Você está na página 1de 4

07/08/2017 A Mentira Por Trás do Crescimento Chinês (e que ninguém fala para você)

A Mentira Por Trás do Crescimento Chinês (e que ninguém


fala para você)
voyager1.net /economia-politica/china-ultima-modernizacao/
20/11/2016

A Última Modernização
Atrasada do Capitalismo
O destino da China será semelhante aos países da América Latina que tentaram a industrialização

Faz 20 anos que o mundo está olhando para a China. Desde o começo dos anos 2000 que a China se tornou a
esperança do capitalismo, o bastião responsável pela sua segurança, a fábrica do mundo, o provável novo líder
mundial. Tudo ilusão. A China nada mais fez nesses últimos 40 anos, desde a subida de Xiaoping, do que seguir
os passos que a América Latina tinha trilhado nos 40 anos anteriores, de década de 40 a década de 80: uma
industrialização atrasada.

Portanto, chamar o que a China vem fazendo de milagre é se esquecer do que a América Latina fez nos 40 anos
anteriores. Assim como acontece com a China, a região ibero-americana também apelou a ditaduras ou máquinas
partidárias, como o PRI mexicano, para fazer sua industrialização atrasada – a URSS também fez sua
industrialização atrasada baseada em ditadura a partir dos anos 30, mas não vou falar dela aqui, apesar de
podermos comparar com a AL e a China.

O crescimento da AL a partir da década de 40 foi tão grande ou até maior do que o que verificamos na China a
partir de 1982. Acontece que o mundo tem memória fraca e esquece-se que a AL deixou de ser uma região rural,
mais atrasada do que a URSS em 1917, para se tornar uma considerável força industrial no início da década de 80.
Pode-se dizer que essa industrialização tardia da AL se concentrou em algumas regiões, como o Sudeste
brasileiro, a Argentina ou o norte do México. E, assim como a industrialização que ocorreu na AL, seu processo na
China também é concentrador, acontecendo quase que totalmente em sua costa Leste. Todavia, nos anos 80, a AL
enfrentou os mesmos problemas que a China vem apresentando hoje: endividamento gigante, que desacelerou o
crescimento que vinha experimentando, falta de poder de capitalização próprio, insuficiente nível tecnológico nas
manufaturas, mercado consumidor interno com renda insuficiente para permitir a continuação robusta do
crescimento, crise capitalista, etc.

Claro, ao contrário da AL, a China conseguiu driblar as sanções de Washington e conseguiu maior transferência
de tecnologia, exigindo-a quando permitiu as instalações das plantas industriais em seu território. Mas mesmo
com altos investimentos em ciência e desenvolvimento, ela dificilmente conseguirá alcançar o nível dos três
verdadeiros líderes mundiais em manufaturas: EUA, Japão e Alemanha. Nos últimos anos, o dragão do Leste vem
perdendo forças. Precisa apostar na construção civil para não desacelerar de vez. Mas claro, isso não é apenas
culpa da China. A própria conjuntura mundial passou a desfavorecê-la. Ela precisa dos EUA como mercado
consumidor, mas a renda das famílias anglo-americanas vem caindo desde os anos 80, assim como seu nível de
endividamento vem subindo vertiginosamente – ao ponto da relação [créditos externos] – [dívidas externas] ter
chegado a 7 trilhões negativos nos EUA. Além disso, com a impossibilidade de gerar valor o suficiente na produção
de mercadorias para manter o sistema funcionando bem, os investimentos estão indo para a financeirização, com o
peso da manufatura mundial em relação ao pib mundial caindo de 21% em 1995 para 13% em 2016. Basicamente,
a China veio com sede, mas chegou atrasada à festa. A festa do capitalismo não permite mais grandes lucros na
manufatura e, por essa razão, precisa apostar na especulação financeira.

Muitos dirão que a China, em algumas categorias de mercadorias, chega a fabricar 90% daquilo que o mundo
consome. Concordo. Mas pergunto: vale mais a pena fabricar toneladas de tênis e camisetas ou apenas alguns
quilos de máquinas de imagem médica? A China não fabrica máquinas de imagem médica, ao menos os seus
componentes finos. Só os EUA, a Alemanha e o Japão o fazem.
07/08/2017 A Mentira Por Trás do Crescimento Chinês (e que ninguém fala para você)

É necessário esclarecer algo em relação à manufatura de hoje: o mundo funciona agora por meio das chamadas
“cadeias de valor”. Isso significa que não se fabricam mais produtos inteiros num país só. Ao menos aqueles de
maior complexidade. E é claro que faz uma grande diferença um país estar no início das cadeias de produção,
onde as partes mais complexas e tecnologicamente mais avançadas se encontram, e estar no fim, apenas na
montagem do produto final. A China, infelizmente, aposta ainda na baixa complexidade tecnológica de seus
produtos ou na posição de montadora dos produtos mais complexos (rankings de complexidade infelizmente não
diferenciam em que posição nas cadeias de valor um país se encontra: se Brasil e Alemanha participam da
fabricação de aviões, pouco importa se a Alemanha fabrica o painel e o Brasil fabrica a porta para esses rankings).

