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À Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

1889 F Street, N.W. Washington, D.C. 20006, Estados Unidos

Ao Honorável Sr. Paulo Abrão,


Secretário Executivo da CIDH

Referência: Denúncia de violação de direitos protegidos no marco da Convenção


Americana de Direitos Humanos – petição para abertura do caso
Chacina do Salgueiro, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil, 11-11-17.

JOELMA COUTO MELANES e CLAUDIO LIMA LOPES,


respectivamente, mãe e padrasto da vítima fatal MARCIO MELANES SABINO; e
RITA DE CÁSSIA RODRIGUES COELHO e JUSSARA COELHO VIEIRA, mãe
e irmã, respectivamente, da vítima fatal JOSUÉ COELHO; vêm através da
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, sediada à Avenida
Marechal Câmara, nº. 314, Centro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, código postal 20020-080,
telefone +552123326224, representada pelo Defensor Público Geral do Estado e ainda
pelo Núcleo de Defesa de Direitos Humanos (NUDEDH), cujos correios eletrônicos
para receber comunicações são: daniellozoya10@gmail.com,
lmmdcasseres@gmail.com e nudedh@gmail.com; bem como através das organizações
da sociedade civil MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO DO BRASIL, cuja
coordenação regional está sediada na Rua Sérgio de Oliveira, nº. 04, Oswaldo Cruz, Rio
de Janeiro, RJ, código postal 21351-200; CRIOLA, sediada na Avenida Presidente
Vargas, 482, sala 203, Centro, Rio de Janeiro, RJ, código postal 20071-000 e
INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER), sediado na Rua do Rússel, nº.
76, Glória, Rio de Janeiro, RJ, código postal 20241-180, apresentar DENÚNCIA de
violação de direitos protegidos no marco da Convenção Americana de Direitos
Humanos, pelos seguintes motivos de fatos e de direito.

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I. DAS VÍTIMAS E DOS FAMILIARES:
1. Até o presente momento foram identificadas as seguintes vítimas fatais e
respectivos familiares:

A) MARCIO MELANES SABINO, sexo masculino, nascido em


31/03/1996 (21 anos), com último domicílio na Rua Horácio de Magalhães,
nº. 22, quadra 05, Itaúna, São Gonçalo, Rio de Janeiro, RJ, CEP 24.746-600,
Brasil, cujos familiares são representados pelos peticionários:

A.1) mãe: JOELMA COUTO MELANES, domiciliada na Rua


Horácio de Magalhães, nº. 22, quadra 05, Itaúna, São Gonçalo, Rio de
Janeiro, CEP 24.746-600, Brasil; telefone nº. +5521967715669;

A.2) padrasto: CLAUDIO LIMA LOPES, domiciliado na Rua Horácio


de Magalhães, nº. 22, quadra 05, Itaúna, São Gonçalo, Rio de Janeiro,
CEP 24.746-600, Brasil; telefone nº. +5521972665977;

A.3) filha menor de idade: MANUELLA FARIAS MELANES, de 3


anos de idade, sob a guarda da avó paterna;

B) JOSUÉ COELHO, sexo masculino, nascido em 22/08/1988 (19 anos),


com último domicílio na Rua Expedicionário Francisco de Castro, nº 697,
Itaúna, São Gonçalo, Rio de Janeiro, CEP: 24.473-300, Brasil, cujos
familiares são representados pelos peticionários:

B.1) mãe: RITA DE CÁSSIA RODRIGUES COELHO, domiciliada


na Rua Padre Vicente Salgado, quadra 53, Fazenda dos Mineiros, Itaúna,
São Gonçalo, Rio de Janeiro, RJ, CEP 24473-255, Brasil, telefone nº.
+55217483-0307;

B.2) irmã: JUSSARA COELHO, domiciliada na Rua Padre Vicente


Salgado, quadra 53, Fazenda dos Mineiros, Itaúna, São Gonçalo, Rio de
Janeiro, RJ, CEP 24473-255, Brasil, telefone nº. +5521993073228.

C) MARCELO DA SILVA VAZ, cuja qualificação é desconhecida;

D) VICTOR HUGO COELHO, cuja qualificação é desconhecida;

E) LUIZ AMÉRICO DA SILVA, cuja qualificação é desconhecida;

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F) BRUNO COELHO, cuja qualificação é desconhecida;

G) LORRAN DE OLIVEIRA GOMES, cuja qualificação é desconhecida;

H) LUIZ OTÁVIO ROSA DOS SANTOS, cuja qualificação é


desconhecida.
2. Quanto às demais vítimas, tem-se notícia do sobrevivente DANIEL DE
MORAES, domiciliado na Rua Mary Half Fatori, nº. 06, Itaúna, São Gonçalo, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil, telefone nº. +552198885438, até o momento sem representação
constituída.
3. Desde já os peticionários solicitam mantidos sob sigilo a identidade
dos familiares das vítimas fatais, bem como da vítima sobrevivente.

II. DOS ANTECEDENTES E DA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS FATOS: a crise


democrática, a crescente militarização e o paradigma belicista e discriminatório da
política de segurança no Brasil, especialmente no Estado do Rio de Janeiro.
4. No 165° Período Ordinário de Sessões da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, realizado em Montevidéu, em audiência realizada em 23 de outubro
de 2017, intitulada ―Segurança cidadã e a situação de direitos humanos nas favelas do
Rio de Janeiro, Brasil‖ a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e as organizações da
sociedade civil ISER – Instituto de Estudos da Religião –, Justiça Global, CRIOLA –
Organização de Mulheres Negras–, Movimento Negro Unificado e Redes de
Desenvolvimento da Maré, denunciaram o estado de coisas relativo a violações de
direitos humanos na política de segurança pública e em operações policiais em favelas
no Rio de Janeiro em total descompasso com o conceito de Segurança Cidadã1.
5. O crescimento da letalidade policial, ou seja, o índice de mortos pela
polícia também vem subindo de forma acentuada, sendo a maior (6,7 por cem mil
habitantes) nos últimos nove anos (2008: 7,3). Desde 2013, ano em que foram
registrados 416 casos, os números só sobem. Em 2014: 584, em 2015: 645, em 2016:
925, ou seja, um aumento de 45% em comparação ao ano anterior. Em 2017, de acordo
com os dados oficiais2, foram 1.124 homicídios praticados pela polícia, um aumento
de 21,5% em comparação ao ano passado. Somente na capital do Estado do Rio de
Janeiro, as mortes causadas pelas polícias correspondem a 25% do total de homicídios
em 20173. No mês de janeiro de 2018, foram 154 mortes decorrentes de ação
policial, um recorde histórico, um aumento de 57% em comparação ao mesmo mês do
ano anterior.
6. O número total de homicídios no Estado do Rio de Janeiro em 2017 foi
6.731, representando uma taxa de homicídios de 2017 (40/100 mil habitantes), é a maior
desde 2009 (44,9) e significa um aumento de 5,7% em relação a 2016, ano em que
foram registrados 5.042 homicídios, em 2015: 5.010, em 2014: 5.179, em 2013: 5.348 e
em 2012: 4.666.

1
Informe sobre Seguridad Ciudadana y derechos humanos‖, 2009, CIDH.
2
http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/SeriesHistoricasLetalidadeViolenta.pdf
3
https://anistia.org.br/noticias/25-dos-assassinatos-rio-de-janeiro-em-2017-foram-cometidos-pela-policia/

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7. Essa escalada de violência, com desproporcional aumento da letalidade
policial, pode ser atribuída em relevante parte pelo acirramento da política de guerra ao
tráfico drogas e à criminalidade em áreas populares, especialmente favelas, cuja
população é majoritariamente afrodescendente, e o descontrole das forças policiais. As
operações policiais denominadas de “incursão”4 são um estímulo ao confronto armado
e revelam a natureza da atuação policial nesses locais. O discurso beligerante não se
restringe à retórica e ao vocabulário bélico, reflete-se nas práticas policiais nas favelas.
8. Se numa guerra o objetivo é ―eliminar o inimigo‖, as estatísticas de
vitimização revelam nitidamente quem é tido por inimigo pelo Estado: a juventude
negra e pobre moradora de favela, a desnudar o traço de racismo institucional da
política de segurança pública. O modo de atuação se dá por constantes ―incursões‖ –
que causam tiroteios e provocam a interrupção de aulas, serviços de saúde, energia
elétrica, atividades econômicas e cerceiam o direito de ir e vir e de trabalhar, além das
vítimas de ―balas perdidas‖– , sendo a morte de moradores de favela inocentes tida
como mero ―dano colateral‖ – previsível, mas admitido apenas nesses territórios.
Nesse sentido, os moradores de favela são vistos como ―população civil do exército
inimigo‖, na precisa definição de Eliana Sousa Silva5. A suspensão de direitos e
garantias fundamentais, invasões de domicílio e mandados coletivos de busca e

4
Significam na língua portuguesa ―irrupção de uma força militarizada em território estrangeiro; investida;
ataque; invasão‖.
5
Testemunhos da Maré. Pag. 63. 2. Ed. Rio de Janeiro. Mórula, 2015.

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apreensão generalizados, que se pretendem legitimar num supostamente necessário
estado de exceção, que tem se tornado cada vez mais permanente nas favelas.
9. De acordo com Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o
assassinato de jovens instaurada no Senado Federal, publicado em 2016, a cada 23
minutos morre um jovem negro no Brasil, o que permite falar-se em um verdadeiro
genocídio da juventude negra em curso no país, em grande parte causado pelas
intervenções policiais em favelas nos grandes certos urbanos, nas quais os jovens negros
são tratados como ―suspeitos‖ e considerados ―inimigos públicos‖. As execuções
sumárias permanecem um problema central das práticas policiais, ao ponto de, em todo
o ano de 2017, 25% dos homicídios praticados na cidade do Rio de Janeiro terem sido
praticados pela polícia6 - como apontado acima -, sem que haja, na maior parte dos
casos, qualquer tipo de investigação ou responsabilização do Estado e de seus agentes 7.
No universo dos homicídios praticados pelas polícias no Estado do Rio de Janeiro, 9 em
cada 10 mortos são negros – dados do Instituto de Segurança Pública referentes ao
período de janeiro/2016 a marco/20178.
10. E por trás destes números, salientam as organizações de mulheres negras
Geledés e CRIOLA9, há também a violência não letal, mas intensa e continuada, que
afeta inúmeras mulheres negras, em sua maioria mães dos jovens assassinados. Estas
violências são vividas tanto nos intensos esforços que desenvolvem as mães, geralmente
em isolamento e solidão, para proteger e tentar preservar a vida de seus jovens, mas
também após a morte destes, ao longo de suas ações para defender a dignidade dos
jovens assassinados, para recuperar e enterrar seus corpos, para buscar reparação e
justiça. Em grande medida, as mulheres que são familiares de vítimas da violência
estatal lidam ainda com a violação do direito à memória de seus filhos, netos, irmãos,
haja vista o discurso de culpabilização, a representação midiática negativa e
preconceituosa desses jovens.
11. Tem-se, como consequência, um impacto desproporcional das
diretrizes da política de segurança sobre grupos vulneráveis, uma vez que as práticas das
forças de segurança incidem de forma mais intensa sobre os bairros empobrecidos e
predominantemente negros e ainda reforçam um quadro de desigualdade socioespacial
pré-existente na cidade do Rio de Janeiro.
12. O estudo ―Retrato das desigualdades de gênero e raça‖10, produzido pela
instituição governamental Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e publicado no ano
de 2011, revela que 66% dos domicílios situados no que chama de ―adensamentos

6
https://anistia.org.br/noticias/25-dos-assassinatos-rio-de-janeiro-em-2017-foram-cometidos-pela-policia/
7
Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-da-cpi-do-
assassinato-de-jovens
8
Ultrapassando o padrão nacional identificado no Atlas da Violência (2017), segundo o qual a cada cem
pessoas mortas no Brasil, 71 são negras, no Estado do Rio de Janeiro apesar de 47% da população se
autodeclarar branca e 51% se autodeclarar negra (censo do IBGE de 2010), os números compilados pelo
Instituto de Segurança Pública entre 2016 e 2017 indicam que 9 em cada 10 pessoas mortas pela polícia
no Estado são negras. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/26/rj-
9-em-cada-10-mortos-pela-policia-no-rio-sao-negros-ou-pardos.htm
9
Dossiê ―A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil‖, produzido por Geledés e
CRIOLA. Disponível na íntegra em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-
content/uploads/2016/10/Dossie-Mulheres-Negras-PT-WEB4.pdf
10
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4ª
edição, Brasília: Ipea, 2011, p. 31. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf, acesso
em 02/08/2017, às 18h38min.

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subnormais‖ no Brasil (dentre os quais estão inseridos as favelas) são chefiados por
uma pessoa negra, enquanto apenas 33,9% possuem chefia branca. Os dados indicam
ainda que o percentual de domicílios em adensamentos subnormais vem diminuindo
para os chefes de família brancos e vem aumentando em especial para aqueles
domicílios que são chefiados por mulheres negras, o que indica a crescente
vulnerabilidade nas condições de habitação das famílias chefiadas por mulheres negras.
13. Por outro lado, levantamento produzido pelo estudante de Geografia da
Universidade de São Paulo Hugo Nicolau Barbosa de Gusmão, que chamou atenção da
imprensa nacional e internacional11, apontou que a distribuição racial nas capitais
brasileiras segue concentrando as populações branca e negra em espaços diferenciados.
Sobre o Rio de Janeiro, o pesquisador constatou:
Vemos nos mapas que as regiões mais próximas a praia, como a Zona Sul,
com o famoso bairro de Copacabana e a Barra da Tijuca possuem uma
população altamente branca enquanto as regiões mais afastadas da praia e em
direção ao interior do continente possuem uma composição racial um pouco
mais distribuída. Vale destacar que os pontos no mapa onde há grande
concentração de pretos e pardos são em sua maioria morros e favelas
demonstrando como os negros e pardos são altamente segregados na cidade do
Rio de Janeiro.
14. Como a gestão da segurança pública tem em mira quase que
exclusivamente as favelas em seu objetivo de ―combater o tráfico de drogas e enfrentar
a criminalidade‖ e opta-se por privilegiar a militarização e as ações bélicas em tais
áreas, tem-se como consequência a criação de riscos desproporcionados às populações
vulneráveis que estão geograficamente alocadas nestes bairros (atingindo a fruição do
direito à vida, até o acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à mobilidade urbana).
Produz-se, com isso, um cenário de discriminação racial indireta (conceito extraído
da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Outras
Formas Correlatas de Intolerância12 - ainda não ratificada pelo Brasil), uma vez que
apesar de não se apresentar de forma explícita e institucionalizada no discurso das
autoridades ou nos protocolos dos agentes estatais, suas práticas materializam
consequências mais gravosas e incidem com maior gravidade sobre a população
majoritariamente negra das favelas cariocas.
15. Em vez de pautar sua atuação pelo planejamento estratégico,
investimento na inteligência policial, controle de armas e de fronteiras etc., as forças de
segurança adotam como alvo preferencial os espaços racializados e empobrecidos da
cidade e agem de maneira a não reconhecer os seus habitantes como destinatários do
direito à segurança. Ao contrário, dão o tom do modus operandi das agências estatais
encarregadas do uso da força a filtragem racial13, a predominância de pessoas negras

11
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151109_mapa_desigualdade_rio_cc
12
Artigo 1
(...)
2.Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada,
quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma
desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas razões
estabelecidas no Artigo 1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou
critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos
Humanos.
13
O representativo caso de Izaqueu Alves se notabilizou em 2010 quando o fotógrafo, negro, foi
aleatoriamente abordado pela Polícia Militar numa estação de metrô extremamente movimentada na Zona
Norte do Rio de Janeiro e foi conduzido à Delegacia de Polícia algemado e acusado dos crimes de

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dentre as vítimas de letalidade policial14 e a permissividade15 diante das violações de
direitos humanos praticadas por agentes estatais em bairros periféricos. São dados que
se somam numa interação interseccional a outros fatores de vulnerabilidade (como o
gênero, a pobreza e a precária disponibilidade de serviços públicos) para reforçar a
situação de desigualdade estrutural de grupos vulneráveis e determinar a falha
coletiva das políticas de segurança em oferecer mínima proteção a estes sujeitos.
16. Nesse contexto de recrudescimento da violência e do discurso de
necessidade de endurecimento da repressão à criminalidade é que o Governo Federal,
em 28/07/2017, baixou o Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autoriza o
emprego das Forças Armadas em funções de segurança pública, no Estado do Rio de
Janeiro, inicialmente até 31 de dezembro de 2017 e agora prorrogado até o final de
2018. A convocação das Forças Armadas para tarefas de segurança e até mesmo em
unidades prisionais tem sido frequente. Entre 2010 e 2017, foram realizadas 29 ações de
GLO no Brasil, inclusive um período de 15 meses de ocupação militar no conjunto de
favelas da Maré16 (abril/2014 a junho/2015), e uma convocação para proteção de
prédios do Governo Federal quando dos protestos em Brasília, em 24/05/17, contra a
reforma da legislação trabalhista.
17. No caso da Maré, as Formas Armadas permaneceram entre 1° de abril de
201417 a 30 de junho de 2015. Nesse período de 1 ano e três meses de ocupação militar,
o custo foi de R$ 600 milhões, valor equivalente ao dobro dos gastos de programas
sociais da Prefeitura Municipal nos seis anos anteriores 18. Na atual GLO no Rio de
Janeiro, os gastos serão de R$ 1,5 milhão por dia para manutenção dos militares nas
ruas. Considerando que a previsão de duração da operação é de até 31 de dezembro de
2017, serão, pelo menos, R$ 225 milhões de despesas. Convém recordar que os
servidores públicos estaduais, incluindo aí os policiais, estão com salários e
gratificações atrasadas e diversos serviços públicos estão em situação de extrema
precariedade, principalmente os de saúde, e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
em estado de penúria.
18. Nesse sentido, o próprio Comandante do Exército, General Eduardo
Villas Bôas, em audiência pública no Senado Federal, afirmou que o uso das Forças
Armadas em atividades de segurança pública através dos decretos de GLO desagrada os
próprios militares. O General declarou com relação à experiência na Maré que: “Lá [na
favela da Maré] ficamos 14 meses. No dia em que saímos, uma semana depois, tudo havia

