geração
de renda para os pobres. Sendo que em 2004 e 2005 foram criados outros
bancos populares e até em 2008, havia 34 bancos comunitários em operação
no Brasil. É importante destacar que a partir de 2008, o Programa Nacional de
Bancos Comunitários (PNBC), lançado pela Secretaria Nacional de Economia

61
Capítulo 4

Solidária(SENAES) - tornou-se responsável pelo crescimento da Rede Brasileira


de Bancos Comunitários (RBBC).

Diante do fomento inicial, nos últimos anos a Caixa Econômica Federal (CEF) e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Solidário (BNDS) tornaram-se as principais
parcerias do banco Palmas – sendo que a CEF oferece serviços de correspondente
bancário e de crédito limitado. Assim, a RBBC já possuía, em março de 2011, 52
bancos em todo o Brasil, cada um criado com base na experiência e o apoio
do banco Palmas. De acordo com as informações do banco Palmas, os bancos
comunitários apresentam as seguintes características:

•• A própria comunidade decide criar o banco, tornando-se sua


gestora e proprietária.
•• Atua sempre com duas linhas de crédito: uma em reais e outra em
moeda social circulante local.
•• Linhas de crédito estimulam a criação de uma rede local de
produção e consumo, promovendo o desenvolvimento endógeno
do território.
•• Apoia os empreendimentos com estratégia de comercialização
como: feiras, lojas solidárias, central de comercialização etc.
•• Atua em territórios caracterizados pelo alto grau de exclusão e
desigualdade social.
•• Volta-se para um público caracterizado pelo alto grau de
vulnerabilidade social, sobretudo aqueles beneficiários de
programas sociais governamentais de políticas compensatórias.
•• Funda sua sustentabilidade financeira, em curto prazo, na obtenção
de subsídios justificados pela utilidade social de suas práticas.

Seção 2
Cadeias produtivas
Como as cadeias produtivas se relacionam e contribuem para o desenvolvimento local?

Esta seção deve ser estudada paralelamente à leitura do texto cadeias produtivas,
intervalo de páginas 43 a 48 do livro Dicionário Internacional da Outra Economia.
O objetivo desta leitura é refletir sobre a importância, para o crescimento de uma
economia solidária, da aliança entre quem consome e quem produz, e apresentar
elementos sobre o consumo consciente e solidário.

62
Economia Solidária

As cadeias produtivas são formas de organização que articulam atividades de


produção, comércio e consumo com a preocupação do desenvolvimento local.
Segundo o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a economia solidária
permite a articulação em redes e cadeias produtivas, por meio das seguintes
características:

1. Articulando o consumo solidário com a produção, a comercialização e as


finanças, de modo orgânico e dinâmico e do nível local até o global, a economia
solidária amplia as oportunidades de trabalho e intercâmbio para cada agente,
sem afastar a atividade econômica do seu fim primeiro, que é responder às
necessidades produtivas e reprodutivas da sociedade e dos próprios agentes
econômicos.

2. Consciente de fazer parte de um sistema orgânico e abrangente, cada agente


econômico busca contribuir para o progresso próprio e do conjunto, valorizando
as vantagens cooperativas e a eficiência sistêmica que resultam em melhor
qualidade de vida e trabalho para cada um e para todos.

3. A partilha da decisão com representantes da comunidade sobre a eficiência


social e os usos dos excedentes permite que se faça investimentos nas
condições gerais de vida de todos e na criação de outras empresas solidárias,
outorgando um caráter dinâmico à reprodução social.

4. A Economia solidária propõe a atividade econômica e social enraizada no seu


contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o desenvolvimento local como
marcos de referência, mantendo vínculos de fortalecimento com redes da cadeia
produtiva (produção, comercialização e consumo) espalhadas por diversos
países, com base em princípios éticos, solidários e sustentáveis.

5. A economia solidária promove o desenvolvimento de redes de comércio a preços


justos, procurando que os benefícios do desenvolvimento produtivo sejam
repartidos mais equitativamente entre grupos e países.

6. A economia solidária, nas suas diversas formas, é um projeto de desenvolvimento


destinado a promover as pessoas e coletividades sociais a sujeito dos meios,
recursos e ferramentas de produzir e distribuir as riquezas, visando à suficiência
em resposta às necessidades de todos e o desenvolvimento genuinamente
sustentável. (FBES, 2014).

