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2º ENCONTRO REGIONAL SUL DE ENSINO DE BIOLOGIA
3ª Jornada de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFSC
Florianópolis, 02 a 04 de Novembro de 2006.
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2º ENCONTRO REGIONAL SUL DE ENSINO DE BIOLOGIA
3ª Jornada de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFSC
Florianópolis, 02 a 04 de Novembro de 2006.
A leitura deve ter na escola uma importante função no trabalho intelectual, para
isso, é preciso encará-la como uma questão pedagógica, lingüística e social. Pensá-la,
portanto, como produção, como possível de ser ensinada (pedagógica); como sujeita a
interpretação (lingüística), pois há leituras possíveis num mesmo texto e como resultante
das histórias do sujeito-leitor (social). Para Orlandi (2000) na aprendizagem da leitura
deve fazer funcionar a inscrição do sujeito nas redes de significantes, ou seja, propiciar ao
aluno que construa sua história de leitura estabelecendo as relações intertextuais e
resgatando a história dos sentidos do texto.
Como exemplo, tomo trabalho da Souza (2000) que muito bem demonstra o que
isso significa. A pesquisa desta autora aborda a leitura de textos diferenciados por alunos
da 8ª. Série do ensino fundamental sobre a temática fotossíntese. Um desses textos traz
trechos originais e impressões pessoais de alguns cientistas de séculos passados (como
Aristóteles, Van Helmont, Priestley) envolvidos no estudo desta temática. Solicitando que
após a leitura e antes de qualquer discussão sobre o texto os alunos escrevessem suas
respostas para as seguintes perguntas “o que você achou mais interessante?”, “o que
você não sabia?”, “o que você já sabia?”, obteve como resultado diferentes
manifestações, agrupadas por Souza em padrões relacionados: aos conceitos sobre
fotossíntese, ao amido, à parte histórica e outras dúvidas.
Apresento aqui apenas as identificações feitas sobre aquilo que os estudantes
disseram não saber e que o texto contribuiu para esta percepção. Sobre a fotossíntese
propriamente dita, a pesquisadora encontrou respostas que afirmavam desconhecer as
condições necessárias para sua realização, ou que as plantas revertiam os efeitos da
respiração, ou os organismos responsáveis por esta produção, por exemplo: “Pensava
que as plantas aquáticas não faziam fotossíntese”, ou ainda “Que não necessita apenas
de luz para fazer fotossíntese”.Também manifestaram visões antropocêntricas, do tipo “eu
pensava que as plantas produziam oxigênio para nós e não para elas” (Souza, 2000).
Quanto ao amido, os alunos apontaram em suas respostas o desconhecimento de
sua origem, o que ele é de fato, sua atuação no organismo humano e a parte da planta
responsável por sua produção. O que é possível observar nas seguintes falas:
“Não sabia que o amido é uma molécula grande com várias moléculas de glicose”.
“Depois de transformada, a glicose é energia, mas ainda preciso de outros alimentos
porque cada um tem uma função diferente no organismo”.
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“Eu não sabia que alguns alimentos transportam seu amido que é produzido nas folhas
para as raízes”.
A leitura de trechos escritos em diários pelos próprios cientistas que traziam a parte
histórica da construção do conceito fotossíntese, contribuiu para que os alunos
percebessem os equívocos na ciência, seu processo, os pensamentos dos envolvidos
nessa construção. Por exemplo, quando escreveram: “aprendi a maneira de pensar de
van Helmont sobre o crescimento de uma árvore em cinco anos e o de Priestley que ficou
muito perto de resolver o problema”, ou ainda “não sabia que Aristóteles considerava que
as plantas retiravam o alimento do solo” (Souza, 2000, p.178).
As dúvidas expressas pelos estudantes referiam-se a aspectos relacionados à
combustão, como pode ser visto em suas: “Eu não sabia que uma vela precisa de
oxigênio para ficar acesa”.
