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Psicologia USP , 2019, volume 30, e180093 1-11

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Artigo
Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca
Juliana Barros Brant Carvalhoa*
José Francisco Miguel Henriques Bairrãoa
a
Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia. Ribeirão Preto, SP, Brasil

Resumo: A quimbanda, modalidade de culto afro-brasileiro habitualmente apresentada como mera


inversão ético-moral da umbanda, preservou-se em rituais com entidades espirituais que supostamente
contestam ou invertem a ordem moral vigente. Neste estudo acompanharam-se esses rituais e
coletaram-se depoimentos de sacerdotes em comunidades religiosas afro-brasileiras, com o objetivo de
revisar se de fato há uma pressão exercida por padrões ético-religiosos da sociedade envolvente que
poderiam ter moderado ou modificado concepções africanas subjacentes. Na contramão de análises
que implicitamente pressupõem a subordinação dos cultos afro-brasileiros a uma única concepção de
moralidade, constatou-se que a vivência do sagrado implicada na quimbanda e na umbanda não atrela-
se a essa moralidade vigente, e que nenhuma das suas manifestações pode ser corretamente descrita
como amoral.

Palavras-chave: cultos afro-brasileiros, etnopsicologia, psicologia e religião.

Introdução1 O que aqui se propõe é a revisão do pressuposto


de que o sagrado na umbanda e quimbanda se
Este artigo é produto de uma pesquisa realizada enquadrariam em categorias antagônicas como “bem”
entre 2011 e 2016 desenvolvida no mestrado, no campo e “mal”. Nas descrições habituais dessas religiosidades,
da Etnopsicologia, investigando-se a memória social no inclusive as oferecidas pelos seus adeptos, os espíritos
contexto afro-brasileiro2. Partiu-se da impossibilidade alinhariam-se em geral em dois grandes grupos, a
de compreender o humano sem conhecer as suas “direita” e a “esquerda”. Situadas na linha da “direita”
construções psicológicas específicas, estabelecendo-se estariam as entidades ligadas ao celestial, à luz, enquanto
pontes e contrastes entre diferentes formas de pensar, que a “esquerda” abarcaria entidades mundanas, mais
sentir e se relacionar (Lutz, 1983). Neste campo de próximas aos humanos. A divisão essencial aos cultos
conhecimento, no seu atual estado de desenvolvimento e à sua ritualística tem sido interpretada por autores
no Brasil, a religiosidade africana desempenha um que os estudam como sendo indicativo de submissão
papel importante (Bairrão & Coelho, 2016). Alguns da religiosidade africana “original” ao poder e a
estudos debruçaram-se, por exemplo, sobre uma regras morais dominantes (Lapassade & Luz, 1972).
concepção africana de ser que abarca a força vital Essa interpretação engendra-se na tradição de análises
(Leite, 1995/1996); busca prosperidade, felicidade e fortemente impactadas pelo argumento de um autor
plenitude física e espiritual (Frias, 2016; Ribeiro, 1996; clássico como Roger Bastide (1973), a respeito da forte
Sàlámì & Ribeiro, 2015), e é composta por elementos influência do modo de pensar ocidental nas chamadas
culturais que devem ser considerados nas práticas de “macumbas”. Segundo esses estudos, a adaptação dessa
cuidado e saúde (Ilori, Adebayo, & Ogunleye, 2014). religiosidade às transformações na sociedade brasileira,
As tradições religiosas derivadas dessa matriz oferecem principalmente nos contextos urbanos, é compreendida
uma contribuição interessante para o desenvolvimento como forma de desintegração de suas raízes. Enfatiza-se
da Psicologia da Religião no Brasil (Bairrão, 2017; Paiva, ainda a noção de que o candomblé teria se preservado
2002; Ribeiro, 2005). culturalmente devido a seu isolamento, enquanto na
chamada umbanda “branca”, como contraste, haveria
a descaracterização do modelo negro e igualmente das
* Endereço para correspondência: jubrantcarvalho@yahoo.com.br vigências morais cristãs.
1 Este artigo é dedicado a Agnaldo Moraes (in memoriam) e Emydgio Na mesma medida, interpretou-se que práticas
dos Santos Netto (in memoriam), que deixaram um grande legado à mágicas na umbanda “negra” ou quimbanda teriam sido
comunidade religiosa afro-ribeirão-pretana. “embranquecidas”, progressivamente moralizadas e
2 Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia substituídas pelas “virtudes cristãs” da classe dominante,
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Apoio: Coordenação de de acordo com Renato Ortiz (1991), o que foi retratado
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). no título da obra como A morte branca do feiticeiro