―desacato‖ e ―desobediência‖ por ―não ter apresentado registro‖ aos policiais. Noticiado em:
https://oglobo.globo.com/sociedade/de-prisoes-mortes-filtragem-racial-causa-injusticas-diarias-no-pais-
22198889
14
Dados do Instituto de Segurança Pública, já mencionados acima:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/26/rj-9-em-cada-10-mortos-pela-policia-
no-rio-sao-negros-ou-pardos.htm
15
É emblemática a fala do atual Ministro da Segurança Pública, amplamente divulgada na imprensa
nacional em fevereiro de 2018, sobre a ―necessidade‖ de expedir mandados de busca domiciliar coletivos
(sem individualização do domicílio objeto da busca) em razão da ―realidade urbanística‖ das favelas
cariocas. O instrumento, inclusive, já foi utilizado em momentos anteriores pelas forças de segurança do
Rio de Janeiro. Noticiado em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/ministro-da-defesa-diz-que-
operacoes-no-rio-vao-precisar-de-mandados-de-busca-e-apreensao-coletivos.ghtml
16
A Maré é oficialmente um bairro da cidade do Rio de Janeiro, contando com 140 mil habitantes e um
abrange 16 comunidades populares.
17
Triste coincidência da data com o cinquentenário do golpe militar que instaurou o regime ditatorial no
Brasil (1964-85).
18
http://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-rio/na-mare-ocupacao-militar-custou-o-dobro-dos-gastos-
sociais-nos-ultimos-seis-anos/

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voltado ao que era antes. Temos que realmente repensar esse modelo de emprego, porque ele
é desgastante, perigoso e inócuo‖ 19.
19. Contudo, ainda assim a militarização da política de segurança tem sido
uma característica cada vez mais acentuada recentemente. Somente no Rio de Janeiro
nos últimos 10 anos, as Forças Armadas foram convocadas 12 (doze) vezes a atuar em
funções de segurança20. Desde os megaeventos esportivos (Copa do Mundo de futebol
2014 e Jogos Olímpicos 2016), eleições, votações no parlamento de leis de austeridade
fiscal, e ocupações militares de conjuntos de favelas na Maré e do Alemão.
20. A propósito da incompatibilidade do emprego das Forças Armadas em
funções de polícia à luz do paradigma da Segurança Cidadã, a Comissão já se
manifestou reiteradamente sobre tal situação, em vários países da região:
es fundamental la separación clara y precisa entre la seguridad interior como
función de la Policía y la defensa nacional como función de las Fuerzas
Armadas, ya que se trata de dos instituciones substancialmente diferentes en
cuanto a los fines para los cuales fueron creadas y en cuanto a su
entrenamiento y preparación. La historia hemisférica demuestra que la
intervención de las fuerzas armadas en cuestiones de seguridad interna en
general se encuentra acompañada de violaciones de derechos humanos en
contextos violentos, por ello debe señalarse que la práctica aconseja evitar la
intervención de las fuerzas armadas en cuestiones de seguridad interna ya que
acarrea el riesgo de violaciones de derechos humanos21.
21. No entanto, como contrapartida à utilização das Forças Armadas em
funções de policiamento, o Exército demandou ―garantias jurídicas‖. De acordo com o
próprio comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, a medida atenderia a
uma reivindicação das Forças Armadas, que pretende evitar que “soldados sejam
julgados na Justiça comum por eventuais „problemas‟ no combate ao crime no Rio‖22.
Ainda nas palavras de Villas Bôas, ―a segurança jurídica deve prover a necessária
liberdade de ação para as forças atuantes‖, o que dá a entender que, na visão do
comando do Exército, uma maior proteção de seus agentes contra medidas de
responsabilização por violações de direitos humanos. Em recente reunião com o
Conselho da República, ocorrida no dia 19/02/18, o comandante do Exército, declarou
ser necessário dar aos militares ―garantia para agir sem o risco de surgir uma nova
Comissão da Verdade‖23, referindo-se à Comissão formada pelo Governo para
documentar as violações de direitos humanos praticadas na ditadura militar (1964-85).
22. Nesse propósito foi aprovada a Lei nº. 13.491, de 13 de outubro de 2017,
que transfere para a competência da Justiça Militar da União o julgamento de crimes
dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis, bem
como amplia a competência da Justiça castrense para processar e julgar outros delitos
(tais como, tortura e abuso de autoridade) imputados a militares contra civis.

19
http://g1.globo.com/politica/noticia/comandante-do-exercito-diz-que-uso-de-militares-na-seguranca-
publica-e-perigoso.ghtml
20
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/29/rio-chama-exercito-contra-violencia-
pela-12-em-10-anos-virou-rotina.htm
21
CIDH, Informe sobre la situación de los Derechos Humanos en Venezuela, 2003, capítulo III,
‖Seguridad del Estado: las Fuerzas Armadas y los Cuerpos Policiales de Seguridad‖, párrafo 272.
22
https://oglobo.globo.com/rio/comandante-do-exercito-cobra-apoio-juridico-militares-que-atuam-no-rio-
21685166, acesso às 14h00min.
23
https://g1.globo.com/politica/blog/cristiana-lobo/post/general-vilas-boas-militares-precisam-ter-
garantia-para-agir-sem-o-risco-de-surgir-uma-nova-comissao-da-verdade.ghtml

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23. Apesar do comunicado à imprensa ―ONU Direitos Humanos e CIDH
rechaçam de forma categórica o projeto de lei que amplia jurisdição de tribunais
militares no Brasil” 24 de profunda preocupação desta CIDH e do Alto Comissariado da
ONU, a lei foi sancionada, em contrariedade às obrigações internacionais e aos
standards interamericanos de independência e imparcialidade da investigação e da
Justiça.
24. Todavia, a aprovação da Lei nº. 13.491/2017 não esgota as garantias de
impunidade pretendidas pelas Forças Armadas e outros órgãos da segurança para suas
intervenções. Com justificativa semelhante, foi apresentado ao Senado Federal o Projeto
de Lei nº. 352/201725, que altera o Código Penal brasileiro, para presumir legítima
defesa quando o agente de segurança pública mata ou lesiona quem porta ilegal e
ostensivamente arma de fogo de uso restrito.
25. Atualmente, o PLS nº. 352/2017 tramita para ser apreciado pela
Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, com parecer favorável do
Relator para sua aprovação26.
26. Trata-se de elemento da disciplina de guerra, que autoriza a seleção de
alvos baseados no status de um indivíduo, independentemente da prática de qualquer
ação hostil contra o agente de segurança.
27. Observe-se que a proposta alcança não somente as Forças Armadas
(sujeitas até o presente momento às regras de engajamento editadas pelo Ministério da
Defesa27 para uso da força, que preveem o esgotamento de todas as possibilidades de
negociação e exigem o emprego moderado e proporcional da força), mas qualquer
agente de segurança pública, o que abarcará, segundo a repartição constitucional de
competências (art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988): a
Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias
Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares.
28. No mesmo sentido, tem-se ainda em tramitação na Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei nº. 9564/2018 e o Projeto de Lei nº. 9733/2018, ambos
apresentados recentemente, que propõe o estabelecimento de novas causas de
excludente de ilicitude e culpabilidade na legislação penal brasileira para os agentes
públicos envolvidos em operações da intervenção federal28.
29. A lógica que permeia a iniciativa legislativa é a de atrair para os
confrontos entre o crime organizado e as agências de segurança a disciplina do estado
de guerra declarada – incabível para conflitos desta natureza segundo a Constituição
de 1988. Com isso, os órgãos encarregados do enfrentamento da criminalidade e da
violência urbana gozariam de um arcabouço normativo mais flexível para uso da
força letal e ainda de menor grau de responsividade dos militares envolvidos em
lesões à vida ou à integridade de civis.
30. Nessa esteira, o General Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército
Brasileiro, chegou a declarar à imprensa ser ―fundamental‖ uma mudança nas regras de

24
http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2017/160.asp
25
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7203849&disposition=inline
26
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7637882&disposition=inline
27
http://www.defesa.gov.br/arquivos/File/2010/mes12/regras.doc
28
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2169007

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enfrentamento armado, a fim de permitir que os militares disparem contra pessoas
portando armas de fogo nas ruas do Rio de Janeiro29.
31. Prosseguindo na escalda de militarização da função estatal de segurança,
e logo em seguida ao período das celebrações de carnaval, esse ano marcado
especialmente por protestos sociais e políticos30, e em ano de eleição para o Presidente
da República, o Governo Federal decretou31 Intervenção Federal no Estado do Rio de
Janeiro, que possui marcado caráter militarizado, pois o Interventor nomeado é um
General da ativa, acumulando a função com o cargo de Comandante Militar do Leste,
assim como o Secretário de Segurança, que comandará as polícias.
32. O receio é de que a Intervenção Federal, somada à operação de GLO que
autoriza o emprego das Forças Armadas em funções de segurança interna no Rio de
Janeiro, ambas sob o comando do Exército, represente um acirramento da militarização
da política de segurança e, com isso, seja reforçado esse caráter repressivo e violento em
ações, especialmente em territórios populares, e a ausência de mecanismos de controle
democrático e da falta de responsabilização por violações.
33. E não somente autoridades militares pedem uma ―flexibilização‖ das leis
para maior liberdade de atuação das forças militares e policiais. Nesse sentido, o
Ministro da Justiça, Torquato Jardim, declarou considerar ―razoável‖ mudar leis para
proteger os militares, endossando o coro belicista da intervenção e da política de
segurança:
―Você está no posto, mirando a distância, na alça da mira aquele guri que já
saiu quatro, cinco vezes, está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem
que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino a distância?
Ele é um cidadão sob suspeita porque não está praticando o ato naquele
momento ou é um combatente inimigo? Os EUA enfrentaram esse tema
como um inimigo combatente. É a noção de guerra assimétrica, estamos
vivendo uma guerra simétrica.‖
34. Nesse exato sentido, foi precisa a manifestação do Alto Comissário da
ONU para Direitos Humanos (ACNUDH), por ocasião da 37ª sessão anual do Conselho
de Direitos Humanos, em 1° de março último, criticando a ―anistia preventiva‖
solicitada pelo alto comando do Exército:
―Estou preocupado com a recente adoção de um decreto que concede às
Forças Armadas a autoridade para combater o crime no Rio de Janeiro, e
coloca a polícia sob o comando de militares. As Forças Armadas não são
especializadas em segurança pública ou investigação. Vejo com receio o
pedido de oficiais de alto escalão por medidas que equivalem a uma anistia
preventiva para as tropas que possam vir a cometer violações de direitos
humanos. Demando que o governo assegure que as medidas de segurança
respeitem os padrões de direitos humanos, e que medidas efetivas sejam
tomadas para prevenir o racismo institucional e a criminalização da pobreza.
Estou a par da criação do Observatório de Direitos Humanos na última

29
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/comandante-do-exercito-defende-mudanca-em-
regras-de-enfrentamento-no-rio.shtml
30
https://istoe.com.br/carnaval-do-rio-de-janeiro-mostra-criatividade-contra-a-crise-e-o-vampiro-temer/
31
Decreto n. 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, acessível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9288.htm.

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semana, para monitorar as ações militares durante a intervenção, e enfatizo a
importância da participação da sociedade civil nessa entidade‖32
35. No entanto, os altos oficiais do Exército têm se pronunciado no sentido
oposto. Em recente declaração, o General Walter Souza Braga Netto, Interventor
Federal, afirmou que a atuação das Forças Armadas no comando da Secretaria de
Segurança que o ―Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil‖33.
36. Ainda mais preocupantes foram as declarações do General Augusto
Heleno, ex-comandante das tropas brasileiras na missão de paz da ONU no Haiti, no dia
07 de março último, na Escola Superior de Guerra. A ação militar no país caribenho é
tida como ensaio e referência para atuação das Forças Armadas no Rio de Janeiro. O
General menciona expressamente a atuação do Exército no conhecido caso Gomes Lund
e outros (―Guerrilha do Araguaia‖), no qual o Estado Brasileiro foi condenado pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos34, pelo desaparecimento forçado, morte e
não investigação do caso de mais de 40 guerrilheiros durante a ditadura militar:
―A hora em que começarem as operações pontuais [do Exército no
Rio], vai aparecer um monte de cara chiando sobre direitos
humanos. Se os humanos direitos não têm direitos humanos,
primeiro temos que consertar isso. (...) O verbo da missão é eliminar.
Ou bota na cadeia, ou mata. (...) Não adianta prender o traficante e,
dois dias depois, uma audiência de custódia soltar (...). A Colômbia
ficou 50 anos em guerra civil porque não fizeram o que fizemos no
Araguaia.‖35
37. O renomado jornalista Elio Gaspari, autor de premiadas obras sobre a
ditadura militar no Brasil, em sua coluna nos jornais Folha de São Paulo e O Globo, nas
edições do dia 11 de março de 2018, repercutiu a fala do General Augusto Heleno com
uma preocupação que a muitos atormenta: ―O „fizemos‟, feito está, mas o medo é que
ele se transforme num „faremos‟‖36.
38. Outro fato novo relevante no contexto da situação de violência e
criminalidade no Rio de Janeiro foi o assassinato da vereadora e defensora de direitos
humanos Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, ocorrido no dia 14 de
março, no Rio de Janeiro. Tal crime teve significante repercussão nacional e
internacional e pronunciamento desta Comissão em razão do ativismo de Marielle na
defesa dos direitos de jovens, mulheres, afrodescendentes e população LGTBI, bem
como por ser vereadora das mais votadas nas últimas eleições e relatora da Comissão da
Câmara Municipal para fiscalizar a intervenção federal.
39. Dias antes de ser assassinada, Marielle denunciou publicamente a
atuações violentas da Polícia Militar que resultaram em mortes em Acari e Jacarezinho,
territórios populares da cidade do Rio de Janeiro e historicamente alvos da violência
policial e exclusão social37. Ainda não se conhece a autoria e a motivação do crime, no

32
http://www.conectas.org/noticias/onu-critica-intervencao-rio-de-janeiro
33
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/autoridades-detalham-medidas-da-intervencao-federal-o-
rio-de-janeiro.ghtml
34
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf
35
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marco-aurelio-canonico/2018/03/rio-haiti-araguaia.shtml
36
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2018/03/o-general-e-o-que-fizemos-no-
araguaia.shtml
37
https://theintercept.com/2018/03/17/essa-e-a-historia-dos-tres-crimes-que-marielle-franco-denunciou-
antes-de-morrer/

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entanto são evidentes os sinais de que se tratou de uma execução pelo modus operandi
dos assassinatos. A investigação já descobriu que a munição utilizada era pertencente a
lote adquirido e desviado da Polícia Federal, que também fora utilizado em outra
chacina praticada em São Paulo com envolvimento de policiais. Sem embargo, o efeito
imediato e concreto de tal bárbaro crime foi aterrorizar pessoas defensoras de direitos
humanos, tornando o ambiente no Rio de Janeiro ainda mais difícil e perigoso para
defesa de direitos humanos de pessoas e grupos socialmente vulneráveis.

