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Capítulo I – Cinco corolários como

introdução.
1 - O direito como unidade de ordenação e localização

No início do primeiro capítulo, Carl Schmidt apresenta a


fundamentação histórica do uso da palavra nomos em seu trabalho. Ele parte
do pressuposto que a terra é a origem do direito. Por meio da terra o homem
obtém, em justa medida, o fruto do seu trabalho. Na terra, o homem, através as
suas intervenções na natureza, demarca e circunscreve os limites do seu
cultivo. Pelas ordenações e localizações feitas pelo homem, se observa na
terra o tipo de domínio exercido em cada local.
Diferenciando esta justiça da terra com o espaço marítimo, afirma que
tal justiça não ocorre no mar. Pois não há nas águas o cultivar, por
conseguinte, não há demarcações de trabalho realizado, portanto nem de
propriedade visível. Por isso, ao considerar a terra como origem do direito, na
mesma via, pode-se dizer que o mar é livre ou que nele não há lei.
A justiça da terra é a medida primeira, que vale para todas as medidas
posteriores. Assim, os impérios que dominam o mar, tem no direito da terra a
referência jurídica para a divisão do mar.
Não só isso, toda a relação de divisão da terra ou forma de uso da
terra, pós tomada de terra, é fundada no ato originário de tomada da terra.
Desse primeiro ato de tomada da terra, decorre toda a legislação que o homem
venha desenvolver sobre o território dominado.
A tomada de terra para os homem exterior ao domínio, define o direito
público, o império, a dominação de todos os que pertencem ao grupo que ali se
estabeleceu. A tomada de terra para os insiders, representa o direito privado à
terra. Porém, este último se divide em dois: o direito privado conquistado pela
tomada de uma terra livre. E o direito privado estabelecido pela sujeição à
aquele reconhecidamente (e juridicamente) dono da terra, através de cessão
ou aquisição.
O autor segue o seu histórico para focar nas tomadas do mar e dos
problemas jurídicos que esta nova dominação trouxe. Exemplifica que a partir
do século XVI, as grandes nações europeias, inclinaram-se ao estabelecimento
de jurisdições no mar, tendo a Inglaterra como vanguarda neste tipo de
domínio. Desta maneira um novo domínio espacial originou uma nova forma de
relacionamento com outras nações.

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Atualmente, a ordem global exibe as cercanias do mar, como fora com
a terra. E assim, como na época dos “descobrimentos”, vemos hoje outra
expansão espacial; o domínio do o ar.

2. O direito das gentes pré-global.

Nesta parte, Schmidt aponta as mudanças na forma de pensar a


divisão do mundo e como se dava o relacionamento entre nações, na questão
da terra. Compara que na antiguidade e no período dos grandes impérios, a
mentalidade dos povos sobre a Terra era exclusivamente mítica ou centrada
naquilo que cada nação acreditava ser o mundo, geralmente cada povo
considera sua nação o centro da Terra.
Não havia inter-relações com outros povos, no sentido de considerá-los
também uma nação, um povo, enfim, mais uma cultura no mundo. Em relação
aos povos os estrangeiros, quando não havia uma acordo de paz, eram
ameaça ou potencial território a ser dominado.
Por isso, não havia uma visão global de nações. O domínio dos
territórios não se dava segundo o direito reconhecido pelos diferentes povos,
mas sim, cada um segundo suas próprias concepções agiam livremente na
Terra.
Mesmo assim, há registros de acordos e uma espécie de
reconhecimento de fronteiras em vários impérios, desde a Antiguidade. Esses
acordos sinalizam o que, no século XV, após o desenvolvimento da geografia e
medições da Terra, será o direito das gentes, um direito internacional, porém à
época, ainda incompleto.

3. Observações sobre o direito das gentes da Idade Média e


Cristã.

