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L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS
Unicuique suum Non praevalebunt
Ano LI, número 26 (2.653) Cidade do Vaticano terça-feira 30 de junho de 2020

Missa do Papa Francisco na solenidade dos santos Pedro e Paulo

Unidade e profecia
para uma Igreja renovada

NESTE NÚMERO
Pág. 2: Angelus de 29 de junho; pág. 3: Homilia na solenidade dos santos Pedro e Paulo; pág. 4: Agradecimento do Papa a mé-
dicos e enfermeiros italianos; pág. 5: Audiência geral de 24 de junho; págs. 6/7: Entrevista a Bernice Albertine King, por Ales-
sandro Gisotti; Conversa com o fotojornalista Manoocher Deghati, por Piero Di Domenicantonio; pág. 8: A declaração “Nostra
aetate”, por Andrea Tornielli; pág. 9: No 60º aniversário do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos, por
Brian Farrell; pág. 10: Esperança do novo presidente do Episcopado português; Três novas invocações nas ladainhas lauretanas;
pág. 11: Informações; Promulgação de decretos; pág. 12: Angelus de domingo, 28 de junho.
página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de junho de 2020, número 26

ANGELUS

Apelo a não abandonar os idosos

Em Roma todos podem


viver com dignidade
Em Roma «que todos possam viver nosco. Com efeito, dirigimo-nos
com dignidade e encontrar o feliz muitas vezes a Ele apenas em mo-
testemunho do Evangelho». São os mentos de necessidade, para pedir
votos expressos pelo Papa no final do ajuda. Mas Deus vê mais longe e
Angelus da solenidade dos santos convida-nos a ir além, a procurar
Pedro e Paulo, recitado com os fiéis não só os seus dons, mas também
reunidos na praça de São Pedro. a Ele, que é o Senhor de todos os
dons; a confiar-lhe não apenas os mas Jesus como Deus vivo, não co- causa da pandemia a delegação do
Prezados irmãos e irmãs, bom dia! problemas, mas a vida. Desta for- mo uma estátua. Porque não im- Patriarcado ecuménico não pôde
ma, pode conceder-nos finalmente porta saber que Jesus foi grande na participar, como de costume, na
Hoje celebramos os santos padroei- história, não importa tanto apreciar celebração dos santos Pedro e Paulo.
a maior graça, a de dar a vida.
ros de Roma, os Apóstolos Pedro e o que Ele disse ou fez: importa o
Sim, dar a vida. A coisa mais im-
Paulo. E é um dom rezar unidos lugar que lhe dou na minha vida, o Caros irmãos e irmãs!
portante na vida é fazer da vida
aqui, perto do lugar onde Pedro um dom. E isto é válido para to- lugar que atribuo a Jesus no meu
morreu mártir e está sepultado. coração. Naquela altura Simão ou- Antes de mais nada, na festa dos
dos: dos pais aos filhos e dos filhos santos padroeiros, os Apóstolos Pe-
Contudo, a Liturgia de hoje recor- aos pais idosos. E aqui lembro-me viu Jesus dizer: «Tu és Pedro e so-
da um episódio completamente di- bre esta pedra edificarei a minha dro e Paulo, saúdo todos os roma-
de muitos idosos, que são deixados nos e quantos vivem nesta cidade.
ferente: diz-nos que vários anos an- sozinhos pela sua família - ouso di- Igreja» (v. 18). Não foi chamado
tes Pedro tinha sido libertado da “pedra” porque era um homem sóli- Por sua intercessão, rezo a fim de
zer - como se fossem material des- que em Roma cada pessoa possa
morte. Foi preso, estava na prisão e cartável. E este é um drama do do e fiável. Não, ele cometeria
a Igreja, temendo pela sua vida, re- muitos erros mais tarde, não era viver com dignidade e encontrar o
nosso tempo: a solidão dos idosos.
zava incessantemente por ele. De- tão confiável, cometeria muitos er- testemunho alegre do Evangelho.
A vida dos filhos e dos netos não
pois, um anjo desceu para o liber- se faz dom para os idosos. Fazer-se ros, chegaria ao ponto de negar o Segundo a tradição, nesta come-
tar do cárcere (cf. At 12, 1-11). Mas dom para quantos são casados ou Mestre. Mas escolheu construir a moração uma delegação do Patriar-
também anos mais tarde, quando consagrados; é válido em todos os sua vida sobre Jesus, a pedra — diz cado Ecuménico de Constantinopla
Pedro era prisioneiro em Roma, a lugares, em casa e no trabalho, e o texto — não sobre “carne e san- vem a Roma, mas este ano não foi
Igreja certamente rezava. Todavia, para todas as pessoas próximas de gue”, isto é, sobre si mesmo, sobre possível por causa da pandemia.
naquela ocasião a sua vida não foi nós. Deus deseja fazer-nos crescer as suas capacidades, mas sobre Je- Por conseguinte, envio um abraço
poupada. Como pode ser que pri- na dádiva: é só assim que nos tor- sus (cf. v. 17), que é a pedra. Jesus espiritual ao meu querido irmão
meiro foi libertado da provação e namos grandes! Crescemos quando é a rocha sobre a qual Simão se tor- Patriarca Bartolomeu, na esperança
depois não? nos doamos aos outros. Olhemos nou pedra. O mesmo pode ser dito de podermos retomar o mais de-
Porque há um caminho na vida para São Pedro: ele não se tornou sobre o apóstolo Paulo, que se en- pressa possível as nossas visitas re-
de Pedro que pode iluminar o per- herói porque foi libertado da pri- tregou totalmente ao Evangelho, cíprocas.
curso da nossa vida. O Senhor são, mas porque deu a sua vida considerando tudo o resto imundí-
Ao celebrar a solenidade de São
concedeu-lhe muitas graças e liber- aqui. O seu dom transformou um cie, para ganhar Cristo.
Pedro e São Paulo, gostaria de re-
tou-o do mal: faz isto também con- lugar de execução no bonito lugar Hoje, perante os Apóstolos, po- cordar os numerosos mártires que
de esperança onde nos encontra- demos perguntar-nos: “E eu, como foram decapitados, queimados vi-
mos. organizo a vida? Penso apenas nas vos e mortos, especialmente na
Eis o que pedir a Deus: não só a necessidades do momento ou acre- época do imperador Nero, nesta
graça do momento, mas a graça da dito que a minha verdadeira neces- mesma terra em que vos encontrais
vida. O Evangelho de hoje mostra- sidade é Jesus, que faz de mim um agora. Esta é terra ensanguentada
nos precisamente o diálogo que dom? E como construo a vida, so- pelos nossos irmãos cristãos. Ama-
mudou a vida de Pedro. Ele ouviu bre as minhas capacidades ou so- nhã celebraremos a sua comemora-
Jesus perguntar: «Quem sou Eu pa- bre o Deus vivo?”. Nossa Senhora,
ção.
ra ti?». E respondeu: «Tu és Cris- que se confiou totalmente a Deus,
nos ajude a colocá-lo na base de Saúdo-vos, estimados peregrinos
to, o Filho do Deus vivo». E Jesus:
cada dia; e que Ela interceda por aqui presentes: vejo bandeiras do
«Bem-aventurado és tu, Simão, fi-
lho de Jonas» (Mt 16, 16-17). Jesus nós para que, com a graça de Canadá, Venezuela, Colômbia e
diz que é bem-aventurado, isto é, Deus, possamos fazer da nossa vi- outras... Muitas saudações! Que a
literalmente feliz. És feliz por ter da um dom. visita aos túmulos dos Apóstolos
dito isto. Notemos: Jesus diz Tu és possa fortalecer a vossa fé e o vos-
bem-aventurado a Pedro, que lhe ti- No final da prece mariana o so testemunho.
nha dito Tu és o Deus vivo. Então, Pontífice dirigiu uma saudação Desejo bom feriado a todos vós.
qual é o segredo de uma vida especial aos romanos e “abraçou” Por favor, não vos esqueçais de re-
abençoada, qual é o segredo de espiritualmente o patriarca zar por mim. Bom almoço e até à
uma vida feliz? Reconhecer Jesus, Bartolomeu, recordando que por vista!

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número 26, terça-feira 30 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Missa do Papa na solenidade dos santos Pedro e Paulo

Unidade e profecia para uma Igreja renovada


Também a solenidade dos Santos Pedro e Paulo, a 29 de Junho, foi afetada pela
emergência sanitária devido à Covid-19. O Papa Francisco celebrou a missa no
altar da Cátedra da Basílica do Vaticano, durante a qual abençoou os pálios
destinados a cinquenta e quatro metropolitas nomeados no último ano. Um
pequeno número de fiéis assistiu à missa e, ao contrário dos anos anteriores, o
Papa não pôde entregar pessoalmente o pálio aos vários metropolitas, mas
confiou-os simbolicamente ao Cardeal Giovanni Battista Re, Decano do Colégio
dos Cardeais. Como novidade introduzida há anos para sublinhar a ligação com
a Igreja local, a imposição efetiva terá lugar nas dioceses de origem dos prelados,
pelo representante papal. O Cardeal Angelo Comastri, Arcipreste da Basílica de
São Pedro, Luis Antonio Tagle, Prefeito da Congregação para a Evangelização
dos Povos, concelebrou com o Papa Francisco. As orações dos fiéis foram pelo
Papa e pelos bispos, pelos governantes e juízes, pelos perseguidos, pelos
missionários e catequistas, pelos pobres, pelos sofredores e pelas pessoas sozinhas.
Após a bênção final, o Papa recolheu-se em oração diante da imagem da Virgem
Maria enquanto era entoado o Salve Regina.

Na festa dos dois Apóstolos desta ci- desânimo, a terceira é o pessimismo.