http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
Juliana Barros Brant Carvalho& José Francisco Miguel Henriques Bairrão
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negro. Apesar desses autores valorizarem os elementos Camargo (1961) como um contínuo mediúnico, tendo no
próprios às religiões de matriz africana, parecem ter como seu outro extremo a quimbanda, vista como mais próxima
expectativa em relação a elas uma “pureza” associada ao ao candomblé. Marca-se que o polo mais “branco” e o
modo de pensar ocidental. Outro autor, Reginaldo Prandi polo mais “negro” variam em função do posicionamento
(1996, 2001), que também afiança essas ideias, descreve dos seus praticantes (Negrão, 1996a).
a umbanda como apegada à ética católica, à caridade e O sincretismo com outras espiritualidades
ao altruísmo, contrariando a sua matriz africana. Já o é assinalado por Silva (2012) como proteção a esse
candomblé, seu principal campo de pesquisa, é descrito processo discriminatório, em que as entidades espirituais
como uma religião de cunho a-ético, provavelmente teriam desenvolvido uma “dupla face” ora expondo um
com base em uma concepção de ética ainda atrelada lado mais católico, pela via da caridade e identificação
ao modelo cristão. com os santos, ora expondo um lado indígena e africano
Não obstante, o perfil da umbanda seria pelas plantas sagradas, por vezes representado como
menos ligado a regras e formalismos, mais próxima demoníaco. Desse modo, busca-se revisitar com base em
ao campo da oralidade e da espontaneidade poética, uma coleta de dados empíricos as concepções próprias
sendo seus mitos e saberes narrados e construídos do universo da quimbanda, nomeadamente discutindo-se
coletivamente. Essa característica mostra-se potente os argumentos anteriormente apresentados, relativos
na escuta e transmissão de memórias (Zumthor, 1997) ao interjogo entre o referencial ético-moral cristão e
encontradas no imaginário social brasileiro. Pela via elementos mais arraigados a heranças “pagãs” africanas.
dos sentidos ligados ao corpo, enunciados por metáforas
e metonímias na forma de cores, gestos, músicas, Método
danças e rituais, essa religiosidade reconfigura no plano
espiritual enredos de vivências históricas como síntese Mediante um estudo de caso coletivo, a coleta de
de valores simbólicos ameríndio-africanos, muitas vezes dados foi feita em duas comunidades religiosas, com a
maltratados pela cultura dominante (Bairrão, 2005). aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa4, utilizando-se
No panteão espiritual umbandista não se estabelecem técnicas etnográficas, como observação-participante;
fronteiras rígidas ou divisões precisas, mas uma rede registros em caderno de campo; e fotográficos, de áudio
combinatória entre orixás, guias e santos católicos que e de vídeo. Participando de rituais, festas e consultas
compõem um conjunto elaborado, amplamente descrito espirituais, foi possível circular e conversar com os
em outros trabalhos acadêmicos3. Grande parcela de participantes em situações informais, bem como com
seus adeptos seria composta por populações periféricas as entidades incorporadas durante os cultos. Esse
(Brumana & Martinez, 1991), que, todavia, ganharam tipo de procedimento indica uma inserção profunda
força na construção de classes sociais em ascensão nas concepções de mundo e nas formas de interação
afirmando-se social e etnicamente (Brown, 1985), o das comunidades, visto que não faria sentido e nem
que proporcionou seu crescimento nas últimas décadas seria de confiança alguém participar do culto e não se
(Negrão, 2009). A espiritualidade corporifica valores consultar. Aliada ao modelo etnográfico de pesquisa
populares e re-significa características consideradas adotou-se uma “escuta participante” (Bairrão, 2005),
“baixas”, na medida em que aparecem no “alto escalão” útil para dar-se ouvidos a narrativas que se dizem em
umbandista (Bairrão, 2005). Esta capacidade, vale ato, muitas vezes impedidas de serem comunicadas
dizer, deve-se à própria ética da umbanda, uma ética diretamente mediante um recalque social, seguido de
de inclusão (Barros, 2013), que se constrói no presente uma “autocensura” dos colaboradores. E foram
e no cotidiano, afirmando-se psiquicamente como igualmente escutadas como narrativas do sagrado as suas
uma linguagem coletiva. O encontro entre memória e manifestações estéticas e sensoriais. Assim, foi possível
reflexão social parece ser uma habilidade de cifrar dores apreender a comunidade como um todo, observando tudo
insuportáveis em reparações sublimes (Bairrão, 2004). o que fizesse sentido internamente ao seu conjunto, como
A demonização do culto, principalmente em a disposição dos objetos, gestos, pensamentos, sonhos,
relação a entidades como os exus e sua versão feminina, as modos de vida e acontecimentos, atentando-se para a
pombagiras, vistos pela sociedade hegemônica como um complexidade das vivências religiosas e de sua elaboração
desafio à moral e à ética católica, reproduz um histórico coletiva. O método presta-se a desvelar enunciações não
de sistemáticas perseguições de terreiros, atreladas à necessariamente redutíveis a palavras (Bairrão, 2011).
discriminação racial, considerados antagonismos à vida Dessa maneira, puderam ser feitas inferências sobre um
moderna (Negrão, 1996a; Silva, 2012). A aproximação conhecimento sinuoso, que de algum modo “se esconde”
da umbanda como o espiritismo kardecista é descrita por ao público em geral, mas se mostra aos olhos da tradição.
A posição de deixar-se ser interpretado e cuidado
3 Sobre trabalhos recentes que abordam os sentidos etnopsicológicos das pelas comunidades religiosas durante cinco anos permitiu
entidades da umbanda, pode-se consultar Bairrão, 2005; Dias & Bairrão, a construção de laços profundos e de confiança mútua. As
2011, 2014; Graminha & Bairrão, 2009; Macedo & Bairrão, 2011;
Martins & Bairrão, 2009; Barros, 2013; Barros & Bairrão, 2015; Rotta &
Bairrão, 2007; 2012. 4 Número da aprovação: CAAE 30472314.3.0000.5407.

