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A Luta contra o racismo e a construção da memória da torcida

do Vasco da Gama

Elias e Dunning (2008) afirmam em sua obra que em determinadas sociedades –


incluindo a “nossa” –, sente-se a necessidade de motivação e excitação recorrente e, por isso,
deve ser saciada sazonalmente. Sinalizada pelos autores, esta necessidade se diferencia da fome,
do sexo e de outras primordialidades por representar um fenômeno social, portanto, mais
complexo e menos biológico. Caracterizando-se por tomar uma nova forma na modernidade, o
esporte assume funções estruturadas e estruturantes, quando se transforma em um sistema
disciplinador, no contexto do processo civilizador (ELIAS; 1992).

No caso brasileiro, o futebol é incomparavelmente a prática esportiva de maior


significância na construção da identidade nacional e das mais diversas identidades culturais,
atrelado a tipos de simbolismo como família, regionalismo, raça, etnicidade e outros. Como
observou o historiador José Murilo de Carvalho, “as fontes de identidade nacional no Brasil não
são instituições centrais da ordem social, e sim manifestações culturais como o carnaval, as
festas e o futebol (1987, p. 26)”. A Seleção Brasileira de Futebol, assim como os clubes e os
principais atletas do chamado esporte bretão, são entendidos como grandes patrimônios a partir
dos quais muitos brasileiros constroem suas identidades individuais e coletivas, significando e
dando coerência às suas preferências, e a um senso de pertencimento social.

Evidentemente os discursos de ética, moralidade e importância social são atrelados a


determinados clubes por seus torcedores ou, às vezes, pelas próprias instituições, no intuito de
justificar e dar razão ao “torcer”, ser parte de um grupo social superior. Como observa Francisco
Rodrigues,

“A escolha de um time de futebol para torcer no Brasil é, diversas


vezes, feita pelos pais antes mesmo do nome da criança. Antes que
se descubra o sexo do bebê, o pai já designa um time para o qual
seu filho ou filha torcerá. (…) Atualmente, esta escolha está
distante das relações cotidianas dos sócios dos clubes mais
tradicionais, de sua sede, seu patrimônio e do corpo social do clube
propriamente dito. O clube como administração futebolística,
entidade político-administrativa cuja função é a gerência de um
time a que representa e também a sua memória, é,
fundamentalmente, um símbolo que condensa os sentimentos de
uma extensa comunidade de pertencimento”.1

A identidade familiar é representada na escolha do time de futebol pelos descendentes como se


fosse uma continuidade de uma tradição antiga. Se antes o corpo social e a comunidade de
torcedores dos clubes obedeciam a uma determinada identidade cultural, “os que hoje se
denominam torcedores de determinada agremiação, já estão distantes da origem social dos clubes
e do seu próprio corpo de dirigentes”.2 Isto, no entanto, não só não impede que a identidade dos
torcedores seja construída em função de valores acoplados à memória referente aos
acontecimentos, que deram origem aos mitos de fundação dos seus clubes de coração, como tem
se observado um crescimento na relação dos torcedores com o passado de seus clubes. Isto é
reforçado na construção de museus e centros de memória pelos próprios clubes, lançamentos de
uniformes retro, obras biográficas de ex-jogadores ou livros de memória de participantes de
acontecimentos significativos para determinadas instituições esportivas (jogadores, jornalistas,
torcedores ilustres, e etc.). Em outras palavras: se por um lado a escolha dos times de futebol
atualmente não esteja diretamente relacionada a uma identidade social, por outro, pode-se dizer
que há uma necessidade de identificação social com o time para o qual se torce, de modo que
justifique este pertencimento coletivo, e esta se dá muitas vezes através do passado da
agremiação. Posso citar como exemplo o meu caso, torcedor do Vasco da Gama, mesmo time do
meu pai (um aficionado por futebol), que nunca fez parte do quadro de associados, e que da
mesma forma que eu, torce pelo mesmo time que seu pai. O Vasco se caracteriza por ser um
clube fundado e mantido nos seus primórdios pela colônia portuguesa, conhecido por ter sido o
primeiro time que aceitara jogadores negros em 1923, e que, além disto, lutara pela democracia
racial no meio futebolístico, alterando de vez a estrutura social do esporte no Brasil. Apesar de
não haver nenhum membro da comunidade portuguesa nem nenhum negro na minha família,
somos todos torcedores do Vasco. Nunca tive a oportunidade de escolher meu time, mas cresci
escutando da minha família sobre a heroica história da luta do Vasco contra o racismo, de modo

1
RODRIGUES. 2012. P. 11.
2
Idem.
que mesmo em períodos de escassez de títulos, eu deveria me orgulhar por ser torcedor de um
time popular e democrático.

O mito da luta contra o racismo, no entanto, tem sido questionado por alguns acadêmicos
desde os anos 1990, sobretudo após a pesquisa de Soares (2001), que questiona a veracidade da
história e o qualifica como uma tradição inventada. O mito teria sido reforçado e se tornado
“intocável” após a difusão e imposição do pensamento no Brasil da democracia racial nos anos
1930 e 1940, construído, sobretudo, a partir da incorporação de determinada linha de pensamento
presente na obra Casa Grande e Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre. O futebol seria um dos
maiores exemplos de que a tal mistura das três raças produzia uma cultura única, e o futebol
brasileiro se diferenciaria do europeu, principalmente, por ter presente traços das culturas negra
(africana) e índia (americana). Durante várias décadas, mito do Vasco foi aceito como uma
verdade histórica, presente no imaginário coletivo, contado e recontado por torcedores do time,
intelectuais, jornalistas e acadêmicos, aceito por torcedores de outros times (rivais, inclusive)
constituindo-se como uma identidade positiva para os vascaínos, torcedores de um time cuja
tradição democrática constitui uma identidade baseada no politicamente correto.

Este trabalho pretende analisar de que forma se dá hoje a construção e preservação da


memória do acontecimento de 1923, de que forma esta se perpetua e por que, mesmo após alguns
trabalhos a terem questionado, ela segue praticamente intacta no campo do futebol no Rio de
Janeiro e no Brasil, de forma geral. Quem de fato preserva de forma ativa e passiva esta
memória, porque e como ela continua são os objetivos deste artigo.

O contexto do Rio de Janeiro durante o surgimento do mito

Os times de futebol brasileiros surgiram na última década do século XIX, e tomaram


forma a partir de tradicionais clubes frequentados principalmente pelas elites e pela classe média
das grandes cidades. De acordo com o ritmo com que o esporte bretão se popularizava, mais
clubes eram fundados ou davam início à prática futebolística. O boom do futebol se deu, em
especial no Rio de Janeiro, antiga capital nacional, durante as décadas de 1910 e 1920, quando o
esporte ultrapassou o remo e o jóquei em termos de popularidade, embora ainda se caracterizasse
por ser praticado fundamentalmente pelas elites (MORAES;2009). Estes clubes3 eram centros de
encontro de determinados grupos sociais, compostos de acordo com requisitos básicos exigidos
por cada um para que se fizesse parte do grupo de frequentadores. Embora a maioria dos clubes
tenha sido fundada e frequentada pela alta sociedade, havia determinadas agremiações situadas
em bairros de classe média baixa, com um quadro de associados composto também por
trabalhadores braçais, pequenos comerciantes e etc.

É necessário, antes de tudo, contextualizar o período no qual se deram os acontecimentos


históricos determinantes para a construção da narrativa do mito vascaíno. Em 1822, foi declarada
a independência do Brasil por Pedro I, filho do rei de Portugal, Dom João VI. O país, recém-
independente, manteve o regime monárquico, coroando Dom Pedro I, da dinastia de Bragança (a
mesma de Portugal), e mantendo boa parte da estrutura colonial que existia no país. A escravidão
fora abolida no ano de 1889, apenas dois anos antes da Proclamação da República, que se deu
em 1891, quando uma junta militar depôs Dom Pedro II (filho do antigo rei) e assumiu o poder.
Foi adotado o sistema presidencialista e eleições passaram a ser realizadas no país a cada quatro
anos, embora menos de 20% da população tivesse direito a voto até os anos 1930. Este período
foi classificado como República Velha por historiadores dos anos 1930, mas pode também ser
chamado de Primeira República.

O Rio de Janeiro, capital dos primeiros quase 60 anos da República, herdou sua
importância política por ter sido capital do Império e por estar próxima a importantes fazendas
de café, embora decadentes e cada vez menos importantes se comparadas aos latifúndios
paulistas. “A província do Rio de Janeiro foi, graças à pujança da cafeicultura escravista do vale
do Paraíba, o principal polo econômico do país durante quase meio século do período imperial.
No plano político, constituiu, indiscutivelmente, a base de poder do regime monárquico”.4 Já nos
primeiros anos da República, entretanto, o estado do Rio de Janeiro5 vinha perdendo importância
econômica para os estados de São Paulo e Minas Gerais, maiores produtores de café e outros
produtos agrícolas. As relações de poder, estabelecidas nos primeiros 40 anos da República,
foram caracterizadas por um forte clientelismo entre grandes fazendeiros e uma alternância de

3
Neste momento faço um recorte espacial delimitando o trabalho ao imaginário do Rio de Janeiro.
4
FERREIRA, M. 1985. P. 117.
5
Em 1974, o estado da Guanabara (cuja capital é o Rio de Janeiro) e o estado Rio de Janeiro (cuja capital é Niteroi)
se fundiram no novo estado do Rio de Janeiro, com capital no município do Rio de Janeiro.
poder entre políticos paulistas e mineiros, caracterizada por privilegiar determinadas oligarquias
rurais e centralizar estes dois estados em detrimento aos outros. Os direitos políticos, no entanto,
eram restritos aos homens alfabetizados desde a Constituição de 18916. Estes direitos políticos,
portanto, não abarcavam aos negros recém-libertos, em sua maioria analfabetos.

Durante a 1ª Guerra Mundial, pode-se dizer que houve um pequeno surto de


industrialização no Brasil, sobretudo devido à crise do café. Por causa da guerra, as importações
de café sofreram uma forte redução, obrigando o governo a tomar medidas de emergência e
industrializar o país foi uma delas. O modelo político-econômico da Primeira República, no
entanto, não deixou de entrar em crise, reforçada, sobretudo, a partir das consequências da
industrialização e da modernização nas grandes cidades.

Diversos autores caracterizam os anos 1920 na América do Sul como um período de


modernização. Segundo o Censo Industrial Brasileiro7, em 1920 havia no Brasil 13.336
estabelecimentos industriais, que empregando 275.512 trabalhadores, o que representava apenas
1% da população brasileira. A grande maioria dos estabelecimentos industriais se encontrava no
estado de São Paulo (31,5%) e na capital da República Rio de Janeiro (28,2%). A população da
capital, segundo o censo de 1920, era de 1.147.599 habitantes de um total de 30.635.605
brasileiros. À medida de comparação, São Paulo, a segunda maior cidade do país, contava com
579.033 habitantes, ou seja, pouco mais de a metade do Rio de Janeiro8. Por mais que a
industrialização e a modernização tecnológica não acarretassem em um relativo impacto na
maioria das cidades brasileiras, o Rio de Janeiro dava mostras de sofrer grande influência das
transformações tecnológicas e científicas pelas quais passava o capitalismo europeu desde o fim
dos anos 1870. Segundo o historiador Nicolau Sevcenko (1992), a sociedade da capital brasileira
passava por transformações urbanas derivadas desta modernização, acarretando correntes
imigratórias vindas da Europa, formação de uma classe operária que repercutiram inclusive em
uma mudança na arquitetura urbana do Rio de Janeiro de modo que a cidade pudesse se adequar
aos novos tempos.

6
BARRETO, C. 1971. P. 107.
7
http://www.ibge.gov.br/seculoxx/default.shtm
8
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=638799
Não só a economia foi afetada por esta chamada modernização, como também as artes e
o meio intelectual passaram por grandes transformações. Angel Rama (1998) observa que o
fenômeno abarcava grande parte dos centros urbanos da América Latina, e destaca a presença de
literatos e intelectuais, críticos e interessados nas mudanças advindas da tal modernização.
Segundo Rama, o estrangeirismo europeu era paulatinamente substituído por uma cultura
nacional autêntica, e, no caso estudado aqui, o Rio de Janeiro da Belle Epoque gradualmente
construía e inventava tradições nacionais. É neste contexto que se dá, por exemplo, em 1922, a
fundação do Partido Comunista Brasileiro, em Niteroi9, a primeira Revolta Tenentista10 no Rio
de Janeiro e a ocorrência da Semana de Arte Moderna11 em São Paulo. O Rio de Janeiro dos
anos 1920 produzia uma geração de pensadores

“devotada à causa da brasilidade, essa geração partilhava a crença de que a


construção da sociedade moderna dependia de um projeto de reconstrução da
nação brasileira. Essa produção intelectual resultou na configuração de um
imaginário nacional - firmado na invenção de novas tradições e na construção de
novos marcos simbólicos - que teve uma insuspeitada permanência na
mentalidade coletiva”.12

O futebol no Rio de Janeiro dos anos 1920

O tal modernismo nacionalista dos anos 1920 teve papel determinante, também, na
formação de uma cultura popular autenticamente brasileira. Viana (2007) atenta em seu trabalho
ao surgimento e popularização do samba e do carnaval de rua, como manifestações culturais
autenticamente nacionais, mas que até então, ao se expressarem não simbolizavam expressões de
integração das classes sociais no Brasil. Apropriando-me do conceito de Anderson (2008), o
sentimento de pertencimento a uma comunidade imaginada de forma horizontal ainda não se
dava através destas manifestações culturais. Em outras palavras, a cultura nacional não era um
elemento de união nacional nos primeiros 15 anos do século XX.

