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International Congress of Critical Applied Linguistics

Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015

COMPLEXIDADE E CRENÇAS SOBRE O ENSINO DE LE NA ESCOLA


PÚBLICA: UM CONVITE À REFLEXÃO

Cleuma de Almeida Matos do NASCIMENTO


cleuma.nascimento@gmail.com
Universidade Federal do Pará (UFPA)

RESUMO
Diversos estudos voltados para o ensino de língua estrangeira (LE) em escolas públicas não
cessam de reiterar crenças como aquela que sustenta que “não se aprende LE em escola pública”.
Temos percebido que o professor, agente fundamental no sistema da sala de aula, tem contribuído
significativamente para a propagação desta crença, principalmente por preservar, em sua prática,
características do sistema tradicionalista de ensino de línguas, como o principal, senão único
modelo de ensino, mesmo após sua exposição a uma variedade de abordagens capazes de
diversificar sua atividade docente. Estudos empreendidos por diversos autores (ALMEIDA
FILHO, 1999; BARCELOS, 2003; BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006, dentre outros)
convergem para a ideia de que as crenças do professor de LE informam a sua prática e que, para
empreender mudanças, o professor precisa se ver e ser visto como um sujeito que não somente
pensa, mas que também age a partir de suas crenças. Com base nessas considerações, buscamos
responder à seguinte pergunta norteadora: de que modo as crenças sobre os diferentes agentes
envolvidos na interação do sistema sala de aula (o professor, os alunos, o material de ensino, a
escola) influenciam as práticas dos professores de LE em escola pública? Por meio da
corporificação das crenças em linguagem, visamos tecer considerações e reflexões a respeito do
ensino dos professores de LE de escola pública à luz do Paradigma da Complexidade (LARSEN-
FREEMAN; CAMERON, 2008; MORIN, 2013). Este estudo, que teve como participantes três
professores de escola pública federal e um professor de escola pública estadual, utilizou
questionário aberto para a coleta de dados. Os dados iniciais revelam que: (1) as crenças dos
professores podem conduzir a bacias atratoras que se traduzem na adoção de práticas pouco
eficazes e pouco condizentes com as atuais demandas de sala de aula de LE; (2) a reflexão em
grupo sobre aspectos relevantes à prática docente, numa concepção crítica-transformadora, são
valiosas oportunidades para resignificação de crenças educacionais e reconstrução de práticas de
forma colaborativa, a fim de contribuir para que o professor assuma seu papel social.

Palavras-chave: Crenças; Língua estrangeira; Complexidade.

1. INTRODUÇÃO

O sentimento de insatisfação por parte dos professores da rede pública de ensino


no Brasil tem sido constante nas últimas décadas. A crise política e financeira que assola
o país também contribui para desestruturar tanto o ensino público quanto a vida
profissional dos professores. Muito prestigiado e valorizado há algumas décadas, como
assinala Bohn (2003), o ensino público era preferencialmente eleito pelas classes mais

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abastadas do país, que confiavam a ele a educação de seus filhos. No entanto, com o
prestígio em declínio, o ensino público vem sendo frequentado quase que exclusivamente
pelas classes menos favorecidas.
É nesse contexto, comprometido pela ausência de ações efetivas capazes de
mitigar o descaso ao qual tem sido relegado, que o ensino de Língua Estrangeira (LE) nas
escolas públicas tem se desenvolvido em nosso país, sendo, por conseguinte, uma das
áreas mais prejudicadas. O grande número de alunos por turma, as horas de aula semanais
insuficientes, os recursos didáticos inadequados e limitados, entre outros fatores, também
concorrem para o desânimo e para a formação de crenças como aquela que sustenta que
“não se aprende LE em escola pública”. Ao longo dos anos, temos percebido que o
professor, agente fundamental no sistema da sala de aula, mesmo exposto a uma variedade
de abordagens capazes de diversificar sua atividade docente, tem alimentado
significativamente a propagação dessa crença, principalmente por preservar, em sua
prática, características do sistema tradicionalista de ensino de línguas, como o principal,
senão o único, modelo de ensino.
Estudos empreendidos por diversos autores (ALMEIDA FILHO, 1999;
BARCELOS, 2003; BARCELOS; ABRAHÃO, 2007, dentre outros) convergem para a
ideia de que as crenças do professor de LE informam a sua prática e que, para empreender
mudanças, é necessário que ele se veja e seja visto como um sujeito que não somente
pensa, mas que também age a partir de suas convicções. Assim, desenvolvemos este
trabalho visando refletir a respeito de como as crenças sobre os diferentes agentes
envolvidos na interação do sistema sala de aula (professor, alunos, material de ensino e
escola) influenciam as práticas dos professores de LE em escola pública. Por meio da
corporificação das crenças em linguagem, procuramos tecer considerações e reflexões a
respeito do ensino dos professores de LE de escola pública à luz do Paradigma da
Complexidade (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008; MORIN, 2013), bem como
provocar a comunidade acadêmica a pensar as crenças sobre o ensino e aprendizagem de
LEs sob esse mesmo paradigma.
Para tanto, começamos por apresentar alguns pressupostos que compõem o
marco teórico deste trabalho. Em seguida, descrevemos a metodologia empreendida. E
finalmente, discutimos as crenças dos professores à luz da complexidade para, então,
concluirmos com reflexões acerca de possíveis trajetórias de reflexão e investigação.