dade, gostaria de partilhar convosco O narcisismo leva-te a parar diante
duas palavras-chave: unidade e pro- do espelho, a olhar continuamente
fecia. para ti; o desânimo, às lamentações; especial ao Patriarcado Ecuménico possível. Não são necessárias mani-
Unidade. Celebramos conjunta- o pessimismo, ao enigmático, à escu- de Constantinopla. Pedro e André festações miraculosas. Dá-me pena
mente duas figuras muito diferentes: ridão. Estas três atitudes fecham a eram irmãos; e entre nós, quando é ao ouvir proclamar: «Queremos uma
Pedro era um pescador que passava porta ao Espírito Santo. Aqueles possível, trocamos uma visita frater- Igreja profética». Muito bem! E que
os dias entre os remos e as redes; cristãos não culpavam, mas rezavam. na nas respetivas festas; não tanto fazes para que a Igreja seja proféti-
Paulo, um fariseu culto, que ensina- Naquela comunidade, ninguém di- por gentileza, mas para caminhar ca? Servem vidas que manifestam o
va nas sinagogas. Quando saíram zia: «Se Pedro tivesse sido mais cau- juntos rumo à meta que o Senhor milagre do amor de Deus. Não po-
em missão, Pedro dirigiu-se aos ju- teloso, não estaríamos nesta situa- nos indica: a unidade plena. Hoje, tência, mas coerência; não palavras,
deus; Paulo, aos pagãos. E, quando ção». Ninguém o dizia. Humana- eles não conseguiram vir, pela difi- mas oração; não proclamações, mas
se cruzaram os seus caminhos, discu- mente havia motivos para criticar culdade de viajar devido ao corona- serviço. Queres uma Igreja proféti-
tiram animadamente, como Paulo Pedro, mas ninguém o criticava. vírus, mas quando desci para venerar ca? Começa a servir, e não digas na-
não tem vergonha de contar numa Não murmuravam contra ele, mas as relíquias de Pedro, no coração da. Não teoria, mas testemunho.
carta (cf. Gal 2, 11-14). Enfim, eram rezavam por ele. Não falavam por sentia junto de mim o meu amado Precisamos não de ser ricos, mas de
duas pessoas muito diferentes, mas trás, mas falavam com Deus. Hoje, irmão Bartolomeu. Eles estão, aqui, amar os pobres; não de ganhar para
sentiam-se irmãos, como numa famí- podemos interrogar-nos: «Guarda- connosco. nós, mas de nos gastarmos pelos ou-
lia unida onde muitas vezes se dis- mos a nossa unidade com a oração: A segunda palavra: profecia. Uni- tros; não do consenso do mundo, do
cute mas sem deixar de se amarem. a nossa unidade da Igreja? Rezamos dade e profecia. Os nossos Apóstolos estar de bem com todos (entre nós
Contudo a familiaridade, que os uns pelos outros?» Que aconteceria foram provocados por Jesus. Pedro usa-se a expressão: «estar de bem
unia, não provinha de inclinações se se rezasse mais e murmurasse me- ouviu-O perguntar-lhe: «Tu, quem com Deus e com o diabo»), estar de
naturais, mas do Senhor. Ele não nos, deixando a língua um pouco dizes que Eu sou?» (cf. Mt 16, 15). bem com todos, não! Isto não é pro-
nos mandou agradar, mas amar. É mais tranquila? Aquilo que aconte- Naquele momento, compreendeu fecia. Mas precisamos da alegria pe-
Ele que nos une, sem nos uniformi- ceu a Pedro na prisão: como então, que, ao Senhor, não Lhe interessam lo mundo que virá; não daqueles
zar. Une-nos nas diferenças. muitas portas que separam, abrir-se- as opiniões gerais, mas a opção pes- projetos pastorais que parecem con-
A primeira Leitura de hoje leva- iam; muitas algemas que imobilizam, soal de O seguir. Também a vida de ter em si mesmos a própria eficiên-
nos à fonte desta unidade. Narra cairiam. E nós ficaríamos maravilha- Paulo mudou depois duma provoca- cia, como se fossem Sacramentos!
que a Igreja, pouco depois de ter dos, como sucedeu àquela serva que, ção de Jesus: «Saulo, Saulo, porque Projetos pastorais eficientes, não;
nascido, passava por uma fase críti- ao perceber que Pedro está à porta, Me persegues?» (At 9, 4). O Senhor mas precisamos de pastores que ofe-
ca: Herodes não lhe dava paz, a per- nem pensa em abrir mas volta para a abalou-o dentro: mais do que fazê-lo reçam a vida: de enamorados de
seguição era violenta, o apóstolo sala a correr, estupefacta pela alegria cair por terra no caminho de Da- Deus. Foi assim, como enamorados,
Tiago fora morto; e agora acabou de ter ouvido a voz de Pedro (cf. At masco, derrubou a sua presunção de que Pedro e Paulo anunciaram Je-
preso o próprio Pedro. A comunida- 12, 10-17). Peçamos a graça de saber homem religioso e bom. Assim um sus. Pedro, antes de ser colocado na
de parece decapitada; cada qual te- rezar uns pelos outros. São Paulo Saulo altivo tornou-se Paolo: Paulo, cruz, não pensa em si mesmo, mas
me pela própria vida. Contudo, nes- exortava os cristãos a rezar por to- que significa «pequeno». A estas no seu Senhor e, considerando-se in-
te momento trágico, ninguém foge, dos, mas em primeiro lugar por provocações, a estas inversões da vi- digno de morrer como Ele, pede pa-
ninguém pensa em salvar a pele, quem governa (cf. 1 Tim 2, 1-3). da seguem as profecias: «Tu és Pe- ra ser crucificado de cabeça para
ninguém abandona os outros, mas «Mas este governante é...», e os ad- dro, e sobre esta pedra edificarei a baixo. Paulo está para ser decapita-
todos rezam juntos. Da oração, tiram jetivos são muitos. Não os digo, minha Igreja» (Mt 16, 18); e a Paulo: do e pensa só em dar a vida, escre-
coragem; da oração, vem uma uni- porque este não é o momento nem o «É instrumento da minha escolha, vendo que quer ser «oferecido como
dade mais forte do que qualquer lugar para repetir os adjetivos que se para levar o meu nome perante os sacrifício» (2 Tim 4, 6). Isto é profe-
ameaça. Diz o texto que, «enquanto ouvem contra os governantes. Deixe- pagãos» (At 9, 15). Assim, a profecia cia …e não palavras. Isto é profecia,
Pedro estava encerrado na prisão, a mos que Deus os julgue! Nós reze- nasce quando nos deixamos provo- a profecia que muda a história.
Igreja orava a Deus, instantemente, mos pelos governantes. Rezemos… car por Deus: não quando gerimos a Amados irmãos e irmãs, Jesus pro-
por ele» (At 12, 5). A unidade é um Precisam da nossa oração. É uma ta- própria tranquilidade, mantendo tu- fetizou a Pedro: «Tu és Pedro, e so-
princípio que se ativa com a oração, refa que o Senhor nos confia. Temo- do sob controle. Não nasce do meu bre esta pedra edificarei a minha
porque a oração permite ao Espírito la cumprido? Ou limitamo-nos a fa- pensamento; não nasce do meu co- Igreja». Existe, também para nós,
Santo intervir, abrir à esperança, en- lar, a insultar? Quando rezamos, ração fechado. Nasce, se nos deixar- uma profecia semelhante; encontra-
curtar as distâncias, manter-nos jun- Deus espera que nos lembremos mos provocar por Deus. Quando o se no último livro da Bíblia, quando
tos nas dificuldades. também de quem não pensa como Evangelho inverte as certezas, brota Jesus promete às suas testemunhas
Notemos outra coisa: naqueles nós, de quem nos bateu a porta na a profecia. Só quem se abre às sur- fiéis «uma pedra branca», na qual
momentos dramáticos, ninguém se cara, das pessoas a quem nos custa presas de Deus é que se torna profe- «estará gravado um novo nome» (Ap
lamenta do mal, das perseguições, perdoar. Só a oração desata as alge- ta. Vemo-lo em Pedro e Paulo, pro- 2, 17). Como o Senhor transformou
de Herodes. Ninguém insulta Hero- mas, como a Pedro; só a oração dei- fetas que enxergam mais além: Pe- Simão em Pedro, assim chama a ca-
des; e nós estamos tão habituados a xa livre o caminho para a unidade. dro é o primeiro a proclamar que Je- da um para fazer de nós pedras vi-
insultar os responsáveis. É inútil, e Neste dia, benzem-se os pálios sus é «o Messias, o Filho de Deus vas, com as quais construir uma
até chato, que os cristãos percam que serão entregues ao Decano do vivo» (Mt 16, 16); Paulo antecipa a Igreja e uma humanidade renovadas.
tempo a lamentar-se do mundo, da Colégio Cardinalício e aos Arcebis- conclusão da sua vida: «Já me Há sempre quem destrua a unidade
sociedade, daquilo que está errado. pos Metropolitas nomeados no de- aguarda a merecida coroa, que me e quem apague a profecia, mas o Se-
As lamentações não mudam nada. correr do último ano. O pálio recor- entregará, naquele dia, o Senhor» (2 nhor acredita em nós e pede-te: «Tu
Lembremo-nos de que as lamenta- da a unidade entre as ovelhas e o Tim 4, 8). queres ser construtor de unidade?
ções são a segunda porta que fecha- Pastor que, como Jesus, carrega a Hoje precisamos de profecia, mas Queres ser profeta do meu céu na
mos ao Espírito Santo, como vos ovelha aos ombros e nunca mais a de verdadeira profecia: não discursos terra?» Irmãos e irmãs, deixemo-nos
disse no dia de Pentecostes: a pri- larga. Além disso, segundo uma bela que prometem o impossível, mas tes- provocar por Jesus e ganhemos a co-
meira é o narcisismo, a segunda o tradição, hoje unimo-nos de maneira temunhos de que o Evangelho é ragem de Lhe dizer: «Sim, quero»!
página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de junho de 2020, número 26

«Este é o momento de valorizar toda»


a «energia positiva que foi investida»:
eis a recomendação do Papa Francisco
aos representantes das áreas italianas
mais atingidas pela pandemia da
Covid-19, recebidos em audiência na
manhã de 20 de junho, na sala
Clementina.

Bem-vindos,
prezados irmãos e irmãs!
Agradeço as palavras do Presidente
da Região da Lombardia. Saúdo
cordialmente o Arcebispo de Milão,
os Bispos de Bérgamo, Bréscia, Cre-
mona, Crema e Lodi, bem como as Agradecimento do Papa a médicos e enfermeiros italianos
demais autoridades presentes. Saúdo
os médicos, os enfermeiros, os pro-
fissionais da saúde e da proteção ci-
vil, assim como os alpinos. Saúdo os
Não disperseis a energia positiva
sacerdotes e as pessoas consagradas.
Viestes em representação da Lom-
bardia, uma das regiões italianas
gerada durante a pandemia
mais atingidas pela epidemia da Co-
vid-19, com o Piemonte, a Emília
ra da proximidade e da ternura. E frei Félix, no lazareto, em Manzoni cavam as campainhas das casas:
Romagna e o Véneto, nomeadamen-
vós fostes testemunhas disto, inclusi- [Os noivos, cap. 36]: com que realis- «Precisa de algo? Faço-lhe as com-
te Vo’ Euganeo, aqui representado
ve nos pequenos gestos: nas carí- mo ele olha para a tragédia, para a pras...». Muitas coisas! A proximida-
pelo Bispo de Pádua. Hoje abraço
cias... até com o telemóvel, conec- morte, mas também para o futuro, e de, a criatividade, sem vergonha. Os
idealmente também estas regiões. E
tando aquele idoso que estava pres- vai em frente! presbíteros que permaneceram perto
saúdo os representantes do Hospital
tes a morrer com o filho, com a fi- Deste modo, podemos sair desta do seu povo no cuidado e na parti-
“Spallanzani”, em Roma, uma insti- lha, para se despedir deles, para os
tuição médica que tem feito muito crise espiritual e moralmente mais lha carinhosa e diária: foram um si-
ver pela última vez...; pequenos ges- fortes; e isto depende da consciência nal da presença consoladora de
para combater o vírus. tos de criatividade de amor... Isto e da responsabilidade de cada um Deus. Foram pais, não adolescentes.
Durante estes meses agitados, as fez bem a todos nós. Testemunho de de nós. Não sozinhos, mas juntos e Infelizmente, não foram poucos os
várias realidades da sociedade italia- proximidade e ternura! com a graça de Deus. Como fiéis, que morreram, assim como os médi-
na esforçaram-se por enfrentar a Caros médicos e enfermeiros, o cabe-nos testemunhar que Deus não cos e o pessoal paramédico. E tam-
emergência de saúde com generosi- mundo pôde ver todo o bem que fi- nos abandona, mas em Cristo dá bém entre vós há alguns presbíteros
dade e dedicação. Penso nas institui- zestes numa situação de grande pro- sentido até a esta realidade e ao nos-
ções nacionais e regionais, nos muni- que adoeceram e graças a Deus sara-
vação. Mesmo exaustos, continuastes so limite; que, com a sua ajuda, po- ram. Através de vós, agradeço a to-
cípios; penso nas dioceses e comuni- a trabalhar com profissionalismo e demos enfrentar as provações mais
dades paroquiais e religiosas; nas do o clero italiano, que deu provas
abnegação. Quantos médicos e para- árduas. Deus criou-nos para a comu- de coragem e amor ao povo.
numerosas associações de voluntaria- médicos, enfermeiros, não podiam ir nhão, para a fraternidade, e agora
do. Sentimos mais viva do que nun- para casa, e dormiam onde podiam, mais do que nunca demonstrou-se Queridos irmãos e irmãs, renovo a
ca a gratidão pelos médicos, enfer- pois no hospital não havia camas! E ilusória a pretensão de apostar tudo cada um de vós e a quantos repre-
meiros e todos os profissionais da isto gera esperança. O senhor [diri- em nós mesmos — é ilusório! — para sentais, o meu profundo apreço pelo
saúde, na linha da frente no cumpri- ge-se ao Presidente da Região] falou fazer do individualismo o princípio- que fizestes nesta situação difícil e
mento de um serviço árduo e por de esperança. E isto gera esperança. guia da sociedade. Mas estejamos complexa. A Virgem Maria, venera-
vezes heroico. Foram sinal visível de Fostes um dos pilares de todo o atentos, pois assim que passar a da nas vossas terras em numerosos
humanidade que aquece o coração. país. A vós aqui presentes e aos vos- emergência, é fácil escorregar, é fácil santuários e igrejas, vos acompanhe
Muitos deles adoeceram e alguns in- sos colegas de toda a Itália dirijo a cair de novo nesta ilusão. É fácil es- e vos ampare sempre com a sua pro-
felizmente faleceram no exercício da minha estima e o meu agradecimen- quecer rapidamente que precisamos teção maternal. E não vos esqueçais
profissão. Recordemo-los na oração to sincero, e bem sei que interpreto dos outros, de alguém que cuide de que, com o vosso trabalho, todos
e com muita gratidão. os sentimentos de todos. nós, que nos infunda coragem. Es- vós, médicos, paramédicos, voluntá-
No turbilhão de uma epidemia Este é o momento de valorizar to- quecer que todos nós precisamos de rios, sacerdotes, religiosos e leigos,
com efeitos impressionantes e ines- da a energia positiva que foi investi- um Pai, que nos estenda a mão. fizestes isto, destes início a um mila-
perados, a presença confiável e gene- da. Não vos esqueçais! É uma rique- Orar a Ele, invocá-lo, não é ilusão; gre. Tende fé e, como disse aquele
rosa do pessoal médico e paramédi- za que, em parte, certamente, aca- ilusão é pensar em viver sem Ele! A alfaiate, que teria sido um bom teó-
co constituiu um ponto de referência bou em “fundo perdido”, no drama oração é a alma da esperança. logo: “Nunca soube que Deus tenha
seguro, antes de mais nada para os da emergência; mas em grande parte Nestes meses, as pessoas não pu- começado um milagre sem o ter aca-
doentes, mas de forma muito espe- pode e deve dar frutos para o pre- deram participar fisicamente das ce- bado bem» [Manzoni, Os noivos,
cial para os familiares, que neste ca- sente e o futuro da sociedade lom- lebrações litúrgicas, mas não deixa- cap. 24]. Que este milagre por vós
so não tinham a possibilidade de vi- barda e italiana. A pandemia marcou ram de se sentir comunidade. Reza- iniciado acabe bem! Quanto a mim,
sitar os seus entes queridos. E assim profundamente a vida das pessoas e ram individualmente ou em família, continuo a rezar por vós e pelas vos-
encontraram em vós, profissionais da a história das comunidades. Para também através dos meios de comu- sas comunidades, e concedo-vos com
saúde, como que outros familiares, honrar o sofrimento dos doentes e nicação social, unidas espiritualmen- afeto uma especial Bênção Apostóli-
capazes de unir à competência pro- dos numerosos defuntos, especial- te e sentindo que o abraço do Se- ca. E vós, por favor, não vos esque-
fissional atenções que são expressão mente idosos, cuja experiência de vi- nhor ia além dos limites do espaço. çais de rezar por mim, pois preciso
concreta de amor. Muitas vezes os da não deve ser esquecida, há que O zelo pastoral e a solicitude criati- disto. Obrigado!
pacientes sentiam que tinham “an- construir o amanhã: isto requer o es- va dos sacerdotes ajudaram as pes- [Bênção]
jos” ao seu lado, que os ajudavam a forço, a força e a dedicação de to- soas a prosseguir no caminho da fé e
recuperar a saúde e, ao mesmo tem- dos. Trata-se de recomeçar a partir a não permanecer sozinhas diante da Agora, a liturgia da saudação.
po, os confortavam, apoiavam e, às dos inúmeros testemunhos de amor dor e do medo. Esta criatividade sa- Mas devemos ser obedientes às dis-
vezes, acompanhavam até ao limiar generoso e gratuito, que deixaram cerdotal superou algumas, poucas, posições: não vos farei vir aqui, mas
do encontro final com o Senhor. Es- uma marca indelével nas consciên- expressões “adolescentes” contra as irei eu, de passagem, saudar-vos
tes profissionais da saúde, coadjuva- cias e no tecido da sociedade, ensi- medidas da autoridade, que tem a educadamente, como se deve, como
dos pela solicitude dos capelães dos nando quanta necessidade há de obrigação de salvaguardar a saúde as autoridades nos disseram para fa-
hospitais, testemunharam a proximi- proximidade, cuidado e sacrifício pa- do povo. A maioria foi obediente e zer. E assim, como irmãos, saudemo-
dade de Deus a quantos sofrem; fo- ra alimentar a fraternidade e a con- criativa. Admirei o espírito apostóli- nos e oremos uns pelos outros. Pri-
ram artífices silenciosos da cultura vivência civil. E, olhando para o fu- co de muitos sacerdotes, que saíam meiro tiremos a fotografia de grupo
da proximidade e da ternura. Cultu- turo, lembro-me daquele discurso de com o telefone, batiam às portas, to- e depois vou cumprimentar-vos!
número 26, terça-feira 30 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

