Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PUC-SP
São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica De São Paulo
PUC-SP
São Paulo
2019
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Às(aos) educadoras(es) e jovens do Colégio. Sem a generosa abertura de compartilharem
comigo suas práticas, crenças e valores, esta pesquisa não se realizaria.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior- Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
AGRADECIMENTOS
_________________________________________________
Tecendo a Manhã.
João Cabral de Melo Neto
Um galo só não tece um amanhã! Esta certeza cada vez mais se sedimenta em mim. Para
tecermos um amanhã mais justo e igualitário, marcado pela solidariedade, precisamos unir os
gritos de vários galos. Gritos que sejam capazes de se entretender, como nos conta o poeta. E
como é bom descobrirmos que não gritamos sozinhas! Aos vários galos que estiveram comigo
na caminhada do doutorado, apanhando os meus gritos e lançando-os a outros, cruzando os fios
do amanhã, meus sinceros agradecimentos:
_ em especial à professora Ana Mercês Bahia Bock, muito mais que uma orientadora, uma
pessoa querida que aprendi a admirar e a respeitar. Uma amiga que fiz nesta caminhada;
_ aos professores Antonio Carlos Caruso Ronca, Branca Jurema Ponce, Albertina Mitjáns e
Maria da Graça Setton, por terem aceito o convite para participar da banca de qualificação
e defesa;
_ às professoras Maria da Graça Marchino Gonçalves e Teresa Cristina Rego, por terem aceito
o convite para serem suplentes na banca de defesa;
_ aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da
Educação (PED), pelas aulas que alimentaram, cada vez mais, esta minha busca por
conhecimento, em especial às professoras Wanda Ma Junqueira de Aguiar (Ia); Mitsuko
Aparecida Makino Antunes (Mimi), Marli Eliza Dalmazo André e Laurizete Ferragut
Passos, e às professores Marli e Laurizete, pela oportunidade de participar de atividades
como a tutoria, a monitoria e a organização de eventos acadêmicos no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores (FORMEP), que tanto
enriqueceram o meu fazer na docência e na pesquisa;
_ à minha querida “Quadrilha de Doutorandos”, uma das descobertas maravilhosas desta
caminhada no doutorado. Um encontro que começou com a brincadeira do French Group e
que se fortaleceu em uma amizade sólida, para além das várias atividades acadêmicas
compartilhadas. Obrigada por ouvirem meus “gritos”, pelos encontros repletos de afetos,
pelas risadas gostosas, pela acolhida em suas casas, pelas produções realizadas e por
ajudarem a acalentar a esperança em uma educação crítica e transformadora. Cada uma(um)
de vocês é e será sempre especial para mim: Adriana Teixeira Reis, Lisandra Marisa
Príncepe, Luane Neves Santos, Nayana Cristina Gomes Teles, Rodnei Pereira, Rodrigo
Toledo e Solange Alves Perdigão;
_ à Luane, minha companheira de “viagem”, pela amizade, pelo carinho, pelas confidências,
pela leitura crítica deste trabalho e por nossas produções;
_ às(aos) colegas que iniciaram esta jornada do doutorado comigo (Gabriel, Gabriela, Karin,
Karina, Luciana, Selma, além de Adriana, Luane e Rodrigo), pela convivência rica em
afetos e aprendizagens;
_ às(aos) companheiras(os) do Grupo de Pesquisa DSigual e do PROCAD, por nossos
encontros enriquecedores;
_ ao Edson e ao Humberto, secretários do PED e do FORMEP, pela atenção, pela ajuda e
pelo carinho com que sempre atendem às nossas solicitações;
_ à Lourdinha, amiga de longa data, pela ajuda em alguns tropeços com as crases, as vírgulas,
os nestes, os destes....;
_ às “meninas” do pensionato, em especial à Marta e à Leila, pelo carinho e acolhida em São
Paulo;
_ à Direção das Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ) e às(aos) colegas do curso de
Pedagogia, pela liberação em algumas atividades docentes e pelas substituições realizadas,
e às(aos) minhas(meus) alunas(os) do curso de Pedagogia, por alimentarem minha
esperança em uma educação de qualidade social;
_ ao meu esposo Fernando, pelo seu apoio incondicional, e aos meus filhos Carlos Leonardo
e Fernando Antonio, por serem tão especiais em minha vida.
Inequality is a violation of human dignity; it is a
denial of the possibility for everybody’s human
capabilities to develop. It takes many forms, and it
has many effects: premature death, ill-health,
humiliation, subjection, discrimination, exclusion
from knowledge or from mainstream social life,
poverty, powerlessness, stress, insecurity, anxiety,
lack of self-confidence and of pride in oneself, and
exclusion from opportunities and life-chances.
Inequality, then, is not just about the size of our
wallets. It is a socio-culture order, which (for most
of us) reduces our capabilities to function as human
beings, our health, our self-respect, our sense of self,
as well as our resources to act and participate in
this world.