9
Localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro.
10
Movimento organizado por militares de média patente, insatisfeitos com o modelo político brasileiro excludente e
pouco democrático.
11
Evento que marcou o início do modernismo cultural no Brasil, dando origem à produção cultural de cunho
nacionalista.
12
MOTTA, M. 1994. Pp. 7 e 8.
“Um diferencial do esporte em relação às outras duas manifestações culturais
presentes na cidade é que estas práticas corporais eram originárias de alguns
países da Europa e chegaram ao Rio de Janeiro como uma nova prática cultural
incorporada pelos novos círculos sociais dominantes que assumiam recentemente
o controle político e econômico da capital do país”. (Moraes;16;2009)

O turfe e o remo (canoagem), tradicionalmente e perpetuadamente considerados esportes de elite


no Brasil, foram as duas primeiras práticas esportivas a se popularizarem entre as elites cariocas
desde a segunda metade do século XIX. O remo, inclusive, é descrito pelos jornais da época
como um esporte popular, cujas regatas atraíam um incontável número de espectadores à Baía de
Guanabara13, e estaria diretamente associada à nova mentalidade da sociedade brasileira
construída após a década de 1900, quando normas sociais, incluindo o banho de mar e a
exposição do corpo em áreas permitidas, tornaram-se não só aceitas como recomendadas. As
práticas de lazer nestes locais também passaram a ser cada vez mais usuais, daí o surgimento do
remo como uma atividade saudável e socialmente aceita (MORAES;2009).
O futebol, embora menos popular até os anos 1910, também foi introduzido a partir da
mesma mentalidade. De origem inglesa, um dos nomes utilizados para se definir o futebol no
Brasil é esporte bretão. Perfeitamente adaptável ao Rio de Janeiro da Belle Epoque, o esporte foi
introduzido nos círculos das elites nos primórdios do século XX, e passara a ser praticado
oficialmente pelos clubes de classe média e alta, tradicionais ponto de encontro das boas famílias
cariocas. Caindo rapidamente no gosto popular, o futebol é descrito por Pereira (2000) como
“esporte triunfante”, que já atraía grandes públicos aos estádios, numa época em que já se
marcavam jogos amistosos internacionais. Nos fim dos anos 1910, o Campeonato Carioca de
Futebol já conhecia os chamados clubes grandes14, possuía um regulamento sofisticado, e tendo
a Seleção Brasileira de futebol, campeã sul-americana de 1922 contado com seis dos 13 atletas
que compunham a sua delegação, atuando em times do Rio de Janeiro.
Neste contexto, no fim dos anos 1910, o futebol ultrapassa o remo como esporte mais
popular da cidade, e já sofre influências da modernização nacional. O escritor Graciliano Ramos,
por exemplo, já defendia no fim dos anos 1910 que o esporte tivesse seu nome trocado para algo
mais brasileiro, e sugeriu “cavalhada, o cambapé, a rasteira ou o jogo de ‘bola de palha de

13
Local onde era realizada a prática esportiva.
14
Até hoje assim conhecidos.
milho”.15 A imprensa também participava do processo de popularização do futebol, criando
inclusive uma sessão esportiva própria nos principais periódicos da cidade. O jornalismo, no
Brasil, vinha respirando os ares da modernidade e sendo influenciado pela industrialização a
assumindo, inclusive, um papel “didático” (KOWALSKY;2001). “Pequenos jornais, de
estruturas mais simples, [...] cedem lugar às empresas jornalísticas”.16 O mesmo autor descreve a
mudança na estrutura dos diários, passando de “folhetins” a jornais que priorizavam agora
colunismo, reportagem, entrevistas e a informação (SODRÉ;204;296). Neste contexto, então,
surge no Brasil o jornalismo esportivo em substituição às velhas crônicas que se ocupavam de
descrever o jogo17 em tom romântico e poético. Segundo Vitor Melo (2005), a imprensa, a
construção de grandes estádios, a inserção da publicidade, enfim, tudo o que ele caracteriza
como “indústria do lazer e do entretenimento”, aproximou o futebol e seus bastidores do público
e dos segmentos mais populares.
A década de 1920 revoluciona de uma vez por outra a conjuntura do futebol brasileiro,
sobretudo a do carioca. “Os dez anos percorridos entre 1920 e 1930 concretizam-se no ápice da
propagação e popularidade do futebol nos clubes, fábricas, indústrias, mudando o cotidiano das
cidades. Este envolvimento coletivo estabelece um nexo entre o espaço físico da cidade e o
esporte”.18 Dois grandes acontecimentos atuaram como catalizadores na popularização do
esporte nesta década: (1) A conquista brasileira da Copa América de 1922 e (2) A cisão de 1924,
gerada pelo resultado do Campeonato Carioca de 1923.
Em 1922, em ocasião ao centenário da Independência do Brasil, foram realizados os
Jogos Olímpicos do Centenário, sob a autorização do Comitê Olímpico Internacional.
Participaram dos jogos delegações de países como os EUA, Japão, Reino Unido, México e
Portugal, e de outros Estados sul-americanos. “As Olimpíadas do Centenário e o Sul-Americano
de 1922 foram planejados com o intuito de revelar ao mundo um novo modelo de nação”.19 Os
bons resultados alcançados pelos selecionados brasileiros nos mais diversos esportes foram
enaltecidos pela imprensa, que teria mais adiante o que faltava para transformar o esporte no

15
PEREIRA, 2000. P. 305.
16
SODRÉ. 2004. P. 275.
17
Crônicas estas que jamais desapareceram dos jornais, mas não davam conta de competir com o jornalismo
moderno.
18
KOWALSKY, 2003. P. 161.
19
MORAES, 2009. P. 17.
regozijo moral do brasileiro: o título sul-americano de futebol no ano do centenário da
independência.
A imprensa esportiva trabalhava a vitória da Copa América de 1922 em tons de
nacionalismo, enaltecendo as qualidades do brasileiro (PEREIRA;2000). O futebol, em plena
ascensão, não só era o esporte mais popular do país lotando estádios e gerando receitas aos
clubes, como já se havia constituído um habitus no campo do futebol, de acordo com Bourdieu
(2003), na medida em que já havia regras sociais tácitas, estruturadas e estruturantes, tanto no
campo esportivo quanto nos meios sociais aos quais o esporte influenciava. Estes, devido à
expansão da imprensa, eram cada vez mais abrangente, de modo que as regras do campo
esportivo se alteravam em um processo mais veloz do que o de costume, alterando
sucessivamente o capital simbólico a ser dominado no campo do futebol, sobretudo.
É neste contexto que se dá o Campeonato Carioca de 1923, que, à diferença dos outros,
contava com a participação do C.R. Vasco da Gama. O clube, tradicional por sua história de
títulos nas competições de remo, fundado e frequentado por imigrantes portugueses, decidiu em
1915 formar um time de futebol. Em 1922 o Vasco venceu o Campeonato Carioca da Segunda
Divisão e ganhou o direito de participar do principal torneio da capital federal e do país até
então. O elenco do time da colônia lusitana, no entanto, possuía duas diferenças em relação aos
outros participantes do mesmo campeonato: (a) tinha em seu time uma quantidade acima do
comum de atletas negros e mulatos, em sua maioria de origem humilde e analfabeta; (b) o Vasco
possuía um treinador uruguaio de nome Platero, além de treinos integrais remunerados durante a
semana, de modo que seus jogadores eram fisicamente superiores aos rivais
(ROCHA;1975;347). Com uma estrutura semi-profissional e um time composto por atletas
negros, mulatos e pobres, o Vasco foi o campeão carioca do ano de 1923, torneio este que
quebrou recordes de público e popularidade.
A vitória do Vasco provocou uma forte reação por parte dos chamados clubes grandes20,
que formaram um conselho próprio, sobretudo para evitar grandes mudanças no contexto do
futebol carioca. Há de se ressaltar que, embora haja relatos de proibições de jogadores negros
e/ou de origem humilde participarem de determinados campeonatos ou até mesmo da Seleção
Brasileira de 191921, em 1923 não constava no regulamento nenhuma proibição de escalar-se

20
Neste momento eram Flamengo, Fluminense, Botafogo e América.
21
PEREIRA. 2000. Pp. 172.
jogadores com estas características. O título do Vasco, no entanto, poderia significar uma
falência da velha estrutura que dominava o cenário esportivo no Rio de Janeiro. O futebol, em
geral, era praticado por jovens de boa família, boa parte deles estudantes universitários (que
abandonavam o esporte após o término do curso), jovens e adultos de classe média que
frequentavam os clubes sociais com mais prestígio. O status quo sempre foi mantido enquanto
nunca um time formado por jogadores pobres e negros conquistou o campeonato. Se por um
lado, o futebol e a prática esportiva em geral eram vistos como “a base de uma educação
completa e saudável” (PEREIRA;2000;43), responsável por elevar o valor na nação brasileira.

“Desenvolver a nação”, no entanto, “significava diminuir uma suposta


inferioridade do Brasil em relação às nações mais desenvolvidas e o apego
exagerado aos músculos era uma forma de favorecer aquilo que Carlos
Sussenkind destaca como ‘o entretenimento da ociosidade22’, aspectos muito
relacionados às classes mais humildes da cidade”.23

Seguindo esta linha de pensamento, era inaceitável para as elites cariocas aceitar que o negro e o
pobre, desprovido de conhecimento, pudessem ser superiores a si. A interpretação dos dirigentes
de Flamengo, Fluminense, Botafogo e América para a ‘ocasional’ conquista do Vasco foi de que
o clube da colônia portuguesa desrespeitava os princípios do amadorismo. O futebol, para estas
elites, deveria ser

“um entretenimento daqueles que encontravam em tal prática uma forma de


passatempo sem prioridade, sem obsessão ou interesse em lucro. Cabia à LMDT
(instituição responsável por promover o campeonato) manter o afastamento
daqueles grupos mais pobres do jogo proibindo-os o acesso de indivíduos
analfabetos em seus campeonatos e torneios, pois neles não haveria qualquer
possibilidade de compreender a verdadeira e nobre finalidade do jogo”.24

O receio das diretorias dos grandes times era, na realidade, a mudança das regras do
campo do futebol, ou seja, quem agora dominaria o capital simbólico. Nenhum jogador do
Fluminense F. C., por exemplo, desejava perder o seu lugar de prestígio como sócio daquela
comunidade de estabelecidos (ELIAS;2001) para um subalterno. Em 1924, então, afim de

22
SANTOS. 2000. P.97.
23
MORAES, 2009. P.86.
24
Ibid. P.91.
preservar o amadorismo e as antigas regras sociais presentes no futebol carioca, os quatro times
grandes fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), rompendo,
então, com a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (METRO). Uma discussão sobre qual o
fator determinante para que ocorresse a cisão de 1923 se iniciou nos anos 1990, principalmente a
partir de um trabalho de Soares (1999), que responsabiliza o semi-profissionalismo latente no
time do Vasco de 1923 pela cisão, desqualificando a hipótese de racismo, segundo ele, tratada
como hegemônica pela maior parte dos acadêmicos. Helal e Gordon Jr (2001), por sua vez,
igualmente tratam com importância a questão do profissionalismo no futebol, porém apontam
para a existência do racismo na sociedade carioca e no futebol dos anos 1920. Este trabalho não
se propõe a uma investigação sobre o caso, mas sim examinar como foi construída a memória
clube Vasco da Gama e dos seus torcedores sobre a cisão com os quatro grandes, e o que compõe
a sua narrativa.

A questão racial

Novamente é necessária uma contextualização social do Rio de Janeiro e do Brasil, desta


vez em relação à questão racial. Estamos nos referindo ao Brasil do primeiro decênio do século
XX, ou seja, de um país que herdava uma cultura política (BERNSTEIN;1998) do Império. O
negro, no Brasil, recém havia passado da categoria de propriedade para cidadão
(SCHWARCS;1998;186). O século XIX, sobretudo no que tange o fim do Império, foi marcado
por teorias raciais eugenistas25, consolidadas pela mentalidade positivista, que se ocupavam
desde o século XIX em justificar as diferenças raciais através de teorias científicas. A eugenia, o
darwinismo social, dentre outros pensamentos, influenciaram a políticas públicas adotadas
inclusive pela República, como, por exemplo, o incentivo a imigração europeia com o intuito de
branquear a população (SCHWARCS;1998;186). Até os anos 1930 e um câmbio radical no
modelo político existente, a questão racial era visível e aceita, mas com características
particulares em relação aos exemplos norte-americano ou sul-africano, como a miscigenação
mais latente. O mais correto seria dizer que a Primeira República não incorporou o pensamento
racial hegemônico do Império, mas tampouco o revolucionou, acoplando os conceitos de raça ao

25
SKIDMORE, 1974. P. 48, 53.
de gênero, classe e hierarquia. Como afirma Guimarães (2005;60), nos anos 1920 “raça, isto é, a
‘cor’, o status e a classe estão intimamente ligados entre si”.
Utilizando o futebol como referência para a compreensão, poderíamos afirmar que, no
caso do Vasco, as categorias de negro e pobre praticamente se confundiam, sobretudo se
relacionadas ao fato de que os jogadores recebiam para atuar justamente por ser o futebol a sua
principal ocupação na época. “Os jogadores convidados pelo clube recebiam gratificações a cada
bom resultado conquistado no campeonato”.26 Não podemos, no entanto, ignorar que a
composição social do time não era o padrão esperado pelos clubes grandes. Em 1924, ao
instaurar da cisão da METRO e a criação da AMEA, os quatro clubes grandes e o Bangu (sócios
fundadores) fizeram questão de convidar o Vasco, como atual campeão carioca, a participar da
nova associação. Periódicos da época noticiavam a inicial concordância do Vasco em participar
da nova liga27, postura esta que se alterou quando soube que deveria aceitar as novas regras
propostas pelos clubes da elite, como, por exemplo, dentre outras coisas a indicação da
“profissão (que o atleta) exercia no momento e a que havia exercito anteriormente, bem como os
endereços do emprego atual e do anterior e ainda os nomes das pessoas sob cuja direção exercia
ou teria exercido a sua profissão”.28 Segundo Soares (2001), uma das obrigações exigidas pela
AMEA era que os clubes e atletas fossem vigiados pela Associação, de modo que esses não
exercessem o semiprofissionalismo. O mesmo autor ratifica que o Vasco, quando decide se
retirar da AMEA, o faz por discordar dos “privilégios que os fundadores se autoconcederam”
(SOARES;2001;112) e, também, por “não concordar (sic) com o processo de sindicância
realizado sobre a posição social de seus jogadores.” (SOARES;2001;112). Percebe-se, portanto,
que três eram as razões pelas quais a direção do Vasco se indignara e se desfiliara da AMEA: o
privilégio dos clubes grandes; a composição social do time do Vasco; e a semiprofissionalização
outorgada pelo clube da colônia portuguesa. Repare, no entanto, que as três razões não são
independentes, sendo as duas últimas totalmente sujeitas uma à outra. Pertencendo os atletas do
Vasco às classes sociais mais baixas, havia uma suspeita natural de que estes não exerceriam o
esporte de forma amadora. Como diz Soares, “qualquer negro, sem nome familiar ou profissão
de prestígio, que aparecesse para em time da primeira divisão tinha a sua condição de amador
colocada sob suspeita” (2001;117). Soares defende que não houve por parte do Vasco nenhuma

26
MORAES, 2009. Pp. 92.
27
O Imparcial, Rio de Janeiro. 1º de março, p. 12. O Paiz, Rio de Janeiro. 7 de março, p. 7.
28
SOARES. 2001. P. 109.
defesa à igualdade racial, já que a razão pela qual tenha se dado a cisão seja a profissionalização
do futebol nos anos 1920, induzida esta sim pelo Vasco, mas que caminhava de acordo com a
modernização e a consolidação das novas relações capitalistas no período em contexto. “Fica
difícil aceitar a hipótese do racismo como motivador primário dos conflitos em questão
(SOARES;2001;116).
Os pesquisadores Helal e Gordon Jr, no entanto, argumentam que as questões de raça e
sociais seriam indissociáveis no mesmo período. Para eles, pouco mais de 30 anos após a
Abolição da Escravidão, esta seria uma das raras ocasiões nas quais brancos e negros pudessem
competir abertamente em condições de igualdade (2001;16). Os pesquisadores acreditam que as
relações entre raças se manifestavam dentro do campo do futebol, e o relacionam com a
identidade individual e coletiva construída a partir da memória do esporte, pontos estes que
trabalharemos mais tarde.
A tal cisão na METRO e a recusa do Vasco em integrar à AMEA resultaram em dois
campeonatos paralelos de futebol, cada um organizado por uma das duas associações. Em 1925 o
Vasco passou a integrar a AMEA, porém sem as restrições impostas anteriormente. O processo
de profissionalização do futebol carioca teve fim em 1933, quando a AMEA foi incorporada à
Federação Metropolitana de Desportos. Da mesma forma, a aceitação de atletas negros e de
classes sociais mais baixas se deu de forma gradual, sem um marco de transição para a chamada
democracia racial no futebol. O Campeonato Carioca de 1923 e a cisão de 1924 são
considerados, hoje, os marcos determinantes para o ingresso do negro no futebol brasileiro sob a
égide do Vasco, embora outras lutas tivessem de ser travadas pelo clube contra uma perseguição
dos até então clubes da elite. A construção desta memória teve início nos anos 1930 e 1940,
época de fundamental importância para a compreensão da questão racial no Brasil até os dias de
hoje.