CATEQUESE

Sobre a oração de David

Se na vida de uma
pessoa faltar a poesia
a sua alma coxeia
«Quando uma pessoa não tem aquela dimensão poética, digamos, quando lhe
falta a poesia a sua alma coxeia». Salientou o Papa na audiência geral de
quarta-feira, 24 de junho, — a última antes das férias de verão — realizada
novamente na biblioteca particular do Palácio Apostólico do Vaticano, sem a
presença de fiéis por causa da pandemia. Continuando o ciclo de catequeses
iniciado em 6 de maio, o Pontífice comentou o Salmo 18, 2-3.29.33,
retomando a oração de David.

Estimados irmãos e irmãs, as, sabe o nome de cada uma delas


bom dia! (cf. Jo 10, 11-18).
No nosso itinerário de catequeses Da sua primeira profissão, David
sobre a oração, hoje encontramos o aprendeu muito. Assim, quando o
rei David. Predileto de Deus desde profeta Natã o repreenderá pelo
menino, foi escolhido para uma seu gravíssimo pecado (cf. 2 Sm 12,
missão única, que assumirá um pa- 1-15), David compreenderá imedia- Portanto, David tem um sonho: que reza, que se arrepende, e read-
pel central na história do povo de tamente que tinha sido um mau ser um bom pastor. Às vezes conse- quire a nobreza graças à oração. A
Deus e da nossa fé. Nos Evange- pastor, que roubara de outro ho- guirá estar à altura desta tarefa, ou- oração confere-nos nobreza: ela é
lhos, Jesus é chamado várias vezes mem a única ovelha que ele amava, tras vezes não; mas o que importa, capaz de assegurar a relação com
“filho de David”; com efeito, como que já não era um servo humilde, no contexto da história da salva- Deus, que é o verdadeiro Compa-
ele, nasce em Belém. Da descen- mas um homem doente de poder, ção, é que ele representa a profecia nheiro de caminho do homem, no
dência de David, segundo as pro- um caçador furtivo que mata e sa- de outro Rei, do qual é apenas meio das numerosas provações da
messas, vem o Messias: um Rei to- queia. anúncio e prefiguração. vida, boas ou más: mas sempre
talmente segundo o coração de Um segundo traço característico Fitemos David, pensemos em com a oração. Obrigado Senhor.
Deus, em perfeita obediência ao presente na vocação de David é o David. Santo e pecador, persegui- Tenho medo Senhor. Ajudai-me
Pai, cuja ação cumpre fielmente o seu espírito de poeta. Desta pequena do e perseguidor, vítima e carnífi- Senhor. Perdoai-me Senhor. David
seu plano de salvação (cf. Catecismo observação deduzimos que David ce, o que é uma contradição. Da- tinha tanta confiança, que quando
da Igreja Católica, 2579). não era um homem vulgar, como vid era tudo isto, ao mesmo tempo. foi perseguido e teve que fugir não
muitas vezes pode acontecer com E também nós, na nossa vida, te- permitiu que o defendessem: “se o
A vicissitude de David começa
indivíduos obrigados a viver pro- mos traços frequentemente opos- meu Deus me humilha deste mo-
nas colinas ao redor de Belém, on- do, ele sabe”, porque a nobreza da
de apascenta o rebanho do pai, longadamente isolados da socieda- tos; na trama da vida, todos os ho-
mens pecam muitas vezes de incoe- oração nos deixa nas mãos de
Jessé. É ainda um rapaz, o último de. Ao contrário, é uma pessoa
rência. Na vida de David existe Deus. Aquelas mãos chagadas de
de muitos irmãos. A ponto que sensível, que gosta da música e do
apenas um fio condutor que confe- amor: as únicas mãos seguras que
quando o profeta Samuel, por or- canto. A cítara acompanhá-lo-á
re unidade a tudo o que acontece: nós temos.
dem de Deus, vai em busca do no- sempre: para elevar um hino de
vo rei, até parece que o seu pai se alegria a Deus (cf. 2 Sm 6, 16), pa- a sua oração. Esta é a voz que
ra expressar um lamento, ou para nunca se apaga. David santo reza; «Estamos a entrar na época das
tinha esquecido daquele filho mais férias. Apesar de todas as medidas de
confessar o próprio pecado (cf. Sl David pecador reza; David perse-
novo (cf. 1 Sm 16, 1-13). Trabalhava segurança relacionadas com a ameaça
51, 3). guido reza; David perseguidor re-
ao ar livre: pensamos nele como de contágio do coronavírus, que este
za; David vítima reza. Até David
amigo do vento, dos sons da natu- O mundo que se apresenta aos seja um tempo sereno de descanso, de
carnífice reza. Este é o fio condu-
reza, dos raios do sol. Só tem uma seus olhos não é uma cena silencio- fruição da beleza da criação e de
tor da sua vida. Um homem de
companhia para confortar a sua al- sa: o seu olhar capta, por detrás do reforço dos laços com os homens e
oração. Esta é a voz que nunca se
ma: a cítara; e nos longos dias de desenrolar dos acontecimentos, um apaga: quer assuma os tons do jú- com Deus». Disse o Papa nas
solidão gosta de tocar e cantar ao mistério maior. A oração nasce pre- bilo, quer os da lamentação, é sem- saudações aos vários grupos, no final
seu Deus. Também brincava com a cisamente dali: da convicção de pre a mesma oração, só muda a da catequese, garantindo em seguida
funda. que a vida não é algo que passa melodia. Agindo assim, David en- uma oração especial pelas vítimas do
Portanto, em primeiro lugar Da- por nós, mas um mistério surpreen- sina-nos a deixar que tudo faça terramoto de Oaxaca no México. A
vid é um pastor: um homem que dente, que em nós suscita a poesia, parte do diálogo com Deus: tanto seguir, a saudação aos fiéis de língua
cuida dos animais, que os defende a música, a gratidão, o louvor, ou a a alegria como a culpa, o amor co- portuguesa.
quando surge o perigo, que lhes dá lamentação e a súplica. Quando a mo o sofrimento, a amizade como De coração saúdo a todos vós,
o sustento. Quando David, por uma pessoa falta essa dimensão a doença. Tudo pode tornar-se pa- amados ouvintes de língua portu-
vontade de Deus, tiver que se preo- poética, digamos, quando lhe falta lavra dirigida ao “Tu” que nos ou- guesa, desejando que eventuais nu-
cupar pelo povo, não realizará a poesia, a sua alma coxeia. Por- ve sempre. vens sobre o vosso caminho não
ações muito diferentes destas. É tanto, segundo a tradição David é David, que conheceu a solidão, vos impeçam jamais de irradiar e
por isso que na Bíblia a imagem o grande artífice da composição na verdade, nunca esteve sozinho! enaltecer a glória e a esperança de-
do pastor é muito recorrente. Tam- dos salmos. No início fazem fre- E no fundo este é o poder da ora- positadas em vós, cantando e lou-
bém Jesus se define “o bom pas- quentemente referência explícita ao ção, em todos aqueles que lhe dão vando sempre ao Senhor em vossos
tor”, o seu comportamento é dife- rei de Israel e a alguns dos aconte- espaço na própria vida. A oração corações, dando graças por tudo a
rente daquele do mercenário; ofere- cimentos mais ou menos nobres da dá-nos nobreza e David é nobre Deus Pai. Assim Deus vos aben-
ce a sua vida pelas ovelhas, guia- sua vida. porque reza. Mas é um carnífice çoe!
número 26, terça-feira 30 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