Assim, o texto permitiu que eles detectassem informações novas, entendessem
conhecimentos já estudados em séries anteriores, ampliassem significados, percebessem
erros e acertos na ciência, relativisassem visões antropocêntricas, além de provocar
contrariedades ao pensamento vigente nos alunos, como é possível observar nas falas
abaixo:
“Eu pensava a mesma coisa que Aristóteles, que as plantas retiravam o alimento
diretamente do solo. E o experimento de van Helmont que contraria totalmente a minha
forma de pensar”.
“A confusão que Aristóteles fez foi a mesma que eu fiz, porém ele passou por isto a 384
anos antes de Cristo e eu no ano 1997 depois de Cristo.” (Souza, 2000, p.170)
Neste resumido exemplo é possível perceber o que quero dizer por considerar as
condições de produção da linguagem (a relação com a exterioridade), a não transparência
(não há um único sentido) e como elemento que determina lugares sociais (os poderes
envolvidos na interlocução entre falante e ouvinte).
Para organizar este texto que seria lido pelos alunos, Souza (2000) observou que
eles tinham o hábito de escrever diários, especialmente por parte do sexo feminino,
portanto ler os diários dos cientistas poderia ser um atrativo, além de produzir uma
afinidade com a linguagem (escrita em primeira pessoa do singular). A autora também
agregou ao texto desenhos dos experimentos, mais uma forma de motivar os alunos
adolescentes para a leitura. Analisando essas três condições, o texto, o leitor e o autor,
nota-se que ocorreu uma aproximação do aluno com o material escrito tanto pela sua
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Relato apenas para comparação a produção de dois textos sobre o tema Energia
Luminosa em dois momentos diferentes por uma aluna da 8ª série envolvida na pesquisa.
No mês de abril, foi solicitado que os estudantes escrevessem em uma questão de prova
um texto sobre luz envolvendo os conceitos estudados (dualidade onda- partícula, lentes,
refração, reflexão) e no mês de setembro que escrevessem em forma de diário, conto,
carta ou relato. Vejamos com as próprias palavras da aluna:
“A luz pode ser refletida, essa reflexão pode ser feita assim: um feixe de luz bate em um
espelho e volta para o lugar onde o espelho está apontando refletindo uma imagem.
Refração: o feixe de luz passa por um vidro ou água, mudando a sua direção. Onda é um
feixe de luz que viaja pelos espaços”.
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Vocês agora terão o privilégio de me conhecer, saberão como sou, o que pode acontecer
comigo, com o que estou relacionada.
Estou meio confusa sobre o que sou, as pessoas me definem como onda ou
partícula, não sei o que está certo. Algumas pessoas, alunos de uma escola pública,
tiveram a seguinte informação de seu professor: “Luz é comunicação com o resto do
universo: sinais luminosos que viajam no vácuo em linha reta com velocidade de
300.000Km/s”. essa é mais uma de minhas definições.
Agora vou falar sobre o que pode acontecer comigo. Eu posso ser refletida, isto é,
um raio que sai de mim ao tocar uma superfície polida e ai ele voltae muda de sentido.
Também pode ocorrer um tipo de refração, isto é, eu sofro desvios ao atravessar
superfícies de dois meios diferentes, isso que é refração, este desvio ocorre porque se eu
passar de um meio menos denso (ar) para um mais denso (água) eu perco velocidade.
Eu ajudo a formar uma coisa linda, o arco-íris quando eu passo através de em
prisma eu me desmancho toda e aí aparece todas as cores que me formam, vermelho,
alaranjado, amarelo, verde, azul, anil, violeta, isso também acontece quando eu atravesso
gotas d’água formando um lindo arco-íris.
Eu sou responsável pela visão, visão é a percepção da luz emitida pelos objetos
para a retina sendo daí transformada em sinais elétricos. E quando se tem algum
problema de visão usa-se lentes que ajudam as pessoas a enxergarem melhor, essas
lentes são chamadas divergentes e convergentes. Lentes divergentes são aquelas que
espalham os meus raios para vários pontos distintos. Convergentes são aquelas que
concentram meus raios em um só ponto.
