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Uma análise da importância das
bolsas
Tópicos explorados: Gestão de Preços, Análise Custo, Volume e Lucro.
Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0864/financas/m0081219.html>. Acesso em 04 ago. 2008.
As empresas nunca levantaram tanto dinheiro. Os pequenos investidores nunca vieram em tão
grande número. As ações nunca valeram tanto. O mercado de capitais brasileiro funciona bem
pela primeira vez na história
Ao longo dos últimos meses, enquanto o noticiário político praticamente monopoliza a atenção
nacional, o Brasil vem conseguindo operar um daqueles avanços que marcam a história da
economia de um país. Sem que a maioria das pessoas tivesse se dado conta, um dos principais
obstáculos ao crescimento da economia brasileira -- a falta de dinheiro para financiar a expansão
das empresas -- finalmente começou a ser removido. Até recentemente dependente do
caríssimo crédito bancário para financiar projetos de investimento, um número crescente de
companhias brasileiras tem conseguido captar recursos no mercado financeiro a um custo baixo
para os padrões locais. O epicentro dessa revolução ocorre na Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa), incrustada num suntuoso prédio no centro histórico da capital paulista. Por muito
tempo vista como um cassino onde espertalhões faziam fortuna à custa do suado dinheiro de
pequenos poupadores, a Bovespa começa agora a desempenhar um papel totalmente inovador
na economia do país -- o de aproximar empreendedores com idéias inovadoras e planos de
expansão das pessoas com dinheiro para financiar esses projetos. É essa capacidade de juntar
empresários e investidores que torna a bolsa de valores uma das engrenagens mais poderosas
da máquina capitalista em todas as nações desenvolvidas. "Comparo o momento atual do
mercado brasileiro com o de um jovem que completa 18 anos de idade", diz Marcello Trindade,
presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "Atingimos, finalmente, a maturidade."
Na prática, essa maturidade se traduz num ritmo frenético de negócios envolvendo bancos,
corretoras, empresas e investidores. Nunca correu tanto dinheiro pela bolsa brasileira. A média
diária de negócios quase dobrou nos últimos anos e hoje supera 1 bilhão de dólares, recorde
histórico. O valor das empresas listadas na bolsa cresceu 76% desde 2004. O volume de
contratos futuros de ações na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) triplicou em três anos e
também atingiu um patamar recorde. A lista de empresas motivadas a sair em busca de
investidores cresce a cada dia. São estimados 30 lançamentos iniciais de ações (os chamados
IPOs -- sigla em inglês de Initial Public Offerings) em 2006, ante apenas dois entre 2001 e 2003.
A pujança da bolsa pode ser vista também no número de brasileiros com dinheiro aplicado.
Nunca tanta gente investiu em ações -- as pessoas físicas já respondem por 25% dos negócios.
Esses números provam que a bolsa começou a funcionar -- e bem. "Ela se tornou um
instrumento eficaz de financiamento para as empresas, algo inédito na história do país", diz o
economista José Roberto Mendonça de Barros. Desde que a Natura, empresa fabricante de
cosméticos, reabriu o mercado com sua oferta pública, há quase dois anos, os lançamentos de
ações movimentaram 15,5 bilhões de reais, o equivalente a 11% do crédito corporativo no Brasil,
maior percentual dos últimos 12 anos.
Apesar de todo esse crescimento recente, o espaço para novos avanços da bolsa é enorme.
Segundo estudo da consultoria McKinsey, ao qual EXAME teve acesso com exclusividade, o
mercado financeiro deve passar por uma brutal transformação daqui para a frente. O estudo
analisou dados a partir de 1993 e constatou que, até 2004, o mercado servia quase que
exclusivamente o governo. "Ele captava dinheiro para financiar o apetite desmesurado do
Estado", diz Eduardo de Andrade Filho, sócio da McKinsey. É isso que tende a mudar daqui em
diante. Já há consenso entre os especialistas de que o gigantismo da máquina estatal se tornou
incompatível com o tamanho da economia nacional. Portanto, na pior das hipóteses, o governo
deve parar de crescer -- idealmente, começaria a diminuir. Isso deve provocar uma mudança
crucial no destino da poupança nacional. "O dinheiro que antes financiava o governo começa a
ser alocado para as empresas", diz Andrade. É o que comprovam estatísticas recém-divulgadas.
Em 2004, último momento do estudo da McKinsey, o valor das ações brasileiras representava
55% do produto interno bruto (PIB). Em 2006, esse percentual havia subido para 63%. Segundo
Andrade, o Brasil pode chegar ao nível chileno em cinco ou dez anos -- lá as ações valem 120%
do PIB.
O avanço da bolsa pode suprir uma lacuna que já perdura há mais de duas décadas. Até os
anos 70, muitas empresas brasileiras se valiam do crédito subsidiado do governo para tocar
seus investimentos. Segundo o ideário estatizante então em voga, os capitalistas podiam -- e
deviam -- buscar guarida nos cofres governamentais. Embora equivocado, esse modelo foi
capaz de impulsionar o crescimento de centenas de grupos nacionais. A partir dos anos 80, no
entanto, a crise financeira do Estado brasileiro fez ruir essa modalidade de financiamento. Com a
porta dos bancos estatais fechada, restava às empresas buscar dinheiro na banca privada --
mas nesse caso os negócios esbarram nas elevadíssimas taxas de juro cobradas nos
empréstimos. As companhias mais encorpadas conseguiram captar recursos no exterior, outro
caminho que se mostrou problemático face às contínuas mudanças na política cambial.