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2. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

Contrariamente à visão newtoniana de causa e efeito, que assevera que “tudo o


que acontecia tinha uma causa definida e dava origem a um efeito definido” (CAPRA,
2006, p. 151), surge, durante o século XX, o paradigma da complexidade como uma nova
forma de conceber o universo. Trata-se de uma visão mais abrangente para a investigação
de fenômenos que não podem ser descritos de maneira unidimensional, fragmentada e
reducionista. Até então, predominava o modelo da simplificação, conhecido também
como paradigma cartesiano, que colocava em planos distintos o sujeito pensante e o
objeto entendido (FRANCO, 2013). Como consequência desse dualismo, a interpretação
do mundo era extremamente positivista, afastando-se do olhar subjetivo do homem. O
paradigma tradicional nos treinou para percebermos simplificadamente e a dominância
desse padrão impede que pensemos a Complexidade.
Ao focar preferencialmente a Complexidade, os estudos de Linguística Aplicada
(LA) não rompem com o que era feito anteriormente, mas configuram-se uma nova forma
de olhar o objeto de estudo. Para pensar complexamente, precisamos fazer um exercício:
tirar o foco exclusivo sobre o elemento, deslocando-o para as relações.
Assim, uma boa parte da comunidade científica na LA tem se mostrado
simpática a esse novo paradigma, uma vez que as soluções apresentadas por modelos de
ensino anteriores a ele não são suficientes para se pensar a complexidade do ensino e da
aprendizagem de línguas.
A Complexidade investiga o que Larsen-Freeman e Cameron (2008) denominam
de Sistemas Adaptativos Complexos. Segundo as autoras, esses sistemas “apresentam
diferentes tipos de elementos, geralmente em grande número, que se conectam e
interagem de diferentes formas” (p.26)1, em um constante agir e reagir, influenciando os
outros elementos do sistema e sendo ao mesmo tempo influenciados por eles.
Segundo Paiva (2006, p. 91),

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Minha tradução de [...]“has different types of elements, usually in large numbers, which
connect and interact in different and changing ways.”
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um sistema complexo não é um estado, mas um processo. Cada


componente do sistema pertence a um ambiente construído pela
interação entre suas partes. Nada é fixo, ao contrário, existe um
constante movimento de ação e reação e mudanças acontecem com o
passar do tempo.

Além da complexidade, os sistemas complexos apresentam, em diferentes graus,


as seguintes características em comum, apontadas por Larsen-Freeman (1997): (a)
Dinamismo: não só os elementos e agentes mudam com o tempo, mas também o modo
pelo qual os elementos interagem uns com os outros; as alterações podem ocorrer em
etapas ou estágios, chamadas mudanças discretas, ou ainda contínuas e suaves, menos
perceptíveis como etapas, mas sempre mutantes; (b) Não-linearidade: seus componentes
não são independentes e as relações entre eles não permanecem fixas; pequenas alterações
nas condições iniciais, nem sempre evidentes, podem modificar o comportamento de todo
o sistema; (c) Imprevisibilidade, caos e sensibilidade às condições iniciais: apresentam
uma certa ordem, a ponto de podermos prever que algo acontecerá, mas não podermos
afirmar, com certeza, quando ou como isso afetará o restante do sistema; a
imprevisibilidade deve-se ao fato de o sistema ser sensível às condições iniciais; (d)
Abertura: permite o fluxo de informação ou energia com o ambiente externo, o que é
fundamental para a emergência de maior complexidade; (e) Auto-organização: permite
que o sistema adapte seu comportamento; para Wolf e Holvoet (2005, p. 8), a auto-
organização exige a evolução para um determinado atrator; (f) Adaptabilidade:
capacidade do sistema de ajustar-se em resposta a mudanças no seu meio (contexto).