A seguir, serão apresentadas algumas experiências de rede de produção,


comercialização e consumo, consideradas como importantes exemplos de
atuação em rede da economia solidária.

63
Capítulo 4

2.1 Do algodão orgânico


Os dados apresentados na sequência foram obtidos na cartilha Economia
Solidária Outra Economia Acontece (2007), e diz respeito à rede de cooperação
do algodão orgânico, a qual é formada por vários grupos de economia solidária
espalhados pelas regiões do Brasil. O processo inicia-se no Ceará, no nordeste
brasileiro, onde um grupo formado por agricultores produzem o algodão e
separam a pluma do caroço. Após esse processo, a pluma é fiada numa fábrica
recuperada e tecida em outra fábrica também recuperada, situadas na região
sudeste, no Estado de São Paulo.

Após a fiação e tecelagem, o tecido é costurado, no sul do Brasil, por diversas


cooperativas dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Tais
cooperativas estão produzindo roupas com a griffe de Justa Trama.

Em 2004, a cadeia produtiva da Justa Trama iniciou suas atividades com a


missão de produzir sessenta mil bolsas para serem distribuídas durante o Fórum
Social Mundial, que seria sediado em Porto Alegre, em 2005. Para produção das
bolsas participaram da produção a Cooperativa Nova Esperança (Cones) de Nova
Odessa – São Paulo, empreendimento responsável para fiação e a Cooperativa
de Trabalhadores na Fiação (Textilcooper) de Santo André – São Paulo, na
tecelagem. A confecção das peças ficou por conta da Univens (Rio Grande do
Sul) e da Fio Nobre (Santa Catarina). Outros empreendimentos de economia
solidária participaram do processo devido ao volume da produção. Esse fluxo foi
fundamental para o entendimento, por parte dos envolvidos, da viabilidade da
cadeia.

De acordo com os próprios integrantes, houve algumas mudanças na


composição da cadeia. Atualmente, a rede da Justa Trama compreende seis
cooperativas e uma associação, distribuídas em seis estados do Brasil. Diante
desse contexto, podemos verificar que a referida cadeia atravessa o Brasil de
norte ao sul e permite uma melhoria da qualidade da produção e do rendimento
em todos seus elos.

Peculiaridades da rede da Justa Trama


 A Cooperativa Central Justa Trama é uma cadeia produtiva, processo que inicia
no plantio do algodão agroecológico e vai até a comercialização de peças de
confecção produzidas com esse insumo. O quadro a seguir mostra a relação dos
empreendimentos que estão integrados à rede da Justa Trama.

64
Economia Solidária

Quadro 4.1 - Empreendimentos que integram a rede da Justa Trama

Nome Sigla Produção Município Estado

Associação de ADEC Plantio do algodão Taúa CE


Desenvolvimento orgânico
Cultural e Educacional

Assentamento APOMS Plantio do algodão Campo MS


Itamarati Mato orgânico Grande
Grosso do Sul

Cooperativa de Coopertextil Fiação e Tecelagem Pará de MG


Produção Têxtil de Minas
Para de Minas

Cooperativa Fio Fio Nobre Confecção Itajaí SC


Nobre

Cooperativa Unidas Univens Confecção Porto Alegre RS


Venceremos

Cooperativa de Inovarte Brinquedos e jogos Porto Alegre RS


Artesanato pedagógicos com as
sobras da confecção

Cooperativa Açaí Açaí Sementes da Porto Velho RO


região, usadas para
ornamentação das
peças e também
produção de ecojoias

Fonte: Justa Trama (2014).

Os empreendimentos que fazem parte da cadeia produtiva trabalham nos


preceitos da economia solidária e comércio justo. São cerca de 700 trabalhadores
em cinco estados do Brasil, homens e mulheres, agricultores, coletores de
sementes, fiadoras, tecedores e costureiras.

2.2 Movimento interestadual das quebradeiras de coco babaçu


Em áreas de assentamentos do Estado do Maranhão há associações, entre elas
o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (ASSEMA), que
é uma organização liderada por trabalhadores rurais e quebradeiras de coco de
babaçu que integram a rede de produção. (MTE, SENAES, FBES 2006).

Essa associação estimula a produção familiar, com melhoria da qualidade de


vida no campo, investindo num sistema de produção agroextrativista. Estimula a

65
Capítulo 4

formação de cooperativas e grupos de geração de trabalho e renda que se inter-


relacionam, envolvendo produção e comercialização de produtos derivados do
babaçu. Fundada em 1989, por iniciativa de lideranças sindicais dos municípios
de Esperantinópolis, Lima Campos, São Luiz Gonzaga do Maranhão e Lago do
Junco, que visavam a investir na melhoria das condições de trabalho e de vida e
na defesa dos babaçuais. (MTE; SENAES; FBES, 2007).

