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A Detenção da Posse

Por Thaís Netto 16/04/2021 as 16:41

     
Direito Civil Direito Imobiliário
Este artigo objetiva abordar a detenção da posse. Para tanto, em primeiro lugar
são indicadas as duas principais teorias para conceituar a posse. Em seguida,
realiza-se a diferenciação entre posse e detenção, para finalmente alcançar
aspectos fundamentais sobre a detenção da posse, tais como as hipóteses de
detenção e a situação de transformação da detenção em posse. 

Aspectos Introdutórios
Antes de adentrar nos aspectos fundamentais da detenção da posse, torna-se
fundamental recordar alguns pontos relacionados à posse. As principais teorias
para explicar a posse são a teoria subjetiva de Savigny e a teoria objetiva de
Ihering. 

Conforme indicado por Scavone Júnior (2020) para Savigny a posse é tida
como junção do corpus (detenção física do bem) e do animus (elemento
subjetivo - vontade). Para Ihering, por sua vez, o corpus não é a detenção
física da coisa e sim, a conduta de dono. 

O Código Civil de 2002 adota a definição de posse de Ihering. Nesse sentido


Sidou (2016, p. 474) define a posse como relação de fato combinada entre a
pessoa e a coisa, com o objetivo de sua utilização econômica - Ihering. “O fato
de se exercer, plenamente ou não, algum dos direitos inerentes ao domínio ou
à propriedade”. 

Com base no artigo 1.198 do Código Civil de 2002, cabe informar que o
detentor pode ser entendido como aquele que estando em relação de
dependência para com o outro, mantém a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas. 

Para Rosenvald e Farias (2014) a posse e a detenção possuem características


semelhantes. A distinção entre elas acontece em razão de um elemento
negativo, que é uma restrição oriunda da norma jurídica. Dessa forma, a lei
desqualifica a posse e a transforma em detenção. 
Ainda segundo Rosenvald e Farias (2014, p. 110) a detenção é tida como
“posse degradada, juridicamente desqualificada pelo ordenamento vigente. O
detentor não poderá manejar ações possessórias e nem tampouco alcançar a
propriedade pela via da usucapião”.

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Hipóteses de Detenção e
Transformação da Detenção em Posse
Salienta-se que o ordenamento brasileiro admite quatro hipóteses taxativas de
detenção, quais sejam, os servidores da posse, os atos de permissão ou
tolerância, a prática de atos de violência ou clandestinidade e a atuação em
bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial.

Os servidores da posse ou gestores da posse são aqueles que detém o poder


físico sobre o bem em virtude de uma relação subordinativa para com terceiro.
Ressalta-se que tais servidores são conhecidos como fâmulos da posse, que
exercem atos de posse em nome alheio, como instrumento da vontade de
outrem. Exemplo: caseiro (ROSENVALD; FARIAS, 2014).

Para ser considerado fâmulo da posse não é necessário possuir um contrato


formal de trabalho ou de remuneração como contraprestação de serviços
realizados. Pode-se dizer que, em certas situações, será difícil diferenciar o
servidor da posse - detentor - do possuidor direto do bem. Nos casos em que
houver contrato de depósito, o depositário do bem será considerado possuidor
imediato da coisa. 

Cumpre informar que o detentor não possui legitimidade para ajuizar ações
possessórias para defender o bem de esbulho, turbação ou ameaça. 

Quanto aos atos de permissão e de tolerância, cabe apontar que não geram a
posse. A permissão tem origem na autorização expressa do verdadeiro
possuidor, para que o terceiro utilize a coisa, já a tolerância deriva do
consentimento tácito ao seu uso. Destaca-se que a tolerância pode ser
verificada pelo magistrado na situação concreta, quando houver estabilidade na
posição do ocupante diante do bem. 
Conforme indicado por Rosenvald e Farias (2014, p. 114) “a detenção do artigo
1.198 do Código Civil de 2002 é uma detenção desinteressada”, já que o
fâmulo da posse é tido como um servidor em posse alheia. A detenção da
primeira parte do artigo 1.208 do Código Civil de 2002 pode ser tida como
detenção interessada, já que a pessoa que atua de acordo com a permissão ou
a tolerância procura extrair proveito próprio do bem e satisfaz os seus
interesses econômicos imediatos. 

Com relação à prática de atos de violência ou clandestinidade, pode-se dizer


que não autorizam a aquisição da posse. Tais atos impedem a aquisição da
posse por quem delas se aproveita e os ilícitos sobre a coisa passam a ser
caracterizados como simples atos de detenção. 

Outra hipótese de detenção é a atuação de bens públicos de uso comum do


povo ou de uso especial. Para Rosenvald e Farias (2014) o particular ao
ocupar bem público de uso comum do povo ou especial não possui ação
possessória em face do Poder Público, já que como mero detentor é inviável
alegar esbulho, turbação ou ameaça em virtude de atos de auto
executoriedade realizados pela administração.

A autoexecutoriedade faz com que os atos e as medidas da Administração


sejam colocados em prática e aplicados pela Administração, por intermédio de
coação, de acordo com o caso e sem necessidade de consentimento de outro
poder (MEDAUAR, 2018). 

Cabe indicar também o Enunciado nº 301 da IV Jornada de Direito Civil do CJF


(2006), que dispõe ser possível a conversão da detenção em posse, contanto
que rompida a subordinação, na situação de exercício em nome próprio dos
atos possessórios.

Para que ocorra a transformação da detenção em posse, não basta a alegação


do detentor, já que o respectivo não é capaz de alterar por sua exclusiva
vontade, a índole da sua relação com o bem. Apenas atos objetivos e
exteriores, em oposição ao direito do antigo possuidor determinam a
transformação do título de aproveitamento da coisa, que passará de detenção
à posse (TEPEDINO, 2021).

Conclusão
Diante do exposto, percebe-se que a detenção e a posse apesar de serem
institutos semelhantes possuem diferenças. A definição de posse indicada no
Código Civil de 2002 pauta-se na teoria objetiva de Ihering, sendo assim, o
corpus não é caracterizado como detenção física da coisa. A detenção, por sua
vez, é considerada uma posse degradada. 

Salienta-se ainda, que a detenção pode ser convertida em posse, contanto que
seja rompida a subordinação, no caso de exercício em nome próprio de atos
possessórios. 

Referências:
 
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil.
v. 5. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 15 ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras


Jurídicas. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 

TEPEDINO, Gustavo.; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.;


RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil. v. 5. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2021. 

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