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Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca
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características da pessoa do pesquisador foram relevantes que ela possa ressituar-se relativamente a si mesma e às
como instrumento para essa interação com o campo, suas potencialidades, representando o desconhecido
acurando-se a sua percepção sensível para conhecer as pessoal, e sendo indóceis ao discurso do outro e às
formas de comunicação específicas do contexto. Foram tentativas de dominação (Bairrão, 2002). Ligados ao
de particular valia a convivência e as entrevistas livres prazer, ao sexo e aos bens materiais, entende-se que os
realizadas com duas eminentes lideranças umbandistas: seus trabalhos têm um “preço” e se comportam como
“Seu” Agnaldo, fundador do terreiro Pai Joaquim do aliados de quem os procura (Trindade, 1985), mesmo que
Congo e Ogum Guerreiro, e “Seu” Emygdio. Ambos para isso utilizem meios e palavras cruas e diretas, o que
trabalharam na companhia ferroviária Mogiana, em corresponderia ao seu perfil de compromisso para com o
Ribeirão Preto, e partilharam memórias valiosas de seu interlocutor, em sua defesa, mas não necessariamente
suas biografias por terem frequentado um dos primeiros para seu agrado. No lugar de protetores, guardiões e
terreiros de umbanda fundados na região. Após o seu mensageiros, lidam bem com as mazelas humanas, com
expediente de trabalho, realizavam reuniões espirituais o que é sombrio. Apresentam características tortuosas
ao redor dos trilhos do trem, o que contribuiu para o (sinalizadas como membros do corpo retorcidos) que
resgate de elementos antigos das comunidades afro- não se subjugam a padrões de civilidade que colonizam
brasileiras ribeirão-pretanas. Nas análises, buscou-se e subalternizam outros, podendo ainda expressar-se
enfocar aspectos mais amplos do que aqueles ligados de forma irreverente (Macedo & Bairrão, 2011), o que
unicamente a individualidades, destacando-se os dados mesmo assim requer seriedade e cuidado no trato ritual
que se repetiram nas comunidades, relativos à memória em função do que representam. Exu é também um orixá
coletiva. Para tanto, os termos que apareceram no contexto na religião tradicional ioruba (Sàlámì & Ribeiro, 2015),
foram aqui também utilizados, a fim de não se deslocar, considerado o senhor da força primordial, do dinamismo,
com propósitos acadêmicos, o estatuto de conhecimento da transformação e da vitalidade, nem bom nem mau,
dos próprios protagonistas da tradição. soberano dos desígnios terrenos e trocas com o sagrado ao
transportar pedidos e respostas entre homens e divindades
Resultados e discussão (Oliva, 2005).
Na umbanda os exus são entendidos como espíritos
A denominação quimbanda, muitas vezes usada de pessoas desencarnadas com algumas qualidades que
como acusação a práticas de umbanda, não se reduz os aproximam desse tipo religioso. Sabe-se igualmente
apenas a isso, posto que há grupos que se autodenominam que na chamada linha de esquerda que eles integram
de quimbanda, como é o caso de um dos estudados no situam-se também as pombagiras, entidades descritas
presente artigo. No entanto, o mais comum no próprio como representantes do subversivo e do feminino, que
contexto da umbanda é referir-se à quimbanda como oferecem um lugar simbólico para o carnal, e em última
sendo o outro por excelência (quando fala-se sobre ela instância para o desejo (Barros, 2013; Barros & Bairrão,
é citada como mais próxima ao candomblé, ou referida 2015).
tendo-se em vista outro terreiro que supostamente a Mas não apenas exus e pombagiras compõem a
praticaria sob a “falsa” denominação de umbanda, ou “esquerda”, sendo esta uma orientação possível presente
em relação a um problema entendido como um ataque no culto que pode ser compartilhada por diferentes
de entidade de quimbanda, ou um rito feito com algum entidades do panteão. Nessa linha também estão outras
propósito num terreiro de umbanda e desaprovado por entidades, a exemplo dos exus mirins, espíritos de
outro etc.). crianças “terríveis” ou “infernais”, em que o mal é
Aqueles que se autodenominam conhecedores narrado como horror vivido na pele e nas vivências de
ou praticantes da quimbanda descrevem que para rua. Sua função espiritual é uma inversão daqueles que
isso é preciso ter muita “firmeza”, isto é, ser firme, foram vítimas da exclusão social e depois de mortos
contundente, o que exige experiência e conhecimento. tornam-se “experientes” protetores daqueles que se
Na quimbanda, as entidades espirituais ditas da linha da dirigem a eles (Bairrão, 2004).
esquerda – que na umbanda geralmente ocupam posição Além das crianças, essa linha também inclui
muito importante, porém subalterna e periférica, que alguns pretos-velhos. Dias e Bairrão (2014) exploraram
não rege o culto – assumem a primazia. Essa linha a categoria espiritual dos pretos-velhos da mata,
é descrita como “perigosa” e por isso na umbanda espíritos supostamente de antigos quilombolas, de
costuma ficar sob tutela da “direita”, o que informa ao feiticeiros (quimbandeiros), curandeiros e rebeldes.
interlocutor sobre possíveis riscos que precisam ser bem Considerados perigosos pelo seu conhecimento mágico,
conhecidos. Sublinha-se que algumas entidades dessa chamam a atenção para vivências subjetivas das pessoas
linha se apresentam como o “povo da rua”, espíritos de escravizadas, como rebeldia e insurgência, o mais
moradores e crianças de rua, andarilhos, prostitutas, das vezes omitidas ou abreviadas na descrição mais
malandros. . . . E nessa linha situam-se conhecidamente comum dos pretos-velhos (atribuídos à linha da direita
os exus, entidades moradoras do reino da escuridão, que e reportados como humildes, amáveis e pacientes). Os
por sua vez revelam os pontos verdadeiros da pessoa para pretos-velhos da mata trazem à tona a profundidade das

