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Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário

Tribunal de Justiça
Comarca de Cabo Frio
Cartório do Juizado Especial Adjunto Criminal
Av. Ministro Gama Filho, s/n CEP: 28908-080 - Braga - Cabo Frio - RJ e-mail: cfrjecri@tjrj.jus.br

Fls.
Processo: 0006751-82.2011.8.19.0011

Classe/Assunto: Ação Penal - Procedimento Ordinário - Lesão Corporal Decorrente de Violência


Doméstica (Art. 129, § 9º e / Ou § 11 - Cp); Dano (Art. 163 - Cp); Exercício Arbitrário das Próprias
Razões (Art. 345 - Cp)

Autor do Fato: JOAQUIM LEAL LUCAS


Inquérito 395/11 29/03/2011 126ª Delegacia Policial

___________________________________________________________

Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz


Caroline Rossy Brandao Fonseca

Em 25/10/2017

Sentença
Trata-se de Ação Penal Pública promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO - MPERJ em face de JOAQUIM LEAL LUCAS imputando-lhe a prática do crime
tipificado no artigo 129, §9º do Código Penal, observado o disposto no artigo 7º da Lei
11.343/2006, conforme fato descrito na denúncia às fls. 2A- 2C.

O MPERJ ofereceu denúncia em face do acusado, nos seguintes termos:

No dia dezessete de março de dois mil e onze, cerca das vinte horas e trinta minutos, no interior
da residência do casal, situada na Rua Avenida América Central, nº.: 1270, no bairro Praia do
Siqueira, nesta comarca, o denunciado, com vontade livre e consciente direcionada ao
cometimento do injusto penal, sem qualquer motivo plausível, agrediu fisicamente a sua
ex-companheira Débora Cláudia Baptista Gomes Lucas, desferindo-lhe socos, tapas e pontapés,
causando-lhe "equimoses em ambos os braços, face anterior, coloração violácea e medindo cerca
de cinco centímetros de diâmetro cada; apresenta equimose na face lateral do braço esquerdo,
coloração violácea; apresenta escoriação linear na face anterior da coxa direita, com cerca de seis
centímetros de comprimento; apresenta equimose violácea com cerca de três centímetros de
diâmetro, localizada na face medial da coxa direita", conforme noticia o laudo pericial de lesões
corporais acostado às fls. 27 e 31, cuja peça técnica evidencia a materialidade da violência
doméstica.

Indubitavelmente, os denunciados, consciente e voluntariamente, vulneraram o art. 129, §9º, c/c o


art. 7º, inciso I, da Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006.".

Denúncia às fls.02-A/02-C, instruída com o Inquérito Policial nº 395/2011 oriundo da 126ª


Delegacia de Polícia de Cabo Frio às fls. 02-33.

Laudo de Exame de Corpo de Delito do acusado à fl. 25.

Laudo de Exame de Corpo de Delito da Vítima à fl. 27.

Decisão de recebimento da denúncia e determinando a citação do réu à fl. 34 em 24/07/2012.

110 CAROLINEROSSY
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Citação do réu às fls. 54/55 em 09/07/2013.

Resposta à Acusação às fls. 58/59.

Decisão designando Audiência de Instrução e Julgamento - AIJ à fl. 60.

Manifestação do Ministério Público à fl. 72-verso, arguindo litispendência entre o presente feito e o
feito em apenso (0004234-07.2011.8.19.0011).

Sentença proferida nos autos do processo em apenso (0004234-07.2011.8.19.0011), à fl. 78,


extinguindo-o em razão da litispendência, sendo certo que já haviam sido colhidos depoimentos da
vítima, testemunhas e interrogado o acusado em sede de Audiência de Instrução e Julgamento.

Decisão designando AIJ à fl. 77.

FAC do réu às fls. 88/92 e 112/116.

CAC do réu às fls. 93 e 117.