O Estado Novo e o mito da Democracia Racial

A política brasileira foi marcada por um golpe de Estado em 1930, efetuado por elites dos
estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, com o apoio dos militares insatisfeitos
com o rumo dado ao país pelas oligarquias de São Paulo, e impulsionada pela Crise de 1929, que
acarretou uma forte queda na produção e exportação do café, principal produto brasileiro.
Acusando corrupção nas eleições de 1929, uma junta militar depôs o presidente Washington
Luiz e impediu a sucessão do presidente eleito Júlio Prestes. Getúlio Vargas, governador do Rio
Grande do Sul e candidato derrotado nas eleições de 1929, assumiu o governo provisório com
amplos poderes. A constituição de 1891 foi revogada, assim como foram cassados os mandatos
de todos os governadores estaduais. Vargas indicou interventores, em sua maioria tenentes que
se insurgiram no movimento tenentista, nos anos 1920. Em 1933 ocorreram eleições para a
formação de uma Assembleia Constituinte (as primeiras eleições com voto feminino na história
do Brasil), que promulgou a Constituição de 1934. No dia seguinte à promulgação, o congresso
nacional elegeu de forma indireta Getúlio Vargas como Presidente da República. A constituição
de 1934 previa eleições diretas no dia 3 de maio de 1938.
O período que se deu entre 1934-1937 é chamado “Governo Constitucional”, durante o
qual o Brasil assistiu a uma radicalização política, representada, sobretudo, pelo crescimento da
Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento criado por membros do ilegal Partido
Comunista Brasileiro (PCB), sob a influência soviética, e a Ação Integralista Brasileira (AIB), de
inspiração fascista. Ambos os movimentos realizaram tentativas revolucionárias de tomada do
poder, a principal conhecida como Intentona Comunista, em 1935. O governo prendeu a maioria
dos líderes comunistas e reforçou a Lei de Segurança Nacional (sancionada em 1935) com
crimes contra a ordem29.
O levante comunista serviu como cenário para que o presidente, que contara com apoio
na maioria dos estados, efetuasse um novo golpe de Estado. Em 1937, Vargas, alegando uma
conspiração judaico-comunista que visava tomar o poder, denominada Plano Cohen, declarou
estado de guerra em todo o país. 20 dias depois ele ordena o fechamento do Congresso Nacional
do Brasil, outorga uma nova constituição – que lhe conferia o controle total do poder executivo –
, queima as bandeiras estaduais em cerimônia nacional e declara o Estado Novo. A constituição
de 1937 previa eleições diretas ao legislativo, que jamais foram realizadas. O regime se estendeu
até 1945, se caracterizou por ser a primeira ditadura da história da República brasileira, e por
uma série de políticas lançadas pelo presidente Vargas que constituíram e assinalaram a
formação de uma nova cultura política no país, esta revolucionária e essencial para que
compreendamos a sociedade brasileira de hoje, sobretudo através dos mitos criados neste
contexto.

29
BARRETO, 1971. P. 250.
Poderíamos destacar diversas características e influências do Estado Novo de ordem
política e econômica no Brasil dos anos 1930, que de alguma forma influenciaram o Brasil
doravante, mas nos ateremos à política social de Vargas neste período. Em outras palavras,
analisaremos a forma como o Estado Novo passou a tratar a sociedade brasileira, principalmente
os cidadãos de mais baixa renda e a população negra e mestiça, tradicionais excluídos sociais
durante a República Velha e a Monarquia. Neste período, diversos direitos trabalhistas foram
institucionalizados, como o salário mínimo, por exemplo, por trás de um discurso paternalista e
corporativista. O Estado Novo se notabilizou pela forte propaganda de cunho nacionalista e
corporativista. Através do incremento do rádio, o governo federal criou o programa A Hora do
Brasil (existente até os dias de hoje), com transmissão obrigatória em todas as estações de rádio,
que tinha como objetivo reduzir o espaço entre o poder público e a população. “Era a primeira
vez que no Brasil uma autoridade do porte de um ministro do Estado se dirigia a tão grande
público, usando sistematicamente, como instrumento divulgador da mensagem, o rádio”.30
Paralelamente, o governo criou comemorações festivas em datas simbólicas: 1º de maio, e o
aniversário do Estado Novo. Estes eram notabilizados por serem comemorados como uma
grande festa no estádio de São Januário31, no Rio de Janeiro, com direito a entrega de “presentes”
ao povo, como a concessão de leis trabalhistas (salário mínimo e 13º salário, por exemplo),
perfeitos rituais de estabelecimento de uma nova cultura política. Esta, então, seria produzida por
um Estado interventor e benfeitor, generoso, que substituía o ideal de cidadania construído pelo
liberalismo (GOMES;2005;202). Surgia uma nova figura do trabalhador brasileiro, obediente ao
seu presidente, grato pelos benefícios aos quais esse não enxergava como um direito.
Não menos importante, um dos valores sustentados e desenvolvidos durante o Estado
Novo é o da democracia racial. Toda uma corrente de pensamento fora desenvolvida para dar
corpo a esta teoria, de modo que se pode traçar uma linha divisória no Brasil antes e depois do
Estado Novo em relação à questão racial. A moral do igualitarismo através do trabalho, criada e
sustentada pelos artífices do Estado Novo, não seria implementada de forma eficiente caso a
questão racial não fosse solucionada. De cunho fortemente nacionalista, o Estado Novo cessou a
imigração e introduziu ao seu discurso a valorização do trabalhador brasileiro. Não seria natural,
no entanto, que uma política do Estado rompesse com a mentalidade coletiva vigente,

30
GOMES. 2005. P. 212.
31
Na época o maior estádio da cidade, pertencente a ninguém menos que o Vasco da Gama.
simplesmente passando a tratar o negro, o branco, o índio e o mulato como iguais sem que
houvesse uma cisão no imaginário brasileiro. Neste contexto surge o que hoje se conhece como o
mito da democracia racial, criado e desenvolvido por autores brasileiros, que, neste momento,
tentaram explicar e dar sentido a uma cultura genuinamente brasileira. O Estado Novo, produtor
de uma nova mentalidade social, dera espaço ao desenvolvimento de teorias sociais e
interpretações culturais de uma nova academia brasileira, fortemente influenciada por correntes
externas, mas preocupada em destacar o caso brasileiro. Seus maiores expoentes foram Gilberto
Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.
Buarque de Holanda e Prado Jr., importantes historiadores da primeira metade do século,
imortalizaram-se por suas respectivas obras “Raízes do Brasil” (1936) e “Formação do Brasil
Contemporâneo” (1942). O primeiro, de influência weberiana, apontava o patrimonialismo
português e suas consequências como responsável pelo atraso do Brasil. O segundo, de forte
influência marxista, afirmava que o período colonial brasileiro definir-se-ia por ser feudal, cuja
passagem ao capitalismo havia se dado sem romper com o grande latifúndio monocultor, o que
tornava complexa e problemática a situação do Brasil dos anos 1940. Ambos os autores
representam uma corrente cujo objetivo era explicar a formação social brasileira a partir de um
processo histórico singular, com características sociais igualmente únicas, que conceberam o país
do Estado Novo.
O que mais nos interessa, no entanto, é Gilberto Freyre. Aluno de Franz Boas nos EUA, o
autor da obra “Casa Grande & Senzala” (1933) elaborou uma teoria fortemente influenciada pelo
culturalismo. Freyre era o primeiro a romper com a perspectiva negativa racial vigente no Brasil,
quando categorizou a miscigenação e a mistura entre o branco, o negro e o índio de forma
positiva. Antes de Freyre, os principais trabalhos atribuíam à inferioridade racial do negro e do
índio como principal razão do atraso brasileiro. Para Freyre, questões culturais, como a
culinária, as relações familiares ou adaptabilidade ao clima eram as variantes de verdadeira
importância quando se analisava a participação do negro e do índio na sociedade brasileira, até
mesmo com uma função civilizatória.

“Os escravos vindos das áreas de cultura negra mais adiantada foram um
elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar nobre na colonização do
Brasil; degradados apenas pela sua condição de escravos. Longe de terem sido
apenas animais de tração e operários de enxada, a serviço da agricultura,
desempenharam uma função civilizadora. Foram a mão direita da formação
agrária brasileira, os índios, e sob certo ponto de vista, os portugueses, a mão
esquerda”.32

Freyre, na verdade, argumentava que as diferenças sociais do Brasil eram consequência muito
mais de relações de classe do que raciais33. Isto, no entanto, não impediu que o autor modificasse
a visão de boa parte dos brasileiros sobre as questões raciais no Brasil. Segundo Schwarcs
(1998;193), a obra “Casa Grande & Senzala “oferecia um novo modelo para a sociedade
multirracial brasileira (...) tornando a mestiçagem uma questão de ordem geral” (1998;194).
O Estado Novo de Vargas, então, apropriou-se desta nova mentalidade a fim de imaginar
o seu novo projeto de nação (ANDERSON;2008). “A cultura mestiça (…), nos anos 1930,
despontava como representação oficial da nação”.34 A própria autora enfatiza que “todo esse
processo não se dá de maneira aleatória ou meramente manipulativa. (…) É nesse contexto
também que uma série de intelectuais ligados ao poder público passam a pensar em políticas
culturais que viriam ao encontro de uma ‘autêntica identidade brasileira’”35, e acrescenta que “é
só com o Estado Novo que projetos oficiais são implementados no sentido de reconhecer na
mestiçagem a verdadeira nacionalidade”.36 Foram desenvolvidos, então, sobretudo a partir da
rede educacional de forte cunho nacionalista, projetos que focavam-se em exaltar o mito da
democracia racial. O Brasil, diferentemente dos EUA, estava livre de racismo, pois o país seria
o exemplo da boa mestiçagem. A democracia racial seria “um poderoso mito, a ideia da
democracia racial – que regulou as percepções e até certo ponto as próprias vidas dos brasileiros
da geração de Freyre”.37
Reconstruir a identidade nacional, “tomando-se como referência negativa a I
República”38 passou a ser o projeto de Vargas. Uma política de incentivo à “cultura nacional”,
genuinamente brasileira seria lançada pelo Estado Novo. No dia 30 de maio de 1939 foi criado o
“dia da raça”, “criado para exaltar a tolerância da nossa sociedade”. 39 A autora nos dá uma série

32
FREYRE, 1992. P.307.
33
FREYRE, 1947. P. 97.
34
SHWARCS, 1998. P. 192.
35
Idem. P. 193.
36
Idem.
37
VIOTTI DA COSTA, 1998. P. 368.
38
FONSECA, 2007. P. 148.
39
SHWARCS, 1998. P. 196.
de exemplos de tradições inventadas durante o Estado Novo que ressignificam e dão novos
valores à questão racial no Brasil:

“A princípio conhecida como comida de escravos, a feijoada se converte em


‘prato nacional’(…). Da mesma maneira, a partir de 1938 os atabaques do
candomblé40 passam a ser tocados sem a interferência policial. (…) O momento
coincide com a escolha de Nossa Senhora da Conceição Aparecida para padroeira
do Brasil. Meio branca, meio negra, a nova santa era mestiça como os brasileiros.
(…) Em seu conjunto prevalece, assim, a ideia de uma troca livre de traços
culturais entre os vários grupos, coerente com as interpretações de Freyre que, em
tal contexto, eram recebidas como modelos harmônicos de convivência racial”.41

Outras referências culturais receberiam novos significados. A capoeira seria consagrada


como o “esporte nacional” e o samba como “música genuinamente brasileira”. “A década de
1930 será um grande marco para a capoeira brasileira”42, já que esta finalmente seria retirada da
ilegalidade, posição que ocupava desde 1890. Sinais foram dados, no entanto, de que “não seria
qualquer capoeira que Vargas apoiaria”.43 “Uma capoeira das ruas daria lugar a uma capoeira
‘esportivizada’”44, de modo que o Estado a utilizasse como um processo civilizador, tentando
institucionalizar a prática corporal contra a vontade dos seus praticantes. O mesmo se deu com o
samba: “passou de repressão à exaltação, de ‘dança do preto’ a ‘canção brasileira para
exportação’”.45 Da mesma forma que a capoeira, o samba também foi civilizado pelo Estado
Novo, processo este marcado por atuação da censura e da mudança de letras que exaltavam a
malandragem, moral totalmente distinta da que Vargas pretendia construir. O samba passou a
exaltar o trabalhador, antes de tudo,

“impulsionado por propósitos ‘educativos’ e ‘civilizadores’, e se propunha livrar


o samba de tudo que cheirasse a manifestações primitivas, a desregramentos da
sensualidade e a batucada da ralé do morro. O samba era, portanto, algo a ser
domado e, mais que isso, atraído para o raio de influência governamental”.46

40
Religião afro-brasileira.
41
SHWARCS, 1998. Pp. 196-198.
42
FONSECA, 2007. P. 147.
43
Idem. P. 149.
44
Idem.
45
SHWARCS, 1998. P. 196.
46
PARANHOS, 2011. P. 73.
Religião, música, culinária, data festiva e esporte. O Estado Novo se apropriou de tudo o
que estava ao seu alcance para dar sentido a si. “Até o futebol, esporte de origem inglesa, foi
progressivamente associado a negros, sobretudo a partir de 1923, quando o Vasco da Gama
passou a ser o primeiro clube brasileiro a aceitar jogadores negros, processo este que tenderá a se
afirmar com a profissionalização dos jogadores”.47

O Negro no Futebol Brasileiro – A Construção da Memória

Em 1947, já fora do contexto do Estado Novo, é escrita pelo jornalista Mário Filho a obra
“O Negro no Futebol Brasileiro” (NFB). Apesar do fim do regime em 1945, o mito da
democracia racial sobrevivia mais do que nunca. O próprio Getúlio Vargas ainda gozava de
grande prestígio, tendo sido eleito presidente da República em 1950, desta vez através do voto
direto. Mário Filho (1908-66), jornalista e cronista esportivo de grande prestígio, era filho de um
importante jornalista e empresário pernambucano e irmão mais velho de um dos mais respeitados
poetas e dramaturgos da história do Brasil, Nelson Rodrigues. Mário Filho “não apenas
incentivou a construção do famoso estádio48, como também foi importante personagem na
consolidação do futebol no Brasil como um esporte de massas nas décadas de 1930 e 1940”.49
Autor de diversas obras, a maioria tendo o futebol como tema, nenhuma teve tanto
impacto quanto o NFB. O livro “descreve como o futebol no Brasil serviu de instrumento de
ascensão social ao negro e ao mulato, contribuindo para sua integração à sociedade”50, além de
“favorecer para formação de uma mentalidade que valorizava a participação do elemento negro
na formação da cultura brasileira”.51 Pode se dizer, portanto, que “a tese central do livro é
demonstrar como o esporte teve a capacidade de produzir um processo de democratização racial
no Brasil”.52 Por ter sido um dos pioneiros a discutir a questão do negro no futebol brasileiro,
Mário Filho acabou se tornando referência incontestável para o tema, às vezes assumindo de
forma errônea o papel de narrativa dos fatos reais (SOARES;2001), de modo que a maioria dos