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Juliana Barros Brant Carvalho& José Francisco Miguel Henriques Bairrão
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vivências da escravidão nos momentos em que “longe usadas em todas as circunstâncias, para proteger, trazer
de terem sido indefesos e homogeneamente obedientes benefícios e também “maleficar quem o hostiliza” (p. 19).
e submissos em relação ao trabalho servil e à condição O nome do Exu Gato Preto estaria ligado ao
desagregadora da escravidão, muitos negros se rebelaram, imaginário da “feitiçaria”, referida com frequência em
fugiram de seus senhores e lutaram firmemente por relatórios policiais e criminais em relação aos praticantes
liberdade e autonomia” (Dias & Bairrão, 2014, p. 169). dos cultos afro-brasileiros (Negrão, 1996a). Uma de suas
Podem compor essa linha praticamente todas as características é “gostar de sangue”, o que lembra da
outras classes de entidades, inclusive caboclos, deixando-se carne, do mundano e pode ser entendido como um gosto
claro nessa religiosidade que ser de “esquerda” não é uma pelo bélico, pelo enfrentamento. O significante “sangue”
propriedade de certos tipos dessa espiritualidade, mas um liga-se à cor vermelha e ao “fogo” próprios dos exus, sendo
modo de manifestação e de ação de quaisquer sujeitos também um elemento de ligação entre o mundo carnal e
espirituais. Assim, a quimbanda, ainda que “ofuscada” espiritual (Slenes, 2011). Ao mesmo tempo, esse exu diz
e marginalizada, muitas vezes sendo praticada à sombra que se lhe pode pedir qualquer coisa que se queira, dando
da umbanda, disfarçadamente devido ao preconceito e a entender que atende a todos os tipos de necessidades.
pressões sociais, enuncia-se em narrativas e atos rituais, Sua função espiritual seria oferecer apoio e proteção
os quais serão descritos a seguir. aos seus seguidores, no enfrentamento de situações de
desafio e luta contra injustiças, massacres, perseguições,
“Seu” Emygdio abusos de poder. Ressalta-se a concepção espiritual da
umbanda de que toda ação traz consequências para o
Muitas pessoas procuravam o Sr. Emygdio autor, e essa responsabilidade ritual requer que o sujeito
dos Santos Netto, “Seu” Emygdio, para atendimentos que a executa nela se implique.
espirituais, um senhor de 78 anos (1939-2016) conhecido Para aquelas pessoas que não conheciam a rotina
nesse meio religioso como “quimbandeiro”. Ele frequentou de “Seu” Emygdio, ao passar em frente ao portão fechado
um dos primeiros terreiros de umbanda da região, de sua casa não seria possível notar que ali ocorriam
acompanhando de perto e durante muitos anos o pai­ consultas espirituais. Sua característica discreta lembra
‑de-santo conhecido como Pai José, até qualificar-se ele a Omulu/Obaluaiê, entidade a qual “Seu” Emygdio é
mesmo como líder espiritual e dedicar grande parte da sua filho espiritual. Na Nigéria, essas duas divindades são
vida à sua própria comunidade religiosa, em atendimentos diferentes, e na umbanda usualmente se fundem e são
que ocorriam diariamente dentro de um quarto em reconhecidas como ligadas a práticas medicinais, à cura,
sua própria residência. As pessoas que o procuravam e moradoras do cemitério.
aguardavam sentadas no sofá da sala ou no quintal antes Como os terreiros são em geral abertos ao público,
de serem chamadas para a consulta. Assinala-se que nos e o que pode se observar nessa forma de “privacidade”
terreiros, como bem ilustrado neste caso, a família carnal em relação ao entorno da casa, ou mesmo o seu oposto,
não é vista como separada da família espiritual. Os seus uma total abertura da intimidade dos cômodos para se
filhos-de-santo e alguns familiares também o seguiam receber os consulentes, diz respeito a uma concepção
nas “giras”, que são as cerimônias espirituais, realizadas religiosa muito peculiar. Conforme apontaram Brumana e
em locais como matas, cachoeiras, encruzilhadas, praias, Martinez (1991), não há separação entre casa e terreiro. Os
capelas ou cemitérios. terreiros são chamados de “centro”, com uma conotação
Os atendimentos eram realizados com o auxílio kardecista, porém também são chamados de “casa”,
de duas entidades: Exu Quimbandeiro e Exu Gato indicando-se na própria denominação de pais, mães e
Preto, que nos dão pistas para uma reflexão mais ampla filhos-de-santo a dimensão de uma família espiritual, em
a respeito do argumento de assimilação do modelo que não somente os parentes carnais são importantes no
cristão. Segundo Ribas (1989), “umbanda” significa na âmbito das relações de proximidade e confiança. Nesse
etimologia angolana (línguas bantu) “arte de cura”, e sentido, outra característica comum na espiritualidade
na mesma gramática o prefixo “ki” designa o agente, o afro-brasileira apoia-se na dimensão do segredo em
ministrante do ofício, sendo “kimbanda” a pessoa que relação a alguns elementos rituais, determinante do
faz a “arte de cura”. grau de iniciação e de comprometimento para com o
O nome do Exu Quimbandeiro seria uma adaptação religioso. Além disso, a discriminação contra a umbanda,
do significado africano “kimbanda” para o português “o e particularmente contra a quimbanda, teria deixado
quimbanda”, ou “quimbandeiro”, que guarda o mesmo como marca o seu disfarce ou ocultamento, o que se
significado e sonoridade de “curandeiro”. Na cosmologia reflete na conduta de alguns praticantes que optam por
bantu os saberes do “nganga”, uma autoridade espiritual uma espécie de invisibilidade social, muitas vezes sendo
ou um adivinho (p. 57) acompanham o uso das plantas conhecidos na vizinhança apenas como “benzedeiros”.
sagradas, de acordo com Temples (1959), o mesmo que Uma das práticas rituais de que houve oportunidade
Ribas (1989) descreveu como sendo o agente que pode de se participar foi realizada numa mata (Figuras 1,
curar doenças do corpo ou da alma, mediante rituais 2 e 3). “Seu” Emygdio incorporou o Caboclo Pena
que envolvem vivos e mortos, oferendas e “limpezas” Branca, uma referência a Oxalá pela cor branca, e que

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também soa como “pemba” branca, um pó usado na
umbanda e igualmente utilizado na África em rituais
bantus (Thompson, 1983). É com ele que se riscam os
pontos-riscados, que são para Thompson (1983), assim
como os pontos-cantados, mensagens criptografadas
em metáforas visuais e sonoras para se “chamar” as
entidades espirituais. Apesar dessa entidade, o caboclo,
ser característico do repertório espiritual umbandista,
ele também se manifesta na quimbanda, porém numa
disposição ritual distinta, na mata aberta.

Figura 3. Cruz do Pedro


Fonte: Os autores.