O Papa e o meu pai Jerusalém


(1996, © Manoocher Deghati)

unidos pelo mesmo sonho


Entrevista a Bernice Albertine King
PIERO DI D OMENICANTONIO
Unidos, mas em todo o mundo. E de mo a define o Papa Francisco? O azul do céu, o verde das vinhas, o
novo, como já tinha feito muitas vezes, Creio que realizar uma “revolução da branco da cal sobre os “trulli”. Hoje
repetiria que não se pode curar a vio- ternura”, como lhe chama o Papa Fran- são as cores do Vale de Itria que en-
lência com a violência, porque esta é — cisco, ou uma “revolução dos valores”, chem os olhos de Manoocher Deghati.
como afirmou — uma espiral que nos como dizia o meu pai, depende da me- Cores muito diferentes daquelas que
arrasta para baixo. Certamente creio dida em que nos apercebemos de que imprimiu no filme e gravou na sua me-
que nos exortaria a abraçar a não-vio- uma revolução como esta implica um mória em mais de quarenta anos de tra-
lência, porque é estratégica, corajosa,
processo de tomada de consciência. balho como fotojornalista para as mais
centrada no amor e organizada, a fim
Devemos aprender a conhecer-nos mais importantes agências de notícias inter-
de construir a Comunidade do Amor, que
uns aos outros, aprender a conhecer as nacionais: o vermelho do sangue dos
Encontro com o Papa Francisco a 12 de março de 2018 inclui a erradicação daquilo a que ele
condições da humanidade, aprender — inocentes, o cinza escuro da fumaça
definia o “Triplo Mal”, isto é, o racis-
citando o meu pai — a “viver juntos co- dos poços de petróleo incendiados no
mo, a pobreza e o militarismo.
mo irmãos e irmãs” e não a morrer jun- deserto, o preto da escuridão da prisão
ALESSANDRO GISOTTI trarmos a nossa atenção em objetivos tos como loucos; e aprender a lutar pa-
estratégicos, seremos certamente mais Após a morte de George Floyd, o Papa das mulheres condenadas à morte.
ra destruir a injustiça e a desumanida- Vencedor de duas World Press Pho-
Conversa com o fotojornalista Manoocher Deghati
A comunidade afro-americana celebrou eficazes na causa da justiça. Francisco fez um vigoroso apelo, subli-
de, sem nos destruirmos uns aos ou- tos, o óscar do fotojornalismo, Deghati
o Juneteenth, dia que comemora o fim nhando que não devemos fechar os olhos
da escravidão, proclamado a 19 de ju-
nho (June Nineteenth) de 1865, quando
Para além do racismo “evidente”, reconhe-
cido em situações trágicas como esta, há
ao racismo. Ao mesmo tempo, recordou que
a violência conduz apenas à autodestrui-
ção. Como interpretou estas palavras, que
tros. Penso que nisto consiste a não-
violência. A “Kingian Nonviolence”, a
que The King Center chama “Nonvio-
começou a sua carreira durante a revo-
lução khomeinista no Irão, país onde
nasceu há 65 anos. Exilado, em seguida
Nas ruínas da guerra, as pessoas diziam-me:
soldados da União chegaram a Galves- outra forma de “racismo que não é notí-
ton, Texas, e decretaram o fim da
Guerra civil. Este aniversário, que para
cia”: o racismo no trabalho, na educação,
nas condições de vida. Nos Estados Uni-
dos, a Covid-19 atingiu muito mais a co-
estão tão fortemente em sintonia com as
do seu pai?
lence365tm”, é uma filosofia de pensa-
mento e de ação, que inclui seis princí-
pios e seis passos, que nos podem guiar
tornou-se um cidadão do mundo por
profissão, narrando com imagens as
principais crises das últimas décadas.
«Os teus olhos são a nossa voz»
milhões de negros na América é reco- Concordo com o Papa Francisco: a nesta revolução.
nhecido como o Freedom Day, foi vivi- munidade afro-americana do que a comu- violência leva apenas à autodestruição. Hoje vive numa aldeia de antigos “trul-
do este ano num clima particular devi- nidade branca. Como será possível derro- Os meios que utilizamos devem ser O movimento “Black Lives Matter” envol- li” entre Bari e Taranto (Itália), que ele Como se narra uma história com uma fo- Um fotógrafo de guerra pode narrar histó- acontece que um jovem que, por exem-
do aos protestos desencadeados pelo tar este racismo “invisível”? coerentes com o objetivo que queremos veu o mundo inteiro. Inúmeras pessoas, es- remodelou, misturando a simpatia e os tografia? rias positivas? plo, esteve na Síria arriscando a vida,
bárbaro assassinato de George Floyd, Antes de mais nada, quero dizer que alcançar, e se este objetivo é a paz, cer- pecialmente jovens, protestam contra o ra- aromas do campo da Apúlia com a Em primeiro lugar, é preciso interes- Sim, mesmo que tenha de descrever regresse com fotografias incríveis, mas
afro-americano, por um agente de polí- é a recusa das pessoas a ver, que leva o tamente não podemos alcançá-la atra- cismo e a discriminação racial em muitas gentileza e os aromas da sua terra na- sar-se pelo que se deseja narrar. É ne- o mal, pois quando fotografa, é como que ninguém quer publicar. «Não te-
cia. Sobre o compromisso com a igual- racismo sistémico e institucional a pare- vés de métodos violentos. E isto está capitais europeias e também noutros paí- tal. «Aqui sinto-me em casa», diz en- cessário conhecer. É preciso saber por se dissesse: «Este é o mal que não deve mos fundos», dizem. E depois vês que
dade, a cultura da paz e o valor da cer invisível. Quanto mais quisermos quanto oferece aos hóspedes uma chá- que motivo se quer contar aquilo. Isto existir». Se eu não estivesse convencido por um mexerico chegam a pagar até
não-violência, “L’Osservatore Romano” ver e fazer mudanças, tanto mais evi- vena de chá preto e gengibre, e mostra é o mais importante. Depois, podes es- disto, não teria desempenhado esta cem mil euros. Há dinheiro, mas não
e Vatican News entrevistaram Bernice dente será a natureza destrutiva e desu- a série de rosários — «nem todos são colher se o queres fazer com uma única profissão. Creio, e sempre acreditei, que para a verdade.
Albertine King, filha de Martin Luther manizante do racismo. Acho que o pri- cristãos», explica, indicando-os ao lado imagem, ou com uma série. Certa vez fotografar, contar histórias, deve ter
King JR. Uma apaixonada ativista dos meiro passo para o derrotar é recusar- da porta do estúdio — que recolheu du- consequências positivas para a socieda- Também os smartphones e as redes sociais
dediquei dois anos para fazer duas re-
direitos humanos, como o seu pai, e mo-nos a fechar os olhos e, ao contrá- rante as suas inúmeras viagens: do Afe- de, deve suscitar uma mudança. influenciaram?
portagens na Turquia para a “National
presidente do King Center em Atlanta, rio, recolher informações sobre este as- ganistão ao Egito, da América Central Geographic”. Trabalhei lá por mais de Ensinei fotografia no mundo inteiro:
Bernice Albertine vê uma grande sinto- sunto e conhecer as raízes, as causas e a Sarajevo, do Iraque à Palestina... co- um mês para entrar na realidade da- Algumas das suas fotos alcançaram este da Guatemala ao Afeganistão, onde
nia entre o seu pai e o Papa Francisco, as manifestações do racismo. A infor- mo indicam as etiquetas colocadas nas quele país. No final, tirei quase mil ro- objetivo. fundei a primeira escola de fotojornalis-
que encontrou duas vezes no Vaticano, mação e a educação são o primeiro e grandes caixas de plástico onde está
em 2018. los de filme — naquela altura, era preci- Algo aconteceu a nível internacional, mo, aberta inclusive às mulheres. Na
segundo passos da Mudança Social conservado o arquivo de negativos e so contar os rolos! — e foram publica-
Não Violenta. Então penso que deve- diapositivos. quando alguns jornais publicaram foto- verdade, sempre pensei que uma histó-
Não só os Estados Unidos, mas o mundo das trinta fotografias. À France Presse grafias que mostravam atrocidades co- ria pode ser contada melhor por aque-
ríamos comprometer-nos a cumprir o ou à Associated Press, eu prestava ser-
inteiro ficou chocado com a morte de que no seu livro Where Do We Go From O senhor leu a mensagem do Papa Fran- metidas por regimes autoritários. Na- les que a vivem, do que por nós, envia-
George Floyd. Pensa que desta vez aquela viços fotográficos. Assim, eu dedicava quela altura, ninguém podia dizer que
Here: Chaos or Community? foi definido cisco para o Dia das comunicações sociais dos, que moramos em Nova Iorque ou
mudança, que já deveria ter acontecido todas as minhas energias para poder ti- não sabia.
pelo meu pai como “a nossa tarefa in- deste ano? Fala sobre a necessidade de em Paris, e que passamos lá uma sema-
após tantas mortes de afro-americanos, rar “a” fotografia, aquela que podia
cómoda”: disse que devemos «descobrir narrar, portanto, fala também de si. na. Hoje em dia a situação está a mu-
pode finalmente ocorrer? como organizar a nossa força num po- conter todas as informações, todos os Como está a mudar a sua profissão?
elementos necessários para que também dar rapidamente. A difusão dos smart-
Penso que o mundo já estava sob der irresistível, a fim de que o governo Os jornalistas, sobretudo os fotojor- phones faz com que, da Amazónia às
(e outras instituições e sistemas de po- Sim, a mensagem do Papa coincide os outros entendessem o que acontecia
tensão suficiente devido à pandemia de diante dos meus olhos. E para transmi- nalistas, assustam o poder. Ora dispa- grandes capitais europeias, haja sempre
Covid-19 e por isso o vídeo que mos- der) já não possam eludir as nossas exi- com a minha vida. Contar histórias é a alguém pronto para tirar uma fotogra-
Bernice Albertine e seu pai Martin Luther King (fotógrafo: Flip Schulke)
minha paixão como fotojornalista. His- tir uma mensagem. ram contra nós, ora prendem-nos. Mas
trou como George Floyd foi assassina- gências». fia. Quando comecei a trabalhar, éra-
a melhor maneira de nos impedir foi
do de forma tão cínica e cruel tornou- tórias bonitas, mas também tristes. De mos talvez uma centena de fotojornalis-
E qual é a sua mensagem? cortar o financiamento da informação:
se uma verdadeira e incisiva acusação Há 57 anos, o seu pai pronunciou o histó- sem dúvida em sintonia com o pensa- ses. Quais são as suas esperanças para o qualquer maneira, histórias verdadeiras,
sem dinheiro não se pode viajar, não se tas no mundo inteiro. Hoje contam-se
contra a América e o mundo. Milhões rico discurso “I have a dream” — “Tenho mento do meu pai. Ele afirmava — por- futuro? Acha que todos seremos capazes de como revoluções, guerras, catástrofes Quando eu estava em zonas de guer- pode ir ver. Tudo começou há mais de biliões de fotógrafos. É incrível! Já não
parecem ter-se apercebido, em todo o um sonho”. Este sonho ainda parece longe que acreditava, como eu — que “a não- dar um passo em frente no desafio da fra- naturais. A fotografia existe há 150 anos ra, sentia sempre que a minha função
de se realizar, mas todos dizem que a ele vinte anos, com uma decisão editorial se pode esconder nada. Todos somos
mundo — como o meu pai costumava violência é a resposta aos problemas ternidade humana? mas, como diz o Papa, o homem viveu era denunciar o horror da guerra, pois
não se pode renunciar. O que faria o seu tomada a nível mundial. Assim, hoje testemunhas. E no momento em que
dizer — que estamos perante a urgência políticos e morais cruciais do nosso sempre de narrações. No início, reunía- odeio guerras. Sentia que este era o
pai hoje, numa situação como a que esta- Estou confiante de que conseguire- compartilhamos estas imagens, deixa-
feroz do “agora”. As forças da ordem, tempo”. No seu último discurso — “Eu mo-nos em volta de uma fogueira. De- meu dever. E a fotografia é o instru-
mos a viver? mos mobilizar as nossas energias para pois começamos a gravar grafites nas mos de ser testemunhas silenciosas. O
bem como organizações e associações subi ao topo da montanha” — que pro- mento mais eficaz para transmitir esta
nos concentrarmos no objetivo último, paredes das grutas. Agora dispomos de exemplo mais recente é o assassinato de
de caráter religioso dirigem-se aos líde- Penso que o meu pai se orientaria feriu na noite anterior ao seu assassina- mensagem. É uma linguagem universal,
que é construir a Comunidade do Amor, meios que nos permitem partilhar as George Floyd, em Minneapolis. As
res negros para obter uma resposta à pela sua filosofia da não-violência, em to, disse: «Já não se trata de escolher que todos podem compreender. Não há
pergunta: “Que devo fazer para ser sal- entre a violência e a não-violência no que não é uma utopia. Como dizia a nossas imagens com milhões, biliões de imagens da sua morte não foram feitas
sintonia com o seu seguimento de Cris- necessidade de meios culturais específi-
vo?”. Algumas associações fornecem re- nosso mundo; agora é uma questão de minha mãe, Coretta Scott King, a Co- pessoas. Temos uma grande oportuni- por um profissional. No entanto, tive-
to. Acho que nos recordaria como che- cos para entender uma imagem. Esta é
cursos incríveis às organizações, cujo escolher entre a não-violência e a não- munidade do Amor é a visão realista de dade e devemos saber utilizá-la para ram um efeito inacreditável a nível pla-
gamos a este ponto, a história de vio- a força da fotografia!
trabalho está centrado na justiça social lência, racismo e injustiça que permeia existência. Chegamos a este ponto». É uma sociedade que pode ser construí- suscitar esperança, para encorajar rea- netário, mobilizando milhões de pes-
e na igualdade racial. Outras organiza- a nossa nação e aquilo a que ele cha- o mesmo ponto em que nos encontra- da, de uma sociedade em que existem ções positivas, ainda que tenhamos de soas contra o racismo. Trata-se de um
Qual é a sua relação com as pessoas que
ções perguntam como criar um clima mava a “casa- mundo”. Em seguida, mos ainda hoje. Estamos perante a es- problemas e conflitos, mas que podem narrar histórias horríveis. Não tem sen- bom exemplo do modo como as ima-
fotografa?
cultural que leve a uma verdadeira abordaria os jovens para apoiar o seu colha entre o caos e a comunidade. Se ser resolvidos de forma pacífica e sem tido contar apenas boas histórias. Mas gens podem mudar o mundo. E agora
igualdade racial, desde o nível de ges- compromisso de protesto, com estraté- abraçarmos a violência, escolheremos o rancor. Na Comunidade do Amor, o cui- A relação com os outros é muito im- este poder está no bolso de todos.
quando se narram histórias negativas, é
tão até às empresas que favorecem o gias de apoio à organização e mobiliza- caos, que acabará por levar à autodes- dado e a compaixão guiam as iniciati- portante. Não é suficiente ir a um lu-
preciso fazê-lo para denunciar a malda-
trabalho das minorias. Muitos departa- ção para promover uma mudança social truição da nossa “casa-mundo”. Se vas políticas que apoiam a erradicação gar, levantar a máquina e fazer um cli- Esta é a força das imagens.
de.
mentos de polícia reexaminam as suas sustentável e não violenta. Depois, pe- abraçarmos a não-violência, poderemos global da pobreza e da fome, bem co- que. Não é assim que funciona! É pre-
mo de todas as formas de preconceito e ciso deixar sempre claro quais são as Inclusive a fotografia do Papa, sozi-
políticas; alguns deles já começaram a diria aos “influencers” na política, arte, progredir na construção de um mundo Esta “paixão” levou-o a arriscar a vida,
reconsiderar o modo como se pode e se mais justo, igualitário, humano e pacífi- violência. Se este for o nosso objetivo tuas intenções. Se quiseres contar a his- nho na praça de São Pedro, que reza
meios de comunicação social, entreteni- como aconteceu no dia 26 de setembro de
deve levar a cabo tal compromisso nas mento, justiça penal, cuidados de saúde co. comum, determinado e definitivo, en- tória deles de modo honesto, verás que pela libertação do mundo da pande-
1996 em Ramallah quando, durante os mia, tem um poder extraordinário. Por-
comunidades, além da atividade de vi- e educação para garantir a igualdade e tão creio que poderemos enveredar pe- te abrirão todas as portas. Muitas ve-
conflitos entre palestinos e soldados israeli- que não se trata de uma imagem cons-
gilância, incluindo a preocupação pelos a justiça entre as raças. Pediria também Martin Luther King disse: a justiça, “na lo caminho da não-violência para o al- zes, especialmente em zonas de guerra,
tas, o senhor foi gravemente ferido por um truída, mas é a verdade. Naquela praça,
serviços sociais. Creio que desta vez as às Igrejas que conformem a sua profis- sua melhor forma, é o amor que corrige cançar. Temos a capacidade e a enorme ouvi dizer: «Vai, fotografa! Mostra ao
francoatirador. até alguns dias antes apinhada de fiéis,
reações e respostas serão mais amplas e são de fé com obras que criem circuns- tudo o que é contrário ao amor”. Este é o paixão para o fazer. Agora devemos mundo como sofremos. Os teus olhos
entusiastas, e haverá mais brancos do tâncias justas e iguais para os negros, cerne da mensagem da não-violência, per- pôr em ação toda a nossa força de von- Se és fotógrafo, para contar uma his- são a nossa voz!». E quando isto acon- o Papa quis dizer com força: «Eis-me
que nunca que se unirão aos protestos. para as comunidades economicamente sonificada pelo seu pai. Como podemos tade para construir a Comunidade do tória deves estar no centro da ação. E tece, significa que conseguiste fazer al- Um fotógrafo de rua em Kabul aqui. Embora não possais vir, eu estou
Se estivermos mais unidos e concen- marginalizadas, não só nos Estados construir uma “revolução da ternura”, co- Amor. isto tem o seu preço a pagar. go realmente positivo. (2002, © Manoocher Deghati) convosco». Esta é a mensagem!
página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de junho de 2020, número 26

