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17/02/2016 Tela 

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MONTADOR INVISÍVEL

No  corredor  de  um  hospital,  um  homem  caminha  de  um  lado  para  o  outro.  Pega,  no  bolso  da
calça, um maço de cigarros e um isqueiro. Coloca um cigarro na boca. Guarda o maço no bolso.
Com a mão muito trêmula, acende o cigarro que está na sua boca. Dá uma longa tragada. Sopra
a fumaça.

Pessoas  que  não  estão  muito  habituadas  às  técnicas  da  linguagem  cinematográfica  assistem  a
essa cena atentas ao contexto, vivenciando a ansiedade, o nervosismo com o personagem: ele é
um homem inquieto, que caminha num hospital e treme ao acender um cigarro.

Do  outro  lado  da  tela,  o  montador  que  trabalhou  nessa  cena  pensou  assim:  “Bem,  precisamos
mostrar  que  esse  homem  está  num  corredor  de  hospital.  Então,  vamos  ver...  esse  plano  aqui,
mais  aberto,  em  que  o  personagem  aparece  de  corpo  inteiro  e,  na  parede,  vemos  um  cartaz
com  o  rosto  de  uma  enfermeira.  Pronto,  mostramos  o  homem  num  hospital.  Agora,  bom...
Agora ele pega o cigarro. Ok. Nesse mesmo plano, ele caminha de um lado para o outro. Ok, ele
está  nervoso.  Ah,  veja  só,  temos  aqui  um  plano  bem  fechado,  em  que  vemos  apenas  sua  mão
trêmula acendendo o cigarro. Vou fazer o seguinte: deixar em plano aberto até ele aproximar o
isqueiro para acender o cigarro. Depois corto para esse plano fechado em que vemos apenas sua
mão,  trêmula,  acendendo  o  cigarro.  Legal.  Vou  manter  esse  plano  fechado  e  vamos  ver  a  boca
do homem soprando a fumaça. Isso, sem dúvida, mostra com clareza que ele está nervoso”.

Num  filme  em  que  vemos  duas  pessoas  conversando,  geralmente  não  prestamos  atenção  nos
cortes que nos levam de uma pessoa para outra. Uma delas fala, e é ela que nós vemos. A outra
fala,  nós  passamos  a  vê­la.  A  outra  pessoa  reage,  vemos  sua  reação.  Enfim,  assistimos  com  a
maior  naturalidade  do  mundo  a  uma  conversa  entre  duas  pessoas,  como  se  estivéssemos
presentes no lugar e pudéssemos mover nossa cabeça, mudando o foco de nosso olhar.

Bem,  é  exatamente  para  isso  que  existe  o  montador  de  cinema:  para  pontuar  o  que  é  mais
importante  mostrar  ou  não  mostrar  numa  cena.  Para  escolher  a  melhor  hora  de  passar
informações  ao  espectador.  Para  direcionar  a  leitura  do  filme.  Para  manipular  o  tempo.  Para
entender  o  que  o  diretor  quer,  analisar  o  material  que  foi  captado  e  fazer  um  filme  melhor
ainda.

O montador existe para trabalhar com as técnicas mais conhecidas de montagem e para inventar
novas  modas.  Existe  pra  fazer  tudo  isso  da  maneira  mais  rítmica  possível,  respeitando  os
atores, o clima e o contexto do filme. Enfim, o montador de cinema existe para ser tão bom que
possa,  em  muitos  casos,  passar  despercebido  pelo  público,  que,  certamente,  vai  adorar  assistir
a um filme bem montado – ainda que sem reparar.

Texto: Henry Grazinoli
Consultoria de conteúdo: Paulo Sacramento

http://www.telabr.com.br/oficinas­virtuais/texto/58 1/1

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