Outro ritual foi realizado na capela da Cruz do


Pedro, numa sexta-feira em noite de lua cheia, hora e dia
recomendados para trabalhos da linha de esquerda. Nessa
Figura 1. Lugar do ritual na mata capela (Figura 4) deu-se início a um rito sem tambores,
Fonte: Os autores. em harmonia com a característica de não chamar muito
a atenção, de passar o mais despercebido possível. Essa
capela situa-se na zona rural de Ribeirão Preto, em cima
do túmulo do menino Pedro, um filho de escravos que
foi brutalmente assassinado por ter roubado comida.
Em memória aos milagres que ocorreram após esse
acontecimento, segundo Molina (2012), essa capela é
muito importante na história da região, apesar de pouco
lembrada. Construída em uma das grandes fazendas
cafeicultoras, seus sinos eram tocados pela manhã como
parte da rotina dos terreiros de café que abasteciam
a Estrada de Ferro Mogiana. Afastada e de difícil
acesso, atualmente congrega fiéis de várias cidades da
região, provavelmente familiares das colônias, e é onde
anualmente se faz uma peregrinação e depois se celebra
uma festa junina.
Na abertura, “Seu” Emygdio e seus ajudantes
acenderam muitas velas, iluminando o lugar. Pedindo
“força” e “proteção” aos orixás, cantou-se um ponto-
cantado “chamando” os caboclos. Um médium incorporou
essa entidade, que “deu o passe” nos consulentes com o
uso de um galho cheio de folhas. Após esse momento,
cantou-se um ponto-cantado para os baianos. O pai-de-
santo incorporou essa entidade, que também “deu passe”
Figura 2. Lugar do ritual na mata aproximando-se alegremente de cada pessoa, segurando-
Fonte: Os autores. lhe as mãos e dizendo “eu sou Joaquim Baiano”. Outro
médium incorporou Virgulino Cangaceiro. Na sequência

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Juliana Barros Brant Carvalho& José Francisco Miguel Henriques Bairrão
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o pai-de-santo “recebeu” Martinho Marinheiro, sendo-lhe Na umbanda, o cemitério e a rua são lugares de
entregue uma garrafa de pinga que ele colocou debaixo do culto da linha da esquerda, e uma capela é um lugar típico
braço e em seguida cumprimentou a todos, expressando da “direita”. Aqui houve uma inversão: a “esquerda”
no seu andar embriaguez. Logo depois “chegou” um ficou dentro da capela. Os consulentes aguardaram o
preto-velho, e na ocasião a pesquisadora foi autorizada momento do atendimento a céu aberto, sob a luz da lua
a tirar fotografia da entidade (Figura 5), que logo em que clareava a mata ao redor. O cambone (ajudante ritual)
seguida foi “embora”. explicou que eram os “exus, que são índios da mata”
Antes da finalização do ritual, “Seu” Emygdio diz: quem os protegia, portanto, caboclos quimbandeiros. Ou
“agora vai ser o que não era pra ser feito aqui, mas vai seja, nessa variante do culto o exu típico dá as consultas
ser aqui mesmo”. O que “não pode, mas vai ser feito” na (numa capela!) e os caboclos fazem a proteção do lado de
capela é a incorporação dos exus. Pediu-se que as pessoas fora (no caso, uma mata, território de caboclos).
ficassem do lado de fora aguardando o atendimento A mata, segundo esses porta-vozes da tradição, traz
individual que seria realizado com o Exu Quimbandeiro “mais força” ao ritual. Retratada na literatura romântica
e em seguida com o Exu Gato Preto. indianista como sinônimo de fertilidade e beleza, e como
palco histórico dos massacres da colonização, a mata
exalta o índio e com ele um ideário de nação e de liberdade
(Zilberman, 1994).
Além da mata como elemento ritual, destaca-se
nesse episódio a importância da capela, que aqui é ao
mesmo tempo um túmulo, sobre o qual encontra-se uma
grande cruz estendida no chão. A cruz é descrita na
cosmologia bantu como a junção entre o mundo dos vivos
e o mundo dos mortos (Souza, 2002; Thompson, 1983).
As duas linhas em cruz formam uma encruzilhada, o
encontro de caminhos, onde nesses cultos é território de
exus, os que cumprem o papel de “abrir os caminhos”,
endereçando ao seu interlocutor a responsabilidade sobre
o caminhar. Na “cruz do menino Pedro” sublinha-se
a morada de um morto, um pequeno cemitério, local
em que é comum situarem-se os cruzeiros ditos “das
almas”, que por sua vez em cultos como a umbanda são
lugares associados aos pretos-velhos. O simbolismo do
cemitério está ligado ao mar, à “kalunga”, e aos ancestrais
(Slenes, 1992). A cruz representa um conjunto complexo
de memórias e suas conexões tanto com a cosmologia
Figura 4. Ritual no interior da capela cristã quanto com cosmologias africanas, o que resulta
Fonte: Os autores. em uma negociação ativa das tradições afro-brasileiras
entre o “velho” e o “novo” mundo (Souza, 2002).
“Seu” Guina

Sentar ao lado do Sr. Agnaldo Moraes, o “Seu”


Agnaldo (Guina), parecia ter uma conversa com um
preto-velho, mas não em espírito, em “carne e osso”.
Neto de africano e brasileira, frequentou durante sua
infância a “mesa branca”5 com a avó, e na juventude
foi trabalhar na empresa ferroviária Mogiana. Com a
paciência da sua idade de 85 anos (1930-2015) afirmava
que “a gente sempre aprende” e contava histórias, sempre
numa posição de mestre conversando com um aprendiz.
Quando perguntado sobre sua experiência na religião,
narrava características das entidades espirituais. Quando
perguntado sobre a quimbanda, sua resposta era indireta,
com interrupções, não linear e com longas digressões, e
Figura 5. Preto-velho e consulentes durante o ritual
Fonte: Os autores. 5 As sessões do espiritismo são conhecidas na umbanda como “mesa
branca”.