Conforme dados extraídos no portal da ASSEMA, a entidade é uma organização


liderada por trabalhadores rurais e mulheres quebradeiras de coco babaçu, que
promove a produção familiar, utilizando e preservando os babaçuais, para a
melhoria da qualidade de vida no campo. De caráter regional, a ASSEMA não
tem fins lucrativos e atua na denominada região do Médio Mearim, no Estado do
Maranhão, localizado no Meio Norte do Brasil.

Durante os anos de atuação, a associação vem prestando importante trabalho


na linha de assessoria técnica, jurídica, econômica e política às famílias de
trabalhadores rurais, em especial às famílias quebradeiras de coco babaçu.
Sua atuação destaca-se principalmente em ações de melhoria econômica da
agricultura familiar, estimulando a organização de sistemas cooperativistas e
associativistas para a produção de alimentos orgânicos.

2.3 A associação acolhida na colônia


Os dados apresentados na sequência foram obtidos do portal dessa Associação
(2014). A Acolhida na Colônia foi fundada em 1999, com sede no pequeno
município de Santa Rosa de Lima, no Estado de Santa Catarina. É uma
associação composta por 180 famílias de agricultores, integrada à Rede Accueil
Paysan(acolhimento no campo), atuante na França, desde 1987.

A proposta é valorizar o modo de vida no campo por meio do agroturismo


ecológico. Seguindo essa proposta, os agricultores familiares abrem suas casas
para receber as pessoas, oferecendo hospedagens simples e aconchegantes
com direito a conversas na beira do fogão a lenha, a tradicional fartura de nossas
mesas e passeios pelo campo. Os agricultores desejam compartilhar com os
turistas o ambiente onde vivem, sendo que a recepção e o convívio deles devem
ocorrer num clima de troca de experiência e respeito mútuo. O objetivo é partilhar
o convívio do dia a dia no campo, compartilhar o saber fazer, as histórias, a
cultura e as paisagens.

Os agricultores filiados são conscientes da responsabilidade para com a


natureza e praticam e promovem a agricultura orgânica. O agroturismo é parte
integrante das atividades do estabelecimento rural e se constitui num fator de
desenvolvimento local. Os serviços agroturísticos são planejados e organizados

66
Economia Solidária

pelos agricultores familiares, que garantem a qualidade dos produtos e serviços


que oferecem.

Seção 3
As empresas recuperadas - autogestão
O que é autogestão? O que significa a recuperação de empresas pelos
trabalhadores?

Esta seção apresenta uma abordagem sobre empresas recuperadas descrita no


intervalo de páginas 193 a 197 do livro Dicionário Internacional da Outra Economia.
O conteúdo do texto foi focalizado em questões fundamentais para o entendimento
do tema, como:

• O que significam empresas recuperadas?

• De onde surgiu a ideia e qual o histórico do movimento de recuperar


empresas?

• Aspectos de formação do movimento.

• Faça anotações, pois elas auxiliam o ato de aprender.

A partir da perspectiva da economia solidária, Souza (2003) aponta que a


autogestão é um processo educativo, transformador de mentalidades, que
resgata outros ganhos além do econômico em si, como autoestima, identificação
com o trabalho e com o grupo produtivo, companheirismo, além da noção
crescente de autonomia e dos direitos cidadãos.

Para a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão


(ANTEG), a autogestão como um modelo que busca prover a todos, sem explorar
o trabalho de seus membros, necessitando, para tanto, da participação e do
envolvimento de todos nas decisões necessárias ao empreendimento e dividindo
os resultados desse trabalho de forma justa entre seus sócios.

67
Capítulo 4

O que é a ANTEAG?

A ANTEAG é uma associação de trabalhadores e empresas autogestionárias.


Importante destacar que falar de autogestão em empresas não se limita às
atividades e às formas de relacionamento no interior da empresa, estende-se à
participação em grupos de moradores, atividades políticas e sociais da cidade,
estende-se ao relacionamento entre empresas dentro da Economia Solidária,
conforme indica a própria ANTEAG. Assim, dentro da empresa, é estabelecido
um processo que promove conhecimento na área de administração do negócio e
requer conhecimento e participação das diversas áreas que compreendem uma
unidade produtiva, desde o faturamento, os custos, até os aspectos mais subjetivos
no tocante à política organizacional.