Para entender o quanto um país está na nascente ou na foz, no começo ou no final, das cadeias produtivas, basta
observar, entre outras coisas, a relação entre sua população total e a população mundial e a quantidade de valor
com a qual esse país contribui para o valor total das manufaturas mundiais. Óbvio que, geralmente, um país com
baixa população e grande adição de valor nas manufaturas possui uma alta produtividade e fabrica produtos de alta
tecnologia – quanto mais tecnologia, menos gente necessária à produção e mais eficiência produtiva: mais
mercadorias fabricadas em menos tempo.

Vejamos, pois, onde se encontra a China. Hoje ela possui 19% da população mundial e contribui com 22% do valor
total produzido no mundo, segundo o MAPI. Ou seja, a China funciona numa relação mais ou menos de 1 para 1
quando se compara total da população mundial e total do valor produzido, já a América Latina possui 8,5% da
população mundial e contribui com 9% do valor adicionado às manufaturas no mundo. Praticamente uma relação
de 1 para 1 também. E isso depois de passar por uma violenta desindustrialização desde a década de 80, quando
contribuía ainda mais para o valor adicionado mundial. Todavia, a crise da dívida que assolou a América Latina
destruiu o sonho da industrialização de ponta na região.

A União Europeia tem 7% da população mundial e contribui com 20% do valor adicionado no mundo, uma
proporção de quase 3 para 1. Nessa medição, estamos considerando Suíça e Noruega como partes da EU para
fins analíticos, e, fazendo isso, descobrimos que o eixo Alemão – Alemanha, Escandinávia, Suíça, Holanda,
Bélgica – contribui com metade desse valor total mesmo possuindo menos de um terço da população total da UE.
Industrialmente falando, sem esse eixo do norte girando em torno da Alemanha, a UE seria hoje uma América
Latina melhorada, com exceção da região noroeste da Itália (só por curiosidade, a relação em Reino Unido,
Espanha e França é de 2 para 1).

Pois bem, observemos agora o Japão. O rei da Ásia tem 1,7% da população mundial e contribui com 9% do valor
total adicionado na manufatura. Ou seja, o Japão tem uma incrível proporção de 5 para 1 na manufatura. Já os
EUA, com apenas 4,5% da população mundial, é responsável por 17% do valor adicionado na manufatura, uma
proporção de mais ou menos 4 para 1 (e já foi muito maior). Além disso, enquanto Alemanha e Japão tem mais de
20% do pib oriundo da indústria de transformação, no restante da Europa Ocidental esse número não passa de
14%, com Inglaterra e França lidando com menos de 9% de seu pib vindo da manufatura transformadora e
precisando confiar em produtos financeiros e remessas de lucros para manter o padrão de vida de suas
populações.

Ou seja, já sabemos quem manda na manufatura de alta tecnologia no mundo. Em realidade, muitos europeus já
entenderam que a União Europeia foi apenas uma forma da Alemanha garantir mercado cativo para seus produtos
de alta tecnologia, já que os EUA dominavam a América e o Japão sempre teve força na Ásia. Basicamente, nós
temos esses três países e seus satélites (Canadá, Holanda-Suíça-Escandinávia-Bélgica e Coreia do Sul)
fabricando o grosso dos produtos de mais alta tecnologia e investindo o grosso em tecnologia enquanto à América
Latina, China e Sul/Leste da Europa foi relegado o papel de fabricar o grosso das manufaturas de média ou baixa
tecnologia).

É improvável, com essa desaceleração forte que vem sofrendo, que a China consiga se tornar realmente um centro
de alta manufatura dentro de um mundo dominado pelas relações capitalistas subordinadas ao dinheiro fazer mais
dinheiro.

Essa lógica pede um alto retorno dos investimentos, ou seja, altas taxas de lucros. Nos últimos 30 anos a
concentração de capitais necessária ao investimento em manufaturas de ponta se tornou extremamente alta. Com
exceção de poucos países com uma taxa de investimento internacional positiva (créditos externos – dívidas
07/08/2017 A Mentira Por Trás do Crescimento Chinês (e que ninguém fala para você)

externas) considerável, como Japão, Suíça e Alemanha, o restante do


mundo simplesmente não tem capitais suficientes para conseguir competir
com esses centros de alta tecnologia.

Os EUA, apesar de estar 40% negativo em investimentos internacionais, é


país sede de 80% das 50 maiores corporações mundiais e se beneficia
com o envio de lucros das filiais espalhadas pelo mundo para suas matrizes
na América Saxônica, o que possibilita investimentos em tecnologia e
ciência no país – 19 das 50 empresas que mais investem em tecnologia
são estadunidenses. Em seguida aparece o Japão com nove empresas e
depois a Alemanha com oito. Completam o quadro de regiões com mais de
duas empresas a Escandinávia com quatro, Suíça com duas e Coreia do
Sul com duas.