Assentada da Audiência de Instrução e Julgamento - AIJ à fl. 106, oportunidade na qual o


Ministério Público e da Defensoria Pública apresentaram alegações finais orais, ambos
requerendo a extinção da punibilidade do acusado pela prescrição pela pena ideal.

Termo de oitiva da vítima DÉBORA CLÁUDIA BAPTISTA GOMES LUCAS à fl. 107.

Termo de interrogatório do acusado à fl. 108.

Mídia contendo os depoimentos à fl. 109.

Termo de oitiva da informante NIEVES LEAL LUCAS à fl. 62 dos autos do processo em apenso
(0004234-07.2011.8.19.0011).

Termo de oitiva da informante IASMIN BAPTISTA GOMES LUCAS à fl. 72 dos autos do processo
em apenso (0004234-07.2011.8.19.0011).

Este é o relatório. Decido.

O processo comporta julgamento de mérito, eis que presentes os pressupostos processuais e as


condições para o exercício do direito de ação.

Conforme relatado foi imputado ao acusado a conduta descrita no artigo 129, §9º do Código
Penal, pois no dia 17/03/2011 o réu empurrou a vítima para fora da casa da mãe dele e
apertou-lhe os braços, causando as lesões constantes no AECD à fl. 27.

Inicialmente é importante consignar que incide na espécie todos os preceitos contidos na Lei
11.340/06, porquanto a denúncia descreveu a prática da conduta delituosa no contexto da
violência doméstica e familiar, vez que a vítima era companheira do réu.

Preliminarmente, o Ministério Público e a Defensoria Pública pugnaram pela extinção da


punibilidade pela prescrição em perspectiva ou pela pena ideal, eis que entre a data do
recebimento da denúncia (24/07/2012) e a presente data (27/09/2017), transcorreu lapso de tempo
superior a 03 (três) anos.

A prescrição é matéria de ordem pública, que deve ser decretada de ofício em qualquer fase do

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processo. O prazo prescricional, antes da prolação da sentença condenatória ou antes do


trânsito em julgado para a acusação, regula-se pela pena "in abstrato", ou seja, pela máxima da
pena privativa de liberdade cominada ao delito, conforme disposto no artigo 109 do Estatuto
Penal. O reconhecimento antecipado da prescrição pela pena ideal, em perspectiva ou virtual,
violaria o princípio constitucional da presunção da inocência, da ampla defesa e do contraditório,
impossibilitando ao acusado o direito de obter uma sentença absolutória, bem como afetaria, por
via transversa, o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Este é o entendimento constante na
Súmula 438 do STJ, razão pela qual, deixo de acolher o pleito constante em suas alegações finais
orais e passo para a análise do mérito.

A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelo AECD à fl. 27, que consta equimoses em
ambos os braços, face anterior, coloração violácea e medindo cerca de cinco centímetros de
diâmetro cada; equimose na face lateral do braço esquerdo, coloração violácea; escoriação linear
na face anterior da coxa direita, com cerca de seis centímetros de comprimento; equimose
violácea com cerca de três centímetros de diâmetro, localizada na face medial da coxa direita.

A autoria do crime na pessoa do acusado foi demonstrada pelo depoimento da vítima, ouvida em
Juízo sob o crivo dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A vítima DÉBORA CLÁUDIA BAPTISTA GOMES LUCAS compareceu na AIJ e prestou


depoimento, aduzindo que, na data dos fatos, encontrava-se separada do acusado. Neste dia, a
ofendida dirigiu-se à residência de sua sogra (mãe do acusado) para buscar a filha do ex-casal.
Como a criança havia se recusado a ir com ela e o acusado sugeriu que a filha dormisse lá, a
vítima exaltou-se e iniciou uma discussão. Afirma que o acusado, ao tentar expulsá-la da casa de
sua genitora, segurou-a pelos braços e a empurrou, causando as lesões descritas no AECD de fl.
27. Em seguida, disse que o acusado foi até a casa onde a vítima estava e quebrou a janela, porta
e uma parte da estante com uma barra de ferro.