47
SHWARCS, 1998. P. 197.
48
O Maracanã, maior estádio de futebol do Brasil e um dos mais famosos do mundo, leva o nome do jornalista.
49
ALMEIDA, 2005. P. 1.
50
Idem. P.2.
51
Idem.
52
Idem.
pesquisadores parece ter por muitos anos ignorado que sua obra constitui uma fonte primária,
devendo ser interpretada antes de tudo.
O NFB é marcado por uma narrativa bastante próxima à freyreana. Gilberto Freyre,
inclusive, escreveu o prefácio para a 1ª edição da obra de Mário Filho, onde se ocupa de
relacionar a obra à sua teoria, categorizando Mário Filho como “mais próximo do que nunca
daquela sociologia dos esportes”.53 Para Freyre, a obra de Mário Filho revelara ao Brasil a
importância que o esporte teria na formação social do país, pois para ele

“era natural que o futebol, no Brasil, ao engrandecer-se como instituição nacional,


engrandecesse também o negro, o descendente de negro, o mulato, o cafuso, o
mestiço. Dos meios mais recentes – isto é, nos últimos vinte ou trinta anos – de
ascensão do negro ou do mulato ou do cafuzo no Brasil, nenhum excede em
importância ao futebol”.54

As características seriam exclusivamente nacionais, pois

“O desenvolvimento do futebol, não num esporte igual aos outros, mas numa
verdadeira instituição brasileira, tornou possível a sublimação de vários daqueles
elementos irracionais de nossa formação social e de cultura. A capoeiragem e o
samba, por exemplo, estão (…) presentes de tal forma no estilo brasileiro de jogar
futebol”.55

O futebol tornara-se brasileiro, fincara raízes e criava seu habitus paulatinamente. As regras
sociais tácitas, estruturadas e estruturantes do futebol brasileiro, passavam a ser normatizadas por
outro capital simbólico (BOURDIEU;2003). A dança, o futebol moleque, o “estilo de jogo
brasileiro” teria raízes fincadas na contribuição social do negro, do mulato, do cafuzo e do
europeu. Mais do que qualquer outro elemento simbólico, o futebol significava a cultura
brasileira expressando a sua melhor qualidade. Em um artigo após a Copa do Mundo de 1938,
Freyre afirma que

“O nosso estilo de jogar futebol me parece contrastar com o dos europeus por um
conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo

53
FREYRE, Gilberto. “Prefácio à 1ª Edição” IN: FILHO, Mário. O Negro no Futebol Brasileiro. 2004. Rio de
Janeiro. Ed. Mauad. 4ª Ed. P. 26.
54
Idem. P. 25.
55
Idem.
tempo de espontaneidade individual em que se exprime o mesmo mulatismo de
Nilo Peçanha56 foi até hoje a melhor afirmação na arte política”.57

É neste contexto que Mário Filho se encarrega de narrar a história do futebol brasileiro
nas três primeiras décadas do século XX, sobretudo a década de 1920. Ainda sem a influência
cultural do Estado Novo, os personagens envolvidos com o futebol dos anos 1920 são descritos
como preconceituosos em relação aos negros, mulatos, pobres e portugueses. Ao narrar a
campanha do Vasco durante o título carioca de 1923, repleta de vitórias, Mário Filho aponta para
uma cisão nacionalista entre brasileiros e portugueses:

“Os outros clubes achando que aquilo precisava acabar. Tornou-se quase uma
questão nacional derrotar o Vasco. O jacobinismo no futebol, lançando o
brasileiro contra o português.
O português levava a culpa. Pouco importava se o time do Vasco, com seus
brancos, seus mulatos e seus pretos, fosse brasileiríssimo. Os jogadores de Moraes
e Silva perdiam a nacionalidade, viravam portugueses”.58

A narrativa de Mário Filho constrói a campanha do Vasco, com seus “brancos, seus mulatos e
seus pretos” como responsável pelo fim do racismo no futebol:

“Era o time da mistura que estava na frente no campeonato, sem nenhuma


derrota”.59
“Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco.
O rapaz de boa família, o estudante, o branco, tinha de competir, em igualdade de
condições, com o pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto para ver quem
jogava melhor. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol
brasileiro”.60

E a narrativa heroica aparece quando foi fundada a AMEA, que, segundo Mário Filho,
representava a reação das elites à boa campanha do Vasco. “O que acontecera em 23 não
precisava se repetir mais. Era o que explicava a Amea. Em 24 nascia a Amea, uma liga de

56
Presidente da República entre os anos 1909-1910. Foi até hoje o único presidente mulato do país.
57
Diário de Pernambuco. 17/06/1938. s/p.
58
FILHO, Mário. 2004. P. 122.
59
Idem. P. 124
60
Idem. P. 126.
grandes clubes, sem o Vasco”.61 Segundo Mário Filho, “os grandes queriam que o Vasco fosse
para a Amea com sua torcida, com o português com a Cruz de Malta no peito, toda a colônia, não
queriam que o Vasco levasse seu time”.62 O Vasco, então, seria bem vindo se formasse um time
branco, ou simplesmente com determinadas restrições aos “seus negros”. Apesar de aceitar tais
restrições, os desentendimentos prosseguiam, segundo a narrativa de Mário Filho: “O Vasco,
também, foi logo ameaçando sair da Amea. Se a Amea não queria que ele tivesse time, era
melhor dizer de uma vez”.63 Os conflitos prosseguiram, com exigências que incluíam desde a
alfabetização de todos os jogadores do Vasco até a posse de um estádio próprio (que culminou na
construção do estádio de São Januário em 1927, até então o maior da América Latina).
Como se vê, Mário Filho nos conta a história como se o Vasco, representante do bom
futebol e da democracia racial, fosse injustiçado, mas heroicamente conseguiu reverter as
exigências mudando de vez o capital simbólico do campo esportivo (BOURDIEU;2003). A tal
luta do herói injustiçado contra o vilão racista ganharia eco com o tempo, na medida em que a
democracia racial cada vez mais se tornava parte fundamental do imaginário coletivo brasileiro.
Uma história de memória e identidade surge a partir do livro de Mário Filho, com influência até
os dias de hoje, praticamente imune até às mudanças ocorridas no entender da democracia racial
atual.

Período Obscuro

Desde o fim dos anos 1940 até os dias de hoje, o mito da democracia racial no Brasil
passou por um longo processo de questionamento por segmentos sociais – não necessariamente
envolvidos no movimento negro –, pelo meio acadêmico – com influência e participação de
pesquisadores estrangeiros – e por determinados governos, como o atual, que até mesmo
desenvolvem políticas públicas visando “corrigir” as injustiças cometidas no passado, lançando
mão de políticas de inclusão racial, como quotas especiais e reserva de vagas para negros e
mestiços ingressarem no mercado de trabalho ou no meio acadêmico, dentre outras.

61
Idem. P. 129.
62
Idem. P. 131.
63
Idem. P. 139.
Em 1951, a Unesco iniciou um projeto de pesquisa que visava “usar o ‘caso brasileiro’
como material de propaganda”64, inaugurando o Programa de Pesquisas sobre Relações Raciais
no Brasil. “A hipótese sustentada era que o país representava um exemplo neutro na
manifestação de preconceito racial e que seu modelo poderia servir de inspiração para outras
nações cujas relações eram menos ‘democráticas’”.65 Em 1955, os especialistas contratados, no
entanto, “nomearam as falácias do mito: em vez de democracia surgiam indícios de
discriminação em lugar de harmonia e preconceito”.66 Florestan Fernandes, um dos sociólogos
envolvidos, acusou a prática do “preconceito de não ter preconceito”, caracterizado pelo fato de
o racismo no Brasil ser maquiado e camuflado.67

“O racismo aparece, desta maneira (…), como uma expressão de foro íntimo,
mais apropriado para o recesso do lar; quase um estilo de vida. É como se os
brasileiros repetissem o passado no presente, traduzindo-o na esfera privada. A
extinção da escravidão, a universalização das leis e do trabalho, não teriam
afetado a acomodação racial; ao contrário, agiriam no sentido de camuflá-lo”.68

Aos poucos a discriminação racial no Brasil foi colocada à prova, e o mito da democracia racial
foi se desconstruindo posteriormente. Desde os anos 1950 o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) vêm desenvolvendo pesquisas que demonstram a ampla desigualdade social
entre brancos e negros, além de escancarar crimes por questões raciais e claro preconceito por
parte da população. Percebe-se, portanto, que o mito da democracia racial e o entendimento
social brasileiro já não são mais entendidos como outrora, e a prova disto são as ações políticas
de inclusão e reformas no código penal para o crime de “preconceito racial”. O curioso é
examinar o paralelo em relação ao futebol. Seria ingênuo da minha parte afirmar que o mito da
democracia racial se desintegrou por completo. Ainda se vive baixo determinadas heranças
deixadas por ele, responsáveis pela manutenção de um certo status quo no imaginário social do
país.
O futebol, entretanto, ainda reproduz esta mentalidade de forma acentuada. A instituição,
torcedores, dirigentes, jornalistas e outros ainda reproduzem as mesmas histórias do passado do

64
SHWARCS, 1998. P. 201.
65
Idem.
66
Idem. P. 202.
67
FERNANDES, 2007. P.23.
68
SHWARCS. 1998 P. 204.
Vasco da Gama. É difícil compreendermos o que ocorreu desde 1950 até os dias de hoje, e como
se consolidou o mito da heroica luta do Vasco pela democratização racial no futebol brasileiro.
O que se sabe, todavia, é que o clube sustenta esta memória como formadora da sua identidade.
Dentro do campo das torcidas dos grandes times de futebol, há uma luta pelo status de
responsável por aceitar o primeiro negro no futebol. O mito vascaíno nunca foi uma
unanimidade, mas atualmente, sobretudo após vem sendo mais questionado tanto pela academia
quanto por aficionados por outros clubes. Isto se dá, sobretudo, devido ao fato de o futebol no
Brasil ser encarado como real resultado da democracia racial. Grande parte dos fãs de futebol de
fato creê que há um estilo brasileiro próprio de praticar o esporte, e este seria genuinamente
brasileiro. Assim mesmo, o status do Vasco como ícone da democracia racial no futebol,
curiosamente ou não um clube da colônia portuguesa, mantém-se hegemônico neste campo. Os
esforços realizados para manter viva esta memória serão analisados daqui para frente, tomando
em conta as (poucas) discussões acadêmicas a respeito do tema.

Vasco da Gama tua fama assim se fez

Há uma forte discussão no meio acadêmico sobre a questão do racismo no futebol


brasileiro na década de 1920. Produzidos sobretudo a partir dos anos 1990, grande parte destes
trabalhos se ocupam em examinar a veracidade do mito construído pelo NFB, alguns deles
acusando o autor de parcialidade e construção de um discurso romântico sobre o ocorrido, ao
passo que outros o utilizam como principal fonte da época para que se compreenda a realidade
do futebol no princípio do século XX. Devido ao espaço restrito deste trabalho, nosso recorte
será em três autores: Soares (2001), Santos (2002) e Helal e Teixeira (2011). É importante que
assinalemos que nenhum deles, no entanto, tem como objetivo compreender a construção de uma
memória coletiva do Vasco da Gama como o protagonista histórico deste momento, e como esta
foi construída e lapidada até chegarmos ao dia de hoje.
O pioneiro neste meio, e mais conhecido entre todos, é o trabalho de Soares (2001). O
autor se ocupa em desconstruir o mito da heroica luta do Vasco contra o racismo no futebol.
Segundo Soares, a real luta existente naquela época e que envolvia tanto o Vasco como os
demais clubes seria uma luta dos que desejavam profissionalizar o futebol carioca (onde se
encontrava o Vasco) contra os que desejavam a manutenção de uma estrutura amadora (outros
grandes clubes). O semi-profissionalismo se caracterizava pelo pagamento de salários e
premiações para os atletas, e atraía jogadores negros, mulatos e brancos pobres ao esporte antes
praticado quase que exclusivamente pelas elites. O autor destaca que a luta do Vasco contra o
racismo seria um mito construído pelo NFB, tratado erroneamente pelo meio acadêmico como
uma “‘fonte inesgotável de dados’, que mais têm servido à construção de histórias de identidade
do que auxiliado o processo de levantamento de novas fontes e de elaborações mais rigorosas
sobre a dinâmica da instituição e popularização do futebol no Brasil”.69
A obra de Mário Filho, portanto, seria claramente tendenciosa e construtora de um
discurso “politicamente correto”70, era tratada como única fonte por boa parte de acadêmicos que
exploravam o tema, mas sem que fosse interpretada. O racismo nos anos 1920 não era uma
grande questão no futebol brasileiro, segundo Soares, e só se consolidou a partir de um discurso
de identidade artificialmente construído, como uma tradição inventada, praticamente
substituindo a profissionalização como grande questão da época. Soares encerra seu artigo
afirmando que

“a ‘heroica’ trajetória do Vasco na luta contra o racismo na década de 20 é uma


tradição inventada, é uma história de identidade (HOBSBAWM;1998). Sua
origem está em Mário Filho, e a continuidade desta tradição está na boca dos
aficionados pelo Vasco, na imprensa e nos textos acadêmicos que tratam a
referida história. Os recortes, as ênfases, os esquecimentos são reveladores
mecanismos de construção da memória coletiva e da identidade”.71

De forma absolutamente distinta, Santos (2002) – que além de historiador é também


Coordenador Geral do Centro de Memória do Vasco da Gama desde 2011 – utiliza a obra NFB
como confirmação de que houve “embates ocorridos entre pobres, ricos, negros e brancos, dentro
e fora dos campos de futebol, até que o futebol se tornasse um dos principais símbolos da
miscigenação brasileira”.72 Santos faz uma análise a partir dos jornais dos anos 1920, concluindo
que o período descrito constrói uma identidade nacional que se constitui pelo fato de que “a

69
SOARES, 2001. P. 102.
70
Idem. P. 119.
71
Idem.
72
SANTOS, 2002. P.12.
presença e a valorização do negro no futebol, a partir deste período, não era mais um fenômeno
isolado, mas questão de orgulho e, sobretudo parte significativa de nossa identidade nacional”.73
Santos destaca o Vasco como o “primeiro clube a efetivamente lutar pela posição do
negro e trabalhadores no esporte”74, embora reconheça que o Bangu teria sido “primeiro clube a
registrar um negro em seu time principal de futebol”.75 Estes acontecimentos fizeram com que o
futebol, “Um esporte inglês, agora totalmente abrasileirado pelo seu povo, se reinventasse”76, e
se consolidasse após a carreira de Pelé como “o maior representante do futebol mundial”77, que
“nem sua raça ou cor o impediram de alcançar tal posição”.78 Tanto a narrativa de Santos quanto
a de Soares se referem a questão do amadorismo como algo de singular importância. A grande
diferença é que Santos se refere à sociedade da época, com destaque ao campo do esporte,
colocando que o “estigma da escravidão e da superioridade social ainda era muito acentuado
neste período”79, e a recusa do Vasco em se moldar ao exigido pela Amea “talvez tenha sido o
mais significativo e explícito golpe dado por um clube a uma entidade oficial esportiva em
defesa de jogadores negros e pobres até aquele período”.80 Para Santos, “o aspecto social no
Vasco da Gama era efetivamente um dos pilares centrais do clube, porém, desta forma seus
ideais confrontavam-se diretamente com o interesse e sobretudo com os ideais da elite dirigente
do esporte carioca”81, e “foi mantendo a estrutura de um clube eminentemente popular que o
Vasco da Gama consolidou sua imagem esportiva”.82 Santos, portanto, acredita que a história
popular e democrática do clube é o teria construído a sua identidade atual, popular e esportiva,
em contraste com os outros clubes.
Helal e Teixeira (2011) assumem uma posição central neste ponto, não se inserindo em
nenhum dos dois lados. Apesar de concordarem com as críticas de Soares a forma como é lido o
NFB pela academia, os autores não descartam o seu valor para um a compreensão das relações
sociais nos anos 1920. Helal e Teixeira tampouco discordam que se trata de uma tradição
inventada, que “transformou-a no eixo central de um momento importante da sociedade

73
Idem.
74
Idem.
75
Idem.
76
Idem.
77
Idem.
78
Idem.
79
Idem. P.9
80
Idem. P.10.
81
Idem. P.11.
82
Idem. P.12.
brasileira”.83 Os autores afirmam que a perpetuação desta história seria resultado de um conjunto
de interesses (HELAL e TEIXEIRA;2011;86), constituindo-se por ser praticamente intocável
pela academia por “medo de ferir o status do politicamente correto”.84 Além disso, “Ele foi útil
também para o próprio Clube de Regatas Vasco da Gama que se apoderou desta versão dos fatos
para se vangloriar de uma história que, contada desta forma, tornou-se um dos maiores orgulhos
dos seus torcedores”.85
Os autores, no entanto, consideram, ao contrário de Soares, que houve de fato uma
democratização do futebol brasileiro na época. Citando Helal e Gordon Jr. (2001;66), pois de
fato após o caso do Vasco da Gama, pessoas pertencentes a classes sociais menos favorecidas
passaram a integrar o quadro esportivo. Além disso, para Helal e Teixeira, a tradição não perde o
seu valor por ter sido inventada.