Vocês agora sabem de uma forma resumida tudo sobre minha pessoa. Espero que
tenham gostado até outro dia, um abraço de sua amiga Luz
Luz da Silva”
Comparando as produções escritas acima podemos dizer que a escolha de um
gênero, em que havia um destinatário, possibilitou a esta aluna: a liberação de sua
criatividade, a exposição literária, a articulação de conceitos, a coesão de idéias, o
exercício da memória, o deslizamento de sentidos, a utilização de uma linguagem mais
poética, desdobramentos de conceitos científicos, a auto-referência como sujeito do e no
texto, a representação/encenação de um papel como um ator numa cena teatral, a
produzir uma narração com os entes da ciência.
Estamos, portanto, diante da repetição histórica, da autoria. Diferentemente, no
primeiro texto (uma questão colocada em situação de prova avaliativa), a aluna escreve
para o professor que, em seu imaginário, espera a resposta certa, repetida da mesma
maneira como foi ensinada, isto é alguém que valoriza a repetição empírica. Assim,
acredito que estes textos reforçam a idéia de que muito pode ser feito para que o
estudante assuma a função-autor nas aulas de ciências.
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Para tal, devemos conceber, como diz Foucault (1997) “todo texto deve dizer pela
primeira vez, aquilo que já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que no
entanto, não havia jamais sido dito”. Há, portanto um autor-leitor que compõe o seu texto
a partir de deslocamentos e de releituras de outros textos. Quando o autor lê o trabalho
do outro e produz um novo texto ele explicita sua relação com um saber e ao inscrever
sua leitura no texto ele se mostra como sujeito de um fazer. A análise dos sentidos
implicados nessas operações interpretativas pode revelar o lugar de onde esse autor-
leitor fala. (Gregolin, 2001)
Trata-se então de pensar a interpretação, conforme destaca Gregolin (2001) como
tarefa que tem uma amplitude e abertura irredutíveis, como teia de interpretação, para
que o sentido desloque imagens cristalizadas no imaginário, criando-se novos traços, mas
que conservam os rastros. Talvez algumas imagens possam ajudar a explicar melhor
essa idéia. Tratam-se de duas leituras feitas de um mesmo quadro, o primeiro deles,
criado por Escher.
A partir do desenho de Escher (Hand with reflecting sphere), o autor que se coloca
na posição de leitor e que lê a si mesmo, Milton Montenegro relê Escher e cria novos
sentidos. Conserva o essencial, a mão segura a esfera que reflete o corpo, no entanto o
corpo é de outro (Paulo Coelho). Cria-se um novo jogo com o leitor, pois o outro tomou o
lugar de enunciação. Katsushiro Otomo também relê Escher e mantêm o essencial, a mão
segura a esfera que reflete o corpo, é uma mão robótica e o corpo mecânico tomou lugar
do corpo de Escher (Gregolin, 2001).
Podemos relacionar esses deslocamentos, produzidos por Montenegro e Otomo,
ao que no ensino de ciências consideramos as leituras que os alunos fazem de nossas
aulas, ou seja a aprendizagem proporcionada. Valorizar tais deslizamentos requer que o
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Este poema me provoca como professora a acreditar que, pelo menos, devemos
não estancar a água dos discursos-rio de nossos alunos e, que se conseguirmos lhes
oferecer espaços para que tenham voz poderemos distribuir fios de água para alimentar e
extravasar o poço da argumentação. Pois, considero que o conhecimento é de suma
importância, mas não é vital, o que realmente importa são as operações que ele engendra
para se constituir, ou seja, os conhecimentos significam na compreensão de nossas formas
sociais e culturais.
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Referências Bibliográficas
CARMAGNANI, Anna M. (1999) A questão da autoria e a redação em LE em cursos
de ensino superior. In: Coracini, M. J (org.) Interpretação, autoria e legitimação
do livro didático. Campinas: Pontes
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