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CASO CLÍNICO CARLA NUNES

Iniciei a psicoterapia há um mês de uma paciente de 17 anos cujo nome é fictício em virtude
de sua idade e em respeito ao sigilo profissional.

Carla chegou ao meu consultório, a pedido de sua irmã que se trata com uma amiga minha,
pois tanto a escola quanto os familiares suspeitavam que ela tinha algo “diferente” das outras
crianças e adolescentes. A escola sempre relatava para a mãe dessa menina que seu
comportamento era estranho e que precisava ser investigado. As irmãs sempre acharam ela
muito retraída, mas atribuíam ao fato de ser a caçula e muito agarrada à mãe. Sua mãe por sua
vez, não tinha muito tempo de investigar ou levar a algum profissional, pois leva uma vida dura
e sustenta com sacrifício a casa e suas três filhas.

Essa família tem um histórico bastante pesado, pois o pai tem o diagnóstico de esquizofrenia,
tendo todos eles passado por episódios de muita violência e sofrimento, culminando com esse
pai esfaqueando a mulher na frente das filhas e ela sendo levada ao hospital pela filha mais
velha, que na época tinha apenas 15 anos. Depois desse fato, a mãe se separou do marido e foi
viver sua vida com as três filhas.

Atualmente a mais velha faz terapia com uma amiga e relatou sus preocupação com as
“esquisitices” da irmã. Sabendo do caso e sensibilizada com tanto sofrimento e de acordo com
o relato, percebi que estava diante de uma caso de TEA não diagnosticado, mas percebido
tanto pela família quanto pela escola, mesmo que não nominado.

Conversei com a mãe de Carla por telefone e ela me relatou aquilo que a filha mais velha já
havia contado. Enviei o termo de consentimento e ela me retornou assinado.

Carla chegou ao meu consultório, pela primeira vez, extremamente tímida e respondendo
apenas com monossílabos e muito vagarosamente. Foi muito difícil a comunicação, pois a
maioria das respostas eram sempre: não sei. Terminamos a sessão comigo explicando pra ela
que ali era o seu lugar de fala e de confiança. Deixei claro que tudo o que ocorresse ali, só
sairia dali com a sua permissão e se colocasse sua vida em risco. Ela apenas sorriu.

Na segunda sessão, resolvi lançar mão de um dos baralhos que eu tenho, e combinei que a
medida que tirássemos uma carta, teríamos que responder ao que era perguntado. Ela
concordou com a cabeça e eu comecei. Tirei uma carta e respondi, e ela deu continuidade,
respondendo também, o que me deixou bastante animada. Quando terminou o tempo e eu
falei que a sessão havia acabado, ela fez uma carinha triste e falou: já? Falei que na próxima
sessão faríamos algo diferente. Perguntei o que ela gostava de fazer e ela respondeu que
gostava de jogar. Depois ela me perguntou se poderia vir a todas as sessões com a mesma
roupa como se fosse um uniforme, no que eu respondi que ela poderia ficar à vontade para vir
como quisesse.

Na outra sessão levei o Jogo da Vida, e jogamos. Percebi que ela não tem malícia nenhuma no
jogo, mas aproveitei para fazer perguntas sobre ela, a família e a escola. Foi quando ela me
disse que gostava muito de estudar, que só tirava notas acima de 9, mas que não gostava
muito da escola pois se sentia muito isolada e não conseguia fazer amizade com ninguém.
Perguntei se isso a incomodava e ela falou que sim e se retraiu logo depois. Terminei a sessão
e não voltei no assunto pois senti que ela ficou desconfortável.

Na outra sessão, pedi que ela listasse as coisas que gostava de fazer, o que não gostava e pedi
que ela escrevesse que se ela fosse um animal qual seria e porquê. Ela colocou que gosta de
ficar no seu quarto ouvindo música, não gosta de ir pra escola apesar de gostar de estudar, e
que seria um mosquito, pois assim quase ninguém a veria e teria vida curta.

Confesso que isso mexeu muito comigo. Pedi que ela me falasse mais um pouco sobre ser um
mosquito e ter vida curta. Ela me respondeu que um mosquito não é percebido, a não ser que
faça algo para outra pessoa e que logo alguém bate nele e pronto. Depois, foi abaixando a
cabeça e me falou que gostaria de não ser percebida na escola, pois as pessoas achavam ela
estranha e não se aproximavam dela, e que isso a deixava triste e se ela tivesse a vida curta,
ela não sofreria tanto. Sentei próximo a ela e conversei sobre habilidades sociais que são
aprendidas e que ela poderia aprender e assim, facilitaria a comunicação e a interação dela
com as outras pessoas. Ela me perguntou se realmente ela conseguiria aprender, pois isso ia
mudar muito a vida dela. Falei que começaríamos bem devagar, e que isso seria um processo,
e não da noite para o dia, mas que ela conseguiria sim. Ela saiu da sala sorrindo e com
expressão de muita alegria.

Na outra sessão, iniciei fazendo um teste para saber se ela compreendia as expressões faciais e
a linguagem pragmática. Percebi que ela tem dificuldades. Ela compreende quase que
literalmente, e na compreensão de história foi mais tranquilo.

Iniciei agora um trabalho de reconhecimento de suas emoções, e percebo que a cada sessão,
ela está mais falante e interagindo mais. Sua irmã me ligou falando que ela tem estado mais
participativa em casa e que no final do ano, havia demonstrado vontade de parar de estudar,
mas que esse ano ela já voltou e apesar de não ter gostado da turma ter se dividido, entende e
está indo as aulas tranquilamente.

Diante de todo esse quadro que se apresenta do caso Carla Nunes, apesar de ainda não ter
aplicado nenhum teste, acredito no TEA ou diagnóstico de Transtorno da Comunicação Social.
Por enquanto, sigo buscando um neurologista que possa avaliá-la sem custo, pois a família não
tem condições de pagar.

Gostaria de ressaltar que sua aula foi de imensa valia pra esse caso, me trazendo mais luz e
entendimento, onde seguirei aplicando o que aprendi em sala de aula, para um esclarecimento
quanto aos critérios diagnósticos e diagnóstico diferencial, a partir de tudo o que foi ensinado.

Desde já agradeço de coração pelo compartilhamento de tanta preciosidade em forma de


material de estudo e apoio.

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