Como o país está conseguindo mudar esse cenário? "Tudo foi resultado de um processo de
mudanças construído aos poucos, com a colocação de um tijolo por vez", diz Raymundo
Magliano Filho, presidente da Bovespa. Os alicerces começaram a ser lançados há pouco mais
de cinco anos, com a criação do "Novo Mercado". Criado em 2000, esse segmento diferenciado
da Bovespa removeu um entrave histórico: a baixa qualidade das ações como produto
financeiro.
Antes do Novo Mercado, a maioria das ações negociadas na bolsa eram preferenciais, que
embutem dois problemas graves. Primeiro: quem as possui não pode participar das decisões
estratégicas da empresa. Segundo: elas não garantem ao investidor um dos principais atrativos
da bolsa, que é a possibilidade de lucrar com a venda do controle do negócio. Era esse o
entrave. Por isso, a bolsa não deslanchava. "Estávamos num círculo vicioso: o investidor só
aceitava comprar ações muito baratas e o empresário se recusava a vender seu negócio barato",
diz Gilberto Mifano, superintendente-geral da Bovespa e um dos principais incentivadores do
Novo Mercado.
O Novo Mercado solucionou esses problemas. A empresa que pretende ter suas ações
negociadas nele é obrigada a garantir direitos iguais a todos os acionistas. Além disso, é preciso
publicar balanços no padrão americano e manter profissionais à disposição dos investidores.
Tudo isso custa dinheiro -- essas despesas podem consumir 0,5% do faturamento anual --, mas
as empresas acreditam que o resultado é compensador. "Sem o Novo Mercado, não teríamos
conseguido atrair 9 000 acionistas minoritários e criar a primeira corporação brasileira", diz José
Galló, presidente da gaúcha Lojas Renner, uma das maiores cadeias de varejo do país, que
pulverizou seu capital em bolsa no ano passado.
A enorme transparência que é exigida de quem faz parte do Novo Mercado costuma ser
premiada pelo investidor. Um estudo inédito de Rodrigo Bresser Pereira, sócio da Bresser Asset
Management, aponta que, em média, as ações das empresas listadas no Novo Mercado tiveram
valorização de 8,5% apenas no primeiro dia de negociação. Ganhar isso com títulos públicos
leva mais de seis meses. O estudo também revela que os retornos permaneceram altos no
médio prazo. Nos primeiros seis meses, essas ações subiram 44%. "Há indícios de que as
ações de empresas que respeitam seus acionistas têm desempenho superior", diz Bresser.
Essa mudança de comportamento representa uma guinada radical em relação ao período entre
1966 e 1971, quando a bolsa também experimentou dias de euforia. Na época, Brasília permitiu
que as pessoas físicas usassem parte do imposto de renda para comprar ações e obrigou os
fundos de pensão estatais a investir fortunas na bolsa. Isso estimulou dezenas de empresas a
abrir capital, embora estivessem, em sua maioria, totalmente despreparadas para ir a mercado.
"Algumas só queriam as vantagens oferecidas pelo governo", diz Claudio Monteiro, professor de
finanças da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Conclusão: após meses de corrida
especulativa, a bolsa desabou. "Muitas daquelas empresas fecharam seu capital nos anos 90",
diz Alexandre Bettamio, chefe do banco de investimentos do suíço UBS. "Hoje, quem decide
captar dinheiro é muito mais consciente."
Tantas melhorias seduziram o investidor brasileiro. Hoje, as pessoas físicas respondem por um
quarto dos negócios com ações. Eram menos de 10% há dez anos. "Há indícios de que o
pequeno investidor está mais maduro", diz Mifano. Essa serenidade faz com que a maioria dos
especialistas descarte a hipótese de enxergar nas recentes altas da bolsa uma bolha
especulativa. É claro que há sempre o risco de negócios ruins prosperarem nos períodos de
euforia, como o que se vê hoje. Portanto, ninguém está livre de perder dinheiro na bolsa. "Ações
sempre serão um investimento de risco", diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Apesar disso, a maioria dos especialistas permanece otimista.
Pode parecer, aos olhares leigos, que o sucesso dos mercados financeiros interessa apenas a
investidores, empresas e banqueiros que trabalham para elas. Equívoco. Os benefícios de uma
bolsa eficiente espalham-se por toda a economia. No início do século passado, os escritos do
economista austríaco Joseph Schumpeter já mostravam que um sistema financeiro bem
desenvolvido representa um estímulo vital para o crescimento econômico. "Acredito que isso
será cada vez mais verdadeiro", diz o economista Robert Shiller, da Universidade Yale, uma das
maiores autoridades mundiais no tema. "Os mercados financeiros se desenvolveram muito nas
últimas décadas. Quem não entender sua importância vai ficar para trás." Um estudo de Ross
Levine, outro economista americano, da Universidade Brown, mostra que, quanto mais ativo for
o mercado acionário, maiores serão os incentivos para que os investidores apliquem em projetos
de longo prazo, como os de infra-estrutura. "Trata-se de um motor vital para o crescimento
econômico", diz Shiller.
Perguntas:
Referências:
http://economiaeverywhere.blogspot.com/2005_10_16_archive.html