Resenha crítica sobre os textos: Falando em línguas; Maria e Morta pelo
marido em parceria com o Estado.
Rio das Ostras, novembro de 2020
Os textos, já no primeiro momento, se apresentam carregados de um trauma social. Suas abordagens, embora diferentes, se complementam na temática. A constante repressão sofrida por mulheres negras na sociedade preconceituosa, machista, sendo retratada sem abordagens imagéticas, é o que torna tudo mais impactante. Estes, são carregados das experiências cotidianas de traumas e lutas dentro de uma sociedade intolerante.
Em ‘’Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do
terceiro mundo’’, a aproximação com o leitor se dá a partir das vivências da escritora, e a necessidade da mesma, de demonstrar empatia e comprometimento com a realidade de outras escritoras do mesmo universo. Durante todo o corpo textual, Gloria Anzaldúa descreve as incessantes opressões e violências vivenciadas rotineiramente, e como isso influencia em sua literatura. É ressaltado em todo momento que escrever é importante, pois transformar os sentimentos em palavras, é um ato de força e coragem, provocando assim um choque e transformação à sua volta. A mesma, demonstra isso no trecho:
‘’Escrever é perigoso porque temos medo do que a
escrita revela: os medos, as raivas, a força de uma mulher sob uma opressão tripla ou quádrupla. Porém neste ato reside nossa sobrevivência, porque uma mulher que escreve tem poder. E uma mulher com poder é temida.’’ (1981, p. 171-172).
‘’Maria’’ já possui uma abordagem diferente. A história é contada a partir
de um narrador em terceira pessoa, demonstrando o cotidiano da personagem. Inicialmente, parece ser um texto brando, apresentando traços da humilde vida de Maria. Seu trabalho, família, relacionamentos. No entanto, a situação muda drasticamente para um cenário conturbado e o contexto torna-se impactante para o leitor.
A personagem encontra seu ex-marido no ônibus, e senta junto com o
mesmo. Conversam sobre o passado e suas situações atuais. Então, ao finalizar a conversa, o sujeito, junto com outros indivíduos, realizam um assalto roubando todos naquele espaço. Entretanto, Maria é a única que sai ilesa daquela situação. Percebendo essa cena, todos ali presentes começam a questioná-la e acusa-la de participação indireta com o ocorrido. O motorista tenta defende-la, alegando que a mesma pega o transporte todos os dias naquela mesma hora. Entretanto, já era tarde demais. Os passageiros já tinham agredido Maria, que nessa hora, já teria dado seu último suspiro.
‘’Morta pelo marido em parceria com o Estado’’ possui uma abordagem
semelhante à ‘’Maria’’. O texto retrata sobre uma situação infelizmente recorrente, a banalização ou omissão por parte Estatal sobre situações de violência contra a mulher. Isso fica explícito, pois, os vizinhos, ao perceberem que uma mulher estava sendo agredida pelo marido em sua casa, telefonam à polícia para resolverem tal situação. As ligações se fundem umas as outras, totalizando um número expressivo. Entretanto, a reação da agência policial foi imparcial e desumana. Dessa forma, resultando mais um caso de homicídio noticiado.
Em suma, apesar das abordagens serem distintas, os textos possuem
uma expressiva compatibilidade. Suas temáticas são chocantes, mas também necessárias. Buscando a todo momento demonstrar a realidade social em que as mulheres estão inseridas. A reflexão a partir da leitura dos mesmos se faz necessária, internalizando essas situações que, na maioria das vezes, não possuem a atenção necessária. Dessa forma, por serem produções realísticas, retratando experiências diárias, a leitura torna-se impactante e transformadora. REFERÊNCIAS ANZALDÚA, G. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. This bridge called my back: writings by radical women of color. Nova Iorque: Kitchen Table, p. 165-174. 1981. EVARISTO, C. Maria. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, p. 39-42. 2016. MELO, P. Morta pelo marido em parceria com o Estado. Mulheres empilhadas. São Paulo: LeYa, p. 136-137. 2019.