“Apesar de tratar-se de uma tradição inventada, não achamos que, por isso, esta
versão dos fatos deva ser seja apagada. Reconhecemos que os registros orais, e
mesmo as lembranças afetivas, devam ser mantidas e valorizadas. Estamos certos
de que elas também são importantes para se compor o retrato daquele momento.
Mas não é por isso que devemos deixar de lado o rigor que nossa proposta de
pesquisa nos exige”.86

Como foi dito anteriormente, a grande maioria dos trabalhos se ocupa em questionar o
mito, através de pesquisas direcionadas aos anos 1920, ao invés de investigar o período da sua
consolidação ou a sua influência no futebol carioca nos dias atuais. Questões de identidades
diretamente relacionadas à sua memória são vistas como de suma importância. Nas palavras de
Helal e Teixeira, hoje compreendemos o futebol como “uma poderosa forma de compreender
parte da sociedade”87, e a academia, segundo Lovisolo, quando passou a analisar o esporte de
acordo com as “categorias organizadoras de cultura e identidade”88, nos fez refletir muito mais
sobre o esporte como elemento inserido em tais categorias culturais. Partindo do princípio de que
eu estou de acordo com os autores, sobretudo no que se refere ao fato de que a tal luta do Vasco

83
HELAL, 2011, P. 85.
84
Idem. P. 86.
85
Idem.
86
Idem.
87
Idem. P. 84.
88
LOVISOLO, 2001. p. 10.
contra o racismo seja uma tradição inventada, nos ateremos em examinar o seu estabelecimento
na formação da identidade do Vasco nos dias de hoje.

O Vasco hoje

O Clube de Regatas Vasco da Gama, hoje, é visto como um clube extremamente popular.
A última pesquisa realizada em relação à dimensão de sua torcida o coloca como quarta maior
torcida do Brasil89 – em um empate técnico com o Palmeiras, quinto colocado –, com
aproximadamente 5% da população brasileira (aproximadamente 10 milhões de torcedores), em
um país onde 20,8% (mais de 41 milhões de pessoas) não torcem por time algum. Outra pesquisa
caracterizou o Vasco, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, por ter uma torcida pouco
concentrada na Zona Sul (região nobre da cidade), composta por elementos da classe média
baixa e de setores menos favorecidos, com escolaridade relativamente baixa90.
O Clube de Regatas Flamengo, no entanto, aparece em todas as pesquisas como o time
com maior número de torcedores tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil, muitas vezes sendo
apontado como dono de duas ou três vezes mais torcedores do que o Vasco. Além disso, o
Flamengo é popularmente conhecido como o time com a torcida mais pobre entre os quatro
grandes da cidade. Não é incomum que torcidas adversárias entoem o grito “silêncio na favela”
após o Flamengo sofrer um gol, inclusive a do Vasco91. Apesar de notório que o Flamengo é o
time mais popular entre todas as classes sociais, o Vasco também é conhecido como um clube
popular, de torcida de mais baixa renda e concentrada nas áreas mais pobres da cidade,
destoando principalmente dos outros dois clubes grandes da cidade, Fluminense e Botafogo. O
primeiro, sobretudo, fortemente caracterizado por ser dono de uma torcida de classe média/alta,
residente na Zona Sul e branca.
O Vasco da Gama possui três sedes sociais92: uma localizada próximo ao centro da
cidade (Calabouço), herança de uma época em que as competições de remo eram disputadas na
Baía de Guanabara. O Calabouço é uma sede social destinada ao lazer dos associados, onde não

89
Segundo a empresa de consultoria Pluri Stochos. Ver em:
http://www.pluriconsultoria.com.br/uploads/relatorios/REPORT%20PLURI%20STOCHOS%20-
%20TAMANHO%20DE%20TORCIDAS.pdf
90
http://globoesporte.globo.com/platb/teoria-dos-jogos/2012/04/20/a-pesquisa-da-vez-estado-do-rio-de-janeiro/
91
Quando é o Vasco quem sofre um gol, o cântico escutado é “silêncio em Portugal”.
92
http://www.vasco.com.br/site/index.php/conteudo/index/92#.UVVuihfinDs
se praticam esportes profissionais ou amadores. A Sede Náutica da Lagoa localiza-se na área
mais nobre da cidade. Em 1950, as regatas passaram a ser disputadas na Lagoa Rodrigo de
Freitas e o Vasco construiu sua sede náutica na região. O local é de uso praticamente exclusivo
de profissionais do remo do clube, além de fornecer aulas de remo a alunos inscritos.
A sede mais importante, São Januário, ocupa um espaço de 56 mil metros quadrados e é
dona de um complexo que “conta com estádio, ginásio, parque aquático e setor administrativo”.93
São Januário é localizado no bairro Vasco da Gama94, parte do complexo de São Cristóvão, uma
região tida como decadente e habitada por segmentos das classes média baixa e baixa. Localiza-
se no bairro de São Cristóvão a Quinta da Boa Vista, que serviu como residência oficial da
família real portuguesa quando transferiu ao Brasil o status de metrópole entre os anos 1808 e
1820, por conta das Guerras Napoleônicas, e abarcou grande parte dos imigrantes lusitanos na
mesma época. As imigrações portuguesas seguiram ocorrendo durante o século XIX, mesmo
após a Independência do Brasil (1822), reforçadas pela Grande Imigração de 1914 95. O censo de
1920 registrava uma população de 19.872 habitantes portugueses nos bairros de Engenho Velho,
Andaraí, Tijuca e São Cristóvão96. O Vasco, como um clube de regatas, foi fundado no bairro da
Saúde (próximo ao centro da cidade) e transferiu-se para São Cristóvão em 1926, onde construiu
sua sede principal e o estádio de São Januário no ano seguinte. Em frente ao estádio localiza-se a
favela conhecida como Barreira do Vasco. A comunidade teria surgido em 1946 com a
construção de um grupo de casas de uma fundação ligada à Igreja Católica (Fundação Leão III),
criadas para abrigar temporariamente famílias removidas de favelas localizadas na Zona Sul da
cidade97. Nos anos 1950 a comunidade se expandiu, sobretudo após uma grande migração
interna de habitantes do Nordeste brasileiro ao Rio de Janeiro.

“Excluídos dos espaços frequentados pela elite, os migrantes nordestinos,


responsáveis pela construção dos imponentes edifícios que modificavam a

93
http://www.vasco.com.br/site/index.php/conteudo/index/171#.UVVvshfinDt
94
LEI MUNICIPAL N.º 2.672 DE 8 DE SETEMBRO DE 1998. De autoria do vereador torcedor declarado do
Vasco, Áureo Ameno, a criação do bairro Vasco da Gama em 1998 se deu com o objetivo de homenagear o
centenário do Clube de Regatas Vasco da Gama.
95
MENEZES, 2012. Pp. 79-96.
96
BRASIL. Arquivo Histórico do Itamarati. Directoria Geral de Estatística. Recenseamento Geral da População, em
1890.
97
Não há, no entanto, documentação que comprove a razão e as formas pelas quais chegaram os primeiros
moradores, e as informações obtidas foram construídas pelo ativista social Gustavo Loureiro, divulgadas à página do
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase): http://www.ibase.br/pt/2012/08/a-barreira-ta-na-rede/
paisagem da “cidade capital”, passaram a se apropriar das suas áreas antigas e
desvalorizadas”.
“O Campo de São Cristóvão, outrora cercado por residências aristocráticas, foi
um deles”.98

A região onde se localizava São Januário foi tomando formas distintas, de modo que o atual
bairro Vasco da Gama configura-se como uma das mais pobres dentro do complexo de São
Cristóvão99.
O estádio de São Januário tem capacidade para 25 mil expectadores e é considerado o
maior patrimônio do clube, e era o maior palco esportivo da cidade até a construção do estádio
Maracanã em 1950. A construção de São Januário se deu à custa de doações de sócios e
torcedores do Vasco, algo incomum no Brasil, onde a maioria dos estádios particulares
pertencentes aos grandes clubes recebera verba e/ou doação de terreno dos governos federal,
estadual ou municipal. São Januário fora construído por exigência da Amea para que o Vasco
fosse incluído na liga do Rio de Janeiro. Toda uma campanha foi realizada e o estádio, por mais
antigo e de difícil acesso que seja, representa um orgulho para os vascaínos.
O atual presidente do clube (e também deputado estadual), Carlos Roberto de Oliveira,
mais conhecido como Roberto Dinamite, é um ex-atleta do Vasco das décadas de 1970/80. É o
jogador que mais marcou gols atuando pelo clube, e se encontra no seu segundo mandato (desde
2008). O clube hoje passa por uma grave crise financeira, admitindo uma dívida de mais de R$
250 milhões100, o que fez com que o Vasco se abstivesse de disputar competições profissionais
em praticamente todos os esportes, salvo o futebol, a natação e o remo. O clube também possui
um Centro de Memória, uma escola e dois projetos sociais, que serão temas de nossos próximos
capítulos.

Clube do povo

98
NEMER, 2012. P. 8.
99
SEBRAE-RJ, 2011.
http://201.2.114.147/bds/BDS.nsf/be76a0d0f1ecbeff832574b0004bc066/77ab76c9b68a72c883257957006bc2bb/$FI
LE/S%C3%A3o%20Crist%C3%B3v%C3%A3o.pdf
100
http://www.lancenet.com.br/vasco/Divida-Vasco-milhoes-revela-diretor_0_621537901.html. Aproximadamente
500 milhões de shkalim.
O Vasco se apresenta como um clube popular em sua página oficial na internet 101. Além
de ser dono de uma grande torcida, o discurso do Vasco e as ações políticas desenvolvidas pelo
clube são frequentemente direcionadas às classes subalternas. Outra característica presente no
discurso tanto dos torcedores quanto do próprio clube – fortalecido nas décadas de 1990 e 2000
quando o clube era administrado pelo folclórico ex-deputado federal Eurico Miranda –, é o total
isolamento dos grandes meios de comunicações, os quais são acusados de privilegiarem o
Flamengo. Um discurso de independência, manutenção das tradições e não alinhamento com a
modernidade é fortemente atrelado à história do Vasco, de modo que a cisão de 1924 e as
exigências que acarretaram a construção de São Januário sejam recordados nos dias de hoje
dando significado à identidade do clube e dos seus torcedores.
Eurico Miranda e Roberto Dinamite são, hoje, inimigos políticos e donos de visões
distintas sobre a gestão do clube. O primeiro é totalmente contrário à modernização e à
influência de capital externo no clube. Tendo atuado como vice-presidente de futebol nos anos
1980 e 1990, e presidente do clube entre 2001 e 2008, sua administração ficou marcada pela
ausência de empresas patrocinadoras durante boa parte do tempo. Obviamente os recursos
financeiros do Vasco se escassearam, tornando o clube menos competitivo numa era em que as
inovações tecnológicas e o capitalismo mercantilizaram e trouxeram profundas transformações
ao futebol. Em entrevista ao jornalista Franklin Foer102, Miranda ataca os investidores
estrangeiros e sua forma de enxergar o Brasil:

“De uma hora pra outra, os investidores estrangeiros vieram e tentaram


transformar isso aqui numa coisa que eles chamam de empresa. (…) Eles vieram
com um objetivo: vamos cuidar do balanço. Empresa é isso. Mas essa maneira
simplesmente não funciona aqui. Existem práticas locais que devem ser
observadas. Eles entendem de negócios, mas não sabem nada da nossa cultura, de
nossas características locais”.103

Já Roberto Dinamite, deputado estadual no Rio de Janeiro desde 1994, é portador de um


discurso bem mais moderno. Do mesmo partido do governador do estado do Rio de Janeiro e do
prefeito da cidade homônima, o atual presidente do Vasco construiu relações próximas ao poder

101
www.vasco.com.br
102
FOER, Frankin. Como o Futebol Explica o Mundo. 2004. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. P. 123.
103
Idem.
público, trazendo ao Vasco o patrocínio da empresa estatal Eletrobrás. Após uma visita ao
Soccerex104 em 2010, o atual presidente deixou claro que destoa do ex-presidente em relação à
modernização e à captação de recursos externos, utilizando o exemplo do bem sucedido
Barcelona F.C. da Espanha:

“Fui ao Soccerex (feira de futebol) e coincidiu de um representante do Barcelona


estar dando uma palestra. Contou como ele encontrou o clube e o que foi feito. E
vai mais ou menos na linha do que pensamos que o Vasco tem que fazer.
Precisamos diminuir despesas, fazer um levantamento da situação do clube. (…)
O Barcelona levou para o clube uma pessoa de banco, que não tem nada a ver
com futebol, para cuidar da parte financeira”.105

