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Complexidade e Crencas Sobre o Ensino de Le Na Escola Publica
Complexidade e Crencas Sobre o Ensino de Le Na Escola Publica
RESUMO
Diversos estudos voltados para o ensino de língua estrangeira (LE) em escolas públicas não
cessam de reiterar crenças como aquela que sustenta que “não se aprende LE em escola pública”.
Temos percebido que o professor, agente fundamental no sistema da sala de aula, tem contribuído
significativamente para a propagação desta crença, principalmente por preservar, em sua prática,
características do sistema tradicionalista de ensino de línguas, como o principal, senão único
modelo de ensino, mesmo após sua exposição a uma variedade de abordagens capazes de
diversificar sua atividade docente. Estudos empreendidos por diversos autores (ALMEIDA
FILHO, 1999; BARCELOS, 2003; BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006, dentre outros)
convergem para a ideia de que as crenças do professor de LE informam a sua prática e que, para
empreender mudanças, o professor precisa se ver e ser visto como um sujeito que não somente
pensa, mas que também age a partir de suas crenças. Com base nessas considerações, buscamos
responder à seguinte pergunta norteadora: de que modo as crenças sobre os diferentes agentes
envolvidos na interação do sistema sala de aula (o professor, os alunos, o material de ensino, a
escola) influenciam as práticas dos professores de LE em escola pública? Por meio da
corporificação das crenças em linguagem, visamos tecer considerações e reflexões a respeito do
ensino dos professores de LE de escola pública à luz do Paradigma da Complexidade (LARSEN-
FREEMAN; CAMERON, 2008; MORIN, 2013). Este estudo, que teve como participantes três
professores de escola pública federal e um professor de escola pública estadual, utilizou
questionário aberto para a coleta de dados. Os dados iniciais revelam que: (1) as crenças dos
professores podem conduzir a bacias atratoras que se traduzem na adoção de práticas pouco
eficazes e pouco condizentes com as atuais demandas de sala de aula de LE; (2) a reflexão em
grupo sobre aspectos relevantes à prática docente, numa concepção crítica-transformadora, são
valiosas oportunidades para resignificação de crenças educacionais e reconstrução de práticas de
forma colaborativa, a fim de contribuir para que o professor assuma seu papel social.
1. INTRODUÇÃO
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abastadas do país, que confiavam a ele a educação de seus filhos. No entanto, com o
prestígio em declínio, o ensino público vem sendo frequentado quase que exclusivamente
pelas classes menos favorecidas.
É nesse contexto, comprometido pela ausência de ações efetivas capazes de
mitigar o descaso ao qual tem sido relegado, que o ensino de Língua Estrangeira (LE) nas
escolas públicas tem se desenvolvido em nosso país, sendo, por conseguinte, uma das
áreas mais prejudicadas. O grande número de alunos por turma, as horas de aula semanais
insuficientes, os recursos didáticos inadequados e limitados, entre outros fatores, também
concorrem para o desânimo e para a formação de crenças como aquela que sustenta que
“não se aprende LE em escola pública”. Ao longo dos anos, temos percebido que o
professor, agente fundamental no sistema da sala de aula, mesmo exposto a uma variedade
de abordagens capazes de diversificar sua atividade docente, tem alimentado
significativamente a propagação dessa crença, principalmente por preservar, em sua
prática, características do sistema tradicionalista de ensino de línguas, como o principal,
senão o único, modelo de ensino.
Estudos empreendidos por diversos autores (ALMEIDA FILHO, 1999;
BARCELOS, 2003; BARCELOS; ABRAHÃO, 2007, dentre outros) convergem para a
ideia de que as crenças do professor de LE informam a sua prática e que, para empreender
mudanças, é necessário que ele se veja e seja visto como um sujeito que não somente
pensa, mas que também age a partir de suas convicções. Assim, desenvolvemos este
trabalho visando refletir a respeito de como as crenças sobre os diferentes agentes
envolvidos na interação do sistema sala de aula (professor, alunos, material de ensino e
escola) influenciam as práticas dos professores de LE em escola pública. Por meio da
corporificação das crenças em linguagem, procuramos tecer considerações e reflexões a
respeito do ensino dos professores de LE de escola pública à luz do Paradigma da
Complexidade (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008; MORIN, 2013), bem como
provocar a comunidade acadêmica a pensar as crenças sobre o ensino e aprendizagem de
LEs sob esse mesmo paradigma.
Para tanto, começamos por apresentar alguns pressupostos que compõem o
marco teórico deste trabalho. Em seguida, descrevemos a metodologia empreendida. E
finalmente, discutimos as crenças dos professores à luz da complexidade para, então,
concluirmos com reflexões acerca de possíveis trajetórias de reflexão e investigação.
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2. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
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Minha tradução de [...]“has different types of elements, usually in large numbers, which
connect and interact in different and changing ways.”
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Minha tradução de “a specific behaviour to which the system evolves”
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sistema prefere”3. Em outras palavras, um atrator pode ser definido como um padrão de
comportamento de um sistema.