A declaração “Nostra aetate”

E o Concílio abriu o caminho


ao diálogo com as religiões
ANDREA TORNIELLI O raio de verdade Paulo VI e os “confessores palavra e a ação num mundo cada
que as outras religiões refletem da fé muçulmana” vez mais secularizado e por vezes
A declaração conciliar Nostra aetate, ateu».
aprovada pelos padres do Vaticano Na parte inicial da Nostra aetate Entre as medidas significativas to-
II e promulgada por Paulo VI a 28
são citados o hinduísmo e o budis- madas nos anos seguintes pelos
mo e em geral as outras religiões, Pontífices em diálogo com o mundo Em Assis com João Paulo e Bento
de outubro de 1965, marcou uma vi-
explicando que «de igual modo, as islâmico estão as palavras pronuncia- No ano seguinte, a 27 de outubro
ragem irreversível nas relações entre
outras religiões que existem no mun- das em julho de 1969 por Paulo VI de 1986, o Pontífice convocou repre-
a Igreja católica e o judaísmo, na se-
do procuram de vários modos ir ao no Uganda, quando o Papa prestou sentantes das religiões do mundo em
quência dos passos dados por João
encontro das inquietações do cora- homenagem aos primeiros mártires Assis para rezar pela paz ameaçada,
XXIII, e alterou significativamente a
ção humano, propondo caminhos, cristãos africanos fazendo uma com-
abordagem do catolicismo em rela- um encontro que se tornou um sím-
isto é, doutrinas e normas de vida e paração que também associava os
ção às religiões não cristãs. É consi- bolo de diálogo e de compromisso
também ritos sagrados. A Igreja ca- crentes muçulmanos ao martírio so-
derado um texto fundador para o comum entre crentes de diferentes
tólica nada rejeita do que nessas reli- frido pelos soberanos das tribos lo-
diálogo com outras confissões reli- religiões. «A reunião de tantos líde-
giões existe de verdadeiro e santo. cais. «Temos a certeza de que esta-
giosas, resultado de um longo traba- res religiosos para rezar é, em si
Olha com sincero respeito esses mo- mos em comunhão convosco», disse,
lho redatorial. mesma, um convite para que o mun-
dos de agir e viver, esses preceitos e dirigindo-se aos representantes da fé
do de hoje tome consciência de que
doutrinas que, embora se afastem islâmica na nunciatura de Campala,
existe outra dimensão da paz e outra
Relação única em muitos pontos daqueles que ela «quando imploramos o Altíssimo,
forma de a promover, que não é o
própria segue e propõe, todavia, re- para que desperte no coração de to-
entre cristianismo e judaísmo resultado de negociações, compro-
fletem não raramente um raio da dos os crentes em África o desejo de
missos políticos ou negociações eco-
A parte central do documento diz verdade que ilumina todos os ho- reconciliação, de perdão tantas vezes
nómicas. Mas o resultado da oração
respeito ao judaísmo: «Sondando o mens». recomendado no Evangelho e no Al-
que, apesar da diversidade das reli-
mistério da Igreja, este sagrado Con- corão». O Papa Montini acrescen-
giões, exprime uma relação com um
cílio recorda o vínculo com que o tou: «E como não associar o teste-
A estima pelos crentes do Islão poder supremo que ultrapassa as
povo do Novo Testamento está espi- munho de piedade e fidelidade dos
nossas capacidades humanas». Cele-
ritualmente ligado à descendência de Um parágrafo importante é dedi- mártires católicos e protestantes à
memória daqueles confessores da fé brando em Assis o 25º aniversário
Abraão... Sendo assim tão grande o cado à fé muçulmana. «A Igreja desse acontecimento, Bento XVI ad-
património espiritual comum aos olha também com estima para os muçulmana, cuja história nos recor-
da que foram os primeiros, em 1848, vertiu contra a ameaça representada
cristãos e aos judeus, este sagrado muçulmanos. Adoram eles o Deus pelo abuso do nome de Deus para
Único, vivo e subsistente, misericor- a pagar com a vida por se recusarem
Concílio quer fomentar e recomen- justificar o ódio e a violência, citan-
dioso e omnipotente, criador do céu a transgredir as prescrições da sua
dar entre eles o mútuo conhecimen- do a este respeito o uso da violência
e da terra, que falou aos homens e a religião?».
to e estima, os quais se alcançarão perpetrado pelos cristãos ao longo
sobretudo por meio dos estudos bí- cujos decretos, mesmo ocultos, pro- da história («reconhecemo-lo, cheios
blicos e teológicos e com os diálogos curam submeter-se de todo o cora- “Descendentes de Abraão” de vergonha»), mas também obser-
fraternos». Palavras que representam ção, como a Deus se submeteu vou que «o “não” a Deus produziu
Abraão, que a fé islâmica de bom Em novembro de 1979, ao encon-
o reconhecimento das raízes judaicas crueldade e uma violência sem medi-
grado evoca. Embora sem o reco- trar-se com a pequena comunidade
do cristianismo e da relação única da, que foi possível só porque o ho-
nhecerem como Deus, veneram Jesus católica em Ancara, João Paulo II
que existe entre fé cristã e judaísmo, mem deixara de reconhecer qualquer
como profeta, e honram Maria, sua reafirmou a estima da Igreja pelo Is-
como João Paulo II assinalou em norma e juiz superior, mas tomava
mãe virginal, à qual por vezes invo- lão e disse que «a fé em Deus, pro-
abril de 1986, quando visitou a Sina- por norma somente a si mesmo. Os
cam devotamente. Esperam pelo dia fessada pelos descendentes espiri-
goga em Roma. Um tema sobre o tuais de Abraão — cristãos, muçul- horrores dos campos de concentra-
qual refletiu também enquanto teó- do juízo, no qual Deus remunerará ção mostram, com toda a clareza, as
manos e hebreus — quando é vivida
logo Joseph Ratzinger que, como todos os homens, uma vez ressusci- consequências da ausência de
tão sinceramente que penetre a vida,
bispo de Roma, em visita à Sinago- tados. Têm, por isso, em apreço a D eus».
torna-se princípio seguro da digni-
ga da capital em janeiro de 2010, re- vida moral e prestam culto a Deus,
dade, da fraternidade e da liberdade
cordou que «a doutrina do Concílio sobretudo com a oração, a esmola e
dos homens, e causa determinante Do Concílio ao documento
Vaticano II» representou para os ca- o jejum».
de retidão no comportamento moral de Abu Dhabi
tólicos «um ponto firme ao qual fa- e na vida em sociedade. Mais: como
zem referência constante na atitude consequência desta fé em Deus cria- A declaração conciliar Nostra aeta-
e nas relações com o povo judeu, dor e transcendente, o homem en- te conclui-se com um parágrafo de-
marcando uma etapa nova e signifi- contra-se no vértice da criação». dicado à “Fraternidade universal”:
cativa. O acontecimento conciliar «Não podemos, porém, invocar
deu um impulso decisivo no com- Deus como Pai comum de todos, se
promisso de se percorrer irrevogavel-
O discurso em Casablanca nos recusamos a tratar como irmãos
mente um caminho de diálogo, fra- Um marco neste caminho é repre- alguns homens, criados à Sua ima-
ternidade e amizade». sentado por outro discurso de João gem. De tal maneira estão ligadas a
Paulo II, proferido em agosto de relação do homem a Deus Pai e a
1985 em Casablanca, Marrocos, sua relação com os outros homens
Acaba a acusação de deicídio diante de jovens muçulmanos. seus irmãos, que a Escritura afirma:
contra o povo judeu «Cristãos e muçulmanos — disse o “quem não ama, não conhece a
Papa Wojtyła naquela ocasião — te- D eus”. Carece, portanto, de funda-
Outra declaração decisiva no do- mento toda a teoria ou modo de
mos muitas coisas em comum, como
cumento diz respeito à condenação proceder que introduza entre ho-
crentes e como homens. Vivemos no
do antissemitismo. Além de deplorar mem e homem ou entre povo e po-
mesmo mundo, sulcados por muitos
«os ódios, perseguições e manifesta- sinais de esperança, mas também vo qualquer discriminação quanto à
ções de antissemitismo, seja qual for por muitos sinais de angústia. dignidade humana e aos direitos que
o tempo em que isso sucedeu e seja Abraão é para nós o mesmo modelo dela derivam». Esta tradição é recor-
quem for a pessoa que isso promo- de fé em Deus, de submissão à sua dada no documento sobre a Frater-
veu contra os judeus», a declaração vontade e de confiança na sua bon- nidade humana assinado pelo Papa
do Concílio explica que a responsa- dade. Nós acreditamos no mesmo Francisco e pelo Grão Imame de Al-
bilidade pela morte de Jesus não de- Deus, o único Deus, o Deus vivo, o Azhar, Ahmad Al-Tayyeb a 4 de fe-
ve ser atribuída a todos os judeus. Deus que cria os mundos e leva as vereiro de 2019, em Abu Dhabi, es-
«Ainda que as autoridades dos ju- suas criaturas à perfeição». João crito «Em nome de Deus, que criou
deus e os seus sequazes urgiram a Paulo II recordou que «hoje o diálo- todos os seres humanos iguais nos
condenação de Cristo à morte não go entre cristãos e muçulmanos é direitos, nos deveres e na dignidade
se pode, todavia, imputar indistinta- necessário como nunca. Ele deriva e os chamou a conviver entre si co-
mente a todos os judeus que então da nossa fidelidade a Deus e supõe mo irmãos, a povoar a terra e a es-
viviam, nem aos judeus do nosso que sabemos reconhecer Deus atra- palhar sobre ela os valores do bem,
tempo». vés da fé e testemunhá-lo mediante a da caridade e da paz».
número 26, terça-feira 30 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