Além das características e comportamentos dos sistemas complexos já


apresentados, “atrator” é outro termo que merece destaque neste trabalho, e que
utilizamos na discussão dos dados (seção 4).
O conceito de atrator não deve ser entendido como motivador ou atraente,
definição oriunda do senso comum. Wolf e Holvoet (2005, p.3) definem atrator como
“um comportamento específico para o qual o sistema evolui”2. Para Larsen-Freeman e
Cameron (2008, p. 49), atratores são “modos particulares de comportamento que um

2
Minha tradução de “a specific behaviour to which the system evolves”
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sistema prefere”3. Em outras palavras, um atrator pode ser definido como um padrão de
comportamento de um sistema.
Segundo Paiva (2005), muitos sistemas dinâmicos apresentam três tipos de
atratores: (a) os de ponto fixo, que apresentam um único padrão de comportamento; (b)
os periódicos, que sob determinadas influências mudam, ora em direção a um ponto, ora
em direção a outro; e (c) os caóticos ou estranhos, que são os mais imprevisíveis.

Figura: atrator estranho ou caótico (atrator de Lorenz)

Sistemas dinâmicos complexos tendem a se auto-organizar e convergir em


direção a atratores estranhos, comuns em sistemas dinâmicos que se auto-organizam em
estados relativamente estáveis, embora essa estabilidade não seja garantida e oscile. É a
dinâmica das interações desses sistemas que os atrai para determinados tipos de
comportamento.
Compreender esses princípios é importante para a linha de raciocínio que
traçamos neste artigo: a de que os seres humanos não são simples, e que por isso suas
escolhas e decisões envolvem um pensamento complexo que, como tal, não pode ser
entendido segundo uma lógica determinista.
Após essa breve abordagem sobre algumas premissas da Teoria da
Complexidade, que serão retomadas na discussão dos dados, na próxima seção
apresentaremos conceitos sobre crenças de professores, bem como sua relação com a
teoria.

3. CRENÇAS DE PROFESSORES

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Minha tradução de “particular modes of behaviors, that the system ‘prefers’”
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Barcelos (2000) considera que as crenças dos professores também interferem na


sua interação em sala de aula. Para a autora, os estudos a respeito das crenças são
importantes porque por meio deles podemos compreender a forma como influenciam o
uso de estratégias de aprendizagem, ajudando os docentes a compreenderem a si mesmos
e aos outros.
As crenças sobre o ensino e a aprendizagem de línguas são conceitos e convicções
que se revelam, conscientemente ou não, nas ações dos professores (RAYMOND;
SANTOS, 1995). O ponto de vista de Araújo (2006) coaduna-se com esse pensamento ao
postular que as crenças são consideradas uma das grandes forças que atuam na dinâmica
da sala de aula e que as ações e decisões dos professores podem ser reflexo de suas crenças
a respeito de si próprios e de seus aprendizes sobre linguagem e língua estrangeira e sobre
o processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira.
Essas crenças influenciam o processo de ensino-aprendizagem ao mediarem as
decisões pedagógicas e as interações que os professores estabelecem com seus alunos,
funcionando como um filtro que os leva a interpretar, a valorizar e a reagir de diferentes
formas diante dos progressos e dificuldades dos seus alunos, podendo, inclusive, induzir
o comportamento real desses alunos em direção às suas expectativas (PAJARES, 1992).
As crenças assumem perspectivas sociais, pois são consequência da interação com
o contexto e com grupos sociais. Elas são também dinâmicas porque sempre podem
mudar durante um período (o decurso de uma trajetória profissional, por exemplo). Não
podem ser concebidas como representações mentais estáticas, uma vez que são abertas a
mudanças no decorrer do tempo e segundo a interação com o contexto. Por exemplo, a
ideia que temos hoje de uma abordagem eficaz difere daquela que tínhamos alguns anos
atrás.
Outra característica das crenças é que elas são paradoxais e significativas para o
ensino e aprendizagem de LE: são sociais, mas também individuais; são singulares, mas
também compartilhadas; são racionais e emocionais; podem funcionar tanto como
instrumento para a autonomia (empoderamento) ou como obstáculo (restrições) para o
seu fomento.
Assim, neste artigo, adotamos a seguinte definição de crenças:

[são] uma forma de pensamento, construções da realidade, maneiras de ver e


perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências

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resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação.


Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas,
contextuais e paradoxais (BARCELOS, 2006, p.18).

A importância do estudo de crenças de professores deve-se à sua relação com as


decisões na prática docente, como, por exemplo, a utilização de diferentes abordagens ou
a implementação de diferentes métodos.
As crenças são parte integrante dos processos mentais que influenciam e são
influenciados pelas ações e pelos efeitos dessas ações em sala de aula (COELHO, 2006).
Elas podem, portanto, causar impacto nas ações e, por sua vez, as ações podem causar
impacto nas crenças. Entretanto, não podemos afirmar que esse seja um simples caso de
relação de causa e efeito. Segundo Barcelos (2000), trata-se de “uma relação onde a
compreensão do contexto auxilia o entendimento das crenças” (p. 37)4.
Dessa forma, entendemos que as crenças do professor de LE são complexas, bem
como configuram-se um agente que compõe o sistema da sala de aula e formam, de
acordo com Barcelos (2003), uma rede de relações multinível, através de diversos
contextos de interação.

4. METODOLOGIA

A fim de realizar este trabalho, do qual participaram três professores de escola


pública federal - dois de língua inglesa e uma de língua espanhola - e um de escola pública
estadual - de língua inglesa -, utilizamos questionário aberto para a coleta de dados, com
base em uma abordagem contextual (BARCELOS, 2001).
Solicitamos que cada professor participante respondesse ao questionário,
enviado via correio eletrônico, do qual constavam quatro quesitos: 1) Motivo pelo qual
optou pelo curso de Letras; 2) Opinião sobre a língua estrangeira que leciona; 3) De
acordo com sua experiência na Educação Básica pública você acredita que há uma
abordagem ideal de ensino de Língua Estrangeira (LE)?; 4) Qual sua opinião sobre a

4
Minha tradução de “It is a relationship where understanding contextual constraint helps
understanding beliefs.”
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relevância dos seguintes agentes no processo de ensino e aprendizagem de LE: (a) O


professor; (b) Os alunos;(c) O material de ensino; (d) A instituição?
O questionário dirigido aos professores serviu para verificar aspectos sobre sua
opção pela formação na licenciatura em Letras, como também de recurso para que
expressassem suas opiniões em relação à LE que lecionam no contexto da escola pública.
Buscamos, dessa forma, refletir sobre como as crenças sobre os diferentes agentes
envolvidos na interação do sistema sala de aula (professor, alunos, material de ensino e
escola) podem influenciar as práticas dos professores de LE em escola pública.
Fundamentados na teoria dos sistemas adaptativos complexos, em especial no
conceito de atratores, analisamos as respostas fornecidas pelos professores e
selecionamos aquelas consideradas mais relevantes para esta proposta de reflexão.

5. DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados coletados por meio do questionário revelaram algumas crenças com


relação à LE que lecionam. Apesar de a maioria dos participantes afirmar que o ensino
de LE é apaixonante e importante para o acesso a diversas formas de conhecimento, um
dos professores, ao qual atribuímos o nome de Brandão5, a despeito de concordar em parte
com essa assertiva, apresenta uma visão crítica de sua realidade:

Brandão: Muito importante (a LE), porém desvalorizada pelos alunos, pela escola,
pelo próprio Estado. A LE é vista como a matéria em que todos devem passar de
ano mesmo sem saber, frequentar aulas ou realizar as atividades avaliativas; é a
matéria que pode ser deixada em segundo plano em eventos, programas, etc... que
só é valorizada quando o professor compra a briga e se impõe para mostrar que a
sua matéria tem muito para contribuir com a formação do aluno também.
Percebemos que o professor reconhece que a LE é uma disciplina relevante no
currículo, porém desvalorizada pelo sistema educacional e pelos agentes que o compõem.
Essa crença pode tornar-se um atrator no sistema de ensino do professor de LE, na medida
em que ele acredite que somente é possível desenvolver práticas exitosas de ensino e

5
Os nomes dos participantes são fictícios
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aprendizagem se a instituição, os alunos e o contexto público educacional proporcionarem


o que ele necessita para ensinar a língua da forma que espera.
A sala de aula de línguas é um ambiente complexo devido aos tipos de interações
variadas que lá ocorrem, às relações que se estabelecem e aos relacionamentos
desenvolvidos (PAIVA, 2005; LEFFA, 2006). Assim, para que possamos vislumbrar a
dinamicidade do sistema de crenças dos professores, sem deixar de abordar a questão dos
atratores, apresentamos outras crenças em relação aos diferentes agentes do sistema de
ensino de LE em escola pública.