Segundo Paiva (2005), muitos sistemas dinâmicos apresentam três tipos de
atratores: (a) os de ponto fixo, que apresentam um único padrão de comportamento; (b)
os periódicos, que sob determinadas influências mudam, ora em direção a um ponto, ora
em direção a outro; e (c) os caóticos ou estranhos, que são os mais imprevisíveis.
3. CRENÇAS DE PROFESSORES
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Minha tradução de “particular modes of behaviors, that the system ‘prefers’”
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4. METODOLOGIA
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Minha tradução de “It is a relationship where understanding contextual constraint helps
understanding beliefs.”
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Brandão: Muito importante (a LE), porém desvalorizada pelos alunos, pela escola,
pelo próprio Estado. A LE é vista como a matéria em que todos devem passar de
ano mesmo sem saber, frequentar aulas ou realizar as atividades avaliativas; é a
matéria que pode ser deixada em segundo plano em eventos, programas, etc... que
só é valorizada quando o professor compra a briga e se impõe para mostrar que a
sua matéria tem muito para contribuir com a formação do aluno também.
Percebemos que o professor reconhece que a LE é uma disciplina relevante no
currículo, porém desvalorizada pelo sistema educacional e pelos agentes que o compõem.
Essa crença pode tornar-se um atrator no sistema de ensino do professor de LE, na medida
em que ele acredite que somente é possível desenvolver práticas exitosas de ensino e
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Os nomes dos participantes são fictícios
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Brandão 1: Certamente que existe (uma abordagem ideal). Porém ela não é a
praticada nas escolas públicas. Em virtude da falta de estrutura, que se reflete na
falta de material didático adequado para aulas mais comunicativas onde se pratique
de fato o que está sendo ensinado, de recursos tais como som e outros aparelhos
eletrônicos audiovisuais (que se o professor precisar mesmo, deve trazer de sua
própria casa), nos arranjos em filas das carteiras de sala de aula (que não colaboram
com exercícios comunicativos ou o eye-contact) e na pressão pelo ensino tão somente
da gramática e interpretação de textos (nos moldes do ENEM, de preferência). Por
tudo isso, fica muito difícil para o professor escapar destas armadilhas, se não por
muito esforço pessoal e compromisso profissional.
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Um dado significativo expresso por meio das crenças dos professores é que todos
estão convencidos de que os diferentes agentes que interagem no sistema educacional são
de grande relevância para que o ensino e a aprendizagem de uma LE ocorram com
sucesso. No entanto, merece destaque o fragmento expresso por Brandão com relação ao
papel do professor:
No excerto anterior, é importante observar que ele cita algumas “armadilhas” das
quais é difícil que um professor de LE de escola pública “escape”, como, por exemplo, a
falta de material didático adequado, falta de recursos audiovisuais, pressão para ensinar
apenas gramática e interpretação de textos etc. Porém, no outro excerto salienta que o
professor é o principal agente instigador de mudanças, acrescentando, inclusive, que se
ele for “um agente passivo de toda situação adversa vivida na escola pública, nada de
novo e estimulante pode acontecer em sala”. A comparação entre os excertos revela o
conflito entre duas crenças: a postura ideal (Brandão 2) e a socialmente estabelecida
(Brandão 1).
Uma reflexão possível é que a crença que reitera que não se aprende inglês em
escola pública continua ecoando sob diversas roupagens, propiciando a emergência de
um novo atrator – a propagação de uma crença socialmente estabelecida. Difundir essa
crença é, de certa forma, cômodo, uma vez que podemos “justificar” nossas práticas por
meio dela, o que é sugerido pela contradição entre os dois excertos expressos pelo mesmo
docente.
A reformulação do ensino das LEs (inglês, francês, espanhol e alemão)
empreendida na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará derruba essa
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crença, uma vez que todos os agentes do sistema escolar se engajaram para efetivar
mudanças significativas na estrutura de ensino de LE nos níveis de ensino Fundamental
e Médio, a fim de proporcionar a proficiência tão desejada pelos alunos. Da mesma forma,
a pesquisa de Xavier (1999) comprova que é possível trabalhar todas as habilidades em
uma sala de aula de Ensino Fundamental de escola pública através do ensino baseado em
tarefas.
6. (IN) CONCLUSÕES
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das camadas mais populares, que, para a sua educação, só possuem acesso à escola
pública, poderiam deixar de ser tomadas como forma de justificar determinadas práticas
pedagógicas (atratores). E, finalmente, crenças que se tornaram praticamente um adágio
popular, como aquela reitera que “não se aprende língua estrangeira em escola pública”
(para muitos já incorporada como verdadeira), já não seriam mais ecoadas como verdade.
Assim, neste artigo, que concluímos com reflexões acerca de possíveis trajetórias
de reflexão e investigação, não tivemos a pretensão de propor a solução para a
problemática que envolve o ensino de LE em escola pública, mas, sim, refletir a respeito
da necessidade de se atentar para as particularidades do contexto público do ensino de
LEs, bem como das variáveis que o compõem.
REFERÊNCIAS
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