No 60º aniversário do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos

O ecumenismo guiado pelo Espírito


BRIAN FARRELL* ecuménico e que, ao que nos parece,
envolve um desafio ecuménico capi-
Há sessenta anos, um inspirado ato tal para o futuro: o próprio conceito
do Santo Papa João XXIII deu início de diálogo.
a uma mudança que imediatamente
ganhou força e determinou uma no-
va direção na vida concreta da Igreja A metodologia do diálogo
católica em relação a outras Igrejas e que amadurece
Comunhões cristãs. A instituição do Já em 1965, quando o então secre-
Secretariado para a Unidade dos tariado para a promoção da unidade
Cristãos (agora Pontifício Conselho dos cristãos estava prestes a pôr em
para a Promoção da Unidade dos prática o convite expresso pelo Con-
Cristãos) era parte integrante dessa cílio Vaticano II para estabelecer re-
atualização, da qual o catolicismo há lações ecuménicas com outras igrejas
muito necessitava. O Secretariado, e comunhões eclesiais, o grupo mis-
sob a chefia do seu primeiro presi- to de trabalho (GMT) entre a igreja
dente, cardeal Augustin Bea, foi en- católica e o Concílio ecuménico das
carregado de trazer para a agenda igrejas estudava a questão da meto-
do Concílio, entre outras, a questão dologia a seguir no diálogo ecumé-
urgente de superar as divisões e riva- nico. Em 1967, o GMT publicou os
lidades seculares no mundo cristão, resultados desta reflexão num docu-
e o restabelecimento daquela unida- mento de trabalho (cf. Service d’in-
de desejada pelo próprio Senhor: Ut formations, 1967/3, p. 27). Três anos
unum sint (Jo 17, 21). Esta tarefa pe- mais tarde, o Secretariado para a Vitral sobre o Pentecostes, obra do Ir. Éric de Saussure na igreja da Reconciliação em Taizé
culiar apresentou-se como um desa- Promoção da Unidade dos Cristãos
fio muito difícil. Para que os católi- produziu também um texto que con-
cos pudessem participar no movi- tinha «reflexões e sugestões relativas mensão. De facto, a encíclica inscre- pastor, o Papa Bento XVI contribuiu
mento ecuménico, que já estava a ser ao diálogo ecuménico» (cf. ibidem, ve o diálogo no contexto de uma vi- ainda mais para aprofundar o con-
estruturado entre protestantes e orto- 1970/IV, p. 5). Os dois documentos, são antropológica profunda: o diálo- ceito de diálogo. Em primeiro lugar,
doxos, era necessária uma mudança na sua complementaridade, propor- go não é apenas uma troca de deixou claro que a troca de dons
radical de perspetiva sobre a Igreja, cionam uma base sólida e uma refe- ideias, mas é um dom de si próprio ecuménicos não pode ser o resultado
bem como acerca da natureza e do rência útil aos comités de diálogo ao outro, feito de forma recíproca de vantagens e desvantagens de
valor de outras comunidades cristãs. desde há várias décadas. Com o pas- como uma ação existencial. Antes de ponderação, a fim de se chegar a um
Esquecemos facilmente que a grande sar do tempo, porém, surgiu a ne- falar do diálogo como forma de su- compromisso. Esta forma de pensar
maioria dos bispos reunidos na Basí- cessidade de um maior esclarecimen- perar desacordos, a encíclica subli- e de operar seria um equívoco políti-
lica de São Pedro a 11 de outubro de to do conceito de diálogo. De facto, nha a sua dimensão vertical. O diá- co de fé e de ecumenismo. Diante
1962 para iniciar o Concílio, por ambos os documentos parecem osci- logo não se realiza simplesmente a do grande problema da ausência de
causa da sua formação, estavam con- lar entre duas noções de diálogo: nível horizontal, mas tem em si uma Deus na sociedade, o Papa Bento
vencidos de que fora da Igreja cató- por um lado, o diálogo entendido dinâmica transformadora como ca- XVI convidou-nos a ler toda a tarefa
lica só havia cisma e heresia. como a busca comum de uma com- minho de renovação e conversão, ecuménica não em termos de uma
O grande milagre, um dom epo- preensão mais profunda da verdade um encontro não só erudito mas secularização tática da fé, mas em
cal de Deus à Igreja, consistiu no numa tentativa de chegar a um acor- também espiritual que permite «um termos de uma fé repensada e vivida
facto que, em quatro anos de Concí- do; por outro, o diálogo visto como intercâmbio de dons» (nn. 28 e 57). de uma forma nova, através da qual
lio, esses mesmos bispos chegaram a um esforço para manifestar e expres- Portanto, o diálogo requer necessa- Cristo, e com Ele o Deus vivo, entra
uma visão da Igreja profundamente sar a comunhão real, embora incom- riamente um exame de consciência e neste nosso mundo de hoje. De fac-
renovada, que naquele momento e pleta, que já existe entre comunida- uma purificação do coração e da me- to, os dons ecuménicos entre os cris-
mesmo mais tarde pode ter parecido des divididas com base na graça ba- mória, levando a um reconhecimento tãos não são apenas ideias e estrutu-
uma novidade preocupante, mas tismal comum e outros elementos da mútuo e à superação dos “pecados ras eclesiais, mas são essencialmente
que, de facto, mais não era do que a Igreja fundada pelo Senhor. contra a unidade”, tanto pessoais co- «uma penetração cada vez mais pro-
reapropriação de dinâmicas eclesiais A questão crucial era se o diálogo mo sociais e estruturais. «A dimen- funda na fé através do pensamento e
firmemente enraizadas na mais pura é fundamentalmente um discurso são vertical do diálogo reside no re- da vida», aos quais, juntos, devemos
tradição da Igreja de sempre. Nesta teológico, na esperança de descobrir conhecimento comum e mútuo da dar continuidade. Segundo Bento
renovada visão eclesiológica, os Pa- que se está de acordo sem o ter co- nossa condição de homens e mulhe- XVI, é necessário ir além da era con-
dres conciliares reconheceram que as nhecido previamente, ou se é a aqui- res que pecaram. É precisamente isto fessional em que se olha sobretudo
outras Igrejas e Comunhões cristãs sição de um “suplemento da Igreja” que abre nos irmãos e irmãs que vi- para o que separa, para entrar na era
«no mistério da salvação não são de que talvez esteja na sombra mas que vem em comunidades não em plena da comunhão «nas grandes directri-
modo algum desprovidas de sentido o diálogo traz à luz e que permite comunhão entre eles aquele espaço zes da Sagrada Escritura e nas pro-
e valor» (Unitatis redintegratio, 3). que os parceiros se descubram mais interior no qual Cristo, fonte da uni- fissões de fé do cristianismo antigo»
Na verdade, «o Espírito de Cristo próximos do que pensavam, porque dade da Igreja, pode agir eficazmen- e «no compromisso comum em prol
não se recusa a usá-las como instru- têm o mesmo dom comum da graça. te, com toda a força do seu Espírito, da ética cristã face ao mundo» (cf.
mentos de salvação» (ibidem). Con- Nesta base, o diálogo tem dado o Paráclito» (n. 35). Discurso no encontro com os represen-
sequentemente, o dever de restabele- muitos frutos. No entanto, permane- O diálogo pressupõe, portanto, tantes do Conselho da Igreja Evangéli-
cer a unidade dos discípulos de ceu principalmente ao nível acadé- um verdadeiro desejo de reforma, ca na Alemanha, Erfurt, 23 de setem-
Cristo revelou-se como um requisito mico, como um intercâmbio de devido a uma fidelidade mais radical bro de 2011).
indispensável. ideias entre os vários interlocutores. ao Evangelho e à superação de toda Em continuidade com os seus pre-
A história da influência que o Se- Com frequência os acordos alcança- e qualquer vaidade eclesial. Se não decessores, o Papa Francisco falou
cretariado (Pontifício Conselho) teve dos respondiam a questões relacio- queremos que o movimento ecumé- frequentemente do diálogo ecuméni-
sobre estes desenvolvimentos duran- nadas com controvérsias históricas e, nico avance para um declínio irre- co como uma troca de dons. Mas fá-
te e após o Concílio está bem docu- por vezes, havia a impressão de que versível, é necessário que este pro- lo com uma dupla atitude, que se
mentada e é o que recordamos e ce- se tratava de uma questão interna cesso de renovação não seja apenas tornou o estilo do ecumenismo na
lebramos neste sexagésimo aniversá- entre especialistas. Consequentemen- uma questão pessoal, mas que seja época de Francisco: a saudável im-
rio. Ao longo dos anos, as relações te, os progressos pareciam ter pouca também aceite pelas Igrejas e Co- paciência daqueles que pensam que
fraternas com outros cristãos e os relevância para a vida dos fiéis e munidades Eclesiais em diálogo; re- devemos fazer mais, e a convicção
diálogos teológicos destinados a su- eram difíceis de compreender. Por quer coragem por parte de todos, in- de que a unidade dos cristãos exige
perar as divisões multiplicaram-se isso, surgiu a necessidade de aperfei- clusive de nós, católicos. a vontade de aprender uns com os
com abundantes resultados, a ponto çoar o conceito de diálogo para que outros, sem esperar que outros
de transformar profundamente a os resultados pudessem traduzir-se A metodologia aprendam primeiro de nós (cf. Ho-
própria fisionomia do mundo cris- numa experiência concreta de vida milia de 25 de janeiro de 2017). Esta
tão. Aqui, porém, limitamo-nos a eclesial, como testemunho comum e
do diálogo que envolve
atitude ecuménica exige uma elevada
uma breve reflexão sobre um aspeto serviço de amor solidário. Com a convicção de quem sempre visão, teológica e espiritual, da co-
da busca da unidade, que pode pa- Há vinte e cinco anos, na encícli- cultivou amizades entre irmãos e ir- munhão já existente entre os cris-
recer um pouco técnico, mas que ca Ut unum sint, o Papa João Paulo mãs de outras Igrejas e comunidades tãos: «E até quando as divergências
ilustra bem o caminho que o Espíri- II enriqueceu o conceito de diálogo eclesiais, e foi ativo no diálogo ao
to Santo está a abrir ao movimento ecuménico, dando-lhe uma nova di- longo da sua vida como teólogo e CONTINUA NA PÁGINA 10
página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de junho de 2020, número 26

Carta da Congregação para o culto divino


e a disciplina dos sacramentos às Conferências episcopais

Três novas invocações


nas ladainhas lauretanas
O Papa Francisco dispôs que no formulário das ladainhas da Bem-Aventurada
Virgem Maria, conhecida como “lauretanas”, fossem inseridas as invocações
“Mater misericordiae”, “Mater spei” e “Solacium migrantium”. Anuncia isto uma
carta enviada pelo cardeal prefeito e pelo arcebispo secretário da Congregação
para o culto divino e a disciplina dos sacramentos a todos os presidentes das
Conferências episcopais. Publicamos a nossa tradução.