Ilustrando sua linha de pensamento, Dinamite contratou profissionais das áreas de gestão de
empresas, marketing esportivo e contabilidade para comandar o Vasco desde 2008, como
Cristiano Koehler e Rodrigo Caetano.
Apesar destas claras diferenças, há algo em comum entre as duas maiores referências
políticas do clube hoje: o discurso de identidade popular, independente e antirracista. Tanto
Miranda quanto Dinamite utilizam a “história” do Vasco para justificar suas ações políticas, por
mais que ambas possam ser opostas. No documentário “A Locomotiva” (dirigida por Milton
Alencar Jr.) sobre a trajetória de Eurico Miranda no Vasco, o ex-mandatário, em discurso aos
alunos do Colégio Vasco da Gama no dia de sua inauguração, afirma: “Eu quero que vocês
saibam que o Vasco não tinha obrigação nenhuma de ter esta escola. Obrigação nenhuma legal.
Mas o Vasco tem obrigação moral. Institucional. Daqueles que fundaram o Vasco, de dar
condições àqueles que não podem”.106 Sua justificativa é clara, na entrevista feita a Foer:

“O Vasco é um clube de imigrantes. Foi fundado por portugueses e brasileiros. E


é o único clube que tem história. O Vasco teve o primeiro jogador negro da
história. O futebol era praticado pelas elites. Este é o único clube cujos sócios
compraram cada centímetro de terra sem ajuda do governo. Nenhuma. É um clube
pioneiro”.107

104
Famosa feira de futebol internacional que discute empreendimentos na indústria futebolística.
http://www.soccerex.com/
105
http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/12/734640-
ct+arena+elenco+eletrobras++roberto+dinamite+conta+planos+para+2011.html
106
ALENCAR JR., Milton. “A Locomotiva”. 2009. Produzido por D & I Comunicação Empresarial.
107
FOER, 2004. P. 123.
Entre outras medidas, o Colégio Vasco da Gama é citado na página oficial na internet de Eurico
Miranda como “projeto pioneiro do Vasco, presidido por Eurico Miranda” que “tornou-se um
modelo a ser seguido por todos os demais clubes brasileiros”.108 Estudam na escola, fundada no
ano de 2004, atletas amadores do Vasco da Gama, principalmente do futebol. Miranda ainda
afirma que “objetivo do programa social vascaíno sempre foi dar total assistência a quem
precisa”.109 Percebemos em diversos momentos que o discurso de identidade cultuado e repetido
pelo ex-presidente é um retorno às tradições democráticas e de responsabilidade social do Vasco,
com origem nos seus primórdios. A tradição, por suposto, está sempre em primeiro plano no
discurso de um “à moda antiga”.
Roberto Dinamite, no entanto, não se difere do seu antecessor no que se refere às
justificativas para projetos de ação social. Em um discurso na Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro (ALERJ), em homenagem aos 110 anos da fundação do clube (21 de setembro
de 2008), o atual presidente afirma que o Vasco

“na história do futebol, foi o primeiro clube a construir seu próprio estádio sem o
apoio ou ajuda de governos, mas com a ajuda de vascaínos que trabalharam e se
desenvolveram para que o Vasco pudesse ser essa grande potência, essa grande
força do futebol brasileiro.
Também foi o primeiro clube brasileiro a admitir, aceitar negros. Quando falo
“admitir, aceitar”, é porque o Vasco foi penalizado, castigado por ter sido o
primeiro clube brasileiro a aceitar negros em sua equipe. As outras equipes do
futebol carioca eram equipes de elite e o Vasco, que veio do subúrbio, de São
Cristovão, foi o primeiro clube a aceitar a participação de negros em sua equipe.
Por este motivo, foi punido em um campeonato. O Vasco foi excluído do
campeonato seguinte àquele onde deu esse direito ao cidadão, ao atleta, mas
continuou com seu propósito, seu ideal e sua luta, voltando à competição,
buscando, conquistando esse direito, pois enxergava que todos eram iguais e
tinham os mesmos direitos”.110

Se a administração Eurico Miranda construiu o Colégio Vasco da Gama baixo o discurso de


tradição social, seu adversário político não poderia deixar por menos. Em agosto de 2011, foi
lançada pelo Vasco em parceria com a Associação de Moradores da Barreira do Vasco, a
UECAMP. O projeto é definido como “um programa sociopedagógico de preparação para o

108
http://www.euricomiranda.com.br/home/2010/08/eurico-miranda-e-o-colegio-vasco-da-gama/
109
http://www.euricomiranda.com.br/home/2010/08/eurico-miranda-e-o-colegio-vasco-da-gama/
110
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/taqalerj.nsf/7b688930c7c0e17f03256a09007870aa/89a5727d6a708525832574ac0
0778309?OpenDocument
mercado de trabalho”111 para jovens de 15 a 18 anos, moradores das favelas próximas a São
Januário. Em 2012, o clube lançou o projeto “Cidadania Vascaína”, que visa expandir direitos
sociais e civis, ocupando uma lacuna deixada pelo Estado também nas comunidades carentes
próximas a São Januário. Através de eventos sazonais clube oferece vacinação gratuita contra
doenças como a hepatite ou o tétano, exames de prevenção e a possibilidade de tirar carteira de
identidade e certidão de nascimento, entre outros documentos. O vice-presidente Antônio
Peralta, no dia 03/09/2012, em ocasião de um destes eventos sazonais, fez o seguinte comentário:
“O Vasco nasceu para fazer o bem da humanidade. Desde a nossa fundação, defendemos causas,
como a inclusão do negro no esporte e continuamos com este trabalho, hoje atendendo as
comunidades. O Vasco é uma instituição muito caridosa”.112
Percebemos que as próprias ações geridas pelos responsáveis pelo clube são,
invariavelmente, relacionadas às tradições do clube, com ênfase na memória de luta contra o
racismo. Como afirma Pollak,
“podemos (…) dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um
fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de
uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”.113

Ao afirmar-se popular, os homens ligados à direção do Vasco tentam dar significado histórico ao
clube hoje. Foer, em sua obra, afirma que “a globalização havia fracassado em reduzir as culturas
futebolísticas regionais (…). Comecei a suspeitar que a globalização havia aumentado o poder
destas entidades locais”.114 Poderíamos, então pensar a forma como os dirigentes do Vasco lidam
com a memória da luta contra o racismo como Giddens, quando afirma que

“tradição está ligada à memória, especificamente aquilo que Maurice Halbwachs


denomina "memória coletiva"; envolve ritual; está ligada ao que vamos chamar de
noção formular de verdade; possui ‘guardiães’; e, ao contrário do costume, tem
uma força de união que combina conteúdo moral e emocional”.115

111
http://www.vasco.com.br/site/index.php/conteudo/social/5/1923#.UVcGfhfinDv
112
http://www.netvasco.com.br/n/97022/confira-como-foi-o-cidadania-vascaina-neste-sabado
113
POLLAK,1992. P. 213.
114
FOER, 2004. P.10.
115
GIDDENS, 1995. P. 82.
A relação com o passado passa a dar legitimidade moral a determinadas crenças e práticas. O
Vasco assume um sentido pessoal, dotado de valores morais, e tudo o que for feito em seu nome
deve obedecer a esta tradição, que remonta à longa data. Podemos dizer que esta tradição,
inventada ou não, dá significado ao ser Vasco, tanto quanto comemorar as vitórias do time ou os
títulos mais importantes. A tradição, portanto, “contribui de maneira básica para a segurança
ontológica na medida em que mantém a confiança na continuidade do passado, presente e futuro,
e vincula esta confiança a práticas sociais rotinizadas”.116

O clube, então, assume a tarefa de guardião da memória (embora não seja o único).
Presente não só no discurso de seus líderes, como no de torcedores, jornalistas e na memória
coletiva popular. Esta memória coletiva que pode ser descrita como “a current of continuous
thought whose continuity is not at all artificial, for it retains from the past only what still lives or
is capable of living in the consciousness of the groups keeping the memory alive”. 117 Desta
forma, a memória, na medida que é lembrada coletivamente, transforma-se no fio de ligação que
dá a continuidade do passado ao presente.

Preservação da Memória

Antes de nos focarmos no papel dos torcedores e da imprensa, verificaremos de que


forma a instituição Vasco da Gama cria e sustenta seus lieux de memoire (NORA;1989). Para
isto, tomaremos como exemplo três lugares de memória criados recentemente: (1) O site oficial
do clube na internet; (2) o espaço físico do clube, sobretudo o Centro de Memória e a Sala de
Troféus; e (3) as ações de marketing realizadas pelo clube visando remontar ao passado.

O site

De acordo com Nora, “What we call memory is in fact the gigantic and breathtaking
storehouse of a material stock of what it would be impossible for us to remember, an unlimited

116
GIDDENS, 1991. P. 195.
117
HALBWACHES, 1980 (1950). P. 80.
repertoire of what might need to be recalled”.118 Para isto desenvolveram-se mecanismos de
preservação da memória, não por parte de historiadores, mas sim por quem por qualquer razão
deseje que esta se mantenha contínua de alguma forma. O advento da internet favoreceu a
expansão da informação para os cantos mais longínquos do planeta, tornando os web sites
ferramentas fundamentais para a comunicação moderna. Encontra-se na página oficial do C. R.
Vasco da Gama um ícone “História”, que se encarrega de uma narrativa em forma de linha do
tempo sobre a trajetória do clube desde a sua fundação até os dias de hoje, tendo o futebol como
“carro-chefe”. Além do destaque para os principais títulos e conquistas no campo esportivo, o
site se encarrega de uma narrativa institucional sobre a luta contra o racismo, incluindo como
parte desta trajetória a eleição do primeiro presidente não branco da história do futebol
brasileiro, tal qual a construção do estádio de São Januário119.

O primeiro acontecimento desta longa trajetória de luta contra o racismo se dá aqui:

“Em 1904, o Vasco inaugurava sua trajetória de pioneirismo. Pela primeira vez na
História dos clubes esportivos do Brasil, um não-branco é eleito presidente. Após
as eleições, os vascaínos tiveram a honra, em uma época em que o racismo era
prática comum no esporte, de conduzir o mulato Cândido José de Araújo ao
degrau mais alto do clube”.120
Percebe-se que, além de lutar contra o racismo, a narrativa também aponta para um
“pioneirismo”. O Vasco não só teria os méritos de ter lutado contra a injustiça discriminatória,
como fora o primeiro. “Pioneiro” também é o termo utilizado para se referir aos “Camisas
Negras”, elenco campeão carioca de 1923.

“Esses pioneiros deixaram claro, com a conquista do Carioca daquele ano, que o
Vasco chegava não apenas para se transformar em um dos gigantes do esporte
nacional, mas, sobretudo, para romper preconceitos e ajudar o futebol a ganhar
dimensão nacional”.121
Na sequência, a narrativa igualmente aponta para as diferenças regionais. O Vasco não só
representaria um rompimento com a prática discriminatória contra negros, como também seria
responsável pelo fim das barreiras que deixavam de fora as regiões urbanas que não as áreas
nobres. A luta fora não somente contra a discriminação racial, mas também geográfica e social.

118
NORA. 1989. P. 13
119
http://www.vasco.com.br/site/index.php/linha_do_tempo
120
Idem.
121
Idem.
“Até a ascensão do Vasco havia, no Rio, uma linha divisória que separava os
grandes clubes da Zona Sul – Fluminense, Botafogo e Flamengo – das pequenas
agremiações que se espalhavam pelos subúrbios da cidade”.122
Em seguida o site dá a esperada atenção à composição “racial” do elenco de 1923. Apesar
de não ignorar os conflitos existentes entre os defensores do amadorismo e do profissionalismo,
o site coloca em negrito a oração que se refere à questão racial, para, posteriormente, e através de
uma narrativa que evoca a modernidade e a “esperteza” dos comerciantes portugueses, admitir
que houvesse outros pontos de discórdia que não a questão racial.

“A explicação desse rápido sucesso estava nos negros, mulatos e brancos, pobres
e bons de bola, que o Vasco havia recrutado nos campos de subúrbio. Numa
época em que o futebol era oficialmente amador. Para mantê-los no time,
comerciantes portugueses os registraram como empregados em seus
estabelecimentos. Era a maneira de burlar a exigência do amadorismo, que estava
com os dias contados. Registros comprovam que o pagamento a jogadores já era
prática corrente em 1915”.123
A narrativa se encerra atacando a “perseguição” que o clube sofrera por parte dos outrora
grandes clubes, interessados em manter a ordem e o status quo racista e amador.

“O medo de que os camisas negras repetissem a façanha no ano seguinte levou os


grandes clubes a abandonar a Liga Metropolitana, em 1924. Fluminense,
Botafogo e Flamengo, com apoio do Bangu e do São Cristóvão, criaram a
Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA). Os estatutos da
entidade continham cláusulas absurdas, nas quais ficava evidente a falsa nobreza
do alegado espírito amador. O impedimento à inscrição de jogadores sem
profissão definida e analfabetos tinha como alvo a vitoriosa equipe do Vasco, que
reunia negros e pobres. Assim como o veto ao ingresso na AMEA de clubes que
não tivessem estádios”.124
A linha do tempo segue para o ano de 1924, quando o Vasco teria se tornado, de acordo
com a narrativa do site,

“o inimigo número 1 das demais torcidas cariocas. Um rival a ser batido, de


qualquer maneira. E já que era difícil batê-lo em campo, os dirigentes dos clubes
rivais resolveram investigar as atividades profissionais e sociais dos camisas
negras, uma vez que o futebol ainda era amador e os jogadores não podiam
receber salário por praticarem o esporte. Um verdadeiro golpe para tirar o Vasco
das disputas”.

122
Idem.
123
Idem.
124
Idem.
“Na verdade, o que não agradava os adversários era a origem daqueles jogadores:
um time formado por negros, mulatos e operários, arrebanhados nas áreas pobres
da cidade do Rio de Janeiro”.125
O site acusa os grandes clubes de segundas intenções quando argumentavam desejar preservar o
amadorismo. Intenções estas que hoje seriam moralmente condenáveis por se caracterizarem
como racistas e elitistas. A AMEA, então, teria criado condições para que o Vasco disputasse a
sua liga, narrada pelo site da seguinte forma:

“Nesse contexto, a AMEA solicitou ao Vasco que excluísse doze de seus


jogadores da competição que, não por coincidência, eram todos negros e
operários. O Club de Regatas Vasco da Gama recusou a proposta prontamente. E
através de uma carta histórica de José Augusto Prestes, então presidente
cruzmaltino, o Gigante da Colina mostrou sua total indignação à discriminação
racial: ‘Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer
que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à
Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do
Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (...) Nestes
termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer
parte da AMEA’. Vítima do racismo de seus adversários, restou ao Vasco
disputar, com outros times de menor expressão, o campeonato da abandonada
Liga Metropolitana de Desportos Terrestres”.126

Percebe-se uma narrativa desafiadora, de uma vítima injustiçada, mas que, apesar de tudo, teria a
honra de não se sujeitar às pré-condições dos poderosos. A ligação desta memória com o
presente se dá na continuação deste parágrafo:

“Nesse dia histórico, o futebol brasileiro começou a ser do povo. Começou a


forjar a tolerância, traço fundamental da cultura brasileira, que possibilitou a
diversidade e a riqueza racial e cultural que vivenciamos hoje. No ano de 1923
começou a ser possível conhecermos Pelé, Garrincha, Didi, Barbosa, Romário e
tantos e tantos outros talentos inigualáveis do nosso esporte. E o Vasco deu o seu
mais importante passo para ser o gigante no qual ele se tornou”.127
A continuidade entre os atos narrados e o presente se dá quando a narrativa mostra o que
aconteceu graças ao Vasco. Caso o clube não tivesse se portado desta forma, não sabemos o que
teria acontecido. E a grandeza do Vasco se deve a este acontecimento, mais do que a todos os
outros. A narrativa sobre a questão racial tem fim somente no ano de 1957, quando Pelé atua

125
Idem.
126
Idem.
127
Idem.
com a camisa do Vasco em um torneio amistoso. Visto como o maior jogador de futebol de todos
os tempos por grande parte da opinião pública mundial, o “Rei” (como é chamado no Brasil)
tinha apenas 16 anos na data ocorrida.
“Se o mundo teria ou não conhecido Pelé, caso o Vasco se fechasse aos negros,
nunca será possível saber. Em 1957, o Rei Pelé jogou pelo Vasco, enquanto o
time principal excursionava pela Europa. Isso aconteceu no Torneio do Morumbi,
com partidas realizadas no Maracanã”.