Ainda sobre as bases históricas: durante a Idade Média, na Europa, foi


criada a Respublica Christiana e o Populus Crhistianus. As ordenações e
localizações eram determinadas pelos nomos redigidos pelos papas e assim
separavam os solos chamados cristãos dos não-cristãos. Para estes últimos
havia o imperativo de ser conquistados. Um espécie de ordem pré-global
interestatal.
Mesmo dentro dessa “ordem papal”, havia guerras no interior da
Respublica Christianis, entre os principados. Contudo, essas guerras eram
diferentes daquelas contra povos pagãos. As primeiras ocorriam sem quebrar a
ordem estatal maior; por isso o caráter pré-global de direito internacional. Já as

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últimas tinham a intenção de anexar à ordem estatal cristã os povos
conquistados, sendo para isso inclusive justificadas pelo papado, chamadas de
guerras santas.
Esse poder ordenador era garantido pela compreensão de que a
unidade do império romano garantiria a paz (na luta contra o mal), sobretudo
ao deter o advento do Anticristo. A unidade do império centralizado Roma
representava este poderio. Enquanto se crê desta forma, Roma é “onipotente”
em suas decisões e reinvindicações para com os que estão sob o domínio
império.
Tal compreensão e necessidade de unidade é tão fundamental para a
Respublica Christiana que, por várias vezes, o papa foi deposto pelo
imperador, e também príncipes eram traídos pelos seus vassalos com a
aquiescência do papa, e mesmo assim a centralização em torno da Respublica
Christiana era mantida.

Império, Cesarismo, Tirania.

Com a expansão do domínio detentor do império, e o contato com


culturas não-cristãs, a visão da unidade para manutenção da paz e do império
sujeitou-se a algumas adaptações. Isso deu origem ao cesarismo, que aos
moldes do império cristão, criou, com as mesmas intenções da “potência
suprema”, uma forma de poder desligada de um reino ou coroa real.
O poder da Respublica Christiana inspirou o surgimento de um poder
tirano, que passou a ameaçar a própria sociedade, no sentido de que quebrava
a ordem do grande império cristão e passava agir de forma autônoma, não
reconhecendo qualquer poder superior ao tirano.
Aqui, segundo o autor, é posto fim ao direito das gentes da Europa
medieval e inaugurado uma ordem espacial diferente. O Estado, soberano, livre
e ilimitado para tomadas de terra no além-mar.

4. Sobre o significado da palavra nomos.

Nesta parte do capítulo, o autor esclarece o mal uso da palavra nomos,


em especial a sua tradução por lei, o que, segundo o próprio, descaracteriza e
se afasta do significado original do termo. Ele afirma que a palavra nomos tem
como significado fundamental, primeira medida. Porém ao longo dos anos,
perdeu esta forma e hoje se refere à coisas de caráter normativistas.

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a) Nomos e Lei

Aqui reafirma, sob a análise do grego, o sentido real da palavra nomos.


Vê em Aristóteles a permanência da ideia inicial da palavra nomos. Não aquela
que se opõe à phisis, mas sim a que se refere à repartição originária do solo.
O mal uso da palavra nomos, não se dá, no entanto, apenas por
confusas traduções, mas também pelo uso arbitrário, no intuito de justificar
alguma forma de coação.
Nomos vem da mesma raiz de nemein, palavra que significa, dividir ou
ainda apascentar. Ou seja, uma forma de medida que parte o solo da Terra e
determina a ordenação dos povos.
Contudo, o positivismo legou até mesmo aos críticos do pensamento
de Comte, a tradução ou compreensão errônea da palavra nomos. Assim a
força de determinação ligada à substância (no caso a terra) da palavra, foi
perdida para o abstrato. Até hoje, seu uso se refere àquilo que expressa o
direito arbitrário do mais forte e não a força jurídica sem mediação das leis.

b) O nomos como senhor

A força jurídica do nomos, está justamente na ausência de uma lei que


o prescreve. O nomos é que dá legalidade à Lei. Ao criar um espaço e
circunscrevê-lo, o homem separa o profano do sagrado, e assim submete a
cercania à sua própria lei. Por isso nomos não deve estar distante das
designações de moradia.