III. DO RELATO DOS FATOS DENUNCIADOS: a dinâmica da ação conjunta da


Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e do Exército Brasileiro no Complexo do
Salgueiro, São Gonçalo, 11-11-2017.
40. Menos de um mês após sancionada a Lei n°. 13.491, que transfere a
competência da Justiça Comum para a Justiça Militar investigar, processar e julgar
crimes dolosos contra a vida de civis atribuídos a militares das Forças Armadas, bem
como amplia a competência da Justiça Castrense para julgar infrações penais imputadas
a militares contra civis (incluindo, crimes de tortura e abuso de autoridade praticados
por policiais militares), ocorreu a chacina no Complexo do Salgueiro numa operação
que resultou em 8 mortos, todos civis.
41. Os mortos são: MÁRCIO MELANES SABINO (21 anos), JOSUÉ
COELHO (19), MARCELO DA SILVA VAZ (31), VICTOR HUGO COELHO (28),
LUIZ AMÉRICO DA SILVA (46), BRUNO COELHO (26), LORRAN DE OLIVEIRA
GOMES (18) e LUIZ OTÁVIO ROSA DOS SANTOS (27) – este último falecido
semanas após o ocorrido, durante internação hospitalar.
42. Nas primeiras horas do dia 11 de novembro de 2017 – o Rio de Janeiro
ainda não estava sob intervenção federal, mas as Forças Armadas já estavam operando
em funções de segurança no Estado sob o regime de Garantia da Lei e da Ordem
decretado pelo Presidente da República –, uma operação conjunta da Coordenadoria de
Recursos Especiais (CORE), tropa de elite da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro,
e das Forças Especiais do Exército Brasileiro foi deflagrada no Salgueiro, um bairro
popular que possui um conjunto de favelas, na cidade de São Gonçalo, região
metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.
43. De acordo com a versão oficial, um comboio formado de 2 (dois)
veículos blindados do Exército e 1 (um) da CORE, composto por 15 policiais da CORE
e 17 militares, adentrou o Complexo do Salgueiro e sem que policiais ou militares
tivessem efetuado qualquer disparo, apenas teriam ouvido disparos a distância, se
depararam com 7 (sete) corpos ao longo da através da Estrada das Palmeiras, no interior
da comunidade.
44. Em depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo
(DHNSG), o delegado e coordenador da CORE Rodrigo Teixeira Oliveira, assim como
os demais policiais civis que participaram da operação, negaram ter efetuado qualquer
disparo. O coordenador da CORE declarou em relação a operação realizada na noite do
dia 11-11-17:
―QUE o declarante é Coordenador da CORE e nada de hoje participou da
operação ocorrida no complexo do Salgueiro; QUE há cerca de uma semana,
operação conjunta das forças de segurança do Estado ocorreu na mesma
localidade, tudo conforme amplamente divulgado na mídia; aprofundar o
mapeamento do local, sendo certo ser o Complexo do Salgueiro uma das regiões

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com maior índice de violência do Estado do Rio de Janeiro; QUE, para tanto
imperiosa necessidade de uma nova incursão no local buscando esclarecer todas as
incertezas ainda existentes; QUE, neste sentido, buscou apoio logístico junto às
Forças Armadas, mais precisamente o Exército Brasileiro, uma vez que os veículos
blindados da CORE estão em manutenção, restando para uso somente 01 (um), o
qual seria insuficiente considerando a demanda operacional de tal reconhecimento;
QUE, de pronto, o Exército Brasileiro se prontificou a apoiar a ação,
disponibilizando mais 02 (blindados) para serem utilizados na operação; QUE na
data de hoje, nas primeiras horas do dia, foi realizada a incursão na localidade do
Complexo do Salgueiro, sendo o primeiro blindado do comboio o de dotação
própria da CORE e tripulado por seus policiais; QUE o segundo blindado de uso
do EB era onde o declarante estava ocupando seu acento [sic], sendo este veículo
composto por uma tripulação mista entre policiais da CORE e a guarnição militar;
QUE o terceiro e último blindado da incursão era composto somente pelos
integrantes da guarnição militar; QUE tão logo adentraram a comunidade pode
identificar, ainda dentro do blindado, diversos disparos de arma de fogo, sendo
certo ter havido grande resistência armada por parte dos criminosos que ali se
homiziam; QUE após alguns poucos minutos de incursão motorizada, as equipes
dos 03 (três) blindados desembarcaram e passaram a progredir ora a pé, ora
novamente embarcada; QUE durante todo esse percurso não houve contato direto
da equipe do declarante com resistência armada, muito embora fosse possível
ouvir em algumas direções disparos de arma de fogo; QUE neste percurso
verificou-se a presença de alguns indivíduos baleados caídos ao chão, tendo sido
arrecadado juntos a estes farto material bélico e entorpecentes conforme apreensão
apresentada nesta UPJE; QUE não tem como precisar de onde ou quem efetuou os
disparos que atingiram os homens que estava [sic] armados disparando contra as
forças de segurança; QUE pode afirmar que esses disparos não partiram dos
policiais ou militares que compunham a fração que ele integrava; QUE não tem
como precisar especificamente qual policial arrecadou cada bem apreendido, uma
vez que a situação no local era extremamente perigosa e as equipes deveriam
seguir o planejado inicialmente, visando obter dados de informação necessários,
somando-se o fato de estar escuro por conta do horário; QUE pode afirmar que
participaram desta incursão com os blindados cerca de 30 (trinta) profissionais
aproximadamente; que de pronto foi acionada a DHNSG para as medidas cabíveis,
em especial realização de perícia no local; QUE enquanto aguardavam a chegada
da DHNSG as equipes continuaram checando os objetivos e mapeando os dados de
inteligência necessários; QUE após a realização da perícia e acionamento dos
Bombeiros (rabecão) as equipes se retiram do local e se dirigiram a este sede
policial onde a ocorrência foi apresentada; QUE deseja esclarecer que em TODAS
as oportunidades em que a CORE esteve presente no Complexo do Salgueiro houve
forte resistência armada por parte de criminosos; QUE sem o apoio logístico do
Exército a CORE teria muita dificuldade em realizar tal diligência, podendo
inclusive ser inviabilizada em algumas circunstâncias; QUE desconhece o efetivo
total empregado pelo Exército, tendo tido contato tão somente com uma pequena
fração, a qual compunha a tripulação dos blindados conforme já descrito acima. E
mais não disse”.
45. A operação anterior referida pelo Delegado, também no Complexo do
Salgueiro, ocorreu nas primeiras horas do dia 07-11-17, e contou com cerca de 3.500
homens das Forças Armadas e polícias federal, rodoviária federal e militar, e cerco

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marítimo da Marinha38. Houve prisões, mas sem morte. Curiosamente, o delegado da
CORE alega que o objetivo da operação do dia 11-11-17 à noite era ―aprofundar o
mapeamento do local‖, poucos dias após ter sido realizada uma operação de grande
porte, durante o dia.
46. Foram arrecadados no local e apresentados pelos policiais na Delegacia:
um fuzil, sete pistolas, munições e drogas, como sendo de 6 (seis) das vítimas fatais. A
vítima fatal Marcelo Silva Vaz, que trabalhava como motorista de Uber, não teve
nenhum objeto ilícito atribuído a sua posse39. As vítimas sobreviventes não são citadas
no registro.
47. Na primeira declaração oficial conjunta, na noite do dia 11-11-17, a
Polícia Civil e Exército afirmaram que ―no local, pode se perceber resistência armada
por parte de criminosos‖. Posteriormente, em nota enviada à imprensa no dia 13-11-17,
o Comando Militar do Leste afirmou que: ―ao adentrarem a comunidade, militares
ouviram intensos tiroteios. Enquanto avançava pela Estrada das Palmeiras, o comboio
de blindados encontrou vítimas de disparos de arma de fogo ao longo da via‖. No texto,
em contradição com a primeira declaração, afirma que “não houve confronto entre
militares e integrantes de facções criminosas.”40.
48. O Coronel Roberto Itamar, porta-voz do Comando Militar do Leste
(CML), declarou que o Exército não investigaria o caso, pois os militares não efetuaram
qualquer disparo: ―Se houver indício ou necessidade, que por enquanto não há, o
Ministério Público Militar poderia abrir uma investigação.‖ De acordo com a
reportagem do El País intitulada ―O caso dos sete mortos que ninguém matou‖41, em
depoimentos na Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Estado, os policiais civis
da CORE também negaram ter efetuado disparos.
49. O delegado Marcos Amin, da DHNSG da Polícia Civil, responsável pela
investigação do caso, explicou que, em razão da recente aprovação da Lei nº. 13.491/17,
não poderia ouvir os militares nem apreender suas armas, entre outras diligências,
porque não teria poderes para investigá-los, o que prejudicava a elucidação do caso:
―Isso atrapalha minha investigação. Eu preciso de todas as partes envolvidas para
montar o cenário. Quando não tenho uma das peças, isso dificulta a reconstituição do
que aconteceu.‖. Afirmou, ainda, o delegado Amin que: ―Os agentes da Core alegam
que sequer fizeram disparos. Pelo que está sendo apurado, foram os militares que
participaram do confronto.” 42. Disse, ademais, sequer tinha informação sobre qual
unidade do Exército participou da operação.
50. Desde então, reconheça-se, os principais avanços na investigação das
mortes se deveram à imprensa, dada a falta de transparência do Exército. Em entrevistas
sem revelar a identidade, a vítima sobrevivente DANIEL DE MORAES, um padeiro de
19 anos de idade, informou que os disparos não vieram dos blindados, mas da mata que
ladeiam a Estrada das Palmeiras, por homens vestidos de preto, armados com fuzis
que tinham luz vermelha, e usavam um capacete com lanterna.
38
https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/forcas-de-seguranca-fazem-operacao-em-sao-goncalo-no-
rj.ghtml
39
https://extra.globo.com/casos-de-policia/guerra-do-rio/operacao-no-complexo-do-salgueiro-sem-drogas-
nem-armas-sem-propria-vida-22311373.html
40
https://extra.globo.com/casos-de-policia/forcas-armadas-mudam-versao-sobre-operacao-com-sete-
mortes-em-sao-goncalo-22065586.html
41
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/14/politica/1510686437_487995.html
42
https://extra.globo.com/casos-de-policia/policiais-civis-afirmam-que-somente-homens-do-exercito-
atiraram-durante-operacao-em-sao-goncalo-22060971.html

Página 14 de 46
51. Suas declarações foram ratificadas em depoimento prestado, enquanto
ainda se encontrava internado no hospital (Pronto Socorro de São Gonçalo), a
promotores do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Disse que enquanto conduzia sua
motocicleta, com seu colega Marcos Vinicius na carona, na Estrada das Palmeiras,
foram alvejados, ele nas mãos e na perna e seu amigo no pescoço. Declarou que os
disparos vieram da direção da mata, à distância, e quando estavam feridos e caídos, se
aproximaram homens vestidos de preto, armados com fuzis que tinham luz vermelha, e
usavam um capacete com lanterna. Que esses homens pegaram seu telefone celular e
disseram que retornariam para matá-lo. Relata que quando os veículos blindados
passaram por eles, os homens que atiraram nele estavam à vista, no entanto não
pararam. Declarou que não houve troca de tiros, o que aconteceu foi ―tiro ao alvo‖. Por
fim, disse que ao chegar no hospital foi abordado e ameaçado por três homens brancos
vestindo uniformes da Polícia Civil, que lhe perguntaram o que havia acontecido, não
acreditando que a vítima era trabalhador e disseram que voltariam para ―furar o soro
que o declarante estava tomando.‖
52. O depoimento da vítima DANIEL é confirmado pelos depoimentos de
sua irmã RAYANE DE ALVARENGA MATOS, que estava presente no local e
também viu homens no mata, ao lado da Estrada da Palmeiras, trajando fardas pretas,
capacete e fuzis com mira laser, e LUIZ OTÁVIO ROSA DOS SANTOS, outra vítima
sobrevivente, mas que veio a falecer posteriormente, em decorrência dos ferimentos.
53. Registre-se, ademais, que no Laudo de Exame de Local de Homicídio,
elaborado por Perito Criminal da Delegacia de Homicídios, há informação de relato de
moradores, à hora dos exames periciais, poucas horas após as mortes, que ―davam
conta de disparos vindos do interior da mata‖, bem como que ―Vale consignar que,
mediante elementos coligidos no local, a saber: localização dos cadáveres na via,
ângulo de incidência de algumas lesões nestes encontradas, sentido da via em que se
direcionavam e distância dos disparos – é oportuno depreender verossimilhança em
tais relatos, não havendo elementos técnicos que os contrariem.” (item g, página 29 do
laudo).
54. Da mesma forma, no próprio registro de ocorrência policial nº. 951-
01098/2017, realizado pelo Delegado da CORE Rodrigo Teixeira Oliveira, ainda no dia
dos fatos, quando apresentados objetos apreendidos e os cadáveres das vítimas à
autoridade policial local (Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo), declarou-se
como dinâmica do fato ―Trata-se de Missão de Reconhecimento em apoio ao EB que
estava no interior do blindado 03 da CORE, juntamente com 02 blindados do EB,
equipes SOTE 02, SAER 02 e Administração, comandados pelo coordenador da CORE,
Dr. Rodrigo Oliveira. Que o referido material citado nesse referido registro de
ocorrência ocorreu na Estrada das Palmeiras, na localidade da mata, na comunidade
do Salgueiro, no bairro do Salgueiro, em SG‖.
55. Segundo informações43 enviadas ao NUDEDH da Defensoria Pública e
ao GAESP do Ministério Público estadual pelo DefeZap44 – organização da sociedade
civil que recebe e encaminha aos órgãos independentes denúncias de violência
institucional através de mensagens de aplicativo de telefone celular –, há relatos de que
os disparos partiram de homens escondidos na mata, que teriam sido deixados por

43
https://extra.globo.com/casos-de-policia/moradores-denunciam-que-helicopteros-deixaram-homens-de-
rapel-na-mata-antes-de-acao-com-sete-mortos-22101483.html
44
https://www.defezap.org.br/

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um helicóptero apagado que sobrevoou a área, por volta das 23h do dia 10-11-17,
tendo os militares descido do helicóptero até a mata através de rapel.
56. Conforme observado na reportagem do El País, de 22-11-17, intitulada
―De capacete preto e miras laser, a nova forma de matar impunemente no Rio‖45, os
relatos das vítimas sobreviventes e da uma testemunha coloca na cena um elemento que
a Polícia e o Exército nunca reconheceram: homens escondidos na mata, com
armamento dotado de mira laser e capacetes. Tais equipamentos, segundo fontes de
divisões especiais da Polícia Civil ouvidas pela reportagem, não pertencem à CORE. A
matéria jornalística ainda informa que o CML, através de seu Porta-Voz, negou
veementemente que houvesse militares escondidos na mata.
57. Em reportagem do jornal Extra, em 10-12-17, ―Plano era infiltrar
homens no meio do matagal”46, os jornalistas Rafael Soares e Carolina Heringer
revelaram que, em reunião ocorrida em 06-11-17, a cúpula das forças de segurança
estaduais e federais definiu um plano para encurralar traficantes no Complexo do
Salgueiro, em São Gonçalo. A estratégia era entrar na favela pela Rodovia BR-101 com
―caveirões‖ (como são conhecidos os veículos blindados da polícia) e forçar os
traficantes a tomarem a rota de fuga identificada em investigações da Polícia Civil: a
Estrada das Palmeiras. Ali, homens do Exército que chegariam em helicópteros e se
infiltrariam numa mata, na noite anterior, surpreenderiam os fugitivos. O plano foi posto
em prática no dia seguinte, mas fracassou: avisados, os traficantes deixaram a favela
antes. Na madrugada do dia 11-11-17, uma nova ação da Polícia Civil e do Exército no
local terminou com sete mortos — após um mês, a oitava vítima não resistiu aos tiros e
faleceu no hospital. A realização da reunião e o plano foram confirmados ao jornal
EXTRA por duas fontes que investigam a ação. Participaram do encontro, no Centro
Integrado de Comando e Controle, na Cidade Nova, representantes da Secretaria de
Segurança, do Exército, da Marinha, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e
da Polícia Civil.
58. Em nota à imprensa, o Exército confirmou a existência da reunião e o uso
de helicópteros para infiltrar homens na mata na operação do dia 07-11-17, quando a
operação conjunta não teve resultados significativos. ―No caso da operação realizada
no Complexo do Salgueiro, no dia 7 de novembro, houve reunião na véspera da ação,
na qual foram coordenadas as ações entre as Forças Armadas e as forças de segurança
federais e estaduais, incluindo o emprego de meios blindados, aéreos e navais na
realização do cerco‖, diz a nota. Ainda segundo o CML, ―helicópteros foram
empregados para estabelecer pontos estratégicos na periferia da comunidade,
incluindo elevações e áreas de vegetação com utilização de técnicas de desembarque
em terra‖.
59. Contudo, cabe destacar reportagem produzida pelo jornal O Globo, em
25-02-18, intitulada ―„Fantasmas‟ estão entre nós – tropa especial fará operações de
alto risco‖, na qual são descritos os equipamentos utilizados pelas Forças Especiais do
Exército e seu modo de atuação. E entre os equipamentos utilizados pelas Forças
Especiais estão capacetes com visão noturna e sensor térmico e são treinadas
especialmente para atuar em área de mata, operações com helicópteros e disparos a
longa distância (sniper). São conhecidos como ―fantasmas‖ em razão da atuação nas
sombras, em operações cercadas de sigilo. A reportagem ainda consigna: ―Os FEs

45
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/21/politica/1511289685_933810.html
46
https://extra.globo.com/casos-de-policia/dias-antes-de-mortes-no-salgueiro-reuniao-na-cupula-da-
seguranca-decidiu-botar-militares-na-mata-22170866.html

Página 16 de 46
[Forças Especiais] são treinados para atuar com discrição absoluta, mas a tropa
especial já foi acusada de perder o controle da situação e provocar uma explosão de
violência. A tropa foi colocada sob suspeita de envolvimento na morte de oito pessoas
no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em novembro passado. O Comando
Militar do Leste, no entanto, nega a participação de „fantasmas‟ no caso.‖. É dizer, a
descrição dos equipamentos, uniformes e modus operandi das Forças Especiais do
Exército coincidem precisamente com os relatos dos sobreviventes.
60. Ainda assim, o Comando Militar do Leste permaneceu negando
oficialmente a participação de militares em confrontos armados na tragédia do dia 11-
11-2017. De acordo com ofício-resposta expedido ao NUDEDH (Defensoria Pública)
em 27 de fevereiro de 2018, o General Sinott, do gabinete do Comando Militar Leste,
informou aos Defensores Públicos que ―nenhum militar das Forças Armadas participou
de qualquer confronto armado.‖
61. Finalmente, em reportagem do jornal Extra, em 18-03-18, ―Forças
Especiais estiveram no Complexo do Salgueiro‖47, é revelado que a procuradora de
justiça militar que cuida do caso, Maria de Lourdes Souza Correia Sanson, do
Ministério Público Militar (MPM), esteve na cidade Goiânia, sede do 1º Batalhão de
Forças Especiais, para tomar depoimento dos militares que participaram da operação. A
viagem foi descoberta após ser registrada no Relatório Mensal de Diárias e Passagens
de dezembro de 2017, documento disponível no Portal da Transparência do MPM.
Somente então, o Exército admitiu a participação das Forças Especiais na operação,
mas continua negando envolvimento nas mortes: ―O Exército nunca se negou a
fornecer nenhuma informação a nenhum órgão. Só que estamos, por lei, à disposição
do Ministério Público Militar. Quando os procuradores nos procuraram, esclarecemos
todos os fatos. Participaram daquela operação dois motoristas dos blindados, outros
dois homens responsáveis pela manutenção e 13 homens das Forças Especiais, se não
me engano. Mas as armas de nenhum deles disparou. As armas estão à disposição dos
promotores, e eles podem provar que não fizeram nenhum disparo. As Forças Especiais
chegaram no Rio e saíram logo depois da ação porque eles recebem várias missões em
todo o país e precisam se deslocar rapidamente. O Batalhão fica em Goiânia por isso, é
no centro do país.‖, afirmou o porta-voz do CML.
62. Uma importante evidência que pode ser fundamental para elucidação do
caso é o exame pericial de confronto balístico entre projeteis encontrados nos
corpos de 3 vítimas e as armas utilizadas na operação, de acordo com os Laudos de
Exame de Corpo de Delito de Necropsia.
63. Com relação aos policiais civis da CORE, que estavam no veículo
blindado e afirmam não ter efetuado nenhum disparo, já foram apreendidas para a
realização do exame. No entanto, quanto às armas dos militares não se tem notícia se
foram apreendidas para realização da perícia, havendo, portanto, uma quebra da cadeia
de custódia da prova. E pior. Não se sabe quais militares e quais armamentos foram
empregados na operação. Portanto, o fato de a Lei 13.491/17 ter alterado a competência
para deslocar para a Justiça Militar julgar militares já causa prejuízo à investigação, pois
não foi possível ouvir os militares, apreender as armas e realizar as demais diligências
para uma investigação eficiente.