5.1. CRENÇA SOBRE A EXISTÊNCIA DE UMA ABORDAGEM DE ENSINO


IDEAL

A crença que apregoa que a abordagem comunicativa é a mais apropriada para o


ensino de LE foi expressa por Maria e reforçada por sua experiência na instituição onde
trabalha:

Maria: Eu acredito que dentro da escola houve uma melhora significativa da


abordagem para o ensino de LE. Isso graças ao novo projeto de ensino da escola
para área que visa contemplar as quatro habilidades. Esse novo ambiente facilita
atividades cada vez mais comunicativas e funcionais, permitindo consequentemente
um resultado mais efetivo e motivador.

Já a professora Cecília acredita em abordagens ideais, porém expõe algumas


limitações para a sua implementação na Educação Básica pública:

Cecília: (...) as abordagens atuais para o ensino de Língua Estrangeira tentam


valorizar mais o ensino de LE, infelizmente muito há o que fazer para que
consigamos alcançar um ensino satisfatório e eficiente a todos.

Crenças sobre a existência de uma abordagem de ensino ideal podem levar a um


atrator que se traduz em práticas de sala de aula que não raro desconsideram outros
caminhos metodológicos mais eficazes para determinados alunos, uma vez que não
aprendemos uma LE de forma padronizada.

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Na perspectiva da complexidade, é possível conciliar as principais teorias,


abordagens e metodologias que fundamentam o ensino de LEs. Cada teoria, por exemplo,
explica um elemento do mesmo fenômeno e esses elementos estão em inter-relação com
os demais (PAIVA, 2014). Se optamos por uma abordagem mais comunicativa, não
significa, por exemplo, que não possamos fazer uso da tradução quando esse recurso
mostrar-se útil e eficaz. A crença expressa pela professora Bela reflete esse pensamento
complexo:
Bela: Considero que a melhor abordagem é aquela que favorece a aprendizagem,
eliminando barreiras e auxiliando para que seja possível alcançar os objetivos
definidos.

Para encerrarmos a discussão sobre atratores nesta primeira seção do


questionário, apresentamos o excerto do professor Brandão:

Brandão 1: Certamente que existe (uma abordagem ideal). Porém ela não é a
praticada nas escolas públicas. Em virtude da falta de estrutura, que se reflete na
falta de material didático adequado para aulas mais comunicativas onde se pratique
de fato o que está sendo ensinado, de recursos tais como som e outros aparelhos
eletrônicos audiovisuais (que se o professor precisar mesmo, deve trazer de sua
própria casa), nos arranjos em filas das carteiras de sala de aula (que não colaboram
com exercícios comunicativos ou o eye-contact) e na pressão pelo ensino tão somente
da gramática e interpretação de textos (nos moldes do ENEM, de preferência). Por
tudo isso, fica muito difícil para o professor escapar destas armadilhas, se não por
muito esforço pessoal e compromisso profissional.

Certamente influenciado pelas condições pouco favoráveis ao ensino de LEs em


escola pública apresentadas no início deste trabalho, o professor Brandão manifesta
algumas crenças que se destacam pelo seu posicionamento crítico, como a de que para
ensinar a LE é necessário bom material didático, estrutura física e reavaliação permanente
das abordagens de ensino, entre outras. Esses atratores podem levar ao desânimo e ao
desenvolvimento de atitudes negativas com relação ao ensino de LE, como levar o
professor a não adotar novas práticas de ensino.

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5.2. CRENÇAS SOBRE A INTER-RELAÇÃO ENTRE O PROFESSOR, OS


ALUNOS, O MATERIAL DE ENSINO E A INSTITUIÇÃO

Um dado significativo expresso por meio das crenças dos professores é que todos
estão convencidos de que os diferentes agentes que interagem no sistema educacional são
de grande relevância para que o ensino e a aprendizagem de uma LE ocorram com
sucesso. No entanto, merece destaque o fragmento expresso por Brandão com relação ao
papel do professor:

Brandão 2: É o principal agente de realização da abordagem desejada. Ele decide o


que e como fazer, logicamente visando estimular o aluno a atingir suas metas. Se o
professor for um agente passivo de toda situação adversa vivida na escola pública, nada
de novo e estimulante pode acontecer em sala (grifo nosso).