c) Nomos em Homero

Em Homero sugere-se que o νοον grego, não seja o nous, que se


refere a espírito. Isso porque, logo após o nous, fala-se de cidades, e isso
caracterizaria que Ulisses experimentou o espirito das cidades, a mentalidade
daquelas. Isso não faz sentido até antes dos primeiros trabalhos de psicologia
social. Portanto, é possível admitir que a passagem se refere à nomos, e desta
forma, o herói teria conhecido o nomos “das cidades de muitos homens”
(Odisseia I,3). Já que o nous, trata-se de algo pertencente a todos os homens;
e o nomos é característica e caracterizador das sociedades.

d) Nomos como evento fundamental que divide o espaço

Cada época traz uma nova circunscrição e com isso, nova ordenação
do espaço. Não obstante, a leitura do nomos, de forma à não associá-lo ao ato
originário constituinte e ordenador da Terra, engessa qualquer tipo de

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perspectiva futura nas sociedades, não há fenômenos, transformações; um
cárcere ideológico pelo passado.

5. A tomada da terra como evento constituinte do direito das


gentes.
A tomada de terra, mesmo após o domínio das dimensões do mar e do
espaço aéreo, ainda permanece sendo determinante quanto ordem espacial do
direito das gentes.

Contudo há dois sentidos para tomada de terra: o primeiro é a tomada


de terra que ocorre dentro da ordem geral do direito das gentes, previamente
instituído. O segundo é a tomada de terra que funda um novo nomos no meio
de povos já existentes, que apesar da violência, sua força jurídica não reside
na violência em si, mas sim nas modificações do que havia outra no lugar
tomado.
A história e a filosofia do direito, infelizmente e, arbitrariamente, só
consideram atos jurídicos aqueles que se exercem dentro de uma legalidade
estabelecida. E classificam eventos de fundação de nova ordem, como não
jurídicos.

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Capítulo II – A tomada da terra em
um novo mundo.
1. As primeiras linhas globais: da raya, passando pela amity
line, até a linha do hemisfério ocidental.
No segundo capítulo, o autor falar do período das expansões
marítimas, quando as nações passam a ter uma inicial ideia de direito
internacional. Carl, Schmidt, enfatiza que logo após o descobrimento das
Américas e, por consequência, o nascimento de uma nova consciência
espacial do mundo, a Europa inclinou-se a medir, dividir e ordenar o Novo
Mundo.

Para isso, as ciências de medição tiveram a Europa como referência


para o que o autor chama de concepção de linhas globais. A geografia e
matemática perdem sua isenção de ciências naturais neste momento e
tornam-se ferramentas políticas para o domínio do mundo.
O autor exemplifica as chamadas linhas globais, a começar pelo
tratado de Tordesilhas, e segue analisando cada uma das linhas traçadas no
período através de acordos entre nações. Segundo, Schmidt, cada linha global
estabelecida uma possui uma singularidade histórica e particularidades
políticas.
1. As rayas hispânico-portuguesas dividiam as regiões onde
missões cristãs deveriam ser feitas e, ao realiza-las, as terras poderia ser
ocupadas.

2. As linhas de amizade entre as nações Europeias, serviam para


demarcar os limites jurídicos para a guerra e o espaço para luta. Fora dessas
“linhas” não há uma instância arbitrária comum. O “além das linhas” denota a
afirmação da selvageria do homem, quando da ausência de leis, este se
encontra em “estado de natureza”. Isso dá localização aos trabalhos de
Thomas Hobbes, onde afirma homo homini lupus. O espaço delimitado livre se
opõe ao direito antigo. Agora o direito pertence ao local onde se está e não à
uma legislação universal.

3. A linha global do hemisfério ocidental. Esta linha marca as


guerras de independência do Novo Mundo frente à Europa e, também, os
questionamento dos direitos das gentes centrados na mentalidade europeia,
quando então surge uma nova concepção de guerra na história mundial.