47
https://extra.globo.com/casos-de-policia/forcas-especiais-participaram-de-operacao-com-oito-
mortes-no-complexo-do-salgueiro-22498913.html

Página 17 de 46
64. Outros gravíssimos fatos envolvem os agentes do Estado e os familiares
das vítimas da chacina. De acordo com declarações da Sra. JOELMA COUTO
MELANES à imprensa ainda em 11-11-2017, ao tentar se aproximar do corpo de seu
filho, MÁRCIO MELANES SABINO, estirado no chão na Estrada das Palmeiras, um
policial chegou a ameaçá-la de morte:
“– Quando soube que alguma coisa tinha acontecido no Salgueiro, corri com
meu marido de carro pra lá e, quando fui me aproximar do corpo do meu
filho, um policial disse que, se nós não saíssemos de lá, ele ia dar um tiro na
nossa cara. Disse para nós sairmos de perto porque ia haver perícia. Eles
estavam xingando todo mundo que passava”48.
65. A mãe de outra vítima, que não quis se identificar, informou ao Jornal
EXTRA:
“– Fui pra lá ver meu filho e não deixaram, mataram inocentes. O motorista
veio me perguntar como sair de lá, mas ele morreu também. O que aconteceu
agora com essa foto só reforça que a gente não tem respeito nem ajuda de
ninguém”49.
66. Ainda em 11-11-2017, depois da remoção dos cadáveres do Complexo
do Salgueiro para perícia médico-legal, os corpos foram empilhados no chão das
dependências do Posto Regional de Polícia Técnica e Científica de São Gonçalo,
ainda ensanguentados e descobertos.
67. Uma fotografia dos cadáveres inadequadamente dispostos vazou nas
redes sociais e chegou até mesmo às famílias dos mortos e à imprensa, causando
comoção e revolta50. Entretanto, o inquérito instaurado pela Corregedoria Interna da
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Procedimento n. 404-00334/2017) concluiu
pelo arquivamento do pedido de apuração das circunstâncias em que ocorreu o
incorreto despojamento dos corpos nas dependências do PRPTC e ainda o vazamento
da fotografia que circulou em redes sociais, ao fundamento de ―impossibilidade de
individualização de condutas‖ e alegada inviabilidade de ―imputar a qualquer servidor a
responsabilidade pelo fato por inexistirem meios de esclarecer a dinâmica do evento‖.
68. Além disso, em declarações à imprensa, a Polícia Civil do Estado do Rio
de Janeiro apresentou os mortos como ―pessoas envolvidas com o crime‖, enfatizando a
existência de antecedentes criminais de ―pelo menos três das vítimas‖, em evidente
estratégia retórica de mobilizar a opinião pública a favor dos agentes estatais e
criminalizar a memória das vítimas51. O Delegado Marcus Amin chegou a questionar
publicamente a veracidade da palavra dos familiares de Vitor Hugo de Castro Carvalho,
duvidando que o jovem de 28 pudesse ser motorista do aplicativo ―Uber‖, como
declarou sua família:
“- Nós estamos com os telefones deles apreendidos. Nós vamos solicitar à
justiça a quebra de sigilo destes telefones para verificar se há algum

48
https://extra.globo.com/casos-de-policia/parentes-acusam-policiais-de-chacina-no-salgueiro-corpos-
em-blindado-da-core-22058880.html
49
https://extra.globo.com/casos-de-policia/familia-se-revolta-ao-ver-foto-de-mortos-no-salgueiro-
amontoados-nos-fundos-do-iml-22059192.html
50
https://extra.globo.com/casos-de-policia/familia-se-revolta-ao-ver-foto-de-mortos-no-salgueiro-
amontoados-nos-fundos-do-iml-22059192.html
51
https://extra.globo.com/casos-de-policia/tres-dos-sete-mortos-no-complexo-do-salgueiro-tinham-
antecedentes-diz-policia-22064505.html

Página 18 de 46
aplicativo, aplicativo de motorista da Uber, para verificar essa história e ver
se os familiares estão falando a verdade.” 52
69. Sobre a atuação da Defensoria Pública no caso, cumpre ressaltar que no
primeiro dia útil seguinte ao acontecimento (13-11-17) foi instaurado de ofício um
procedimento para acompanhamento das investigações, expedindo-se ofícios a fim de
solicitar informações e providências à DHNSG, CORE, PRPTC e Corregedoria Interna
(todos da Polícia Civil), GAESP do Ministério Público estadual, Ministério Público
Militar e ao Comando Militar do Leste, tendo em vista as possíveis múltiplas violações
de direitos humanos e o padrão sistemático de uso excessivo da força/execuções
sumárias e impunidade em casos envolvendo forças policiais e militares que se verifica
em favelas no Rio de Janeiro.
70. Nesse mesmo sentido, o Relatório n° 141/11, dos casos 11.566 e 11.694,
caso Cosme Genoveva, Evandro de Oliveira e outros (Favela Nova Brasília), de 31 de
outubro de 2011. Posteriormente, a CIDH submeteu o caso à jurisdição da CorteIDH
aduzindo que:
“A Comissão estabeleceu que estes fatos ocorreram em um contexto e padrão
de uso excessivo da força e execuções extrajudiciais levadas a cabo pela
polícia no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Além disso, a Comissão
constatou que o contexto em que ocorreram os fatos do caso foi tolerado e
inclusive patrocinado por instituições estatais. A Comissão também
estabeleceu que este contexto inclui falta de mecanismos de prestação de
contas e situação de impunidade em que permanecem estas violações.‖53.
71. Em 11-12-17, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através
do NUDEDH, atendeu e foi constituída para prestar assistência jurídica aos familiares
JOELMA COUTO MELANES e CLAUDIO LIMA LOPES, respectivamente, mãe e
padrasto da vítima fatal MARCIO MELANES SABINO, que ainda deixou uma filha
de 3 anos de idade, MANUELLA FARIAS MELANES, sob a guarda da avó paterna; e
RITA DE CÁSSIA RODRIGUES COELHO e JUSSARA COELHO VIEIRA, mãe e
irmã, respectivamente, da vítima fatal JOSUÉ COELHO.
72. Sobre o andamento da investigação, a organização Human Rights
Watch emitiu, em 22-12-17, a nota ―Brasil: Investigue mortes durante operação do
Exército e da Polícia Civil no Rio‖, declarando que ―Mais de um mês já se passou e as
autoridades brasileiras ainda não fizeram esforços relevantes para investigar as oito
mortes no Complexo do Salgueiro‖– afirmou Maria Laura Canineu, diretora do
Escritório Brasil54. A nota afirma ainda que: ―Policiais da CORE afirmaram que
quando os blindados chegaram à Estrada das Palmeiras nas primeiras horas do dia 11
de novembro encontraram pessoas baleadas e feridas. Um promotor contou à Human
Rights Watch que eles não contataram ambulâncias e os serviços de emergência.
Várias horas depois, as famílias de pelo menos dois homens feridos os encontraram e
os levaram ao hospital.”. Por fim, concluiu Canineu: ―Esse caso evidencia como a lei
que transfere o homicídio de civis à jurisdição militar é um convite à impunidade‖.
―Com as Forças Armadas envolvidas cada vez mais em operações de segurança
pública no Rio de Janeiro, é extremamente importante que essa lei seja revogada o
mais rápido possível.‖.

52
https://extra.globo.com/casos-de-policia/policia-pedira-quebra-de-sigilo-de-telefones-de-dois-dos-
mortos-no-salgueiro-em-sao-goncalo-22062377.html
53
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566NdeRPt.pdf
54
https://www.hrw.org/pt/news/2017/12/22/312841

Página 19 de 46
IV. DAS AUTORIDADES ALEGADAMENTE RESPONSÁVEIS
IV.1. Presidente da República: sanção ao projeto “Licença para matar”, Lei n˚.
13.491 de 16-10-2017, pelo Chefe do Poder Executivo Federal Michel Temer
73. Quanto às inúmeras violações de direitos humanos praticadas na chacina
do Complexo do Salgueiro em 11-11-2017, existe responsabilidade de múltiplas esferas
do Estado brasileiro.
74. Em primeiro lugar, o Presidente da República, Michel Temer, é a
autoridade responsável pela sanção da Lei n˚. 13.491/2017, diploma que ampliou a
competência da Justiça Militar para abranger o julgamento de crimes dolosos contra a
vida praticados por militares contra civis, e ainda ampliou a competência da justiça
castrense para o processo e julgamento de outros delitos (tais como tortura e abuso de
autoridade) praticados por militares contra civis.
75. A lei tem o seguinte teor, publicado no Diário Oficial da União em 16-
10-2017:
Lei n˚. 13.491 de 13 de outubro de 2017
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o. O art. 9o do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 -
Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 9o ..................................................................
......................................................................................
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,
quando praticados:
......................................................................................
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do
Júri.
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de
missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia
da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade
com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica;
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de
Processo Penal Militar; e
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. ” (NR)
Art. 2o (VETADO).
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de outubro de 2017; 196o da Independência e 129o da República.

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76. Seu principal efeito foi a modificação do art. 9o do Código Penal Militar,
que havia sido alterado anteriormente pela Lei Federal n˚. 9.299/1996, quando os crimes
dolosos contra a vida e cometidos contra civil tinham sido definidos como fatos de
competência da justiça comum, em consonância com as normas internacionais de
direitos humanos e recomendações dos mecanismos de proteção e com o próprio art. 5o,
inciso XXXVIII da Constituição da República de 1988, que estabeleceu o tribunal
popular do Júri como garantia fundamental.
77. No entanto, em razão das crescentes utilizações das Forças Armadas em
missões ―excepcionais‖, fora do âmbito da competência constitucional de defesa da
pátria, como apontado acima, passou a ser demandada pelas corporações militares uma
contrapartida de ―garantias jurídicas‖.
78. Assim nasce o Projeto de Lei n˚. 044/2016, que daria origem à Lei
Federal n˚. 13.491/2017, que fora apresentado originalmente pela Câmara dos
Deputados e tinha como justificativa:
“oferecer guarida aos militares que estejam sendo empregados em atividades
excepcionais, pois, não raro, o Presidente da República, na condição de chefe
supremo das Forças Armadas, valendo-se da competência que lhe é atribuída,
determina o emprego das Forças Armadas em missões atípicas que não se
encontram dentre as já especificadas.
(...)
Cumpre ressaltar que as Forças Armadas encontram-se, cada vez mais,
presentes no cenário nacional atuando junto à sociedade, sobretudo em
operações de garantia da lei e da ordem. Acerca de tal papel, vale citar
algumas atuações mais recentes, tais como, a ocorrida na ocasião da greve
da Polícia Militar da Bahia, na qual os militares das Forças Armadas fizeram
o papel da polícia militar daquele Estado; a ocupação do Morro do Alemão,
no Estado do Rio de Janeiro, em que as Forças Armadas se fizeram presentes
por longos meses; e, por fim, a atuação no Complexo da Maré, que teve início
em abril de 2014.
Dessa forma, estando cada vez mais recorrente a atuação do militar em tais
operações, nas quais, inclusive, ele se encontra mais exposto à prática da
conduta delituosa em questão, nada mais correto do que buscar-se deixar de
forma clarividente o seu amparo no projeto de lei.”55.
79. O pano de fundo do Projeto de Lei n˚. 044/2016 era a realização das
Olimpíadas no Brasil durante o ano de 201656, período no qual foram mobilizadas as
tropas federais sob o manto do Decreto Presidencial de Garantia da Lei e da Ordem.
Diante da gravidade de seu teor, a proposta chegou a receber emenda de autoria do
relator na Câmara dos Deputados, para fixar prazo determinado de vigência, que
estabelecia o término de vigência da nova lei ao final do ano de 2016.
80. Todavia, o dispositivo que fixava prazo determinado, constante do texto
final enviado à apreciação da Presidência da República, foi vetado pelo Presidente
Michel Temer, sob a justificativa de que a nova norma não deveria ―ser de caráter
transitório, sob pena de comprometer a segurança jurídica‖. Temer acrescentou que ―o
emprego recorrente das Forças Armadas como último recurso estatal em ações de

55
Inteiro teor do Projeto de Lei n˚. 044/2016, acompanhado de sua justificativa, disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1474872
56
https://ponte.org/lei-considerada-por-especialistas-como-licenca-para-matar-e-sancionada-por-michel-
temer/

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segurança pública justifica a existência de uma norma permanente‖ sobre a questão.
Finalmente, alegou o Presidente da República que não seria adequado conceder a
competência de um tribunal temporariamente, pois isso poderia ser interpretado como
estabelecimento de um tribunal de exceção57.
81. Finalmente, com a sanção presidencial do Projeto de Lei n˚. 044/2016, a
Lei n˚. 13.491/2017 entrou em vigor aos 16-10-2017, por prazo indeterminado.
82. Vale dizer que, durante a tramitação do projeto, o Representante
Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
apresentou ao Senado Federal brasileiro uma carta em que alertava sobre a
contrariedade da proposta às normas internacionais e recomendações que os
mecanismos de proteção de direitos humanos têm reiterado58.
83. Também as organizações da sociedade civil, dentre elas a Conectas,
Human Rights Watch e Anistia Internacional, mobilizaram-se em campanhas
nacionais59 solicitando o veto do Presidente da República ao projeto, dados os graves
riscos de retrocesso à proteção dos direitos humanos que o texto representava.
84. Daí a inegável responsabilidade da Presidência da República por editar
normas contrárias à proteção dos direitos humanos em grave retrocesso no
enfrentamento dos históricos padrões abusivos das práticas policiais e militares no
Brasil, dificultando a responsabilização dos agentes estatais por meio de investigações
imparciais e independentes, como é trágico e emblemático exemplo o caso da chacina
do Salgueiro, ―o caso dos sete mortos que ninguém matou‖, como precisamente definiu
o jornal El País.
85. Nesse sentido, o ato do Presidente da República representa obstáculo à
reparação dos danos e ao conhecimento da verdade e da justiça por fatos praticados por
agentes estatais que, por sua natureza, deveriam corresponder à jurisdição ordinária.
Encontram-se, pois, subtraídos, por ato do Chefe do Poder Executivo, recursos efetivos
e o devido processo legal ante as autoridades competentes (das pessoas cujos direitos
fundamentais foram violados na Chacina do Complexo do Salgueiro, ocorrida em 11-
11-2017, no Município de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro (sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no caso Rosendo Cantú e outros vs. México,
parágrafo 16660).
86. Ainda na esfera de responsabilidade da Presidência da República está o
Decreto Presidencial de 28 de julho de 201761 (atualmente prorrogado por novo Decreto
de 29 de dezembro de 2017), que autorizou o emprego das Forças Armadas em missões
de ―Garantia da Lei e da Ordem‖, isto é em atividades típicas das polícias, na segurança
pública do Estado do Rio de Janeiro.
87. As citadas autorizações para emprego das tropas federais na política de
segurança interna do Estado do Rio de Janeiro compõem o fundamento jurídico em

57
Vide informações oficiais do Senado Federal brasileiro:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/16/lei-determina-que-justica-militar-julgue-crime-
de-militar-contra-civil-em-acao-de-estado
58
Íntegra do documento disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=7254385&disposition=inline
59
https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-veta-temer-crimes-contra-vida-devem-ser-
julgados-na-justica-comum/ ; http://justificando.cartacapital.com.br/2017/10/12/anistia-e-conectas-
protestam-para-temer-vetar-lei-sobre-nova-competencia-da-justica-militar/
60
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_216_ing.pdf
61
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Dsn/Dsn14485.htm

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que esteve apoiado o Exército Brasileiro para a participação na operação realizada em
11-11-2017 no Município de São Gonçalo.
88. Agrava este cenário novo ato editado em fevereiro de 2018, o Decreto
presidencial n˚. 9288 de 16-02-201862, que inaugurou (de forma inédita no período de
redemocratização brasileiro) intervenção federal na área da segurança pública no
Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo declarado de ―pôr termo a grave
comprometimento da ordem pública‖.
89. É de se ressaltar que o ato de decretação da intervenção entrega ao
General do Exército Walter Souza Braga Netto a gestão da política de segurança pública
estadual – inclusive o controle operacional dos órgãos de segurança pública. E este era
justamente o militar encarregado, durante a chacina do Complexo do Salgueiro, em
novembro de 2017, das forças militares no Estado do Rio de Janeiro, uma vez que
ocupava a posição de Comandante Militar do Leste (Comando da 1ª Região Militar do
Brasil e da 1ª Divisão de Exército, com sede no Rio de Janeiro).
90. Com isso, tem-se um aprofundamento da situação de desvio de função
das Forças Armadas, por meio de seu emprego em tarefas de segurança pública interna,
com potencial risco de novas e sistemáticas violações de direitos humanos, sem que
haja a transparência necessária para o controle de suas ações ou mesmo recursos
internos que materializem o correspondente devido processo legal para eventuais
responsabilizações.
91. Conclui-se que as decisões adotadas pelo Presidente da República
impactam diretamente a proteção dos direitos humanos, haja vista a adoção de
mecanismos militarizados, com diminuição do grau de controle social e responsividade
das ações dos agentes públicos, em franca contrariedade às recomendações da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (Relatório da Comissão sobre Segurança Cidadã e
Direitos Humanos, publicado em 2009, parágrafo 10063) e aos estandes estabelecidos
pela própria Corte IDH, que têm insistido que uma força policial civil eficiente e
respeitadora dos direitos humanos é o único instrumento apto democraticamente a
exercer o combate à insegurança, à criminalidade e à violência no âmbito interno64.
IV.2. Exército Brasileiro: Comandante Militar do Leste, General Walter Souza
Braga Netto
92. Sem embargo da responsabilidade do chefe do Poder Executivo, tem-se
ainda a inegável responsabilidade do General Walter Souza Braga Netto nas decisões
que conduziram à participação do Exército na operação conjunta que resultou na
chacina do Complexo do Salgueiro em 11-11-2017, que envolve a prática de execuções
sumárias pelas forças especiais do Exército. De acordo com as provas colhidas até o
momento e com os relatos das testemunhas, homens das forças especiais do Exército
Brasileiro espreitavam de tocaia na mata desde a madrugada anterior, para encurralar e
matar pessoas em fuga, quando da entrada de dois veículos blindados do Exército
Brasileiro e ainda de um blindado da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia
Civil pelas principais vias de acesso à comunidade.

