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COMO LER OS PROFETAS MENORES (JOSÉ MAURICIO CUNHA

DO AMARAL)

Ao nos defrontarmos com a história dos reis de Israel e Judá, chama-nos a atenção a atividade
dos profetas.

Precisamos entender o significado do profetismo no Antigo Testamento, isto é, o ofício  do


profeta. O profetismo não se originou em Israel, pois já existia no paganismo. Em Israel, o
primeiro a receber o título foi Abraão (Gênesis 20.7). O termo usado é Nabhi, a palavra
hebraica usada para traduzir o termo profeta, significando "chamar", "nomear",  aparece cerca
de 660 vezes na Bíblia, numa média de 440 no Antigo Testamento, e de 220 no Novo
Testamento.

Os profetas eram homens que Deus revestia do seu Espírito para uma missão especial no
sentido de alertar o povo e os governantes quanto a necessidade de viverem uma vida religiosa
e moral de acordo com princípios divinos. Tornavam-se assim guias espirituais, da mesma
forma como num momento específico da história, os juízes se tornaram líderes políticos e
militares para orientar o povo de Deus.

Apesar de encontrarmos pessoas dotados do espírito profético desde as origens do povo


hebreu (cf. Gênesis 20.7; Números 11.25-26; Deuteronômio 34.14), somente a partir de
Samuel é que esses homens inspirados por Deus passam a ser enviados ao povo para orientá-
lo, formando uma cadeia ininterrupta durante cerca de seis séculos (aproximadamente desde
1.050 a 450 a.C).

Como recebiam os profetas suas mensagens? Na verdade Deus falava a seus servos, os
profetas, no passado assim como nos fala ainda nesse terceiro milênio da era cristã. Deus
falava -- e fala -- de diferente formas, segundo os seus propósitos. A mensagem profética era
comunicada, geralmente, mediante a pregação (cf. Jeremias 7.1-15), outras vezes mediante
uma ação simbólica, realizada publicamente com a finalidade de causar maior impressão sobre
o povo (cf. Isaias .20; Jeremias 13.19; Ezequiel 4-5) e também se expressava pela forma
escrita (cf. Jeremias 36).
Ao passarem, pois, da pregação oral para a escrita, esses "homens de Deus" recebiam um
carisma especial de inspiração, que conferia a seus escritos o valor de livros sagrados, dignos
de serem inseridos no cânon das Escrituras divinas. Não devem ser vistos como meros
reformadores religiosos, nem tampouco, meros adivinhadores. Profetas explicam e predizem o
passado. Profetas ungem e denunciam reis.  No segmento profético do cânon, fica evidente
que, em suas obras escritas, os membros do movimento profético juntaram história narrativa a
um profundo interesse por questões teológicas. Aqui os profetas e os que concordam com eles
pregam e escrevem a Palavra de Deus.  A existência dos livros proféticos indica que muito
depois de sua morte o povo de Deus concluiu que esses homens e mulheres de fato falaram
em nome do Senhor.  

Alguns nomes se destacam nesta galeria, tanto de homens, como de mulheres. Miriã, irmã de
Moisés, foi chamada de profetisa (nebi'ah, no hebraico, forma feminina de nabhi) . Outro nome
feminino é o de Débora, embora sua função tenha sido conhecida por liderar Israel na luta
contra Jabim, rei de Canaã (cf. Juízes 4.4ss). Nos tempos do rei Josias outro nome que se
destacou foi o de Hulda, a quem o rei mandou consultar quando o livro da Lei foi encontrado
(cf. 2Reis 22.14). Isso nos mostra que homens e mulheres comprometidos com a vontade de
Deus tornaram-se porta-vozes da sua palavra deixando-nos um legado de vida e testemunho
que vale a pena ser conhecido.

A literatura profética pode ser divida de várias maneiras. A mais tradicional e comum, entre os
cristãos, é a divisão em profetas "maiores" e "menores". As designação Profetas Maiores e
Profetas Menores, surgiu com Agostinho, em torno do quarto século depois de Cristo, na sua
obra A Cidade de Deus.

Os profetas maiores são em número de quatro: Isaías, Jeremias (que escreveu também seu
livro de Lamentações), Ezequiel e Daniel.

Os menores, em número de doze: Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum,
Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Não que uns sejam sejam mais importantes
que outros. São chamados "menores" não por causa de sua pouca influência ou importância,
mas simplesmente pela extensão de seus escritos. Na Bíblia hebraica os profetas menores
constituem um volume só. Seu título é "Os Doze". A Septuaginta, a tradução do Antigo
Testamento para o grego, os intitulou Dodekapropheton, que significa "Os Doze Profetas".

O livro deuterocanônico Eclesiástico (escrito por volta de 190 a.C e acrescentado ao cânon em
1548, no Concílio de Trento) traz a seguinte declaração sobre eles: "Quanto aos doze profetas,
que seus ossos floresçam no sepulcro, porque eles consolaram Jacó, eles o resgataram na fé e
na esperança" (cf. Eclesiástico 49.10). Escrito por Jesus Ben Sirac, no segundo século antes
de Cristo, este livro mostra que eles eram bastante estimados no judaísmo. 