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2. A justificação da tomada da terra em um novo mundo
(Francisco de Vitoria)

Carl Schmdit apresenta várias discussões entre teóricos da filosofia do


direito e também teólogos que, por resquício da Idade Média, tinham poder
argumentativo sobre lei e moral, ao analisar as tomadas de terra no Novo
Mundo.
O autor levanta duas perspectivas da época: De um lado, atribuíam aos
povos que viviam nas Américas o caráter de humanos, apesar de tão
diferentes. Por outro lado, consideravam uma terra de bárbaros a serem
(naturalmente) subjugados. Terra de práticas pagãs e demoníacas cujos
costumes deveriam ser eliminados. Isso fomentou a justificação do domínio,
mesmo que com o uso da força e foi visão vencedora na história.
Daí surgiu a posição dialética do humano contra o inumado, ou ainda,
do supra-humano em oposição ao sub-humano. Caracterizando ainda mais o
abismo ideológico, não mais cristão, mas agora filosófico-humanista entre
Europa e o Novo Mundo. Um novo tipo de bárbaro foi encontrado e precisa ser
dirigido.
O autor faz um detalhamento extenso das discussões acerca das
legitimidades e ilegitimidades dos argumentos de pensadores, especialmente
Francisco de Vitoria, para a justificação da tomada de terra no Novo Mundo. E
esse dirigir os povos do Novo Mundo fora justificado de forma não histórica ou
ainda ignorando-se argumentos históricos, baseando-se em argumentações
pontuais para criação de regras gerais, tais como: Se os povos dominados não
aceitam as missões livremente e nem permitem o direito à livre propriedade, o
que a Europa faz de bom grado, portanto está justificada a guerra.
A justificativa para a dominação do Novo Mundo ainda gerou um
problema para a Europa católica, sobretudo para a Espanha. Nações
protestante passaram a usar os mesmos argumentos para tomar terras já
“conquistadas”, o que acarretou em guerras comerciais entre europeus.
A discussão do período dos Descobrimentos influenciou inclusive o
período pós-Primeira Guerra Mundial. Naquele momento, especialmente os
Estados Unidos, revisitavam os teólogos espanhóis, buscando fonte
argumentativas para justificar o “neoimperialismo”.
O autor chama a atenção para o fato de que, apesar de inspirado nos
direitos das gentes medieval, o mais recente direito das gentes não é mais
pautado na moral cristã, mas é a soberania dos Estados em igualdade de
direitos, que passam a ser o fator determinante para a justificativa da guerra. A
justa causa que justificava uma guerra onde havia igualdade de direitos entre

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os declarados inimigos, deixa a história; é a substituição do direito
eclesiástico-teológico pelo direito jurídico-estatal.
O Estado, soberano, não reconhece mais nenhum inimigo que seja
justo (na perspectiva do direito) contra quem pode fazer guerra. Nem mesmo
organizações criminosas, quando combatidas pelo Estado, geram conflitos
bélicos. Estes problemas são internos, nem mesmo se assemelham às faidas
medievais. São classificados como medidas contra elementos perturbadores da
sociedade.

3. Títulos Jurídicos legais da tomada de terra em um novo


mundo (descobrimento e ocupação).

a) A nova ordem territorial “Estado”.

A partir do Século XVI, os argumentos teológicos-morais não tem mais


voz nas discussões estatais. O direito é regido pelo direito do Estado territorial
soberano. Isso elimina a circunscrição da guerra e sustenta uma nova ordem
espacial. O Estado é fechado em si, dividido em unidades políticas, que já não
tem privilégios de umas sobre as outras, é o fim das guerras civis; O Estado
centraliza todo o poder.

b) Ocupação e descobrimento como títulos jurídicos da tomada da


terra.

Ocupação e descobrimento não são títulos jurídicos autênticos para a


tomada da terra, mas foram usados em determinada situação histórica para
que, vinculado a aquele momento, pudesse ser reconhecida a dominação
europeia no Novo Mundo. A nova ordem é pautada num ponto de vista que
garante ser descobridor, aquele que é capaz de entender o outro e modifica-lo.

c) A ciência jurídica diante da tomada de um mundo novo, em especial


Groutis e Pufendorf.

Após negar os posicionamentos teológicos-morais da Idade Média, a


ciência jurídica tomou duas direções:
A primeira, filosófica, buscou um sistema de pensamento independente
do Estado, algo que remontasse o potestas spiritualis, a partir de uma base
intelectual.
A segunda, positivista, buscou dar suporte ao Estado, encarregada de
uma função de legalidade do mero status quo fixados em tratados estatais.

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