62
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9288.htm
63
http://cidh.oas.org/pdf%20files/seguridad%20ciudadana%202009%20port.pdf
64
―Además, los Estados deben limitar al máximo el uso de las fuerzas armadas para el control de
disturbios internos, puesto que el entrenamiento que reciben está dirigido a derrotar al enemigo, y no a la
protección y control de civiles, entrenamiento que es propio de los entes policiales‖ (CORTE IDH,
Sentença do caso Montero Aranguren e outros vs. Venezuela, parágrafo 78.
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_150_esp.pdf

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93. Àquela época, o General, que atualmente ocupa o posto de interventor
militar no governo do Estado do Rio de Janeiro para a área de segurança, era o
Comandante Militar do Leste (CML), isto é, autoridade abaixo apenas do
Comandante do Exército Brasileiro na hierarquia militar, responsável por coordenar,
controlar e executar as atividades administrativas e logísticas do Exército Brasileiro nos
estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. O Comando Militar do Leste
abrange 141 organizações e mais de 50 mil militares, o que significa 24% do efetivo da
Força Terrestre, formando assim a maior concentração de tropas e escolas militares da
América Latina65.
94. Após as mortes ocorridas em 11-11-2017, veio a público o porta voz do
CML, coronel Roberto Itamar, informando que a Polícia Civil havia demandado o apoio
do Exército por meio de blindados, a fim de realizar a operação de ―mapeamento‖ no
Complexo do Salgueiro, mas declarou o coronel que os soldados do Exército não
teriam participado da operação66, como apontado no capítulo II, acima. Em nota
emitida ainda aos 11-11-2017, as assessorias da Polícia Civil e do Estado-Maior
Conjunto nas Ações em Apoio ao Plano Nacional de Segurança Pública limitaram-se a
informar que foi realizada uma operação conjunta no Complexo do Salgueiro na qual
foram utilizados um blindado da CORE e dois outros do Exército.
95. Após o início das investigações a cargo da Divisão de Homicídios de
Niterói e São Gonçalo (Polícia Civil), a oitiva dos policiais da CORE que participaram
da incursão indicou que os disparos que vitimaram os civis encontrados mortos teriam
partido das forças especiais do Exército envolvidas na operação67. Somente depois das
declarações dos homens da CORE é que o Comando Militar Leste veio a reconhecer a
participação de seus soldados no evento, no entanto, a chefia das tropas militares
permaneceu negando que tivesse controle da operação e insistiu na declaração de que
apenas prestava apoio ao patrulhamento feito pela CORE, além de negar que os homens
do Exército estivessem na linha de frente do confronto armado68.
96. Os depoimentos dos militares envolvidos e a apreensão das armas por
eles utilizadas restou fora do alcance da DHNSG e o Exército Brasileiro não instaurou
inquérito para apurar a conduta de seus agentes69. Não há clareza acerca da colheita de
depoimentos dos agentes das forças especiais que participaram da incursão ou da
apreensão das armas e munições por eles utilizadas, uma vez que apenas alguns dias
atrás, passados mais de quatro meses do início das investigações, o Exército Brasileiro
reconheceu a participação das forças especiais da operação de 11-11-2017, depois
de a imprensa ter descoberto uma viagem da Promotora de Justiça do Ministério Público
Militar, Maria de Lourdes Souza Correia Sanson, à sede do 1o Batalhão de Forças
Especiais em Goiânia.
97. Não há, assim, qualquer transparência por parte do Comando Militar do
Leste acerca dos reais motivos que envolveram homens e recursos do Exército na ação

65
http://www.defesa.gov.br/noticias/24665-general-braga-netto-assume-o-comando-militar-do-leste
66
https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/parentes-acusam-policiais-da-core-de-matarem-sete-jovens-
em-baile-funk-em-sao-goncalo.ghtml
67
https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/policia-tenta-identificar-tipo-de-arma-usada-na-morte-de-
sete-pessoas-em-sao-goncalo-rj.ghtml
68
https://oglobo.globo.com/rio/apos-sete-mortes-em-sao-goncalo-em-dia-de-operacao-militares-policia-
civil-negam-disparos-22066592
69
https://oglobo.globo.com/rio/policiais-da-core-dizem-que-tiros-foram-disparados-por-militares-do-
exercito-em-sao-goncalo-22061421

Página 24 de 46
realizada em 11-11-2017 em São Gonçalo, Complexo do Salgueiro, muito menos sobre
a eventual responsabilidade de seus agentes nas oito mortes desencadeadas na ocasião.
98. Pelo contrário, as declarações desencontradas das autoridades do CML e
da Polícia Civil, a postura omissa do Exército Brasileiro em instaurar inquérito policial
militar para apurar eventuais abusos ocorridos e sua renitência em disponibilizar os 17
soldados envolvidos para prestar depoimentos perante a polícia judiciária e o Ministério
Público, assim como em assegurar a apreensão e perícia de armas e munições representa
obstrução às investigações, assim como incentivo à impunidade do padrão de uso
excessivo da força letal historicamente característico das forças de segurança brasileiras.
99. Destes fatos advém, inegavelmente, a responsabilidade do então
Comandante Militar Leste, General Walter Souza Braga Netto, não só pelo emprego de
17 soldados do Exército em atividade própria das polícias estaduais, relacionada à
garantia da segurança urbana, assim como pelos obstáculos criados à instauração de
investigação independente e imparcial, que garantisse às vítimas sobreviventes e aos
familiares das vítimas fatais recursos efetivos e o devido processo legal necessário a
responsabilizar os abusos praticados por funcionários do Estado, e ainda pelo incentivo
à impunidade de novos excessos praticados por seus comandados.
IV.3. Das Autoridades Estaduais responsáveis: Governador, Secretário de
Segurança, Chefe de Polícia Civil, Coordenador da CORE e Corregedor Interno.
100. Na esfera governamental estadual também há responsabilidades pelos
fatos ora denunciados. Primeiramente, o Governador do Estado, Luiz Fernando de
Souza Pezão, considerando que à época ainda não vigorava a intervenção federal, era a
autoridade estadual superior da área de Segurança, portanto, responsável pela atuação
policial, assim como os demais integrantes da cadeia de comando em nível hierárquico
inferior: o então Secretário de Estado de Segurança Antonio Roberto Cesário de Sá e
o Chefe de Polícia Civil Carlos Augusto Leba.
101. Importante observar, como já dito, que a operação foi planejada e
executada em conjunto entre forças federais e estaduais, como declarado pelas
autoriades estatais ao jornal EXTRA70. A própria estratégia de infiltrar militares na mata
e encurralar pessoas em fuga pela Estrada das Palmeiras foi concebida em reunião
conjunta realizada em 06-11-2017, no Centro Integrado de Comando e Controle, em
que estiveram presentes representantes da Secretaria de Segurança, do Exército, da
Marinha, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária e da Polícia Civil.
102. A propósito, convém destacar que no Registro de Ocorrência na
Delegacia Homicídios, restou consignada a presença de integrantes da “Administração”
na própria operação do dia 11-11-2017, o que pode indicar a presença de membros da
Chefia da Polícia Civil no local: “Trata-se de Missão de Reconhecimento em apoio ao
EB que estava no interior do blindado 03 da CORE, juntamente com 02 blindados do
EB, equipes SOTE 02, SAER 02 e Administração, comandados pelo coordenador da
CORE, Dr. Rodrigo Oliveira.”.
103. Por fim, deve ser indicado o Coordenador da CORE, Delegado Rodrigo
Teixeira de Oliveira, por se tratar assumidamente de o responsável direto pela
realização da operação conjunta, bem como do Corregedor Interno da Polícia Civil pela,
Paulo Passos Silva Filho, pela falta de devida diligência na investigação do tratamento
aviltante dispensado aos corpos das vítimas nas dependências da perícia técnico
70
https://extra.globo.com/casos-de-policia/dias-antes-de-mortes-no-salgueiro-reuniao-na-cupula-da-
seguranca-decidiu-botar-militares-na-mata-22170866.html

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científica, além do vazamento de foto dos cadáveres empilhados no chão do posto
regional de perícia técnico-forense.
104. Vale dizer que os agentes estatais responsáveis pela operação não
adotaram a diligência devida na preservação da cena do crime para perícia técnico
científica, uma vez que, segundo o laudo de local “o local não se apresentava
preservado nem acautelado” (página 3 do laudo de local de homicídio) e ainda, quanto
ao posicionamento dos cadáveres/cronotanatognose, o perito constatou que as manchas
de sangue, bem como escorrimentos, mostravam-se divergentes ao posicionamento dos
corpos, o que indica terem sido removidos previamente à chegada da perícia.

V. DOS DIREITOS VIOLADOS: artigos 1.1, 2, 4, 5, 8, 24 e 25 da Convenção


Americana de Direitos Humanos. Da Convenção Interamericana contra o
Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.
105. Pela exposição dos fatos e da sua contextualização acima resta claro que
o Estado brasileiro não cumpriu com o seu dever de respeitar os direitos inscritos na
Convenção Americana de Direitos Humanos, conforme determina o seu art. 1.1.
106. O primeiro direito violado no caso denunciado, sem dúvida, foi o direito
à vida, que é protegido pela Convenção em seu art. 4. Afinal, como destacado no item
II, acima, a trajetória dos projéteis que atingiram as vítimas demonstra que houve
verdadeiras execuções sumárias, vez que diversas pessoas foram atingidas por trás e na
cabeça. Suas vidas foram tiradas sem que tivesse havido qualquer possibilidade de fuga
ou defesa. Foram objeto de um verdadeiro ―tiro ao alvo‖, como indicou uma das
testemunhas.
107. Tal proceder – semelhante a tantos outros casos diariamente noticiados
na imprensa nacional vitimando principalmente moradores negros de favelas –
demonstra o total desprezo com que a vida desses 08 (oito) jovens foi tratada pelo
Estado brasileiro.
108. Por sua vez, a atribuição das investigações das mortes das 08 (oito)
vítimas ocorridas no Complexo do Salgueiro – todas elas civis – a autoridades
vinculadas à Justiça Militar constitui violação aos arts. 8 e 25 da Convenção
Americana, nos exatos termos da jurisprudência da Corte, vez que “no cumple con los
estándares del sistema interamericano respecto a casos que involucran violaciones a
derechos humanos, principalmente por lo que se refiere al principio de tribunal
competente”71.
109. De fato, a jurisprudência da Corte é farta e pacífica no sentido da
incompetência da jurisdição militar para conhecer de violações de direitos humanos de
civis, incluindo, por consequência, a investigação e julgamento de militares por crimes
praticados contra civis.
110. Conforme consignou a Corte no julgamento do Caso Durand e Ugarte vs
Peru:
“En un Estado democrático de Derecho la jurisdicción penal militar ha de
tener un alcance restrictivo y excepcional y estar encaminada a la protección
de interesses jurídicos especiales, vinculados con las funciones que la ley
asigna a las fuerzas militares. Así, debe estar excluido del ámbito de la
71
Corte IDH, Caso Radilla Pacheco vs México, sentença de 23 de novembro de 2009, exceções
preliminares, mérito, reparações e custas, par. 266.

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jurisdicción militar el juzgamiento de civiles y sólo debe juzgar a militares
por la comisión de delitos o faltas que por su propia naturaleza atenten
contra bienes jurídicos propios del orden militar”72.
111. Veja-se que no caso não há violação a nenhum bem jurídico próprio da
ordem militar, mas sim a violação ao bem jurídico vida de 08 (oito) jovens civis, direito
esse, como destacado, que é protegido pela Convenção Americana de Direitos Humanos
(art. 4). Logo, as mortes em questão devem ser investigadas e processadas perante a
Justiça Comum, sob pena de se violar as garantias judiciais do juiz natural e do devido
processo legal, previstas no art. 8 da Convenção e, por consequência, o próprio direito
de acesso à justiça e proteção judicial, consagrado no art. 25 da Convenção. À essa
mesma conclusão chegou a Corte no julgamento do Caso Castillo Petruzzi e Outros vs
Peru:
“Cuando la justicia militar asume competencia sobre un asunto que debe
conocer la justicia ordinaria, se ve afectado el derecho al juez natural y, a
fortiori, el debido proceso, el cual, a su vez, encuéntrase íntimamente ligado
al propio derecho de acceso a la justicia”73.
112. Percebe-se, pois, que o advento da Lei nº 13.491/2017, que transfere para
a competência da Justiça Militar da União o julgamento de crimes dolosos contra a vida
cometidos por militares das Forças Armadas contra civis, bem como amplia a
competência da Justiça castrense para processar e julgar outros delitos (tais como,
tortura e abuso de autoridade) imputados a militares contra civis, segue na contramão da
jurisprudência já consolidada da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
113. De fato, o Estado brasileiro ao aprovar a aludida legislação violou mais
um direito previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, qual seja o
decorrente do dever de adotar disposições de direito interno (art. 2). Afinal, a
disposição em comento viola frontalmente a Convenção tal como interpretada pela
Corte.
114. Nesse sentido a Corte deixou muito clara sua posição ao estabelecer o
seguinte no julgamento do Caso Radilla Pacheco vs México:
“[…] la jurisdicción penal militar no es el fuero competente para investigar
y, en su caso, juzgar y sancionar a los autores de violaciones de derechos
humanos sino que el procesamiento de los responsables corresponde siempre
a la justicia ordinaria. […] El juez encargado del conocimiento de una causa
debe ser competente, además de independiente e imparcial”74.
115. A Corte expôs entendimento semelhante ainda nos seguintes
julgamentos: Caso Cantoral Benavides vs Peru75; Caso Las Palmeras vs Colômbia76;
Caso 19 Comerciantes vs Colômbia77; Caso Lori Berenson Mejía vs Peru78; Caso

72
Corte IDH, Caso Durand e Ugarte vs Peru, sentença de 16 de agosto de 2000, mérito, par. 117. No
mesmo sentido: Corte IDH, Caso Radilla Pacheco vs México, sentença de 23 de novembro de 2009,
exceções preliminares, mérito, reparações e custas, par. 272.
73
Corte IDH, Caso Castillo Petruzzi e Outros vs Peru, sentença de 30 de maio de 1999, mérito,
reparações e custas, par. 128.
74
Corte IDH, Caso Radilla Pacheco vs México, sentença de 23 de novembro de 2009, exceções
preliminares, mérito, reparações e custas, par. 273.
75
Corte IDH, Caso Cantoral Benavides vs Peru, sentença de 18 de agosto de 2000, mérito, par. 112.
76
Corte IDH, Caso Caso Las Palmeras vs Colômbia, sentença de 06 de setembro de 2001, mérito, par.
51.
77
Corte IDH, Caso 19 Comerciantes vs Colômbia, sentença de 05 de julho de 2004, mérito, reparações e
custas, par. 165.

Página 27 de 46
Massacre de Mapiripán vs Colômbia79; Caso Massacre de Pueblo Bello vs Colômbia80;
Caso La Cantuta vs Peru81; Caso Massacre da Rochela vs Colômbia82; Caso Escué
Zapata vs Colômbia83; e Caso Tiu Tojín vs Guatemala84, entre outros. Em todas eles, a
Corte reafirmou a necessidade de manter a jurisdição militar como um foro restrito,
excepcional e funcional.
116. Por fim, há, ainda, a violação ao princípio da igualdade, protegido pelo
art. 24 da Convenção. Isso porque, a Lei nº 13.491/2017, utiliza como critério para a
transferência de competência da Justiça Comum para a Justiça Militar tão somente o
fato de os crimes em questão (inclusive homicídio, tortura e abuso de autoridade contra
civis) serem cometidos por militares das Forças Armadas em serviço ou em função do
mesmo. Não se considera, pois qualquer bem ou interesse jurídico especialmente
protegido, mas sim a pessoa do agressor.
117. Conforme asseverou a Corte no já citado Caso Radilla Pacheco vs.
México:
“[…] La posibilidad de que los tribunales castrenses juzguen a todo militar al
que se le imputa un delito ordinario, por el sólo hecho de estar en servicio,
implica que el fuero se otorga por la mera circunstancia de ser militar. En
tal sentido, aunque el delito sea cometido por militares en los momentos de
estar en servicio o con motivo de actos del mismo no es suficiente para que su
conocimiento corresponda a la justicia penal castrense”85.
118. Percebe-se claramente que a Lei 13.491/2017 criou um privilégio
odiável, visando a estabelecer um foro especial para os militares, distinto dos demais
cidadãos, que são acusados de praticar crimes, mesmo que constituam graves violações
aos direitos humanos. Conforme destacam Juan Carlos Gutiérrez e Silvano Cantú:
“A jurisdição militar completa o círculo da violência do Estado, na qual o
interesse jurídico dos civis é excluído ao se violar o direito ao processo
perante um juiz competente, independente, objetivo e imparcial, consagrado
pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. A impunidade é o sinal
mais evidente de um Estado que não oferece plenas garantias para a
realização dos direitos humanos, o que representa um questionamento da
autenticidade de sua democracia. A jurisdição militar é, por sua vez, o sinal
mais eloquente de impunidade. Trata-se de um voto do Estado em prol da
arbitrariedade e da separação da sociedade em privilegiados e excluídos”86.