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Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca
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relatava enredos da sua biografia. Examinando essa forma pega o seu inimigo de acordo com o que ele acha que é
de atuar na sua comunidade e o seu papel na tradição de vantagem”. Foi frequentador, assim como “Seu” Emygdio,
transmissão do conhecimento, cheio de interditos, revela do terreiro de Pai José. Em sua trajetória, “Seu” Agnaldo,
a não separação bem definida entre espíritos e pessoas. filho espiritual de Xangô, orixá da justiça, dava a benção
àqueles que o procuravam e era chamado pela comunidade
de avô.

Figura 7. Senhor Agnaldo de Moraes


Fonte: Os autores.

Figura 6. Rosemary Rodrigues de Moraes, atual mãe-de-santo Em seus ensinamentos costumava repetir:
Fonte: Os autores. “Procure se cuidar. Procure não fazer mal pra ninguém”.
“Cuidar” é uma prática cotidiana e o “mal” aparece como
O chefe espiritual do terreiro fundado por uma opção para o seu ouvinte. Nas suas palavras fazer o
“Seu” Agnaldo, hoje dirigido por sua filha Rosemary mal seria muito fácil, o “duro” é ter “firmeza”, “manter
(Meire) (Figura 6), é o preto-velho Pai Joaquim do a cabeça no lugar”.
Congo, entidade da sua esposa e antiga mãe-de-santo,
“Dona” Antônia (Tonica) (1928-2007). Os pretos-velhos Umbandoquim
são concebidos como espíritos de antigos africanos
escravizados, cuja atuação na umbanda se dá pela via da Sublinha-se na trajetória de “Seu” Agnaldo, fiscal
paciência e humildade. Representam a reversão daquele da justiça espiritual, e de “Seu” Emygdio, defensor dos
que sofreu abandono e, depois de morto, transformou-se casos mais reservados, uma história de dois líderes
num cuidador. Quando associados aos quilombolas são (que na sua idade remontam quase um século de vida)
moradores e profundos conhecedores dos segredos da com experiências importantes em um dos primeiros
mata (Dias & Bairrão, 2014). O outro chefe espiritual terreiros da região. As narrativas nesses terreiros
desse terreiro é Ogum Guerreiro, divindade ligada ao tradicionais revelam uma síntese entre os dois polos
ferro, logo, às estradas férreas, nas quais ambos os nossos dessa espiritualidade. Esses saberes impõem-se como
colaboradores trabalharam. Nas vivências espirituais de responsabilidade e coerência nos próprios atos, sendo
quimbanda, “Seu” Guina realizava com um grupo de os passos desses dirigentes o alicerce da transmissão
amigos, entre eles “Seu” Emygdio, após o expediente do dos seus fundamentos. Indica-se haver uma umbanda
trabalho reuniões noturnas em torno dos trilhos do trem, manifestamente voltada para a caridade, em que a
eufemisticamente chamadas de “alta magia”, e pedia quimbanda seria o seu lado demoníaco; assim como há
às entidades espirituais para ter clarividência6, e para outra manifestação possível da mesma religiosidade, uma
conhecer os segredos rituais e das plantas. Comentava versão pelo seu interior, nomeada por meio das palavras
que é preciso “agradar” a “esquerda” da pessoa que de “Seu” Agnaldo como sendo dois lados da mesma
se quer combater ou defender, dizendo assim: “você moeda: “tem a umbanda que é a direita, a quimbanda é
6 “Seu” Agnaldo não tinha a mediunidade de incorporação, mas dizia
a esquerda, umbandoquim é as duas em uma só”.
poder ver e perceber as entidades. Durante o culto ele ficava sentado em Desta forma, encontramos nas suas palavras não
sua cadeira de rodas ao lado do congá (altar), na maior parte do tempo apenas o que é na prática uma concepção unitária do
com os olhos fechados e a cabeça baixa. Tinha uma visão e uma audição culto, mas um termo que a denomina. Uma designação
espetaculares. Havia ocasiões em que ele levantava a cabeça no mesmo
momento em que alguém falava ou agia de maneira inadequada, mesmo longa e cuidadosamente protegida de olhares curiosos,
que a pessoa estivesse na outra extremidade do salão. talvez pelo risco de derivações fantasiosas que o uso de