Carta aos presidentes das conferências episcopais sobre as invocações


“Mater misericordiae”, “Mater spei” e “Solacium migrantium”
a inserir nas ladainhas lauretanas
Vaticano, 20 de junho de 2020,
Memória do Imaculado Coração da Bem-Aventurada Virgem Maria
Em.mo,
Peregrina rumo à Santa Jerusalém do céu, para gozar da comunhão insepa-
rável com Cristo, seu Esposo e Salvador, a Igreja percorre os caminhos da
Esperança do novo presidente do Episcopado português história confiando naquela que acreditou na palavra do Senhor. De facto,
sabemos pelo Evangelho que os discípulos de Jesus aprenderam, desde o

Construir uma início, a louvar a “bendita entre as mulheres” e a contar com a sua inter-
cessão materna. Inúmeros são os títulos e as invocações que a piedade cris-
tã, ao longo dos séculos, reservou à Virgem Maria, caminho privilegiado e
humanidade melhor seguro para o encontro com Cristo. Também no tempo presente, marcado
por motivos de incerteza e perplexidade, o devoto recurso a ela, cheio de
afeto e confiança, é particularmente sentido pelo povo de Deus.
Intérprete deste sentimento, o Sumo Pontífice Francisco, acolhendo os
«Devemos construir um mundo que sitivo se esta consciência «fosse desejos expressos, quis dispor que, no formulário das ladainhas da bem-
não seja totalmente igual, que utili- alargada a outras áreas da vida so- aventurada Virgem Maria, chamadas “Lauretanas”, sejam inseridas as invo-
ze toda a riqueza que temos, mas cial, antes de mais à forma de lidar cações “Mater misericordiae”, “Mater spei” e “Solacium migrantium”.
que seja também capaz de sonhar com a crise económica e social que A primeira invocação será colocada após “Mater Ecclesiae”, a segunda
com novos mundos, aprendendo já estamos a atravessar». No entan- depois de “Mater divinae gratiae”, e a terceira após “Refugium peccato-
com todos os esforços que foram to, a superação desta situação exige rum”.
feitos neste momento para construir uma coesão sem precedentes entre Feliz por comunicar a Vossa Excelência tal disposição para conhecimen-
uma humanidade melhor para to- os atores sociais e políticos. «O Es-
to e aplicação, aproveito o ensejo para lhe expressar os meus sentimentos
dos. Este é o desejo expresso pelo tado tem um papel importante — é
de estima.
bispo de Setúbal, José Ornelas Car- reiterado — mas talvez ainda mais
valho, eleito novo presidente da importante seja o da sociedade ci- De Vossa Excelência devotíssimo no Senhor,
Conferência Episcopal Portuguesa vil. Esta crise parece não ter prece- Robert Card. Sarah
que se reuniu em sessão plenária em dentes na sua gravidade e, por con- Prefeito
Fátima de 15 a 17 de junho passado. seguinte, requer um esforço de soli-
No final dos trabalhos foi elabora- dariedade extraordinário». Arthur Roche
do um documento que representa, Quais são, então, as bases a par- Arcebispo Secretário
explicou o prelado, uma reflexão tir das quais recomeçar para recon-
sobre a reconstrução da sociedade siderar o sistema económico? «Pre-
em Portugal após a pandemia do servar o que é bom e corrigir o que
coronavírus. é negativo e injusto — sugerem os
A principal lição a aprender com prelados — como a desigualdade e a O ecumenismo
o sofrimento e a dor causados pela destruição do meio ambiente».
Covid-19, lê-se no documento, «é a Uma oportunidade única, em sínte- guiado pelo Espírito
redescoberta do valor de cada vida se, para dar vida a um projeto «no
humana, pois só esse valor pode qual os valores da solidariedade não
justificar as consequências das me- só movam ações de apoio social, CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 9 cido Sgroi, Verso un ecumenismo
didas tomadas para evitar a propa- mas também penetrem na economia narrativo, em “Quaderni di studi
gação da doença». Juntamente com e no mercado». Só assim será possí- nos separam, reconhecemos que ecumenici”, 37, 2018, p. 11 e s.). Se-
ele, continuam os bispos, foi tam- vel criar empregos «através de mé- pertencemos ao povo dos crentes, à ria uma questão de discernir até
bém reavaliado o valor da missão todos mais rápidos e económicos, mesma família de irmãos e irmãs que ponto as diferenças entre as
dos profissionais de saúde que me- com requisitos estruturais de longo amados pelo único Pai» (Homilia, comunhões podem ser considera-
recem reconhecimento pela atenção prazo que exijam investimentos 25 de janeiro de 2018). Tal ecume- das complementares e não irreme-
dispensada aos doentes. Sobretudo mais consentâneos com os objetivos nismo requer que se renuncie à diavelmente contraditórias. Talvez
pela sua admirável dedicação ao do desenvolvimento sustentável». convicção de que o nosso caminho seja este o desafio capital que irá
cuidado dos idosos, procurando ali- Devemos resistir — advertem — à é o único possível, para começar a determinar o progresso ou o impas-
viar o seu sofrimento e fragilidade. tentação de ver a curto prazo e es- pensar, a julgar e a trabalhar na se do movimento ecuménico nos
Mas se, por um lado, se descobriu a quecer os perigos muito mais graves perspetiva da inteira família cristã, próximos anos. Por outro lado, nos
importância da defesa da vida hu- que podem ocorrer num futuro não onde todos os batizados têm uma seus sessenta anos de vida, o Ponti-
mana, por outro, salientam os prela- tão distante». fé comum, e cada um contribui fício Conselho para a Promoção da
dos, encontramo-nos confrontados A globalização da solidariedade, com os próprios dons de graça em Unidade dos Cristãos dá testemu-
com a sua precariedade. Por isso, portanto, partindo precisamente das benefício dos outros. nho de como o Espírito Santo tem
«ela deve ser também uma oportu- intervenções de saúde pública: por Certamente, nesta perspetiva, orientado incessantemente o cami-
nidade para redescobrir Deus, a exemplo, tornar a futura vacina surge imediatamente uma questão: nho da restauração da unidade dos
quem devemos esta vida e que nos contra a Covid-19 acessível a todos. o que fazer em relação às diferen- cristãos com aspetos e resultados
chama a partilhar com Ele outra Vi- É também isto que os governos da ças entre as diversas Igrejas e Co- surpreendentes. Ele fá-lo-á nova-
da, de plenitude e eternidade». União Europeia são chamados a fa- munhões separadas? Talvez, como mente. «Aquele que está sentado
Outro aspeto dramático causado zer, está escrito no documento, en- sugerem algumas pessoas, após dé- no trono declarou: “Eis que renovo
pela doença infecciosa é o que está frentando um desafio «que pode ser cadas de concentração na redesco- todas as coisas”» (Ap 21, 5).
relacionado com a crise económica, o maior da sua história» e agindo berta do que temos em comum, te-
sublinha o documento. «A pande- como uma verdadeira comunidade, nha chegado o momento de uma *Bispo
mia fez-nos sentir que somos uma onde cada qual sente os dramas que revisão global da metodologia ecu- Secretário do Pontifício Conselho
só família humana e que “estamos afetam os outros como se fossem ménica devido a uma «nova her- para a promoção
todos no mesmo barco”». Seria po- seus. menêutica das diferenças» (cf. Pla- da unidade dos cristãos
número 26, terça-feira 30 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