No excerto anterior, é importante observar que ele cita algumas “armadilhas” das
quais é difícil que um professor de LE de escola pública “escape”, como, por exemplo, a
falta de material didático adequado, falta de recursos audiovisuais, pressão para ensinar
apenas gramática e interpretação de textos etc. Porém, no outro excerto salienta que o
professor é o principal agente instigador de mudanças, acrescentando, inclusive, que se
ele for “um agente passivo de toda situação adversa vivida na escola pública, nada de
novo e estimulante pode acontecer em sala”. A comparação entre os excertos revela o
conflito entre duas crenças: a postura ideal (Brandão 2) e a socialmente estabelecida
(Brandão 1).
Uma reflexão possível é que a crença que reitera que não se aprende inglês em
escola pública continua ecoando sob diversas roupagens, propiciando a emergência de
um novo atrator – a propagação de uma crença socialmente estabelecida. Difundir essa
crença é, de certa forma, cômodo, uma vez que podemos “justificar” nossas práticas por
meio dela, o que é sugerido pela contradição entre os dois excertos expressos pelo mesmo
docente.
A reformulação do ensino das LEs (inglês, francês, espanhol e alemão)
empreendida na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará derruba essa

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crença, uma vez que todos os agentes do sistema escolar se engajaram para efetivar
mudanças significativas na estrutura de ensino de LE nos níveis de ensino Fundamental
e Médio, a fim de proporcionar a proficiência tão desejada pelos alunos. Da mesma forma,
a pesquisa de Xavier (1999) comprova que é possível trabalhar todas as habilidades em
uma sala de aula de Ensino Fundamental de escola pública através do ensino baseado em
tarefas.

6. (IN) CONCLUSÕES

O presente artigo discutiu a inter-relação entre aspectos do paradigma da


complexidade e as crenças dos professores sobre sua prática e seus desdobramentos para
o ensino de LEs na Educação Básica pública. Para isso, apresentamos alguns pressupostos
que compõem o marco teórico deste trabalho, descrevemos a metodologia empreendida
e discutimos as crenças dos professores à luz da complexidade.
Entendemos que a sala de aula de LE é um sistema dinâmico complexo
interconectado a outros múltiplos sistemas que ultrapassam os limites da sala de aula. Os
diversos componentes desse sistema, como o professor, os alunos, os materiais de ensino,
a Língua Estrangeira, as crenças dos professores etc., interagem e se interconectam no
contexto da sala de aula.
Nesse cenário, a investigação de crenças apresenta-se não somente como um
caminho promissor para todos aqueles que buscam uma educação linguística determinada
a combater preconceitos há muito enraizados, mas também como um possível caminho
de investigação no campo do ensino e aprendizagem de LE que desmistifica “verdades”
que paralisam os avanços e desencorajam as tentativas de mudança. Concordamos com
Sadalla (1998) quando afirma que há necessidade de os professores tomarem consciência
de suas crenças, uma vez que isso possibilitará a eles produzir as transformações
necessárias no ensino e encontrar um modo de ação que traga benefícios aos alunos.
Por isso, é imperioso o aprofundamento das reflexões sobre aspectos relevantes
para a prática docente, numa concepção crítico-transformadora e complexa, uma vez que
é uma oportunidade valiosa para a ressignificação de crenças educacionais e para a
reconstrução de práticas colaborativas capazes de contribuir para que o professor assuma
seu papel social. Assim, crenças altamente excludentes, sobretudo para alunos oriundos

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das camadas mais populares, que, para a sua educação, só possuem acesso à escola
pública, poderiam deixar de ser tomadas como forma de justificar determinadas práticas
pedagógicas (atratores). E, finalmente, crenças que se tornaram praticamente um adágio
popular, como aquela reitera que “não se aprende língua estrangeira em escola pública”
(para muitos já incorporada como verdadeira), já não seriam mais ecoadas como verdade.
Assim, neste artigo, que concluímos com reflexões acerca de possíveis trajetórias
de reflexão e investigação, não tivemos a pretensão de propor a solução para a
problemática que envolve o ensino de LE em escola pública, mas, sim, refletir a respeito
da necessidade de se atentar para as particularidades do contexto público do ensino de
LEs, bem como das variáveis que o compõem.

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