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palavras e a banalização de conhecimentos pode trazer Ressalte-se também o trânsito fluido e a
aos cultos afro-brasileiros. convivência entre umbanda e quimbanda, algo não
Segundo “Seu” Guina, não só quem ensina, mas previsto por análises de cunho etnocêntrico, embasadas
também quem aprende tem responsabilidades. O ritual em matrizes de pensamento e de moralidade alheias às
é uma forma de transmitir esses saberes, o gesto e a suas razões. O fato destas se reportarem a outro modelo
prática religiosa comportam significados que passam cultural, de se transmitirem mediante recursos não atidos
pelos órgãos dos sentidos e não precisam ser explicados, ao verbal, e de serem pouco acessíveis a categorias de
ou talvez muitas vezes não há palavras para traduzi-los. pensamento lineares e excludentes, não significa que
Dizia que se “tem de ter conhecimento de causa”, é preciso tenham desaparecido. Hoje, em pleno século XXI,
“saber o que se está fazendo”. “Saber fazer” significa ter percebe-se numa perspectiva histórica o equívoco da
sabedoria, conhecimento, assim como estar implicado aposta de alguns autores, conduzidos por uma análise
na ação, responsabilizar-se. presa à superfície do que esses cultos mostram a um olhar
Em muitas tradições orais o fazer não se separa do apressado. Segundo esse ponto de vista, a umbanda estaria
pensar (Leite, 1992). Enquanto espiritualidade sensível e não somente “embranquecida”, como seria uma oposição
acolhedora, sustentada na memória coletiva, esses cultos à quimbanda, aparentemente excluída, isto é, submissa à
evidenciam uma concepção moral não compreendida assimilação de valores da cultura dominante e cada vez
linearmente, sendo mais atenta ao caso a caso e às pessoas mais distanciada de seus referenciais africanos. Ainda que
singulares do que a regras doutrinárias. Nos cultos afro­ os estudos desenvolvidos por essa chave tenham grande
‑brasileiros usa-se o ritual para iniciação espiritual, e importância e se constituam em contribuições valiosas,
também com o intuito de resolver as questões da vida desde que consideradas as suas condicionantes históricas
como um todo, o que é destacado por Negrão (1996b) e limitações metodológicas, eles não esgotam o tema. Se
como uma “moral pragmática” (p. 88) em função da aceitarmos os seus pressupostos, estamos condenados
satisfação plena das necessidades humanas, o que integra a pensar a umbanda (e a quimbanda) tomando-se como
a pessoa e todos os seus aspectos do passado, presente parâmetro a moralidade cristã, arriscando desconhecer
e futuro ressignificados simbolicamente, inclusive nas a sua ética própria, reduzindo-a à mera amoralidade.
relações saúde/doença. Essas religiões voltam-se para a Em contraponto, se levarmos em conta a diferença
solução de problemas em benefício dos seus praticantes, suscitada pelas marcas de africanidade inerentes a essas
especialmente como proteção contra as injustiças expressões religiosas, é possível encontrar nelas uma
cometidas em relação às populações marginalizadas. elaboração sobre a questão ética distinta dos termos em
As linhas espirituais na umbanda circulam entre que tradicionalmente vem sendo abordada.
“direita e frente, esquerda e costas” (Negrão, 1996b, p. 82), Ao explorar a categoria quimbanda, que longe
e embora divididas podem refletir um juízo de valor que de ter desaparecido ainda hoje é praticada em Ribeirão
aparta as entidades chamadas da “esquerda”, muitas vezes Preto, descobre-se no que foi apontado como uma
descritas no nível do discurso e das explicações fundadas desintegração de uma tradição na verdade uma forma de
em preconceitos como sendo carentes de caráter, isso proteção. A separação direita e esquerda, que aparecem
pode não coincidir com a prática, em que elas ocupam um como duas vertentes dessa prática espiritual, na realidade
lugar no ritual no qual se lhes dirigem uma importância não se opõem. A linha da “direita”, da luz, comportando
e profundo respeito, sendo homenageados em primeiro sentidos para a retidão, para a consciência, e as entidades
lugar e estando de fato “à frente” dos problemas mais da “esquerda”, da escuridão, comportando sentidos para o
difíceis e ao mesmo tempo cuidando das “costas” . ardiloso, parecem ser aos olhos da comunidade referências
Quando são elas a ocuparem a posição de liderança, no à mesma espiritualidade.
caso da quimbanda, a estrutura religiosa, ainda assim, Quimbanda e umbanda, que em geral se
pode permanecer ancorada numa mesma apreensão da apresentam como distintas ou como práticas antagônicas,
natureza e dos sentidos corporal, estético e simbólico. compartilham simbolismos e apetrechos rituais
Os dados encontrados evidenciam a importância representando dois palcos de uma mesma concepção
do detalhe. Destaca-se em um ritual singelo, de uma religiosa. Embora essa divisão sem dúvida habite as
resistente quimbanda (comumente despercebida representações conscientes não apenas daquela parcela
ou ignorada por estratégias de registro incapazes de social que insiste em demonizar os cultos afro-brasileiros,
apreender as suas formas de expressão silenciosas), uma como também por vezes dos seus próprios praticantes (e de
contribuição que pode lançar luz e permite inferir a alguns dos seus estudiosos), não corresponde à concepção
especificidade ética imanente a essa espiritualidade, profunda desse universo religioso, habitualmente
mediante elementos que não se captam pela fala nem pela silenciado no seu modo próprio de ser, cheio de símbolos
doutrina, mas revelam-se no fazer. Deste modo, os seus e pouco dado a palavras e explicações a respeito de si
rituais e práticas podem preservar sentidos eventualmente mesmo (talvez por elas serem inúteis para quem ainda
reprimidos socialmente, que se transmitem pelo corpo não compreendeu as suas sutilezas e desnecessárias
e enunciam narrativas de fundo espiritual e histórico para quem pensa e atua por dentro delas). A quimbanda,
implícitos (Connerton, 1989). por sua vez, reforça os sentidos de contestação ao que