78
Corte IDH, Caso Lori Berenson Mejía vs Peru, sentença de 25 de novembro de 2004, mérito,
reparações e custas, par. 142.
79
Corte IDH, Caso Massacre de Mapiripán vs Colômbia, sentença de 15 de setembro de 2005, par. 124 e
132.
80
Corte IDH, Caso Massacre de Pueblo Bello vs Colômbia, sentença de 31 de janeiro de 2006, par. 131.
81
Corte IDH, Caso La Cantuta vs Peru, sentença de 29 de novembro de 2006, mérito, reparações e
custas, par. 142.
82
Corte IDH, Caso Massacre da Rochela vs Colômbia, sentença de 11 de maio de 2007, mérito,
reparações e custas, par. 200.
83
Corte IDH, Caso Escué Zapata vs Colômbia, sentença de 04 de julho de 2007, mérito, reparações e
custas, par. 105.
84
Corte IDH, Caso Tiu Tojín vs Guatemala, sentença de 26 de novembro de 2008, mérito, reparações e
custas, par. 118.
85
Corte IDH, Caso Radilla Pacheco vs México, sentença de 23 de novembro de 2009, exceções
preliminares, mérito, reparações e custas, par. 286.
86
GUTIÉRREZ, Juan Carlos; CANTÚ, Silvano. A restrição à jurisdição militar nos sistemas
internacionais de proteção dos direitos humanos. Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, n. 7,
n. 13, dez. 2010, p. 92.

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119. Também no bojo do artigo 24 da CADH a Chacina do Salgueiro
representa violação por parte do Estado brasileiro ao direito à igualdade como não
discriminação, haja vista que a execução dos oito jovens moradores do Complexo do
Salgueiro é representativa de sistemáticos homicídios praticados pelos agentes públicos
no Rio de Janeiro que vitimam jovens negros moradores das favelas.
120. O padrão de atuação com abuso da força letal das polícias e dos militares
em bairros negros da cidade do Rio de Janeiro (as favelas), colocado em prática sob a
permissão das autoridades encarregadas do comando e da tomada de representa a
faceta de racismo institucional da política de segurança do Estado.
121. De acordo com Jurema Werneck, reconhecida ativista do movimento de
mulheres negras no Brasil e atualmente diretora executiva da Anistia Internacional no
país, podemos conceituar o racismo institucional como uma:
“forma estratégica como o racismo garante a apropriação dos resultados
positivos da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na
sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda a manter a fragmentação da
distribuição destes resultados no seu interior.
O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e
condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas
públicas – atuando também nas instituições privadas, produzindo e
reproduzindo a hierarquia racial. Ele foi definido pelos ativistas integrantes
do grupo Panteras Negras Stokely Carmichael e Charles Hamilton em 1967,
como capaz de produzir: a falha coletiva de uma organização em prover um
serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura
ou origem étnica. (Carmichael, S. e Hamilton, C. Black power: the politics of
liberation in America. New York, Vintage, 1967, p. 4)”87.
122. O conceito é reconhecido por esta própria Comissão, como se infere do
Relatório de Mérito nº. 66/06 (Caso 12.001: Simone André Diniz vs. Brasil):
88. Segundo Teles,[47] o racismo consciente e explícito, na forma de insultos
raciais, apesar de repreensíveis, são menos importantes para a manutenção
da desigualdade racial do que as sutis práticas individuais e institucionais,
comumente caracterizadas como “racismo institucional”. Ainda de acordo
ao autor, estas práticas, no Brasil, derivam da forma de pensar que
naturaliza a hierarquia racial e provavelmente causam mais danos dos que
os menos comuns e mais divulgados insultos raciais.
123. Dessa forma, ao tratar a morte de jovens negros de bairros periféricos
como uma consequência aceitável e calculada da política de segurança executada nos
grandes centros urbanos, como faz hoje o Estado brasileiro, o mecanismo do racismo
institucional está em atuação, produzindo uma hierarquia entre pessoas dignas de viver
e pessoas descartáveis na ordem social, jurídica e política vigente no Brasil.
124. Como consequência, tem-se o reforço da situação estrutural de
desigualdade em que a população negra brasileira está inserida, cada dia mais despojada
de reconhecimento de sua humanidade, alijada das políticas públicas, marginalizada em
espaços periféricos do território (sejam as favelas e periferias, nos centros urbanos,
sejam as comunidades remanescentes de quilombos no interior do país) e totalmente
desprovida de cidadania.

87
WERNECK, J. Racismo Institucional: uma abordagem conceitual. Disponível em:
http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/FINAL-WEB-Racismo-Institucional-uma-
abordagem-conceitual.pdf

Página 29 de 46
125. Em verdade, o Estado brasileiro não tem sequer reconhecido o racismo
institucional como problema a ser tratado do ponto de vista de suas políticas públicas.
Pelo contrário, prevalece o silenciamento escamoteado pela ideologia da democracia
racial, que ainda tem grande prevalência na agenda pública.
126. Não é demais lembrar que as Nações Unidas, em relatório produzido pelo
Grupo de Trabalho sobre Afrodescendentes em visita ao Brasil realizada no ano de
2013, denunciou a persistência do racismo institucional e estrutural sofrido pelos
negros, especialmente em decorrência do uso da força pela polícia e agências de
segurança em geral. Digno de nota o item F do Relatório, que cuida das múltiplas
discriminações:
“75. One of the biggest concerns is violence perpetrated by the police and
security forces against young Afro-Brazilian males. Such complaints are not
new with the United Black Movement denouncing cases of violence, torture
and death from 1978. The infamous Candelaria massacre of eight young
people in the streets of Rio de Janeiro in 1993, which raised national and
international outrage, is another example of such violence against Afro-
Brazilian young people. Twenty years after these events, arbitrary violence
and killings of young black people remains concerns.
76. According to a Ministry of Health report based on the System of
Mortality Information (SIM) in 2006, every 48 hours three people were killed
by the police in Brazil, amounting to 46 deaths per month or 560 per year.
According to Soares (2003), the police force (including civil, military and
federal) is one of the only institutions that did not undergo institutional
reform at the end of the dictatorship and the adoption of the new
constitution in 1988. Consequently, the institution continues to be
characterised by a lack of respect for human rights.
77. The police is responsible for maintaining public security as asserted in
the Federal Constitution, yet institutional racism, discrimination and a
culture of violence lead to practices of racial profiling, over-policing,
blackmail, torture, extortion and humiliation particularly against Afro-
Brazilians. The use of force and violence for crime control and public security
has become accepted by society at large because it is perpetrated against a
sector of society whose lives are not considered as valuable. The Group views
this as the fabrication of an internal enemy which justifies the use of military
tactics to control criminal behaviour and reduce public and private
liberties”88.
127. Por outro lado, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a
Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, importantíssimo
instrumento de enfrentamento das desigualdades estruturais que afetam grupos sociais
subjugados nos países da OEA por conta de sua raça, cor, ascendência, origem nacional
ou étnica, apesar de assinada ainda não foi ratificada pelo Brasil.
128. Sem embargo, é aplicável o citado tratado internacional com força de
costume internacional ao caso em exame, especialmente em razão da manifestação das
figuras da discriminação racial indireta e da discriminação múltipla ou agravada
(artigo 1) sobre as populações vulneráveis que habitam as favelas.
129. Ademais, está caracterizada no caso da chacina do Salgueiro a violação
do direito à igual proteção dos direitos humanos e liberdades (artigo 3), bem como
88
https://nacoesunidas.org/grupo-de-trabalho-da-onu-sobre-afrodescendentes-divulga-
comunicado-final/

Página 30 de 46
a inobservância dos deveres do Estado de eliminar: qualquer ação repressiva fundada
em critérios discriminatórios (artigo 4 item “v”), qualquer distinção aplicada a
pessoas devido a sua condição de vítima de discriminação múltipla ou agravada
(artigo 4 item “vii”) qualquer restrição discriminatória ao gozo dos direitos
humanos, especialmente em relação a minorias ou grupos em situação de
vulnerabilidade (artigo 4 item “viii”).
130. Da mesma forma, o Brasil violou: o artigo 8 da referida Convenção, que
impõe ao Estado o dever de garantir que a adoção de qualquer medida, inclusive
aquelas em matéria de segurança, não discriminará direta ou indiretamente
pessoas ou grupos com base nos critérios do artigo 1.1; e ainda todas as obrigações
de garantia previstas nos artigos 5 (dever de estabelecer políticas de ações
afirmativas) e artigo 9 (dever de garantir a diversidade em seus sistemas políticos e
jurídicos).
131. No marco da CADH, outro direito violado é o dos familiares das vítimas
fatais, em razão da perda brutal de um ente querido. A jurisprudência da CorteIDH tem
reconhecido que os familiares próximos, amigos e pessoas com relação afetiva com as
vítimas diretas também são vítimas (indiretas), declarando a vulneração ao direito à
integridade pessoal (artigo 5.1) afetada pela morte de uma pessoa com laços de
afetividade.
132. Deve ser destacado no caso vertente que não somente a execução das
vítimas atingiu gravemente a dignidade dos familiares, mas também o tratamento
aviltante dispensado pelas autoridades estatais ao caso.
133. Tem-se um verdadeiro ciclo de violências sucessivas, uma vez que,
sobretudo as mães dos mortos, quando chegaram ao local para saber notícias de seus
filhos, foram tratadas de forma humilhante e intimidatória pelos agentes estatais, que
além de proferirem xingamentos às pessoas que se aproximavam, ameaçaram de morte
a Sra. JOELMA COUTO MELANES, mãe de MÁRCIO MELANES SABINO.
134. Depois da realização da perícia de local, segundo um perito do instituto,
os corpos foram levados para o PRPTC sem guia de remoção e nenhuma informação foi
prestada aos familiares, que saíram por meios próprios em verdadeira peregrinação por
diversos órgãos públicos em busca do local em que recolhidos os cadáveres para
reconhecimento e perícia.
135. Horas depois, chegou ao conhecimento dos familiares pelas redes sociais
a fotografia que registrava terem sido os corpos empilhados no chão do posto de perícia
forense, ainda banhados de sangue.
136. Também nas redes iniciou-se um verdadeiro linchamento virtual das
vítimas a partir da divulgação, por parte da Polícia Civil, de informação segundo a qual
―três dos sete mortos tinham antecedentes criminais‖89. Com nítido propósito de
influenciar a opinião pública em favor dos agentes do Estado, o próprio Delegado da
Divisão de Homicídios encarregado de desvendar a verdade sobre os gravíssimos
acontecimentos levou a público a história da vida pregressa das vítimas, pretendendo
fazer acreditar que os jovens executados teriam envolvimento com crimes, tal como se
este fato fosse legitimador de suas mortes.

89
https://extra.globo.com/casos-de-policia/tres-dos-sete-mortos-no-complexo-do-salgueiro-
tinham-antecedentes-diz-policia-22064505.html

Página 31 de 46
137. Tais acontecimentos são representativos do ciclo de revitimização que o
Estado brasileiro submete às famílias de vítimas de violações de direitos humanos,
especialmente às mães de jovens negros, mulheres negras que usualmente são chefes
de família, trabalhadoras em situação de precariedade, domiciliadas nas favelas
cariocas. No momento de maior dor de sua vida, representado pela perda brutal de um
filho para a violência de Estado, essas mulheres, além de não contarem com nenhuma
política pública apropriada ao seu acolhimento e proteção, necessitam ainda vencer as
barreiras colocadas à realização da verdade e da justiça e reparar por suas próprias
forças as máculas à memória de seus filhos, semeadas pelos mesmos funcionários
estatais.
138. Trata-se de verdadeiro tratamento cruel e degradante, proscrito pelo
artigo 5.2 da CADH.
139. A propósito da responsabilidade do Estado pela violação dos direitos
humanos dos familiares das vítimas, tem proclamado a Corte IDH:
154. Esta Corte ha señalado, en reiteradas oportunidades, que los familiares
de las víctimas de violaciones de los derechos humanos pueden ser, a su vez,
víctimas. En esta línea, este Tribunal ha considerado violado el derecho a la
integridad psíquica y moral de los familiares de las víctimas con motivo del
sufrimiento propio que éstos han padecido como producto de las
circunstancias particulares de las violaciones perpetradas contra sus seres
queridos y a causa de las posteriores actuaciones u omisiones de las
autoridades estatales frente a los hechos. En el mismo sentido: Caso Ximenes
Lopes vs. Brasil. Sentencia de 4 de julio de 2006, párr. 156; Caso Penal
Miguel Castro Castro vs. Perú. Sentencia de 25 de noviembre de 2006, párr.
335; Caso de la Masacre de la Rochela vs. Colombia. Sentencia de 11 de
mayo de 2007, párr. 137; Caso Fernández Ortega y otros vs. México.
Sentencia de 30 de agosto de 2010, párr. 143; Caso Rosendo Cantú y Otras
vs. México. Sentencia de 31 de agosto de 2010, párr. 143; Caso Familia
Barrios vs. Venezuela. Sentencia de 24 de noviembre de 2011, párr. 301.
157. Más de tres meses después de sucedidos los hechos del caso, varios de
los familiares de las presuntas víctimas acudieron al Hospital de Montería
para realizar un reconocimiento de cadáveres. Sin embargo, no contaron
con apoyo por parte de las autoridades y, en su gran mayoría, no pudieron
reconocer a sus familiares pues únicamente seis de las personas
desaparecidas fueron identificadas […]. Las condiciones en que se
encontraban los cuerpos, descompuestos y en bolsas de plástico colocadas
en el suelo, así como el hecho de haber observado el estado y heridas de los
cadáveres, ha ocasionado en los familiares de las personas desaparecidas y
privadas de la vida un gran sufrimiento y dolor al suponer que sus seres
queridos hubieran corrido la misma suerte que aquéllos.90
174. La Corte debe destacar entre las conductas de los agentes estatales que
intervinieron en los hechos del caso y que produjeron un impacto sobre sus
familiares, la correspondiente al tratamiento que se dio a los cuerpos de los
jóvenes cuyos cadáveres aparecieron en los Bosques de San Nicolás, Henry
Giovanni Contreras, Federico Clemente Figueroa Túnchez, Julio Roberto
Caal Sandoval y Jovito Josué Juárez Cifuentes. Estas personas no sólo fueron
víctimas de la violencia extrema correspondiente a su eliminación física, sino
que, además, sus cuerpos fueron abandonados en un paraje deshabitado,
quedaron expuestos a las inclemencias del tiempo y a la acción de los

90
CorteIDH, Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006.

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animales y hubieran podido permanecer así durante varios días, si no
hubieran sido encontrados fortuitamente. En el presente caso, es evidente
que el tratamiento que se dio a los restos de las víctimas, que eran sagrados
para sus deudos y, en particular, para sus madres, constituyó para éstas un
trato cruel e inhumano.
176. La Corte Europea ha tenido oportunidad de pronunciarse sobre la
condición de víctima de tratamientos inhumanos y degradantes de una
madre como resultado de la detención y desaparición de su hijo a manos de
las autoridades. Para determinar si se había violado o no el artículo 3 de la
Convención Europea, correspondiente al artículo 5 de la Convención
Americana, la Corte Europea ha valorado las circunstancias del caso, la
gravedad del maltrato y el hecho de no contar con información oficial para
esclarecer el mismo. En virtud de esas consideraciones y de que se trataba de
la madre de la víctima de una violación de derechos humanos, la Corte
Europea concluyó que también ella había sido víctima y que el Estado era
responsable de la violación del artículo 3 mencionado91.