Percebe-se, então, que a narrativa deixa de ser somente sobre o campeonado de 1923 e a
perseguição sofrida pelo Vasco, passando a ocupar uma utilidade nos dias de hoje. Tal
qual os discursos dos administradores do clube, a narrativa da página oficial do Vasco
também utiliza a memória do clube como justificativa para o que ocorre ou poderia ter
ocorrido no futuro. Não só os vascaínos deveriam estar orgulhosos do clube para o qual
torcem, como os brasileiros de forma geral e todos os amantes do futebol deveriam
questionar-se sobre se eles teriam conhecido Pelé caso o Vasco não lutasse contra o
racismo. Quem produz a memória oficial do clube utiliza o site como um lieux de
memoire. A página oficial, frequentada por uma boa parte dos torcedores do clube,
funciona da mesma forma que um memorial book oficial. Da mesma forma Slymovics
(1998) esmiúça na sua obra sobre o lieux de memoire sobre os palestinos pós-1948, é
onde a memória reside que se encontra a força das comunidades. A legitimidade, então,
se dá através da narrativa. Tal qual os memorial books palestinos assumem uma espécie
de narrativa oficial da história, o Vasco produz a sua através de um organizado relato dos
acontecimentos. Observe a citação abaixo e troque os termos “Arab” por “vascaínos”,
“Jewish” por clubes grandes e “1948 por 1923”:
“the collective response to 1948, the chronological and thematic principles that
organize memory, the use of lists (names, nicknames, genealogies), the use of the
narrative as a means of preserving and establishing living memory, and, finally,
the struggle between Jewish and Arab representations”.128

Instituições Físicas do Clube

A Sala de Troféus é parte integrante de qualquer clube de futebol no Brasil. Os grandes


times, como ocorre com frequência na Europa, as utilizam como local de visitas do clube, onde

128
SLYMOVICS. 1998. P.22.
se pode observar as conquistas do passado. Recentemente se tornou uma prática no Brasil a
modernização das Salas de Troféus, a fim de que elas se se assemelhem aos dos grandes times
europeus. Algumas equipes brasileiras adiantaram-se e investiram na construção de museus dos
clubes, sob a justificativa de se preservar a memória. Em 2008, a prefeitura de São Paulo, em
parceria com a Fundação Roberto Marinho, inaugurou na cidade o “Museu do Futebol”, que se
localiza dentro do estádio do Pacaembu129. Centros de Memória, no entanto, são raros entre os
clubes, tendo o Vasco inaugurado o seu no fim de 2011.130 Tanto a Sala de Troféus quanto o
Centro de Memória, nas palavras dos próprios mantenedores, têm funções distintas das de um
museu. Examinaremos de que forma os dois projetos também ocupam um lieux de memoire no
clube: o Centro de Memória como algo recente e a Sala de Troféus de forma particular.
O Centro de Memória do Vasco é coordenado por Ricardo Pinto dos Santos, mestre em
História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em história do
esporte. No dia 16/09/2011, pouco antes da inauguração do Centro de Memória do Vasco, Santos
explicou ao diário esportivo Lance como funcionará o local: “Esse centro vai agregar alguns
objetos, primeiramente, e, mais importante, todo acervo histórico do clube. Todo material do
esporte vascaíno terá um lugar ideal e não ficará jogado em uma salinha pequena, como acontece
em grande parte dos clubes”.131 O vice-presidente de relações especializadas do clube, João
Ernesto, na mesma matéria, afirmou que ainda há um projeto de construção de um museu, mas
que nada tem a ver com o Centro de Memória: “O centro de memória é espaço para depositar
todo o acervo, museu é parte que ficará o queremos dar visibilidade. O centro é para pesquisas.
Pesquisadores do mundo todo poderão vir aqui e saber mais da História do Vasco. O grande
público mesmo frequenta o museu”.132 Neste sentido, vemos que o Centro de Memória serviria
como um arquivo central do clube, algo que não há. Ernesto é claro ao diferenciar o Centro de
Memória do que seria o museu: o primeiro seria um depósito de Sridim, enquanto o segundo
seria responsável pela narrativa histórica do clube, encaixando-se no lieux de memoire de acordo
com Nora.
Não podemos, no entanto, pensar que os arquivos são puros conjuntos de Sridim. A
organização e seleção dos mesmos não são imparciais. Como nos alerta Berkhofer Jr.,

129
http://www.museudofutebol.org.br/o-museu/
130
http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2011/12/15/com-dois-andares-e-centro-de-memoria-do-clube-
vasco-inaugura-megaloja-em-sao-januario.htm
131
http://www.lancenet.com.br/vasco/LANCENET-detalhes-Centro-Memoria-Vasco_0_554944713.html
132
Idem.
“Archives contain the noncurrent or discontinued records of such group. The
terms ‘archives’ today refers at one and the same time to the records themselves,
the institucional agency handling them at present, and the building or part of a
building housing them”.133

O Centro de Memória do Vasco é institucional, e, como parte de algo, deve ser compreendido
como algo com uma função específica dentro do clube. Apesar de Santos e Ernesto se referirem
ao Centro de Memória como um arquivo, outros funcionários do clube se referem ao mesmo
como um lieux de memoire. No dia 29/09/2012, em entrevista ao site oficial do Vasco, a
museóloga Tatiana Melo, uma das responsáveis pelo Centro de Memória, diz que o local

“não será apenas um espaço de exposição de objetos e de guarda de artefatos.


Trata-se da conservação de uma história, da divulgação de uma memória.
Procuramos usar as novas técnicas de informação e comunicação e principalmente
fazer com que o público interaja e participe das exposições do acervo”.134
Ernesto também faz coro com o discurso de Melo, quando ressignifica a função do Centro de
Memória, inclusive relacionando-o com o caso de 1923:

“Hoje é um dia histórico para o Vasco. Pela primeira vez um segmento do nosso
clube participa de um evento de cunho estritamente acadêmico, que é a 6ª
Primavera dos Museus. E nada mais apropriado que participar de um evento dessa
natureza quando a temática é a função social dos museus. Nosso Centro de
Memória está alinhado com o histórico de lutas pela inclusão social do nosso
clube, como nossa luta contra a discriminação racial”.135

A Sala de Troféus divide com o Centro de Memória a responsabilidade de preservar a memória


física do clube. Obviamente é no local onde se encontram os registros das conquistas do clube
em todas as categorias de todos os esportes. Troféus e medalhas compõem o espaço, localizado
ao lado do estádio na sede de São Januário. O curioso é que, além de abrigar todos os símbolos
de conquistas esportivas da história do Vasco, o local expõe a carta (emoldurada) enviada pelo
Dr. José Augusto Prestes, presidente do clube em 1924, ao presidente da Amea Arnaldo Guinle.
O documento mostra a decisão do Vasco de não ceder às exigências da Amea em 1924,
anunciando sua não participação. O conteúdo está abaixo:

133
BERKHOFER Jr. 2008. P. 96.
134
http://www.aovascotudo.com/site/?p=41111
135
Idem.
“Rio de Janeiro, 07 de Abril de 1924.
Ofício nº 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle
M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athléticos.

As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de hontem


pelos altos poderes da associação a que I. então dignamente preside, colocam o
Clube de Regatas Vasco da Gama, numa tal situação de inferioridade que
absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo,
nem pela simplicidade da nossa sede nem pela condição modesta de grande
número dos nossos associados.
...
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas
equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Clube de Regatas Vasco da
Gama, não a dever aceitar, por não se conformar com o protesto porque foi feita
a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações
levadas a um tribunal onde não tiveram representação nem defesa. Estamos
certos que V. Ex. será a primeira a reconhecer que seria acto pouco digno da
nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se a AM.E.A alguns dos que lutaram
para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de football da cidade
do Rio de Janeiro de 1923.
...
Dr. José Augusto Prestes – Presidente”136

Segundo Ricardo Pinto dos Santos, esta carta é “considerada pelos vascaínos como sendo o seu
principal troféu”.137 O lieux de memoire mais ilustrativo do clube, a Sala de Troféus, que
concentra a todas as glórias esportivas do clube, também tem como símbolo (se não o maior
símbolo) um documento que, segundo a descrição de Santos, deveria estar no Centro de
Memória. A carta de Prestes passa a ser parte de um lieux de memoire diferenciado quando é
colocada lado a lado com o prático. O capital simbólico que representa esta carta junto aos
troféus é o que a diferencia de todas as outras cartas e Sridim presentes no Centro de Memória.
Em outras palavras, por mais que o Centro de Memória tenha sido criado sob o intuito de
funcionar mais como um arquivo do que como um centro de memórias, um de seus documentos

136
SANTOS, 2002. P.10.
137
Idem.
mais valiosos é transferido para outro lugar, onde seu valor pode ser exposto para todos, pois é
motivo de orgulho para os vascaínos. “Quando a memória e a identidade trabalham por si sós,
isso corresponde àquilo que eu chamaria de conjunturas ou períodos calmos, em que diminui a
preocupação com a memória e a identidade”.138

Ações de Marketing

A fim de não permitir que o episódio caísse no esquecimento, a diretoria do Vasco, em


23/03/2011, lançou como terceiro uniforme do clube uma camisa negra sem a tradicional faixa
diagonal no peito, que caracteriza o uniforme do Vasco (veja fotos 2 e 3). A camisa tinha como
objetivo homenagear o elenco bicampeão carioca de 1923/24. Escrito na gola, lê-se as palavras
“inclusão” e “democracia”, eleitas pelos torcedores em um fórum na internet. Segundo o ex-vice
presidente de marketing do clube,

“O Vasco foi perseguido. Mas, apesar de provocado e ameaçado, não teve


dúvidas em ficar ao lado dos discriminados. Essa é uma justa homenagem e uma
oportuna lembrança de que não podemos fraquejar nas nossas convicções nem
sucumbir a qualquer tipo de preconceito”.139

A história de resistência narrada por Fernandes ganha coro no discurso de Dinamite. O


diferencial, como se pode ver em uma matéria do site da fornecedora de material esportivo do
clube (Penalty140), é a clara intenção de preservação da memória e trabalhar com as novas
gerações de torcedores a construção desta identidade:

“Esse novo terceiro uniforme dá às novas gerações a possibilidade de conhecer e


discutir um assunto que se passou em 1924, mas que é motivo de orgulho até
hoje, para todo vascaíno, porque ele trata do processo de democratização no

138
POLLAK1992. P. 215.
139
http://placar.abril.com.br/materia/vasco-lanca-camisa-preta-em-homenagem-a-seus-primeiros-negros
140
A Penalty participou ativamente da campanha, produzindo o material, slogans e com um relativo investimento
em marketing. Veja a foto 4.
esporte, que impôs o respeito à igualdade e o direito à cidadania. Esta camisa
representa bem a história do Vasco”.141

Antes de a camisa ser lançada, no entanto, a diretoria pretendia presentear pessoalmente


um símbolo internacional de luta contra o racismo: Barak Obama. A ideia era presentear o
Presidente dos EUA em ocasião de sua visita ao Rio de Janeiro no dia 20/03/2011 com duas
camisas negras: uma com seu nome e outra com o nome da avó do presidente. Em entrevista ao
site UOL, Dinamite frisou as semelhanças entre o Vasco e Obama: “O Obama foi o primeiro
presidente negro da história dos Estados Unidos, e nós também fomos pioneiros neste ponto. O
Vasco foi o primeiro time do Brasil a aceitar negros em seu elenco, ainda na década de 1920”.142
A iniciativa não foi bem sucedida, mas gerou uma forte repercussão: a até então presidente do
Flamengo, Patrícia Amorim, havia manifestado anteriormente seu desejo em presentear Obama
com a camisa do clube mais popular do Brasil. Aconteceu um conflito nos bastidores até que
Amorim saiu-se vencedora143. A diretoria do Vasco, no entanto, não percebeu o caso como uma
derrota. A edição especial da camisa negra foi esgotada em todas as lojas, obrigando a Penalty a
fabricar mais uma leva. Os torcedores haviam aderido à campanha, e criariam eles mesmos os
próximos lieux de memoire.

A repercussão

Em 1997, o ex-vereador torcedor do Vasco e militante do movimento negro, Antônio


Pitanga, criou o projeto de lei que visava instituir o curso de História do Vasco nas escolas do
município do Rio de Janeiro144. Pitanga alegava que a história do Vasco era um marco
fundamental na luta por cidadania e contra o racismo no Rio de Janeiro. O projeto terminou por
não ser aprovado. De 21 a 22 de maio de 2012, a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
promoveu no Rio de Janeiro o “Fórum Racismo no Futebol”, que visava combater o racismo e

141
http://www.penalty.com/pt/noticia/1/NO-TERCEIRO-UNIFORME-PENALTY-E-VASCO-DESTACAM-A-
IMPORTaNCIA-DO-TIME-NA-DEMOCRATIZACAO-DO-FUTEBOL-BRASILEIRO.aspx
142
http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2011/03/18/vasco-prepara-camisa-em-homenagem-a-negros-
como-presente-para-obama.jhtm
143
http://www.lancenet.com.br/z_manchete_mobile/Obama-recebe-camisa-Flamengo_0_447555292.html
144
Cf. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 nov. 1997, Revista de Domingo, n.1122, p.20.
promover a diversidade étnica no futebol brasileiro, além de utilizar o futebol para combater o
racismo. Neste evento, o Vasco da Gama foi homenageado através do ex-atleta do clube Felipe
(ver foto 6). O presidente da Fenadados (sindicato filiado à CUT) afirmou: “Não dá para falar de
luta contra o racismo e não falar do Vasco. Já em 1923 o clube deu um grande exemplo quando
se retirou da competição”.145 Em qualquer busca na internet que se faça, encontra-se uma série
de passagens sobre a participação do Vasco na luta contra o racismo, de modo que também a
imprensa colabora na preservação desta memória.