Nas declarações prestadas pela vítima, em sede judicial nos autos do processo em apenso nº.:
0004234-07.2011-8.19.0011, que referem-se aos mesmos fatos, ela afirmou que não sabe se as
lesões descritas no AECD de fl. 27 foram causadas pelo aperto em seus braços e empurrão
realizados pelo acusado, posto que costuma sofrer hematomas ("ficar roxa") com muita facilidade.
Disse ainda que o acusado não bateu nela naquela oportunidade. Atualmente a vítima e o
acusado tem um bom relacionamento e cada um tem constituiu nova família.

A informante NIEVES LEAL LUCAS, mãe do acusado, prestou declarações nos autos do processo
em apenso (nº.: 0004234-07.2011.8.19.0011), relatando que presenciou os fatos, narrando que no
referido dia, a vítima, já separada do acusado, foi a sua casa para buscar a filha dela, porém, esta
se recusou a ir, momento em que o réu sugeriu que a criança dormisse lá. Aduziu que a vítima,
sendo uma pessoa muito "desbocada" (sic), começou a discutir com o acusado, chegando a
arranhá-lo. A todo momento, a informante pedia para que a vítima parasse de agir daquela forma,
e orientava seu filho (acusado) a não agredir a vítima. Relatou, por fim, que o acusado não agrediu
a vítima, apenas tentou retirá-la de sua casa, sendo certo que foi ela quem o agrediu com
arranhões.

A informante IASMIN BAPTISTA GOMES LUCAS, filha do ex-casal, também prestou depoimento
em Juízo, nos autos do processo em apenso (nº.: 0004234-07.2011.8.19.0011), contando que, na
data dos fatos, estava na casa de sua avó paterna, deitada na cama, momento em que sua mãe
(vítima), chegou ao local e pediu para que a mesma saísse de lá, porém, recusou-se a sair. Diante
desta negativa, informou que sua mãe (vítima) iniciou uma discussão com seu pai (acusado),
porém, não se recorda se houve agressão por parte de seu genitor ou vice-versa.

O acusado JOAQUIM LEAL LUCAS, em seu interrogatório, negou veementemente as acusações


que lhes foram imputadas. Alegou que na data dos fatos, a vítima dirigiu-se à residência da

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genitora dele, para buscar a filha do casal, porém, esta recusou-se a ir. Ato contínuo, sugeriu que
a criança dormisse no local, sendo certo que neste momento, a ofendida exaltou-se e passou a
discutir com ele, ofendendo-o e arranhando-o, bem como ofendendo a genitora dele, que tentava
apaziguar a discussão. Aduziu que, em momento algum, agrediu sua ex-companheira, apenas
pediu que ela saísse da casa, conduzindo-a para fora. Ademais, afirma que a vítima não caiu no
chão, bem como não quebrou a porta e estante da residência dela, mas apenas a janela.

Com o término da instrução probatória, em que pese restarem comprovadas a materialidade e


autoria do crime em análise, observa-se que não restou configurado o dolo da conduta praticada
pelo réu, conforme será fundamentado a seguir.

É de se notar pelas provas orais produzidas em Juízo que não houve por parte do acusado o
intuito de ofender a integridade física da vítima, mas denota-se que houve uma acalorada
discussão na qual o réu tentava retirar a ofendida da residência da genitora dele, tendo em vista
que ela encontrava-se exaltada e ofendia o réu e a mãe dele.

Pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito confirma-se as narrativas acima, equimoses violáceas
em ambos os braços, face anterior, equimose na face lateral do braço esquerdo, são marcas
decorrentes da pressão nos braços da vítima no momento da discussão a fim de evitar eventual
agressão por parte dela.

Os relatos das informantes NIEVES (mãe do acusado) e IASMIN (filha do casal), inclusive, da
própria vítima realçam a tese de que o acusado não praticou a conduta com a intenção de agredir
fisicamente a vítima, mas apenas contê-la e retirá-la da casa da genitora dela, já que ela estava
descontrolada emocionalmente e ofendia seu ex-companheiro e genitora dele.