No dia 20 de junho O saudoso prelado nasceu em Mese-


INFORMAÇÕES Bispo de Copiapó (Chile), o Rev.do
ro, na Itália, no dia 9 de setembro de
1927. Foi ordenado Sacerdote dos fra-
Pe. Ricardo Basilio Morales Galin-
des menores capuchinhos em 5 de de-
do, O. de M., ex-Administrador
zembro de 1954 e recebeu a Ordenação
Apostólico «sede vacante et ad nu-
episcopal a 8 de março de 1986.
tum Sanctae Sedis» da Arquidiocese
A 23 de junho de Puerto Montt. A 13 de junho
De D. Antonio J. Ledesma, S.J., ao D. Ricardo Basilio Morales Galin- D. Philippe Barakat, Arcebispo de
governo pastoral da Arquidiocese do, O. de M. nasceu em San Fernando, Homs, Emesa dos Sírios, na Síria.
Metropolitana de Cagayan de Oro no Chile, a 11 de setembro de 1972, e
(Filipinas). recebeu a Ordenação presbiteral no dia O ilustre Prelado nasceu no dia 1 de
3 de março de 2006. julho de 1952 em Zeidal, Arquiepar-
De D. Luis Armando Tineo Rivera, quia de Homs dos Sírios (Síria). Re-
ao governo pastoral da Diocese de Bispo Auxiliar da Arquidiocese de cebeu a Ordenação sacerdotal em 15 de
Carora (Venezuela). Santo Domingo (República Domini- agosto de 1976 e foi ordenado Bispo a
cana), o Rev.do Pe. José Amable Du- 7 de maio de 2006.
A 24 de junho rán Tineo, do clero da Arquidiocese
De D. Philip Lasap Za Hawng, ao de Santiago de los Caballeros, até A 15 de junho
governo pastoral da Diocese de hoje Reitor do Seminário Nacional
Lashio (Myanmar). «Santo Tomás de Aquino» em Santo D. Anton Schlembach, Bispo Eméri-
Domingo, simultaneamente eleito to de Speyer (Alemanha).
Bispo Titular de Tacia Montana. O saudoso Prelado nasceu em
Nomeações Großwenkheim, na Alemanha, a 7 de
D. José Amable Durán Tineo nasceu
O Santo Padre nomeou: no dia 13 de agosto de 1971, em San fevereiro de 1932. Foi ordenado Presbí-
Audiências José de las Matas, na República Do- tero no dia 10 de outubro de 1956 e
No dia 18 de junho minicana, e foi ordenado Presbítero em recebeu a Ordenação episcopal em 16
O Papa Francisco recebeu em audiên-
cias particulares: Bispo de Civitavecchia-Tarquinia 6 de janeiro de 2000. de outubro de 1983.
(Itália), D. Gianrico Ruzza, até ago-
No dia 18 de junho ra Bispo Titular de Subaugusta e No dia 23 de junho A 23 de junho
Auxiliar da Diocese de Roma. D. Jesus Armamento Dosado, Arce-
O Senhor Cardeal Francesco Monte- Arcebispo Metropolitano de Ca-
negro, Arcebispo de Agrigento (Itá- Bispo Auxiliar da Diocese de San gayan de Oro (Filipinas), D. Jose A. bispo Emérito de Ozamiz, nas Fili-
lia), com o Bispo Coadjutor, D. Cristóbal de Venezuela (Venezuela), Cabantan, até à presente data Bispo pinas.
Alessandro Damiano, e com D. Vin- o Rev.do Pe. Juan Alberto Ayala Ra- de Malaybalay. O ilustre Prelado nasceu no dia 1 de
cenzo Bertolone, Arcebispo de Ca- mírez, do clero da mesma Diocese, setembro de 1939, em Sogod (Filipi-
tanzaro-Squillace. até esta data Vigário Episcopal para No dia 24 de junho nas). Recebeu a Ordenação sacerdotal
o Setor Territorial “Espíritu Santo” e para a Congregação da Missão em 28
Sua Ex.cia o Conde John Cornet Pároco de “Nuestra Señora de los Bispo de Lashio (Myanmar), D. Lu-
d’Elzius, Embaixador da Bélgica, em cas Jeimphaung Dau Ze, S.D.B., até à de maio de 1966 e foi ordenado Bispo
Ángeles” em La Grita, simultanea- a 25 de janeiro de 1978.
visita de despedida. mente eleito Bispo Titular de Rusu- presente data Coadjutor da mesma
bisir. Sede. D. César Bosco Vivas Robelo, Bispo
No dia 19 de junho Emérito de Léon (Nicarágua), por
D. Juan Alberto Ayala Ramírez causa da covid-19.
Na parte da tarde: o Senhor Cardeal nasceu na localidade de San Pedro de Prelados falecidos
Angelo Becciu, Prefeito da Congre- Pregonero, Venezuela, a 15 de novembro O saudoso Prelado nasceu em Ma-
gação para as Causas dos Santos. Adormeceram no Senhor:
de 1973, e foi ordenado Presbítero no saya, na Nicarágua, a 14 de novembro
dia 1 de novembro de 2002. de 1941. Foi ordenado Presbítero em 17
No dia 20 de junho A 12 de junho
de maio de 1970 e recebeu a Ordena-
O Senhor Cardeal Marc Ouellet, No dia 19 de junho D. Lino Garavaglia, Bispo Emérito ção episcopal no dia 21 de novembro de
Prefeito da Congregação para os Membros do Pontifício Conselho de Cesena-Sarsina (Itália). 1981.
Bispos. para os Textos Legislativos, os Se-
Suas Ex.cias os Senhores George nhores Cardeais Luis Antonio G.
Umo Godwin, Embaixador da Nigé- Tagle, Prefeito da Congregação para
ria; e George Sibi, Embaixador da a Evangelização dos Povos; Luis
Índia, ambos em visita de despedi- Francisco Ladaria Ferrer, Prefeito da Congregação para as causas dos santos
da. Congregação para a Doutrina da Fé;
Dominique Mamberti, Prefeito do
No dia 22 de junho Supremo Tribunal da Assinatura Promulgação de decretos
Apostólica; e Joseph Kevin Farrell,
Os Senhores Cardeais Angelo De Prefeito do Dicastério para os Lei-
Donatis, Vigário-Geral para a Dioce- gos, a Família e a Vida. A 19 de junho, o Papa Francisco — ao milagre, atribuído à inter-
se de Roma; e Stanisław Ryłko, Ar- recebeu em audiência o cardeal cessão do venerável servo de Deus
cipreste da Basílica Papal de Santa Arcebispo Metropolitano de Rabaul Angelo Becciu, prefeito da Congre- José Gregório Hernández Cisneros,
Maria Maior; e D. Vincenzo Paglia, (Papua-Nova Guiné), D. Rochus Jo- gação para as causas dos santos.
sef Tatamai, M.S.C., até hoje Bispo leigo; nascido a 26 de outubro de
Presidente da Pontifícia Academia Durante a audiência, o Pontífice 1864 em Isnotú (Venezuela) e fale-
para a Vida. de Kavieng. autorizou a mesma Congregação a cido no dia 29 de junho de 1919 em
Bispo de Duluth (Estados Unidos promulgar os decretos relativos:
Caracas (Venezuela);
No dia 24 de junho da América), o Rev.do Pe. Michel — ao milagre, atribuído à inter-
cessão do venerável servo de Deus — ao martírio da serva de Deus
D. Domenico Cornacchia, Bispo de Mulloy, do clero da Diocese de Ra- Maria Laura Mainetti (no século:
pid City, até à presente data Admi- Mamerto Esquiú, da ordem dos
Molfetta-Ruvo-Giovinazzo-Terlizzi, Teresina Elsa), religiosa professa da
nistrador Diocesano da mesma Se- Frades Menores, Bispo de Córdoba
na Itália. congregação das Filhas da Cruz,
de. (Argentina); nascido a 11 de maio
de 1826 em San José de Piedra Irmãs de Santo André; nascida em
D. Michel Mulloy nasceu a 20 de Blanca (Argentina) e falecido no Colico (Itália) no dia 20 de agosto
Renúncias
maio de 1954, em Mobridge, nos Esta- dia 10 de janeiro de 1883 em La de 1939 e assassinada em Chiaven-
O Sumo Pontífice aceitou a renúncia: dos Unidos da América, e recebeu a Posta de El Suncho (Argentina); na (Itália), por ódio à fé, a 6 de ju-
Ordenação sacerdotal no dia 8 de ju- — ao milagre, atribuído à inter- nho de 2000;
A 18 de junho nho de 1979. cessão do venerável servo de Deus — às virtudes heróicas da serva
De D. Luigi Marrucci, ao governo Bispo de Mandeville (Jamaica), o Francisco Maria da Cruz (no sécu- de Deus Glória Maria de Jesus Eli-
pastoral da Diocese de Civitavec- Rev.do Pe. John Derek Persaud, do lo: João Batista Jordan), sacerdote, zondo García (conhecida como Es-
chia-Tarquinia (Itália). clero de Georgetown (Guiana), até fundador da Sociedade do Divino
perança), superiora-geral da Con-
esta data Vigário-Geral, Vigário para Salvador (Salvatorianos) e da Con-
gregação das Irmãs do Divino Sal- gregação das Catequistas Missioná-
A 19 de junho o clero e Administrador da Catedral. rios dos Pobres; nascida a 26 de
vador (Salvatorianas); nascido no
De D. Francesco Panfilo, S.D.B., ao D. John Derek Persaud nasceu em dia 16 de junho de 1848 em agosto de 1908 em Durango (Mé-
governo pastoral da Arquidiocese Georgetown (Guiana), no dia 28 de Gurtweil (Alemanha) e falecido a 8 xico) e falecida em Monterrey
Metropolitana de Rabaul (Papua- agosto de 1956, e foi ordenado Sacer- de setembro de 1918 em Tafers (México) no dia 8 de dezembro de
Nova Guiné). dote em 14 de julho de 1985. (Suíça); 1966.
página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de junho de 2020, número 26

ANGELUS

O Papa rezou também pelo Iémen e pela Ucrânia

Soluções pacíficas
para a crise na Síria
Síria, Iémen e Ucrânia: no Angelus familiar isto leva sempre pelo cami-
de domingo, 28 de junho, o nho errado.
pensamento do Papa foi pelas Então Jesus diz aos seus discípu-
populações destes três países que estão los: «Quem não tomar a sua cruz
a viver situações de emergência para Me seguir, não é digno de
causadas por graves crises políticas, mim» (v. 38). É uma questão de O
sociais e humanitárias. Francisco seguir no caminho que Ele próprio
recordou-as no final da prece percorreu, sem procurar atalhos.
mariana – recitada com os fiéis na Não há amor verdadeiro sem cruz,
praça de São Pedro no respeito das ou seja, sem um preço a pagar pes-
medidas de segurança adotadas soalmente. E dizem-no muitas
devido à pandemia – depois da mães, muitos pais, que tanto se sa-
reflexão dedicada ao trecho evangélico crificam pelos filhos e suportam compensa» (vv. 40; 42). A generosa com coração disponível, deixando
(Mateus 10, 37-42) da liturgia verdadeiras dificuldades e cruzes, gratidão de Deus Pai tem em conta que a sua Palavra julgue o nossos
dominical. porque amam. E carregada com Je- até o mais pequeno gesto de amor comportamentos e as nossas esco-
sus, a cruz não é assustadora, por- e serviço aos seus irmãos. Nestes lhas.
Amados irmãos e irmãs, bom dia! que Ele está sempre ao nosso lado dias ouvi um sacerdote dizer que
No Evangelho deste domingo (cf. para nos apoiar na hora da prova estava comovido porque na paró- No final do Angelus o Pontífice
Mt 10, 37-42) ressoa fortemente o mais dura, para nos dar força e co- quia uma criança se aproximou de- dirigiu-se com as seguintes palavras
convite a viver plenamente e sem ragem. Também não é necessário le e disse-lhe: “Padre, estas são as aos fiéis presentes na praça e a
hesitação a nossa adesão ao Se- preocupar-se por preservar a pró- minhas poupanças, são poucas, são quantos o seguiam através dos meios
nhor. Jesus pede aos seus discípu- pria vida, com uma atitude temero- para os teus pobres, para aqueles de comunicação.
los que levem a sério as exigências sa e egoísta. Jesus admoesta: que hoje estão em necessidade por
do Evangelho, mesmo quando isto «Aquele que tenta conservar para causa da pandemia”. É pouco mas Estimados irmãos e irmãs!
requer sacrifício e esforço. si a vida, perdê-la-á, e quem tiver é muito! É uma generosidade con-
perdido a própria vida por Minha tagiosa, que ajuda cada um de nós Na próxima terça-feira, 30 de ju-
O primeiro pedido exigente que nho, terá lugar a quarta Conferên-
causa — isto é, por amor, por amor a sentir gratidão para com aqueles
Ele faz àqueles que O seguem é cia da União Europeia e das Na-
a Jesus, por amor ao próximo, pelo que se preocupam com as nossas
que coloquem o amor a Ele acima ções Unidas para “apoiar o futuro
serviço aos outros — encontrá-la-á» necessidades. Quando alguém nos
dos afetos familiares. Ele diz: da Síria e daquela região”. Reze-
(cf. v. 39). Este é o paradoxo do oferece um serviço, não devemos
«Quem amar o pai ou a mãe, [...] mos por este importante encontro,
Evangelho. Mas temos, graças a pensar que tudo nos é devido.
o filho ou a filha mais do que a para que possa melhorar a dramáti-
Deus, também muitos exemplos Não, muitos serviços fazem-se por
Mim, não é digno de Mim» (v. 37). ca situação do povo sírio e dos po-
como este! Vemo-lo nestes dias. gratuidade. Pensai no voluntariado,
Jesus não pretende certamente su- vos vizinhos, particularmente do
Quantas pessoas, quantas pessoas que é uma das maiores realidades
bestimar o amor pelos pais e filhos, Líbano, no contexto de graves cri-
estão a carregar cruzes para ajudar que existem na sociedade italiana.
mas sabe que os laços de parentes- ses sociopolíticas e económicas que
os outros! Sacrificam-se para aju- Os voluntários... e quantos deles
co, se forem postos em primeiro lu- a pandemia tornou ainda mais difí-
dar o próximo em necessidade nes- perderam a vida nesta pandemia!
gar, podem desviar do verdadeiro ceis. Basta pensar que há crianças
ta pandemia. Mas com Jesus é Faz-se por amor, simplesmente por
bem. Vemo-lo: acontecem algumas que têm fome, que não têm comi-
sempre possível. Encontramos a serviço. A gratidão, o reconheci-
corrupções nos governos precisa- da! Por favor, que os líderes sejam
plenitude da vida e da alegria atra- mento, é antes de mais um sinal de
mente porque o amor à parentela é capazes de promover a paz.
vés da doação de nós mesmos pelo boas maneiras, mas é também um
maior do que o amor à pátria, e
Evangelho e pelos irmãos, com distintivo do cristão. É um sinal Convido a rezar ainda pela po-
dão cargos aos parentes. O mesmo
abertura, aceitação e benevolência. simples mas genuíno do reino de pulação do Iémen. Também neste
acontece com Jesus: não é bom
Ao fazê-lo, podemos experimen- Deus, que é reino de amor gratuito caso, especialmente pelas crianças,
quando o amor [aos familiares] é
tar a generosidade e a gratidão de e reconhecido. que sofrem por causa da gravíssima
maior do que [o amor a] Ele. To-
dos nós poderíamos dar muitos Deus. Jesus lembra-nos: «Quem Maria Santíssima, que amou Je- crise humanitária. Assim como por
exemplos a este respeito. Sem men- vos recebe, a Mim recebe [...]. sus mais do que a sua própria vida quantos atingidos pelas fortes
cionar as situações em que os afe- Quem der de beber a um destes e o seguiu até à cruz, nos ajuda a inundações na Ucrânia Ocidental:
tos familiares se misturam com es- pequeninos [...] não perderá a re- colocar-nos sempre diante de Deus que experimentem o conforto do
colhas opostas ao Evangelho. Senhor e a ajuda dos seus irmãos.
Quando, por outro lado, o amor Dirijo as minhas saudações a to-
aos pais e filhos é animado e puri- dos vós, romanos e peregrinos de
ficado pelo amor ao Senhor, então Itália e de outros países. Vejo ban-
torna-se plenamente fecundo e pro- deiras: polaca, alemã, e muitas! Em
duz frutos de bem na própria famí- particular, saúdo todos aqueles que
lia e muito para além dela. Neste participaram esta manhã aqui em
sentido Jesus diz esta frase. Recor- Roma na Missa em rito congolês,
demos também como Jesus ad- rezando pela República Democráti-
moesta os doutores da lei que fa- ca do Congo. Saúdo a delegação
zem faltar o necessário aos pais congolesa aqui presente. Estes con-
com a pretensão de o oferecer ao goleses são bons!
altar, de o dar à Igreja (cf. Mc 7, 8- Desejo a todos bom domingo.
13). Repreende-os! O verdadeiro Por favor, não vos esqueçais de re-
amor a Jesus exige um amor autên- zar por mim. Bom almoço! E ve-
tico aos pais e aos filhos, mas se mo-nos amanhã para a festa dos
procurarmos primeiro o interesse Pedro e Paulo.

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