Além de propiciar a participação direta, a autogestão faz com que o trabalhador se


reconheça como protagonista do processo, tanto enquanto indivíduo, quanto como
associado em grupos de interesse comum. (ANTEAG, 2001)

Autogestão é uma forma de organização coletiva, cujo elemento essencial é


a democracia. Ela se realiza na comunidade, escola, empresa etc. Podemos
dizer que a autogestão é a radicalização da democracia, no sentido de envolver
a participação integral dos membros do grupo, acesso total às informações,
conhecimento dos processos e, sobretudo, autonomia e autodeterminação.
(ANTEAG, 2005).

No Brasil, de acordo com Singer, a autogestão começou a haver quando, nos


anos 1980, algumas empresas de grande porte fecharam as portas devido à
crise da dívida externa. Portanto, não houve nos anos 1980 um processo de
disseminação. As mudanças iniciaram a partir de 1992, quando houve a falência
da grande empresa de calçados, a MAKERLI, em São Carlos (SP).

Também nesse período, os sindicatos convocaram os trabalhadores para verificar


se eles desejavam ficar com a empresa, os quais teriam apoio dos técnicos do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Os trabalhadores, que assumiram a Makerli, orientados pelos técnicos do Dieese,
criaram então a Associação dos Trabalhadores em Autogestão e Participação
Acionária (Anteag).

Um outro exemplo da autogestão pode ser observado na Cooperminas,


localizada em Criciúma (SC), a Cooperminas teve um papel importante na
construção de experiências cooperativistas de economia solidária. Em 29 de
agosto de 1988, os mineiros fundaram a Cooperminas – Cooperativa de Extração

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Economia Solidária

de Carvão Mineral dos Trabalhadores, antiga CBCA – Companhia Brasileira


Carbonífera Araranguá.

Outras formas de organização da economia solidária também podem ser


encontradas no Brasil, bem como em outras partes do mundo. As redes aqui
apresentadas são exemplos e visam a informar as diversas alternativas de
organização da economia solidária.

Aqui chegamos ao fim desta Unidade de Aprendizagem! Esperamos que ela


tenha sido de grande proveito para você. Por seu conteúdo e sua abordagem, e
pela experiência dos autores, esperemos também que você tenha gostado da
escolha do livro Dicionário Internacional da Outra Economia. O livro enriquece
profundamente o que você aprendeu nesta Unidade de Aprendizagem.

69
Capítulo 4

Referencias:
ACOLHIDA NA COLÔNIA. Sobre nós. Disponível em: < http://www.acolhida.com.
br/sobre-nos/> Acesso: 27 nov. 2014.

ANTEAG. Autogestão. São Paulo, n. 5. dez. 2000 e jan. de 2001.

ANTEAG. Autogestão e economia solidária: uma nova metodologia. São Paulo:


Altamira Editoria, 2005.

FBES. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Disponível em: <


http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Item
id=57>. Acesso em: 28 nov. 2014.

INSTITUTO PALMAS. Produtos e Ações de um Banco Comunitário. Disponível


em: <http://www.inovacaoparainclusao.com/o-que-eacute-um-banco-
comunitaacuterio.html>. Acesso em: 28 nov. 2014.

JUSTA TRAMA. Empreendimentos que integram a rede da Justa Trama.


Disponível em:< http://www.justatrama.com.br/home>. Acesso em: 28 nov. 2014.

MTE;SENAES; FBES. Economia solidária, outra economia acontece: Cartilha


da Campanha Nacional de Mobilização Social, 2007.

MTE; SENAES; FBES. Manual para Formadores. Descobrindo a outra economia


que já acontece. Cartilha da Campanha Nacional de Divulgação e Mobilização
Social, 2006.

NAKANO, Marilena. Anteag: a autogestão como marca. In: SINGER,Paul &


SOUZA, André Ricardo de (Orgs.). A economia solidária no Brasil: a autogestão
como resposta ao desemprego. São Paulo, Contexto, 2000.

NESOP-USP e Instituto Palmas. Banco Palmas 15 anos: resistindo e inovando.


São Paulo: A9 Editora, 2013.

SOUZA, A.R. Um instrumento da economia solidária no Brasil. In, Singer, Paul,;


Souza, A.R. (2003). A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta
ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2003.

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