No entanto, ser país sede de empresas num mundo global é secundário. O


que importa é o país ter regiões com infraestrutura, tecnologias e mão de
obra qualificada. Claro, existem as chamadas remessas de lucros para a Xangai, uma das Zonas Econômicas
matriz. Hoje, grande parte do pib dos EUA é baseado em remessas de Especiais da China.

lucros de filiais. Contudo, devemos ter em mente que essas remessas


não vão para o bolso do povo dos EUA e sim para acionistas. Pode-se dizer que 50% dos norte americanos
possuem ações por diferentes meios, como fundos de pensão. Mas o quanto são concentradas essas ações? Se
dos 50% que possuem ações, 1% for dono de 80% das mesmas? Nós sabemos que essa é a realidade, uma super
concentração de ações nos bolso de poucos. Além disso, o benefício resultante da cobrança de impostos sobre
essas remessas está se tornando cada dia mais complicado de se obter, visto que a maioria das transnacionais
norte americanas sonega os impostos ou esconde os lucros em paraísos fiscais.

De todo modo, as maiores empresas dos EUA possuem um poder de capitalização de 9,3 trilhões de dólares, as
maiores do Japão possuem um poder de capitalização de 300 bilhões, já as do Reino Unido conseguem capitalizar
940 bilhões. Porém, produtivamente, o Japão é muito superior ao Reino Unido. As cadeias produtivas de alta
tecnologia preferem se instalar no Japão em vez de fazê-lo no RU, que, industrialmente, vem perdendo mais força
a cada ano que passa.

Além disso, temos de ter em mente que hoje, economicamente falando, são muito mais importantes regiões do
mundo do que países em si. Quais regiões ainda conseguem fazer parte e ter importância nas chamadas cadeias
de valor? Evidentemente o Estado nação ainda tem sua importância, principalmente nos programas sociais, mas,
atualmente, até as forças de segurança estão se tornando privadas. No Brasil, existem mais efetivos de segurança
particular do que efetivos do exército brasileiro. Ou seja, o Estado vem perdendo sua característica de detentor do
monopólio da violência nesse mundo altamente concentrador de renda.

Em relação às regiões de cadeias de valor, basta olhar para a China. Lá, enquanto o Leste do país é a fábrica
mundial de produtos de baixo valor agregado e montadora dos de alto valor agregado, o restante do país, com
mais de 900 milhões de pessoas, é quase que excluído das cadeias produtoras de valor. No interior da China, as
pessoas ficam rodando sem ter o que fazer da vida, principalmente por conta da mecanização da agricultura. Por
lá existe até mesmo um passaporte interno para impedir a livre circulação de pessoas do interior para o litoral.
Por isso a China é como uma América: na América, há uma região dinâmica e rica no Norte, mas aos povos das
outras regiões, inclusive a de dinamismo médio do Cone Sul, é vetada a entrada nessa região dinâmica do Norte.

Enquanto isso, a população das regiões medianamente dinâmicas do Sul e fracamente dinâmicas do Centro do
continente podem circular quase livremente pelas suas terras, desde que não decidam morar no Norte. Mesmo
num país produtor de alto valor agregado e territorialmente pequeno como o Japão isso já pode ser visto. O
chamado Cinturão do Pacífico, onde fica Tóquio, é muito mais dinâmico do que a região Oeste do país.
07/08/2017 A Mentira Por Trás do Crescimento Chinês (e que ninguém fala para você)

Por essas e outras eu acredito que a China está apenas passando pelo mesmo processo que a América Latina
passou há 80 anos: uma rápida industrialização, a qual não consegue abandonar o atraso tecnológico em relação
aos países centrais, os quais hoje são representados por EUA, Alemanha e Japão. Por essa razão, a
desaceleração, quando chega, é devastadora. Alguns podem dizer que concordam que o atraso chinês em relação
ao centro não pode ser eliminado, mas que a China não será a última industrialização atrasada no mundo
capitalista.

Como até mesmo o neoliberal Economist admite, hoje, por conta da grande automatização industrial, ficou
complicado para qualquer país esperar um desenvolvimento do padrão de vida por meio de uma industrialização
atrasada. Países que já experimentaram um desenvolvimento de infraestrutura voltado à indústria, como Brasil e
Argentina, podem voltar a se beneficiar com investimentos em desenvolvimento técnico na produção manufatureira,
mas países como a Índia dificilmente vão conseguir sair do lugar, precisando confiar em serviços como os de TI.

Referências

• PWC – Global Top 100 companies – 2015 update


Ranking the top 100 global companies by market capitalisation, identifying the risers and fallers to present views on
changing global dynamics (PDF)
• World Bank Data
• ONU Data
• MAPI – Manufacturers Alliance for Productivity and Innovation
• The Observatory of Economic Complexity

Você também pode gostar