Ademais, as informantes NIEVES e IASMIN declararam em Juízo que o acusado não agrediu a
vítima, sendo certo que a própria ofendida afirmou que ele apenas a empurrou e apertou-lhe os
braços, para expulsá-la da casa, porém, não soube informar se as lesões foram decorrentes
destas condutas.

Neste mesmo sentido foi consignada a versão apresentada pelo acusado, afirmando, como dito
alhures, que apenas segurou a vítima pelos braços para expulsá-la da casa da genitora dela,
tendo em vista o descontrole emocional desta, mas, em momento algum, teve a intenção de
agredi-la fisicamente.

Assim, é incontroversa a existência de um empurrão e aperto nos braços da vítima para retirá-la
do recinto, o que não quer dizer necessariamente que a conduta caracterizou o crime de lesão
corporal dolosa, sendo necessária a intenção do réu para tanto.

Afinal, não há qualquer elemento de convicção que deixe clara a intenção do agente em prejudicar
a integridade física da vítima, sendo o leve empurrão e aperto nos braços dela resultado da
acalorada discussão entre os envolvidos.

Destarte, considerando que não foi comprovado o dolo do acusado em ofender a integridade física
da vítima, sendo certo que a própria ofendida afirmou que não foi agredida pelo acusado, mas
apenas empurrada por ele, tendo seus braços apertados, porém, incerta de que as lesões
constantes no AECD de fl. 27 foram decorrentes destas condutas, e nem de que ele teve a
intenção de lesioná-la, entendo que os elementos coligidos nos autos, sob o crivo do contraditório
e da ampla defesa, não são suficientes para que se profira um decreto condenatório, aplicando-se
o princípio do in dubio pro reo.

Este entendimento é chancelado pela jurisprudência, consoante ementa abaixo transcrita "in
verbis":

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"APELAÇÃO - PENAL - VIAS DE FATO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - INSUFICIÊNCIA


PROBATÓRIA - AUSÊNCIA DE DOLO - IN DUBIO PRO REO - PROVIMENTO. Inexistindo
comprovação de que o acusado pretendia atacar a incolumidade física da vítima, a absolvição é
medida que se impõe, com base no princípio in dubio pro reo. Apelação defensiva a que se dá
provimento, face a não demonstração do animus laedendi na conduta do agente.
(TJ-MS - APL: 00091971520138120001 MS 0009197-15.2013.8.12.0001, Relator: Des. Carlos
Eduardo Contar, Data de Julgamento: 10/08/2015, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação:
12/08/2015)"

Destarte, tendo em vista tudo acima esposado, a absolvição é medida que se impõe.

DISPOSITIVO:

Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para ABSOLVER


JOAQUIM LEAL LUCAS, pela prática da conduta delituosa prevista no artigo 129, §9º do Código
Penal, na forma da Lei 11.343/2006, o que faço com arrimo no artigo 386, inciso VII, do Código de
Processo Penal.

Sem custas.

Com o trânsito em julgado, procedam-se as comunicações de estilo.

Após cumpridas todas as formalidades, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

Dê-se ciência ao Ministério Público e a Defesa.

Publique-se, Sentença registrada eletronicamente, Intimem-se e Cumpra-se.

Cabo Frio, 25/10/2017.

Caroline Rossy Brandao Fonseca - Juiz Auxiliar

___________________________________________________________

Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Caroline Rossy Brandao Fonseca

Em ____/____/_____

Código de Autenticação: 4BRN.K8ZM.1JWP.WQIS


Este código pode ser verificado em: www.tjrj.jus.br – Serviços – Validação de documentos
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110 CAROLINEROSSY

CAROLINE ROSSY BRANDAO FONSECA LOUREIRO:000033105 Assinado em 25/10/2017 11:37:51


Local: TJ-RJ

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