Nada disto, no entanto, faria sentido de acordo com Halbwachs (1980), se não houvesse
um sentido coletivo que recordasse tudo isso em conjunto. O coletivo mais significativo, neste
caso, é composto pelos torcedores do Vasco. Segundo Halbwachs, “from the moment when we
and these other witnesses belong to the same group and think in common about these matters, we
maintain contact with this group and remain capable and identifying ourselves with it and
merging our past with its”.146

As equipes donas das maiores torcidas do Brasil, em geral, possuem diversas “torcidas
organizadas”, em geral politicamente independentes dos clubes, mas ainda assim influentes e
institucionalizadas o bastante para as considerarmos parte fundamental na construção das
identidades dos clubes com seus torcedores. As torcidas organizadas são consideradas muitas
vezes as principais responsáveis pela violência nos estádios147 e seus arredores, além de taxadas
por parte dos jornalistas esportivos e da opinião pública como oportunistas e aproveitadores. Nos
anos 1990, no entanto, observou-se um crescimento significativo no número de associados destas
torcidas148, de modo que não fosse mais possível lidar com estas organizações como grupos de
criminosos. Diversos estudos sobre torcidas organizadas surgiram no país desde o fim dos anos
1990 nas mais diversas áreas, e vários integrantes das maiores torcidas de clubes importantes
assumiram posições de destaque em diversos clubes do país. As torcidas organizadas, então,
passaram a ocupar uma posição de relativamente destacada no campo esportivo, na medida em
que os próprios clubes modificaram suas relações com as mesmas.

145
http://www.vasco.com.br/site/index.php/noticia/conteudo/2395#.UVm8HBfinDs
146
HALBWACHES, 1980 (1950) P. 28.
147
LOPES e CORDEIRO. 2010. P. 75-83
148
Idem. P. 78.
O Vasco tem hoje 14 torcidas organizadas segundo o site de torcedores netvasco.com149,
embora a página http://www.organizadasbrasil.com/ só se refira a 10150. As duas torcidas que
ocupam o maior destaque em São Januário nos dias de jogo têm perfis distintos: a Força Jovem
Vasco (FJV) e a Guerreiros do Almirante (GDA). A primeira, fundada em 1969, é conhecida
como a torcida mais violenta do clube e frequentemente envolvida em protestos políticos contra
a diretoria. A outra, fundada no ano de 2006, não se qualifica como uma torcida organizada, mas
como um novo “Movimento” inspirado nos “Barra Bravas”.151 Dentro do estádio, ambas as
torcidas apresentam características ao mesmo tempo distintas e semelhantes no “torcer”, sendo a
principal diferença a forma como cada uma se relaciona com o clube no seu dia-a-dia. O presente
trabalho não tem como objetivo examinar a relação das torcidas organizadas do Vasco com o
clube, mas sim a sua influência e participação na construção da memória antirracista do Vasco.

A FJV, torcida mais influente no clube, e que ocupa o maior espaço tanto em São
Januário quanto no Maracanã, não possui absolutamente nada que se refere à história do Vasco
em seu website. O canal, inclusive, tem como característica o autoenaltecimento, uma forte
crítica ao atual presidente Roberto Dinamite e diversas notas afirmando e reafirmando o seu
comprometimento com a paz e a não violência nos estádios (razão pela qual a FJV fora proibida
de frequentar os estádios durante seis meses entre 2012 e 2013). Basicamente formada por
segmentos mais jovens e de classe média baixa / baixa, a FJV não evoca a memória antirracista
com muita frequência. O caso mais recente e mais visível dos últimos anos se deu no confronto
entre Vasco e Libertad do Paraguai, válido pela Taça Libertadores da América de 2012, quando,
na partida de ida, dois atletas negros do Vasco acusaram jogadores e torcedores da equipe
paraguaia de racismo. A FJV, junto a outras torcidas organizadas, se mobilizaram e organizaram
uma campanha para que os torcedores fossem ao estádio com o rosto pintado de preto e branco,
além de trajarem camisas negras (ver fotos 7 e 8).

Possivelmente por ter muitos membros de classes baixas, negros e mulatos, a imagem
formada a partir da memória antirracista do Vasco não é um componente de destaque da
identidade da FJV. São pouquíssimos os registros encontrados na internet sobre a preservação
desta memória pela Força Jovem Vasco, totalmente oposto do que acontece com a GDA.

149
http://www.netvasco.com.br/torcidas/
150
http://www.organizadasbrasil.com/torcidas-organizadas-rio-de-janeiro
151
Nome dado aos torcedores organizados em outros países da América do Sul, principalmente na Argentina.
Pode-se dizer que a Guerreiros do Almirante é a torcida que mais tem lutado pelo
fortalecimento da memória antirracista do Vasco. O site na internet da torcida enfoca e valoriza
como elemento importante o caso citado, com narrativa semelhante a do site oficial do clube:

“conquistando o título logo em seu ano de estreia, causando uma enorme


controvérsia entre os adversários que fizeram de tudo para retirar o Vasco da
competição, alegando que o clube cruzmaltino era formado por atletas de
profissão duvidosa e não contava com um estádio em boas condições. Na verdade
eles exigiam que o clube excluísse doze atletas da competição, justamente os
negros e operários.

O Vasco não aceitou os termos exigidos e os adversários formaram uma nova


liga, sem o clube, que disputou um campeonato paralelo no ano de 1924”.152

Não somente através do site oficial da torcida percebe-se esta narrativa, como também através de
cânticos entoados nos estádios de São Januário e do Maracanã, exaltando o acontecimento como
um valor moral. Um exemplo disto é o canto “Camisas Negras”, escrito no ano de 2008, de
autoria do membro Marcelo Panoeiro, atualmente executado por praticamente todos os
torcedores do clube:

“Eu vou torcer


Aqui eu ergui meu templo para vencer
Eu já lutei por negros e operários
Te enfrentei, venci, fiz São Januário
Camisas Negras que guardo na memória
Glória, lutas, vitórias esta é minha história
Que honra ser
saiba eu sou vascaíno, muito prazer
Jamais terás a Cruz, este é meu batismo
Eu tive que lutar contra o teu racismo
Veja como é grande meu sentimento
E por amor ergui este monumento”153

Outros cânticos se referem a este episódio, assim como a narrativa que compõe parte do
argumento dos torcedores quando tentam interferir ou participar de decisões da diretoria.
Recentemente, após o presidente do Vasco afirmar que cederia o estádio de São Januário ao

152
http://www.guerreirosdoalmirante.com.br/gda/gda/crvg.htm
153
http://www.guerreirosdoalmirante.com.br/gda/gda/musicas.php
Botafogo F. R., um dos rivais históricos do Vasco, o GDA se manifestou publicamente contra a
postura da diretoria. Em nota publicada em seu website, a diretoria do GDA afirma que

“Em 1924 fomos EXPULSOS da liga pelos mesmos clubes que agora, na maior
desfaçatez, querem mandar seus jogos no NOSSO ESTÁDIO, sob a mentirosa
alegação de que não tínhamos estádio próprio, quando na realidade nos
perseguiam por lutarmos contra o seu racismo e opressão das camadas mais
populares no esporte brasileiro. São Januário, construído com a luta, o dinheiro e
o trabalho dos nossos ancestrais, não é lugar de racistas e hipócritas, senhor
presidente!”154
É válido afirmar, também, que a GDA foi, junto ao clube, a principal articuladora da
campanha antirracismo durante o confronto contra o Libertad, envolvendo todas as torcidas no
protesto (ver foto 9). A GDA é uma torcida formada basicamente por jovens brancos de classe
média, escolarizados, tendo suas canções um vocabulário mais próximo à erudição do que o
popular que caracteriza as canções da FJV. Ainda não há nenhum estudo específico sobre
nenhuma das torcidas organizadas do Vasco como há de outros clubes brasileiros, o que torna
mais difícil uma análise mais profunda sobre as mesmas. O cruzamento entre a composição
social de cada uma, com suas ações em prol da manutenção da memória antirracista do clube, no
entanto, nos mostram grosso modo o quão importante pode ser a memória para a formação da
identidade de um grupo específico.

As duas torcidas organizadas são formadas basicamente por jovens, que não vivenciaram
os acontecimentos lembrados. Como afirma Marianne Hirsch, “memory can be transmitted to
those who were not actually there to live an event. At the same time (…) this received memory is
distinct from the recall of contemporary witnesses and participants.”155 Aproprio-me do conceito
de geração de Sirinelli, no qual ele a define (no plural) como “criadas ou modeladas por um
acontecimento inaugurador”.156 Deste modo, podemos incluir todos os que sustentam a memória
da luta antirracial do Vasco como a mesma geração da postmemory157. “These events happened
in the past, but their effects continue into the present. This is, I believe, the experience of
postmemory and the process of its generation”.158

154
http://www.guerreirosdoalmirante.com.br/gda/gda/exibir.php?noticia=370
155
HIRSCH, 2008. P. 106.
156
SIRINELLI, 2006. P. 37.
157
HIRSCH, M. 2008.
158
Idem. P. 107.
Sendo assim, por que as duas torcidas tem relações significativamente distintas com a
preservação desta memória? De acordo com Sirinelli, determinado acontecimento inaugurador
pode não ter sido significante o suficiente para que a FJV fosse influenciada por ele tanto quanto
a GDA. Neste caso, os círculos sociais ocupados pelas duas torcidas são de fundamental
importância para compreendermos as relações de cada uma com o passado. Em uma época em
que tanto o governo estadual do Rio de Janeiro quanto o governo federal têm lançado mão de
políticas de inclusão e redução da desigualdade racial, visando “corrigir” a condição dos negros
como vítimas históricas da escravidão, a repercussão se dá de forma distinta nos variados
círculos sociais. Dentre a população de baixa renda, onde se encontra uma significativa maior
quantidade de negros e mulatos, a satisfação com a política de quotas e inclusão é bem mais alta
do que dentre a população branca de classe média, por exemplo. Em um círculo onde se admite a
condição inferior do negro como resultado de um processo histórico, o discurso criado a partir da
memória do Vasco de “derrotar o racismo” não faz tanto sentido. O mito da democracia racial
não encontra a mesma aceitação nas classes mais baixas, que finalmente percebem sua condição
de inferioridade. Por outro lado, há uma forte discussão presente em círculos intelectuais e
populares das classes média e alta, dividindo a opinião pública sobre as políticas de inclusão.
Sustentar a memória antirracista passa a ter um caráter nobre, dando propriedade para se afirmar
parte de um grupo dotado de uma moral superior. “Nós fizemos o que o governo não fez”. A
relação entre memória e identidade, ou ao próprio sentido de pertencimento a um grupo ou
geração, necessita de um significado simbólico. Há de haver um porquê na lembrança.

Conclusão

Desde o princípio deste trabalho, foi deixado claro que o objetivo não era analisar o quão
real é a história contada de luta do Vasco contra o racismo, mas sim como a memória deste
acontecimento dotado de simbolismo é preservada. Além disso, também se procurou analisar
aqui, as influências simbólicas que esta memória pode ter no dia de hoje, sobretudo a partir de
quem se interessa por preservá-la. Devido à falta de recursos, sobretudo pelo fato de que o meu
objeto de estudo se encontra em outro continente, a internet foi o meu único meio para entrar em
contato com as minhas fontes primárias, me deixando sem opção de contato pessoal com as
mesmas, que poderiam enriquecer este trabalho e o limitaram bastante. Mesmo assim, pude
encontrar informações suficientemente satisfatórias para uma primeira observação do assunto,
que também me permitiram chegar a algumas conclusões e lançar outras hipóteses para futuros
trabalhos.

As ações de marketing da diretoria do Vasco, aliadas ao discurso dos seus dirigentes, nos
mostram o quão importante é para o clube a preservação desta memória. A competitividade entre
os clubes não ocorre somente dentro de campo no futebol, principalmente no Brasil, onde o
futebol é de fato um dos elementos mais significativos para a construção da identidade. Num país
onde as instituições públicas não contam com a confiança da população159, clubes de futebol,
escolas de samba e outras instituições responsáveis por manifestações culturais transformam-se
em referências fundamentais para boa parte da população. A instituição deve mostrar-se ética,
correta e dotada de uma história dotada de exemplos morais. O clube não pode restringir-se
somente em conquistar títulos, pois o futebol detém um sentido simbólico que vai além das
conquistas dentro de campo. As tradições inventadas são parte fundamental da identidade dos
times, e quem incorpora mais os valores transmitidos por elas são os torcedores.

A análise sobre como a torcida do Vasco lida com a memória da luta contra o racismo é a
mais complexa a se fazer, e é onde eu encontro as minhas maiores limitações. Os torcedores se
manifestam individual e coletivamente, de modo que eu fui obrigado a me restringir às
manifestações via internet das duas maiores torcidas organizadas do clube. Menos prestigiados
do que os dirigentes, as torcidas organizadas não são instituições tão respeitadas pela imprensa,
de modo que as suas narrativas são praticamente encontradas somente nos seus canais. Mesmo
assim, foi possível extrair determinado conteúdo que nos mostra que nem sempre a memória
antirracista é fundamental para compor a identidade dos torcedores do Vasco. O caso da FJV é o
mais representativo e impressionante: a maior e mais popular torcida do Vasco não faz
referências à história do clube como faz a GDA, uma das únicas torcidas formadas
majoritariamente por brancos de classe média. A maioria dos membros da GDA, diferentemente
da FJV, frequenta círculos sociais cuja presença de torcedores do Vasco não é tão grande, onde
admite grande inferioridade numérica em relação à torcida do Flamengo, além de disputar espaço

159
Segundo pesquisa divulgada em dezembro de 2012 pela Fundação Getúlio Vargas, somente duas instituições
públicas contam com o apoio de mais de 50% da população: as Forças Armadas (75%) e o Ministério Público
(53%):
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10754/Relatorio_ICJBrasil_4TRI_2012.pdf?sequence=
1
com as torcidas de Fluminense e Botafogo. Assim como em um determinado contexto histórico,
o “clube de portugueses” se beneficiou em conquistar torcedores negros e brancos pobres,
abrasileirando-se, no contexto atual, baseando-se na mesma história, os torcedores do Vasco
utilizam mais um elemento na disputa com os outros torcedores: a memória nobre. Por que
justamente os torcedores de classe média do Vasco são os mais interessados em preservar esta
memória? Em um campo onde as soluções tomadas pelos governantes para solucionar a questão
racial não constituem uma concepção majoritária, passa a ser necessário mostrar que tipo de
medidas de inclusão são moralmente boas e bem sucedidas. Torcer pelo Vasco passa a ser uma
virtude, sobretudo para quem valoriza e compara o passado dos clubes.

Campanhas publicitárias, lançamento de livros, comemorações específicas no dia da


consciência negra (ver foto 10), recorrentes discursos, cânticos e bandeiras nos estádios são as
formas pelas quais torcedores, dirigentes e parte da mídia mantém esta memória viva. Estes são,
de fato, os lieux de memoire onde se manifesta a memória do Vasco, criados pelos que
necessitam mantê-la para dar significado e coerência às suas crenças. Esta memória está, como
todas as outras, “em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,
susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações”.160 Enquanto sustentar a razão de
ser Vasco, esta memória encontrará seus lugares, e seguirá sendo um elo de ligação entre o
passado e o presente do clube.

160
NORA, 1989. P. P. 9.
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Foto 1: Carta de José Augusto Prestes à Amea

Foto 2: Camisa Negra

Foto 3: Camisa Negra


Foto 4: Campanha da Penalty

Foto 5: Presente a Obama:


Foto 6: Vasco é homenageado no “Fórum Racismo no Futebol”

Foto 7 – Logo da FJV contra o racismo.


Foto 8: Campanha da FJV contra o racismo no jogo Vasco x Libertad, 2012.

Foto 9: Campanha da GDA contra o racismo. Vasco x Libertad, 2012.


Foto 10: Campanha do clube no Dia da Consciência Negra

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