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Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca
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coloniza, de luta e resistência frente às relações de poder. tom do fazer, em que a erva pode ser usada para matar, a
Desconsidera leis sociais e morais vindas “de cima”, sem pedra para ferir, a água para sujar, a mata para esconder.
que por isso, salvo alguma explicitação do uso do termo Isso não quer dizer que a umbanda seja boa e a quimbanda
e das condições de comparação, seja cabível qualificá-la seja má. Quando a pessoa se implica na umbanda há uma
(nem a ela nem a nenhuma outra prática religiosa afro- adesão aos seus sentidos éticos e simbólicos, como os do
brasileira) de amoral. caboclo, no caso a retidão, enquanto que na quimbanda
Essa solidariedade entre umbanda e quimbanda o fazer não se lhes subordina, mas não necessariamente
possibilita uma vivência espiritual que não priva nem exclui se desvincula deles, nem os contesta.
o humano das suas características integrais, incluindo-se Desta maneira, é possível entender que existem
as intoleráveis ou as mais temíveis, responsabilizando cultos com uma forma de quimbanda, mas de uma
cada um pelo seu caminhar. A associação da quimbanda similaridade com a umbanda, de uma transparência e
ao polo mais negro, ou à feitiçaria e mesmo ao satanismo, bondade ímpares, apoiados em uma determinação dos
pode ser entendida mais propriamente em função do corações dos homens, em cujos ritos se manifestam,
posicionamento do praticante no sistema do que atinente por exemplo, exus leais e justos, pombagiras fiéis e
a uma diferença substancial em relação à umbanda. boas conselheiras conjugais etc. Não é o bem ou o mal
Essas espiritualidades desdobram-se em uma ética de que decidem, e sim a articulação entre o sistema e as
implicação pessoal, adversa à dicotomia entre “bem” singularidades dos sujeitos nele implicados. Assim se
e “mal”. explicaria porque há grupos em que a estética é totalmente
a de uma umbanda, as cores, os significados, a ordem
Considerações finais do ritual e as entidades religiosas, mas ainda assim
considerados como quimbanda por terceiros e pelos
Para além da doutrina e dos ritos religiosos visíveis, próprios adeptos, pois se olha para a intenção do praticante
há uma dimensão da vivência espiritual irredutível a e não tanto para a forma exterior do culto.
palavras e explicações, mas que se transmite pela prática De certa maneira, em todos os casos, não há
e pelo silêncio. Nesse âmbito, parece não haver uma figura sem fundo, e por isso sempre as duas são uma só.
oposição verdadeira entre quimbanda e umbanda, que Há liberdade e independência no coração “obediente”
se unificam numa experiência única capaz de refletir (firme) à natureza rica, subjacente à circulinearidade
o amplo leque das intenções e motivações humanas, das motivações individuais e personalistas. Deste
nenhuma delas sendo deixada de fora. O exemplo desses modo, e talvez por isso mesmo, certo e errado, bem e
mestres espirituais ilustra que é preferível não lhe dar mal, quando determinados à revelia da sensibilidade
nome, mas se este for preciso deve reunir em si umbanda e motivação humana, assim como da sua verdade
e quimbanda, conforme a condensação proposta depois subjetiva seriam categorias e qualificativos inadequados
de muitos anos de interlocução, emitida uma só vez por e incabíveis, não propriamente por uma negação da sua
“Seu” Agnaldo: “umbandoquim, as duas em uma só”. Este validade, mas pela constatação da sua inaplicabilidade
contínuo não se dá em primeiro lugar e principalmente e impertinência neste contexto. A ideia de uma sujeição
na forma do rito exterior. A passagem entre uma e outra retórica a dicotomias como bem e mal, pretensamente
ocorre no coração da vivência e é da ordem da escolha. excludente de outras concepções de moralidade, não
Na umbanda haveria uma concepção da natureza que é válida neste campo e, portanto, não lhe é aplicável o
se propõe como uma estética e uma ação “correta”, ao atributo de amoralidade com que por vezes se brindam
modo da pedra que é dura, firme, justa; a erva que cura, esses cultos, derivado de projeções e fantasias de
é medicinal; a água que limpa; a mata que protege, provê observadores externos aos quais escapou a sua lógica
etc. . . . No interjogo com a quimbanda, o humano dá o interna.

Umbanda and Quimbanda: black alternative to white morality

Abstract: Quimbanda is an African-Brazilian religious modality generally presented as a mere ethical and moral
inversion of Umbanda that has been preserved through rituals made with spiritual entities that supposedly contest
or reverse the prevailing morality. In this study, we followed rituals and collected interviews with priests in African-
Brazilian religious communities, aiming to verify if there really is influence of an ethical standard from the surrounding
society that could have moderated or modified subjacent African conceptions. Contrary to analyses that implicitly
assume African-Brazilian cults as subjected to a single conception of morality, we found that the sacred experience
involving Quimbanda and Umbanda is not attached to the prevailing morality, and that none of its manifestations
can be properly described as amoral.

Keywords: African-Brazilian cults, ethnopsychology, psychology and religion.

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Umbanda et Quimbanda: une alternative noir à la moralité blanche

Résumé: Le Quimbanda, une modalité de secte afro-brésilienne généralement présenté comme une simple inversion éthique et
morale d’Umbanda, conservé dans les rituels avec des entités spirituelles qui sont supposés contester ou inverser l’ordre moral
actuelle. Dans cette étude, ces rituels ont été suivis et les témoignages de prêtres ont été recueillis dans des communautés
religieuses afro-brésiliennes, afin de vérifier si, en effet, il y a une pression exercée par les normes éthiques et religieuses de la
société environnante qui pouvait modérer ou modifier les conceptions africaines sous-jacentes. Contrairement aux analyses qui
supposent implicitement la subordination des sectes afro-brésiliens à une seule conception de la moralité, on a été constaté
que l’expérience du sacré impliquée dans le Quimbanda et l’Umbanda n’est pas liée à cette moralité actuelle, et qu’aucune de
ses manifestations peut être correctement décrit comme immorale.

Mots-clés: sectes afro-brésiliennes, ethnopsychologie, psychologie et religion.

Umbanda y Quimbanda: una alternativa negra a la moral branca

Resumen: La Quimbanda, modalidad de culto afrobrasileño y que generalmente se presenta como una mera inversión ético-
moral de la Umbanda, conservó sus rituales con entidades espirituales que supuestamente invierten el orden moral vigente
o lo contestan. En este estudio se acompañaron estos rituales y se recogieron declaraciones de sacerdotes en comunidades
religiosas afrobrasileñas, con el objetivo de revisar si y en qué medida las presiones ejercidas por patrones ético-religiosos de
la sociedad circundante podrían haber moderado o modificado las concepciones africanas subyacentes. Al contrario de los
análisis que implícitamente presuponen la subordinación de los cultos afrobrasileños a una única concepción de moralidad,
se encontró que la experiencia de lo sagrado involucrada en la Quimbanda y en la Umbanda no se vincula a esta moralidad
vigente, y que ninguna de sus manifestaciones puede ser correctamente descrita como amoral.

Palabras clave: cultos afrobrasileños, etnopsicología, psicología y religión.

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