VI. DA NÃO APLICAÇÃO DO ESGOTAMENTO DOS RECURSOS


INTERNOS: inexistência na legislação interna do Estado do devido processo legal
para proteção dos direitos violados: incidência do art. 46.2.a da Convenção: falta
de competência, imparcialidade e independência da Justiça Militar para investigar
violações de direitos humanos de civis praticados por militares: jurisprudência dos
órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
140. Cediço que o acesso aos sistemas internacionais de proteção de direitos
humanos rege-se pelo princípio da subsidiariedade, conforme os princípios do Direito
Internacional. Com efeito, para admissibilidade de uma petição à Comissão, exige-se
que tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo
com o art. 46.1.a da Convenção e art. 31.1 do Regulamento da CIDH.
141. Sem embargo, a própria Convenção estabelece exceções a esta regra
geral em seu art. 46.2 em prol da efetividade do sistema internacional de proteção.
Dentre as hipóteses em que não se aplicam a exigência do esgotamento dos recursos
internos e tampouco o prazo de seis meses está a inexistência na legislação interna do
Estado de que se trate o devido processo legal para proteção dos direitos que se aleguem
tenham sido violados (art. 46.2.a da Convenção e art. 31.2.a do Regulamento da CIDH).
É do que se trata do caso denunciado nesta petição.
142. A jurisprudência da Comissão reconhece que toda vez que ocorra um
crime é que se deve proceder a persecução ex officio, o Estado tem a obrigação de
promover e avançar o processo penal até suas últimas consequências92 e que, nesses
casos, esta é a melhor maneira de esclarecer os fatos. Da mesma forma, tanto a Corte
Interamericana como a Comissão reafirmaram o dever do Estado de investigar qualquer
violação dos direitos humanos, processar os responsáveis, indenizar as vítimas e evitar a
impunidade93. Considerando que os fatos alegados pelos peticionários no presente caso
envolvem a alegada violação de um ato que se traduz em legislação interna em delito

91
CorteIDH. Caso ―Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) vs. Guatemala. Sentença de 19 de
novembro de 1999.
92
CIDH, Informe Nº 52/97, Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas, Informe Anual da CIDH 1997, par. 96
e 97. Ver também Informe N° 55/97, par. 392.
93
CIDH, Relatório de Mérito, n. 54/01, Maria da Penha Maia Fernandes, Brasil, par. 43, citando Corte
IDH, Caso Velásquez Rodríguez.

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passível de ser processado ex officio e que, portanto, é esse processo penal promovido
pelo próprio Estado, que deve ser considerado, com urgência, para fins de determinação
da admissibilidade do pedido.
143. Quanto ao uso da jurisdição militar para investigar, processar e julgar
membros do Exército supostamente envolvidos em violações de direitos de civis, a
Comissão declarou repetidamente que a jurisdição militar não constitui um foro
apropriado e, portanto, não fornece um recurso adequado para investigar, julgar e
sancionar violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana94.
144. Nesse sentido, a jurisprudência da Comissão tem admitido petições e
abertura de casos em que se denunciem violações de direitos reconhecidos na
Convenção (direitos à vida, às garantias judiciais e proteção judicial), porquanto a
jurisdição militar não constitui um foro apropriado e, portanto, não fornece um
recurso adequado para investigar e julgar violações de direitos humanos,
especialmente de civis, como os denunciados nesta petição. Com efeito, aplicável a
exceção ao esgotamento dos recursos internos, prevista no art. 46.2.a da Convenção.
145. Nesse exato sentido:
En cuanto al empleo del fuero militar para juzgar a miembros del Ejército
presuntamente implicados, la Comisión se ha pronunciado en forma
reiterada en el sentido de que la jurisdicción militar no constituye un foro
apropiado y por lo tanto no brinda un recurso adecuado para investigar,
juzgar y sancionar violaciones a los derechos humanos consagrados en la
Convención Americana. Por lo tanto, dadas las características del presente
caso, la Comisión considera que resulta aplicable la excepción prevista en el
artículo 46.2.a de la Convención Americana, por lo cual el requisito previsto
en materia de agotamiento de recursos internos no resulta aplicable.
Tampoco resulta aplicable el cumplimiento con el plazo de seis meses previsto
en el artículo 46.1.b de la Convención, toda vez que la petición fue presentada
dentro del plazo razonable al cual hace referencia el artículo 32.2 de su
Reglamento para los casos en los cuales no se ha dictado sentencia firme con
anterioridad a la presentación de la petición.95

VII. DAS PROVAS: documentos colhidos da investigação levada a cabo pela


Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo – DHNSG (Polícia Civil do Estado
do Rio de Janeiro); documentos produzidos pelo Grupo de Atuação Especializada
em Segurança Pública – GAESP (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro)
e reportagens investigativas da imprensa local
146. Constituem o suporte probatório da presente petição de apresentação do
caso ―chacina do Complexo do Salgueiro‖ à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, dentre outros, os seguintes documentos:

94
CIDH Terceiro Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia (1999), p. 175; Segundo
Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia (1993), p. 246; Relatório sobre a Situação
dos Direitos Humanos no Brasil (1997), p. 40-42. Além disso, a Corte Interamericana confirmou que o
sistema de justiça criminal militar é apenas um local apropriado para julgar o pessoal militar pela prática
de crimes ou delitos que, por sua própria natureza, ameaçam interesses legais específicos da ordem
militar. Corte IDH, Caso Durand e Ugarte, sentença de 16 de agosto de 2000. Série C No. 68, par. 117.
95
CIDH. Informe n. 93/06, par. 28 e 29, Petição 972-03, Valentina Rosendo Cantú e outros (México),
21 de outubro de 2006. Informe n. 94/06, par. 24 e 25, Petição 540-04, Inés Fernandéz Ortega e outros
(México), 21 de outubro de 2006.

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01) Registro de Ocorrência Policial n˚. 951-01098/2017, realizado em 11-
11-2017 pelo Delegado de Polícia Civil Rodrigo Teixeira Oliveira,
coordenador da CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia
Civil): contém o termo de declarações prestadas pelo próprio Delegado no
dia dos fatos dos demais policiais civis que participaram da operação,
assim como a apresentação dos objetos apreendidos pelos agentes estatais,
quais sejam: 1 fuzil, 7 pistolas, carregadores, munições e outros objetos.
De acordo com o registro policial, a dinâmica do fato é assim descrita:
―Trata-se de missão de reconhecimento ao EB [Exército Brasileiro] que
estava no interior do blindado 03 da CORE, juntamente com 02 blindados
do EB, equipes SOTE 02, SAER 02 e Administração, comandados pelo
coordenador da CORE, Dr. Rodrigo Oliveira. Que o referido material
citado nesse referido registro de ocorrência ocorreu na Estrada das
Palmeiras, na localidade de mata, na comunidade do Salgueiro, no bairro
do Salgueiro, em SG.‖
02) Termo de declarações do Delegado de Polícia Rodrigo Teixeira,
coordenador da CORE, na operação havia o apoio de dois blindados do
Exército; o comboio teria sido recebido a tiros por criminosos, mas não
teria efetuado disparos; quando alcançaram a Estrada das Palmeiras, no
interior da comunidade do Salgueiro, teriam encontrados os baleados já
caídos ao chão;
03) Laudo de Exame de Local de Homicídio no procedimento n˚. 951-
01098/2017, realizado em 11-11-2017 pelo perito criminal Thiago de
Azevedo Hermida, integrante da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro,
que indica o encontro de sete cadáveres dispostos ao longo da extensão de
uma área linear de um quilômetro na Estrada das Palmeiras, altura do n˚.
3118, Complexo do Salgueiro, São Gonçalo, em local não preservado,
nem acautelado. Conclusões do perito indicam: que os elementos
colhidos no exame de local indicam a verossimilhança dos relatos dos
moradores, de disparos vindos do interior da mata que cerca a Estrada
das Palmeiras, vindos do lado esquerdo da via, onde há uma região
montanhosa de mata (entrada e saída de projéteis com trajeto de cima para
baixo); que os atiradores encontravam-se em posição lateral às vítimas e
em alguns casos posição em plano superior às vítimas; que é presumível
a presença de mais de um atirador no local, à média ou longa distância das
vítimas;
04) Laudos de Exame de Corpo de Delito de Necropsia de 7 (sete) vítimas
(MÁRCIO MELANES SABINO, JOSUÉ COELHO, MARCELO DA
SILVA VAZ, VICTOR HUGO COELHO, LUIZ AMÉRICO DA SILVA,
BRUNO COELHO, LORRAN DE OLIVEIRA GOMES): todos
apresentam lesões por projetil de arma de fogo pelas costas, foram
achados 3 projeteis nos cadáveres;
05) Termo de declarações prestadas pela vítima LUIZ OTÁVIO ROSA
DOS SANTOS, mototaxista, quando ainda hospitalizado no Pronto
Socorro de São Gonçalo aos 17-11-2017 a membros do GAESP
(Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro): segundo seu relato, a
vítima identificou tiros vindos da mata em direção às casas, do outro lado
da Estrada das Palmeiras; foi atingido nas costas enquanto trafegava de

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moto pela via; viu luz vermelha e fogo saindo das armas de quem atirava
da mata;
06) Termo de declarações prestadas pela testemunha RAYANE DE
ALVARENGA MATOS, ocupação não declarada, quando se encontrava
no Pronto Socorro de São Gonçalo aos 17-11-2017 , a membros do
GAESP (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro): segundo seu
relato, a testemunha, que trafegava na via na moto conduzida pelo
mototaxista Jeferson, avistou próximo ao conjunto da Marinha, cinco
homens ao lado do mato, na pista, portando armas com mira laser e
lanterna, que atiraram e ordenaram sua parada; como nada encontraram,
deixaram-nos passar;
07) Termo de declarações prestadas pela vítima sobrevivente DANIEL DE
MORAES, padeiro, quando ainda hospitalizado no Pronto Socorro de São
Gonçalo aos 17-11-2017 a membros do GAESP (Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro): segundo seu relato, a vítima, que trafegava de
moto pela Estrada das Palmeiras acompanhada de seu colega Marcos, foi
surpreendida por muitos tiros vindos da mata, que o acertaram nas duas
mãos e na coxa e colheram Marcos no pescoço; quando ambos já estavam
feridos e caídos, se aproximaram ―policiais‖ vestidos de preto, armados
com fuzis que tinham uma luz vermelha e uma lanterna e ainda vestindo
capacetes com lanterna; todos os ―policiais‖ tinham o rosto coberto por um
pano; três deles se aproximaram do declarante, pegaram seu telefone e
disseram que voltariam para matá-lo;
08) Procedimento administrativo instaurado pelo Núcleo de Direitos
Humanos da Defensoria Pública, contendo despacho de instauração e
ofícios requisitórios de informações e providências aos órgãos oficiais
sobre a operação de 11-11-2017 no Complexo do Salgueiro
09) Correspondência eletrônica contendo denúncias anônimas encaminhadas
pela organização DefeZap, que confirmam a versão de havia homens
escondidos na mata, bem como a utilização de helicópteros na noite
anterior para infiltrar homens na mata, através de rapel;
10) Reportagens do jornal O Globo de 11-11-2017 noticiam a circulação
pelas redes sociais de uma foto dos 7 (sete) corpos empilhados no Posto
Regional de Polícia Técnico-Científica (PRPTC), para onde os cadáveres
foram levados a fim da realização do exame de necropsia, traz o relato de
uma das mães dos mortos, a Sra. Joelma Couto Melanes, que narrou ter
sido ameaçada pelos policiais ao se aproximar do corpo de seu filho,
Márcio Melanes Sabino;
11) Reportagem do jornal EXTRA de 14-11-2017, intitulada ―Sete mortos, e
ninguém assume tiros‖, demonstra contradição entre versões oficiais sobre
o caso Salgueiro, confrontando a nota oficial conjunta emitida pelas
instituições responsáveis ainda em 11-11-2017, o relato dos policiais civis
em seus depoimentos oficiais de que teria havido ―resistência armada‖ e
ainda as declarações posteriores do Comando Militar do Leste, segundo o
qual não houve confronto entre militares e integrantes de facções
criminosas.

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12) Reportagem do El País de 15-11-2017 declaração do Delegado Marcos
Amin da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG –
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro) de que a Lei 13.491/17
prejudica a investigação, pois a Polícia Civil não pode apreender as armas
dos militares nem tampouco convoca-los a depor;
13) Reportagem do jornal Extra de 10-12-2017 revela que dias antes da
chacina do Salgueiro, reunião da cúpula das forças de segurança estaduais
e federais havia sido realizada para traçar um plano para encurralar
traficantes do Complexo do Salgueiro em São Gonçalo, a estratégia era
entrar na favela pela Rodovia BR-101 com caveirões para forçar os
bandidos a tomarem a rota de fuga identificada em investigações da
Polícia Civil: a Estrada das Palmeiras; ali, homens do Exército que
chegariam em helicópteros e se infiltrariam numa mata, na noite anterior,
seriam responsáveis por surpreender os fugitivos;
14) Reportagens do jornal Extra de 17-11-17 e do El País de 22-11-2017
indicam que vítimas sobreviventes e moradores ouvidos pelos jornalistas
dias após a chacina do Salgueiro relataram terem visto homens de preto,
mascarados, com armamento dotado de lanterna e mira laser, e capacetes;
15) Imagens de satélite extraídas do “Google maps” do local e do trajeto
desde a rodovia BR-101 (ponto de entrada dos blindados) até o local em
que foram encontrados os corpos, na Estrada das Palmeiras 3118, São
Gonçalo (ponto em que se observa região de mata lateral à via);
16) Reportagem do jornal EXTRA de 15-01-2018, sobre os laudos de
necropsia aponta que as oito vítimas fatais cujos corpos foram periciados
foram atingidas por 35 tiros; todos os mortos foram atingidos pelas
costas; segundo o perito criminal aposentado Leví Inimá Miranda,
ouvido pela reportagem sobre o laudo de necropsia, há indícios de
execução nos corpos de três vítimas que, primeiramente foram feridas
e, já deitadas, foram atingidas por tiros de execução (disparos na
cabeça, de trás para a frente). Apontou o perito ainda que os disparos
que atingiram as vítimas foram feitos com fuzis:

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17) Ofício n° 72-CéluJur/CCOP/CML, datado de 27-02-18, assinado pelo
General Mauro Sinott Lopes, que, em resposta a pedido de informação
da Defensoria Pública, ―nenhum militar das Forças Armadas participou
de qualquer confronto armado‖ durante a operação do dia 11-11-17;
18) Fotografia dos corpos empilhados das vítimas empilhados no chão das
dependências do PRPTC de São Gonçalo, que circulou em redes sociais;
19) Relatório Final de Inquérito no Procedimento n. 404-00334/2017 da
Corregedoria Interna da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro
(COINPOL), que concluiu pelo arquivamento do pedido de apuração das
circunstâncias em que ocorreu o vazamento de fotografia dos corpos das
vítimas empilhados nas dependências do PRPTC, que circulou em redes
sociais, ao fundamento de ―impossibilidade de individualização de
condutas‖ e alegada inviabilidade de ―imputar a qualquer servidor a
responsabilidade pelo fato por inexistirem meios de esclarecer a dinâmica
do evento‖.
20) Reportagem do jornal O Globo de 25-02-2018 revela detalhes sobre o
modo de operação do Batalhão de Forças Especiais do Exército,
comandado pelo General Walter Souza Braga Netto, com sede em
Goiânia, conhecidos como ―fantasmas‖, em operações ―nas sombras‖,

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sempre cercadas por sigilo; a reportagem aponta que a tropa foi colocada
sob suspeita de participação da chacina do Salgueiro em novembro de
2017, mas o Comando Militar do Leste nega sua participação; dentre
outras características, são descritos dentre os equipamentos das forças
especiais o uso de óculos com visão noturna, e de fuzis com trilhos para
instalação de acessórios, como a mira laser:

21) Reportagem do jornal Extra de 18-03-18 descobre viagem da


Procuradora do Ministério Público Militar a Goiânia e obtém
reconhecimento do Comando Militar Leste de que havia 13 integrantes do
Batalhão das Forças Especiais do Exército na operação conjunta realizada
com a CORE no Complexo do Salgueiro em 11-11-2017, além de dois
soldados que atuaram como motoristas dos blindados e outros dois
responsáveis pela manutenção.

VIII. TESTEMUNHAS
147. A denúncia ora apresentada está instruída com o depoimento de 03 (três)
testemunhas. Todas elas foram ouvidas no Pronto Socorro de São Gonçalo, 06 (seis)
dias após os fatos, em 17 de novembro de 2017, pelos promotores de justiça Andréa
Rodrigues Amin e Bruno Corrêa Gangoni, integrantes do Grupo de Atuação
Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Rio de Janeiro – GAESP.
148. O relato das duas primeiras confirma que os tiros partiram da mata, ao
lado da Estrada da Palmeiras. Ademais, as 03 (três) testemunhas afirmaram terem visto
homens trajando fardas pretas, capacete e fuzis com mira laser. Seus depoimentos
seguem em anexo, tanto em versão manuscrita quanto transcrita.
149. Primeira Testemunha: LUIZ OTÁVIO ROSA DOS SANTOS, brasileiro,
casado, mototaxista, portador do documento de identidade nº 21.676.723-6, com
residência na Rua João Soares de Farias, nº 456, Salgueiro, São Gonçalo/RJ, Brasil,
CEP: 24473-470. Luiz Otávio é a oitava vítima fatal do caso denunciado, tendo vindo à
óbito quase um mês após a operação. Prestou depoimento enquanto estava internado no
Pronto Socorro de São Gonçalo.