Os doze livros dos profetas menores foram escritos durante um período muito extenso -- do
século VII ao III a.C -- e por isso constituem fonte inestimável para o conhecimento da antiga
civilização judaica, em seus aspectos sociais, religiosos e políticos. A ordem em que aparecem
não é a mesma das versões cristãs da Bíblia -- a Vulgata e dos Setenta -- que por sua vez,
diferem da adotada pelo texto massorético. Um fato interessante é que em nenhuma das três, a
ordem observada é a cronológica. Muitos deles foram contemporâneos e algumas profecias
proferidas ao mesmo tempo. Podemos dividi-las em três grupos:

Grupo Livros Ordem Bíblica Ordem Cronológica

Profetas de Israel 1. Jonas 1. Oseias 1. Obadias

  2. Amós 2. Joel 2. Joel

  3. Oseias 3. Amós 3. Jonas

Profetas de Judá 1. Obadias 4. Obadias 4. Amós

  2. Joel 5. Jonas 5. Oseias

  3. Miqueias 6. Miqueias 6. Miqueias

  4. Naum 7. Naum 7. Naum

  5. Sofonias 8. Habacuque 8. Sofonias

  6. Habacuque 9. Sofonias 9. Habacuque

Profetas Pós-exílio 1. Ageu 10. Ageu 10. Ageu

  2. Zacarias 11. Zacarias 11. Zacarias

  3. Malaquias 12. Malaquias 12. Malaquias

T o t a l: 12 Livros 12 Livros 12 Livros

Entretanto, cronologicamente temos:

         Obadias e Joel:  850 – 800 a.C

         Jonas, Amós, Oseias, Miqueias: 780 – 700 a.C

         Naum, Sofonias, Habacuque: 700 – 600 a.C

         Ageu, Zacarias e Malaquias: 520 – 420 a.C

 
Para compreendermos melhor a mensagem profética precisamos, primeiramente, considerar o
contexto histórico que envolveu esse período.

Não podemos nos esquecer que o nosso Deus é o "Senhor da História" e como tal, nada foge
ao controle de suas mãos. O primeiro aspecto está relacionado às três dominações: a
dominação assíria, babilônica e persa. O Egito, no seu apogeu, foi usado por Deus como Berço
da civilização israelita e a despeito da sua grandeza e glória, Deus puniu o Egito (os
agressores de Jacó), mas, disciplinou também Israel e Judá devido à apostasia, idolatria e
abandono da aliança com o Senhor.

Foi neste contexto que surgiram mensageiros do Senhor conclamando o povo ao


arrependimento, mostrando-lhes que a ascensão dos assírios viera como extensão de Seu
próprio braço, caso não se arrependessem. Foram mensageiros neste período: Oseias (Reino
do Norte) proclamando que o amor supera a dor; Joel (Reino do Sul) divulgando que o Dia do
Senhor vem; Amós (Reino do Norte) apregoando, justiça, retidão e retribuição divina pelo
pecado; Jonas (Reino do Norte) apresentando a magnitude da misericórdia salvífica de Deus;
Miqueias (Reino do Sul) exortando que o Juízo e Salvação Messiânica estão próximas e Naum
(Reino do Sul) anunciando a destruição iminente de Nínive (capital da Assíria).

Embora tenham atuado como instrumentos nas mãos de Deus, os assírios foram punidos por
sua crueldade e arrogância. Nabucodonosor, visando estender seus domínios, arrasa a cidade
de Nínive e marcha implacavelmente contra Judá conquistando Jerusalém, saqueando o
templo e levando cativo seus habitantes. Mais uma vez, vemos Deus agindo por meio da
história para que seus intentos se cumprissem. Neste contexto, os mensageiros são:
Habacuque que profetizou em Judá um ano após a invasão. Sofonias prenuncia a destruição
de Nínive e Obadias o juízo contra os Edomitas.

Após o tempo de disciplina do povo judeu (70 anos de cativeiro babilônico), mais uma vez o
"Senhor da História" conduziu o reino persa, comandado por Ciro, ao triunfo sobre a Babilônia,
a fim de restaurar seu povo: "Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão
direita, para abater as nações ante a sua face; e para descingir os lombos dos reis, para abrir
diante dele as portas, que não se fecharão" (Isaías 45.1).

Para que a vida de Judá voltasse à normalidade e se preparasse para a chegada do Messias
prometido, Deus enviou os três últimos profetas do Antigo Testamento: Ageu que foi a primeira
voz profética após o retorno a Jerusalém (15 anos) -- e reedificação do templo. Sua mensagem
foi de ânimo e esperança de dias melhores. Zacarias, por sua vez, fala da conclusão do templo
e das promessas Messiânicas. E finalmente Malaquias, o último profeta do Antigo Testamento,
atuou em Jerusalém quase um século após o regresso dos exilados ressaltando a
característica do verdadeiro culto e dos verdadeiros adoradores

Um segundo aspecto a ser considerado, é a contemporaneidade da mensagem profética. Pode


nos parecer a princípio, que a mensagem anunciada há milhares de anos atrás, tenha sido
apenas para um determinado povo e nação. Muito pelo contrário, ela trata de temas
absolutamente importantes, urgentes e atuais. O mesmo quadro de corrupção, injustiça social,
abuso de autoridade, afrouxamento dos padrões de moralidade, idolatria e frieza espiritual do
povo de Deus que acontecia naquele tempo continua se repetindo.

A leitura dos Profetas Menores vem, portanto, ratificar a semelhança da situação do povo
daquela época com a situação que vivemos nos dias de hoje. Os profetas eram homens de seu
tempo, de carne e osso, falando e escrevendo a homens de carne e osso também de seu
tempo, e esta é uma das principais razões de sua atualidade para nós.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, José Sélio. Os Profetas maiores (II) - Jeremias, Lamentações, Ezequiel e Daniel.


Rio de Janeiro: JUERP, 2004.

BÍBLIA SAGRADA - Trad. da Vulgata pelo Pe. Matos Soares, 34 edição. São Paulo: Edições
Paulinas, 1977.

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DA BÍBLIA. Redator:  A. Van Den Born. Trad. Frederico Stein.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1977.

HOUSE, R. Paul. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005.

JOSÉ MAURÍCIO CUNHA DO AMARAL

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