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150. Em seu curto relato, considerando o estado de saúde em que se
encontrava, LUIZ OTÁVIO narrou que “Estava no ponto de mototaxi localizado em
frente ao antigo DPO, em Itaúna. Por volta de 1:00h de sábado saiu para buscar um
passageiro próximo à Guarita da Marinha, em direção à Palmeira. Quando estava
chegando ao local ouviu tiros, muitos, tiros altos, típicos de fuzil. Os tiros vinham da
mata na direção das casas que que ficam do outro lado da estrada das Palmeiras.
Sentiu uma dor nas costas, saiu da moto, pediu ajuda a um morador que ligou para sua
esposa. O socorro só chegou às 6:00h, quando sua esposa e seu pai de criação o
resgataram e trouxeram para o hospital. Sua esposa não conseguiu socorrê-lo antes
porque ninguém queria ir até o local, por conta dos tiros. O declarante viu luz
vermelha e fogo saindo das armas de quem atirava da mata. Viu uns cinco ou quatro
pontos de infravermelho. Nada mais havendo foi encerrado o presente”.
151. Segunda Testemunha: Segunda Testemunha: DANIEL DE MORAES,
brasileiro, padeiro, com residência na Rua Mary Half Fatori nº 6, Itaúna, São
Gonçalo/RJ, Brasil, CEP: 24476-770, telefone: +55 21 98885-5438. Sua identidade
deve ser mantida em sigilo. Daniel é vítima sobrevivente dos fatos ora denunciados,
tendo prestado depoimento enquanto estava internado no Pronto Socorro de São
Gonçalo.
152. Em seu relato DANIEL narrou que “Estava na casa da minha namorada,
na Fazenda dos Mineiros, no Salgueiro, quando por volta da meia-noite ou meia-noite
e meia saiu em direção à sua casa no Bairro das Palmeiras. Estava conduzindo sua
moto quando no caminho encontrou seu colega Marcos Vinicius que mora duas ruas
depois da sua casa. Deu carona a ele e na Estrada das Palmeiras, próximo ao conjunto
da Marinha ouviu fogos anunciando a chegada da polícia. Não se assustou porque eles
entraram na Itaúna e até chegarem no interior do Salgueiro daria tempo de chegar em
casa. Logo mais à frente, próximo a uma quadra de futebol, ao lado de um valão onde
tem um mato, foi surpreendido por disparos vindos da mata. Foram muitos disparos,
mas só o acertaram nas mãos (um tiro em cada) e na coxa. Marcos foi atingido por um
tiro no pescoço. Ambos caíram da moto. Caiu na beira do valão e se arrastou em sua
direção com o intuito de se esconder. Marcos conseguiu se levantar, pediu auxílio a um
morador, batendo nas portas, mas não conseguiu socorro e caiu sentado junto ao
portão. Os tiros vinham de longe, da região da mata, mas não viu os atiradores.
Quando já estavam feridos e caídos „policiais‟ se aproximaram vestidos de preto,
armados com fuzis que tinham uma luz vermelha. Usavam capacete com lanterna. O
fuzil tinha ainda uma lanterna. Havia cinco ou seis policiais que ao saírem do mato já
foram queimando as luzes para deixar tudo escuro. Três dos homens se aproximaram
do declarante, pegaram seu telefone e disseram que voltariam para matá-lo. Tiraram
foto com o telefone de um deles. No local há sinal para celular. Todos usavam o mesmo
tipo de arma com infra vermelho. Todos usavam capacete e um pano que cobria o
rosto, só deixando ver os olhos. Chegou a perguntar se „eles eram socorro‟, mas saíram
sem responder. Só depois que eles se afastaram do local em direção à mata foi que o
declarante viu em tanque do exército e um blindado entrando para o Bairro das
Palmeiras. Antes de voltarem para a mata os homens permaneceram ao lado da rua e
não deixavam ninguém se aproximar ou passar. Quando o blindado e o caveirão, digo,
quando o tanque e o caveirão passaram os homens que atiravam no declarante estavam
em pé e a vista, ao lado da estrada. Os veículos passavam por eles e não pararam.
Enquanto estava caído aguardando socorro ouvia gemidos de duas pessoas, ao que
parece, agonizando. Quando foi socorrido viu que havia dois corpos no chão próximos
ao declarante. Não conhecia as duas pessoas caídas. Foi socorrido pela sua irmã,

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Michele, e por seu patrão, Marcos. Trabalha na padaria do Marcos, que fica próximo à
casa do declarante. Trabalha como padeiro, há quase sete anos. Primeiro como
aprendiz e agora como padeiro. Sua mãe tem o contato de Marcos. No momento em que
foi alvejado a rua estava deserta. Não havia traficantes no local, pois nem há „boca‟
naquela parte da estrada. Não houve troca de tiros com ninguém. Foi „tiro ao alvo‟,
vindo da mata. O Marcus Vinicius, que estava de carona e também foi alvejado,
trabalha como pipoqueiro no terminal de ônibus de Niterói. Costumava voltar do
trabalho àquela hora. [...] Quando chegou ao hospital, na sexta-feira, ou melhor, já na
madrugada de sábado, já no setor de traumatologia, foi abordado e ameaçado por três
policiais vestindo camisa cinza da Polícia Civil. Não acreditaram quando o depoente
disse que era trabalhador, perguntaram o que tinha acontecido e disseram que iriam
voltar para furar o saco de soro que o declarante já estava tomando. Antes dos três
policiais da civil se aproximarem do declarante, um policial da PM conversou
normalmente com o declarante, colhendo o nome do declarante e os dados da sua mãe,
dizendo que desconhecia a operação no Salgueiro. Os três policiais eram brancos, um
só falava com o declarante. Era um pouco mais baixo que o Promotor Bruno, aqui
presente, um pouco mais gordo, e com tatuagem em um dos braços. Todos tinham
cabelo escuro”.
153. Terceira Testemunha: RAYANE DE ALVARENGA MATOS, brasileira,
irmã de Daniel de Moraes, demais dados de qualificação desconhecidos. Rayane foi
ouvida enquanto acompanhava seu irmão que estava internado no Pronto Socorro de
São Gonçalo. Sua identidade deve ser mantida em sigilo.
154. Em seu relato RAYANE narrou que “No dia dos fatos, por volta de
1:00h da madrugada de sábado, dia 12, saía de casa para uma festa, na companhia de
um mototaxista conhecido da declarante, JEFERSON, quando ao se aproximarem do
conjunto da Marinha, avistou cinco homens no mato, ao lado da pista – 3 de um lado e
2 do outro – que ao avistarem a moto atiraram, ordenou que parassem, apontou a arma
com mira a laser e com a lanterna, ordenando que Jeferson levantasse a camisa. Como
nada encontraram, deixaram que passassem. Ficaram com medo e a declarante acabou
desistindo da festa e ficou na casa de Jeferson que mora no conjunto da Marinha. Não
chegou a ver seu irmão ferido, pois pararam antes do local onde ele foi alvejado”.
155. Com relação ao sigilo da identidade da vítima sobrevivente
(DANIEL DE MORAES) e de sua irmã (RAYANE), que é testemunha dos fatos,
entendemos, por cautela, que seus nomes devem ser mantidos em sigilo. Apesar de
os peticionários não estarem constituídos de poderes para representá-los, há relatos de
ameaças, bem como há enorme receio de represálias informado pela genitora dos
mesmos em contato telefônico. Com relação a identidade das vítimas fatais, seus
nomes já são de conhecimento público através das notícias da imprensa.

IX. OUTRAS DENÚNCIAS


156. Informam os peticionários que o caso ora denunciado não foi submetido
ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas nem tampouco a outro órgão
internacional.

X. ANTECIPAÇÃO DA AVALIAÇÃO DA PETIÇÃO PELA COMISSÃO A FIM


DE REMEDIAR SITUAÇÃO ESTRUTURAL GRAVE E PODER PROMOVER

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MUDANÇAS LEGISLATIVAS A EVITAR MÚLTIPLAS PETIÇÕES COM
ASSUNTO SIMILAR: a indevida expansão da justiça militar no Brasil.
157. Consoante o artigo 29.2.d do Regulamento da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, é possível a antecipação da avaliação de uma petição com base
nos seguintes pressupostos: (i) a decisão poder remediar situações estruturais graves que
tenham impacto no gozo dos direitos humanos; (ii) a decisão poder promover mudanças
legislativas ou de prática estatal e evitar o recebimento de múltiplas petições sobre o
mesmo assunto. Ambos, é forçoso convir, se fazem presentes no caso em análise.
158. A Lei n˚. 13.491/2017, conforme esclarecido acima, ampliou
indevidamente a competência da justiça militar para abranger o julgamento de crimes
dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, e ainda estendeu a
competência da justiça castrense para o processo e julgamento de outros delitos (tais
como tortura e abuso de autoridade) praticados por militares contra civis. Esse
alargamento legal da extensão da justiça militar contraria frontalmente a jurisprudência
do Sistema Interamericano de Proteção.
159. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por inúmeras vezes,
decidiu que a jurisdição militar não é foro competente para julgar ou sancionar
violações de direitos humanos, máxime em tempos de paz, restringindo-se seu alcance a
situações excepcionais de proteção de interesses jurídicos próprios das funções
militares.
160. Segundo o Tribunal, a responsabilidade penal deve ser determinada pelas
autoridades judiciais internas, segundo as normas estabelecidas nos artigos 8.1, 8.5 e 25
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Caso Radilla Pacheco, §178), e
também aquelas dispostas nos instrumentos do Sistema Global, a saber – artigos 8 e 10
da Declaração Universal de Direitos Humanos, bem como os artigos 2.3 e 14 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
161. O PIDCP dispõe, em seu artigo 14, sobre o princípio da publicidade; a
igualdade perante os tribunais; o direito a um recurso efetivo; o princípio da legalidade;
o direito a um julgamento efetivo e o direito de toda pessoa de ser julgada por tribunais
competentes, independentes e imparciais, preestabelecidos pela lei. Nesse sentido se
manifestou a CorteIDH nos Casos Radilla Pacheco (§277), Gomes Lund (§108) e
Castillo Petruzzi (§130), consagrando o imperioso respeito a essas disposições. Na
mesma trilha, o Comentário Geral nº 32 do Comitê de Direitos Humanos (CDH) da
Organização das Nações Unidas elucida que tais princípios ―são aplicados a todos os
tribunais (...), sejam eles ordinários ou especializados, civis ou militares‖.
162. A Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de
Pessoas (1994), a propósito, veda expressamente a aplicação da jurisdição militar no
âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, in verbis:
i. “IX. Os suspeitos do delito de desaparecimento forçado de pessoas só
poderão ser julgados pelas jurisdições do direito comum competentes em
cada Estado, com exclusão de toda jurisdição especial, em particular a
militar.
ii. Os atos constitutivos do desaparecimento forçado não poderão ser
considerados como cometidos no exercício das funções militares.”
163. Sobre a temerária expansão da jurisdição militar, o Relator Especial
sobre a Independência dos Juízes e Advogados da Organização das Nações Unidas
apontou com precisão em seu Relatório à Assembleia Geral de 25 de setembro de 2006:

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i. “Nos últimos anos o Relator Especial tem notado com preocupação que
a extensão da jurisdição dos tribunais militares continua representando um
grande obstáculo para muitas vítimas de violações de direitos humanos em
sua busca por justiça. Em um grande número de países, os tribunais militares
continuam julgando militares responsáveis por graves violações de direitos
humanos, ou julgando civis, em franca violação dos princípios internacionais
aplicáveis a essa matéria, e que em alguns aspectos transgridem inclusive
suas próprias legislações nacionais.”
164. A Corte já estabeleceu, de modo reiterado, que, caso um Estado conserve
a jurisdição militar, sua utilização deve ser mínima e excepcional, devendo guiar-se
pelos princípios e garantias que regem o direito penal moderno (Caso Radilla Pacheco,
§272) e, em homenagem ao princípio da especialidade, o alcance da justiça penal militar
deve ser restrito e limitado àqueles casos em que forem afetados bens jurídicos próprios
da ordem militar (Caso Escué Zapata, §105; Caso Durand y Ugarte, §117; Caso
Masacre de la Rochela, §200; Caso Radilla Pacheco, §272).
165. O vetor da especialidade é também destacado pelo Princípio nº 8 do
Projeto de Princípios sobre a Administração de Justiça pelos Tribunais Militares,
presente no Relatório do Relator Especial da Subcomissão de Promoção e Proteção dos
Direitos Humanos da ONU, de 2006, que expressa que ―a competência dos órgãos
judiciais militares deveria estar limitada às infrações cometidas dentro do âmbito
estritamente castrense pelo pessoal militar‖.
166. Decerto, a jurisdição militar foi estabelecida com a finalidade exclusiva
de manter a ordem e a disciplina no interior das Forças Armadas, reservando-se sua
aplicação aos delitos e faltas que atentem contra esses bens jurídicos e tenham sido
protagonizados por militares no exercício de suas funções (Caso Castillo Petruzzi,
§128).
167. Com fulcro nos Princípios Básicos Relativos à Independência do Poder
Judicial, adotados pelo 7º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente, em 1985, a Corte entende que toda pessoa tem direito a ser
julgada por tribunais de justiça ordinários, tendo em vista os procedimentos legalmente
estabelecidos, de forma que o Estado não deve criar tribunais que não apliquem normas
processuais devidamente estabelecidas com a finalidade de substituir a jurisdição de tais
tribunais (Caso Castillo Petruzzi, § 129). Além disso, a Corte já afirmou que ―a atuação
da justiça penal militar constitui uma violação dos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana, pois não respeita os padrões do sistema interamericano no tocante a
casos que envolvam violações aos direitos humanos, principalmente no ponto que se
refere ao princípio do tribunal competente.‖ (Caso Radilla Pacheco, §266).
168. Assim, a expansão da competência da justiça militar, substituindo a
jurisdição de tribunais ordinários, afeta normas processuais estabelecidas não só no
direito interno, como também no direito internacional, especialmente o direito ao juiz
competente, imparcial e independente e ao devido processo legal, que culminam, enfim,
na afetação do próprio direito de acesso à justiça (Caso Castillo Petruzzi, §128; Caso La
Cantuta, §142; Caso Almonacid Arellano, §131; Caso Masacre de la Rochela, §§200 e
204; Caso Radilla Pacheco, §2). Recorde-se que a obrigação de investigar é acentuada
em casos envolvendo agentes estatais (Caso Nova Brasília, §176), visto que uma
investigação precária implicaria favorecimento do Poder Público e agravaria a
responsabilidade internacional do Estado (Caso Nova Brasília, §177).

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169. Em linha de princípio, funcionários do foro militar não detêm
imparcialidade e independência, requeridas pelo artigo 8.1 da Convenção, para
investigar os acontecimentos de maneira eficaz e exaustiva e sancionar os responsáveis
pelos fatos (Caso Durand y Ugarte, §125), dado que os requisitos para integrar os
tribunais militares não lhes proporcionaria distanciamento suficiente (Caso Durand y
Ugarte, §126).
170. Além disso, o impacto do foro militar na proteção das vítimas de
violações de direitos humanos não pode deixar de considerar os seguintes pontos,
intrínsecos ao seu modo de atuação:
a. a inexistência de um recurso efetivo que ampare as vítimas (Caso
Radilla Pacheco, §§ 190, 233, 265, 267, 281, 288, 296);
b. a negativa de investigar os fatos (Caso Radilla Pacheco, §§236, 312;
Caso Gomes Lund, §§ 82, 127, 135, 239, 240, 241);
c. a ausência de uma investigação sobre a responsabilidade da cadeia de
comando (Caso Radilla Pacheco, §205).
171. Quando tribunais militares conhecem de violações de direitos humanos
perpetradas contra civis, não estão exercendo jurisdição unicamente sobre o imputado,
mas também sobre a vítima civil e seus familiares, violando o direito destas vítimas à
participação no processo penal, que se relaciona não somente à reparação do dano
causado, como ao direito à verdade e à justiça, bens jurídicos próprios do regime
ordinário (Caso Radilla Pacheco, §275; Caso Gomes Lund, §§ 197, 199, 201, 201).
172. Desta forma, à guisa de conclusão, se os atos cometidos por um militar,
no exercício de suas funções, não afetam os bens jurídicos desta esfera, tal pessoa deve
ser sempre julgada por tribunais ordinários (Caso Radilla Pacheco, §274).
173. Com a utilização cada vez mais frequente das Forças Armadas em
funções de segurança pública e policiamento no Brasil, vide a intervenção federal no
Rio de Janeiro, é bastante provável que casos envolvendo militares sejam levados a
Justiça Militar. Nesse sentido, são precisas as palavras da diretora do Escritório Brasil
da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu: ―Esse caso evidencia como a lei que
transfere o homicídio de civis à jurisdição militar é um convite à impunidade‖. ―Com
as Forças Armadas envolvidas cada vez mais em operações de segurança pública no
Rio de Janeiro, é extremamente importante que essa lei seja revogada o mais rápido
possível.‖ 96. Destarte, a célere tramitação do caso pode promover mudanças
legislativas, com a revogação da Lei 13.491/17, a fim de evitar múltiplas petições
com assunto similar.
174. Deve-se atentar, ademais, para a tramitação de projeto de lei do Senado
n° 352, de 201797 (conhecida como ―lei do abate‖98) que pretende afrouxar a permissão
de uso da força por agentes públicos, bem como o teor das graves declarações públicas
de autoridades acima reportadas, o que demonstra que o caso apresentado se insere num
contexto de grave risco para a proteção dos direitos humanos, razão pela qual a
priorização na tramitação da petição pode remediar situação estrutural grave.
175. A indevida expansão da competência jurisdicional castrense no Brasil
constitui, portanto, violação inequívoca aos direitos a um recurso efetivo, ao devido

96
https://www.hrw.org/pt/news/2017/12/22/312841
97
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7203849&disposition=inline
98
https://theintercept.com/2018/03/12/senado-votar-lei-do-abate-de-pessoas/

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processo legal, ao julgamento por órgãos jurisdicionais competentes, imparciais e
independentes, ao acesso à justiça, à memória, à verdade.
176. Diante disso, postula-se a antecipação da apreciação dessa petição, em
razão da evidente possibilidade de remediar situação estrutural grave, promover
mudanças legislativas e evitar o recebimento de múltiplas petições com objetos
similares.

Do Rio de Janeiro, Brasil, para Washington D.C., E.U.A, em 02 de abril de 2018.

Pedro González Montes de Oliveira Daniel Lozoya Constant Lopes


Defensor Público Defensor Público
Mat. nº 969.592-5 Mat. nº 949.550-8

Fábio Amado Barretto Lívia Miranda Müller Drumond


Casseres
Defensor Público
Defensora Pública
Mat. nº 877.395-4
Mat. nº. 3032.140-2

Marcelo Dias Roberto Marinho Amado


Coordenador Nacional de Secretário Executivo Adjunto
Desenvolvimento Urbano e ISER
Empreendedorismo Negro do MNU

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Lia Maria Manso Siqueira
Representante de CRIOLA

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