Therborn, 2013
KULNIG, Rita de Cássia Mitleg. The subjective dimension of social inequality in the
schooling process of elites: a study on school practices in secondary education. 2018. Tese
(Doutorado em Educação: Psicologia da Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo: 2018.
Social inequality, one of the major problems of Brazilian society, is a complex and multifaceted
phenomenon involving several dimensions of our daily life, with diverse impacts on our social
structure and on the constitution of our subjectivities. Although it is not taken as an object of
study, but as a background, as one of the explanatory factors of the psychological phenomena
in many of the perspectives in the field of Psychology, the reading that the Socio-Historical
perspective makes of this phenomenon differs from the others. For PSH it is important to
deepen the knowledge about the subjectivity that underpins social inequality, giving visibility
to the elements that characterize its subjective dimension, aiming to deepen the knowledge
about the subjectivity that sustains this social phenomenon. It is in this field that this study
sought to insert itself by proposing to give visibility to the subjective dimension of social
inequality in the schooling process of the elites through the study of school practices carried
out in the segment of High School in a school located in the RM of Greater Vitória / ES and
focusing on the following questions: how is the issue of social inequality presented and
signified in the institutional documents that guide these practices? How is it presented and
worked on in these practices? How do educators mean working on this theme from and in
practice? How do students signify social inequality from and in practice? The analysis of the
data produced through strategies such as conversation, participant observation and
documentary analysis indicate, in the institution's Educational Project, the openness to address,
in a critical way, the issue of social inequality. However, the observed practices that implied
the social insertion of young people presented a more charitable and philanthropic character,
with a greater focus on the inequalities of resources. It is concluded that the practices promoted
can mean a perpetuation of the status quo if the young person does not allow the political
perception of poverty and inequality as a result of a relationship of domination. In this sense,
school practices can contribute to transmuting differences in inequalities. It is important to
include, in the processes of initial and continuing teacher training, the development of critical
competence on social issues.
Figura 1 – Plano piloto do Núcleo Residencial de Pilar – Caraíba Metais/Jaguarari (BA). .... 18
Figura 2 – Fachada de residência padrão superior N2B destinada a chefia de setor e
funcionário de nível superior – Núcleo Residencial Pilar (Caraíba/Jaguarari/BA). ........ 19
Figura 3 – Detalhe da fachada de residência de nível inferior N5 destinada a ajudantes de
operação com a parte superior da porta aberta – Núcleo Residencial Pilar
(Caraíba/Jaguarari/BA). ................................................................................................... 20
Figura 4 – Fachada de residências padrão inferior e médio – Núcleo Residencial Pilar
(Caraíba/Jaguarari/BA). ................................................................................................... 21
Figura 5 – Vista panorâmica do Núcleo Residencial de Carajás – Parauapebas/PA. .............. 23
Figura 6 – Vista da fachada de quatro padrões de residências – Núcleo Urbano de Carajás
(Parauapebas/PA). ............................................................................................................ 24
Figura 7 – Brasil – Desigualdades medidas pelos índices de Gini da renda total, pela
proporção de domicílios em situação de pobreza, pela proporção de renda nacional
recebida pelos 40% mais pobres e pelo 1% mais rico – 1976-2015. ............................... 50
Figura 8 – Brasil – Níveis de renda domiciliar per capita médios, por decil (em R$) – 2015. 52
Figura 9 – Print de tela da primeira página de uma das transcrições das conversações. ......... 97
Figura 10 – Print de tela de parte de um dos quadros de indicadores elaborados para cada
conversação realizada. ..................................................................................................... 97
Figura 11 – Print de tela de parte de quadro elaborado na etapa de construção dos núcleos de
significação. ..................................................................................................................... 99
Figura 12 – Print de tela de parte do quadro construído com identificação de trechos dos
documentos contendo os termos-pivô ............................................................................ 100
Figura 13- Print de tela de parte de quadro construído para elaboração dos núcleos de
significação relacionados aos documentos institucionais .............................................. 101
Figura 14 – IDHM da RM da Grande Vitória/ES – 2010. ..................................................... 105
Figura 15 – Massa de riqueza das famílias ricas por município capixaba – Espírito Santo,
2000................................................................................................................................ 107
Figura 16 – Distribuição das escolas de Ensinos Fundamental e Médio do Espírito Santo por
grupo socioeconômico. .................................................................................................. 108
Figura 17 – Distribuição percentual das residências dos alunos que participaram das
conversações de acordo com o IDHM dos bairros onde se situam................................ 114
Figura 18 – Distribuição percentual dos jovens por curso escolhido após o término do Ensino
Médio. ............................................................................................................................ 115
LISTA DE QUADROS
Minayo, 1988
Se cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam (BOFF,
1998), de início, acredito ser importante apresentar ao leitor deste relatório o chão pisado por
mim, chão esse que pode ser considerado um dos elementos que constituiu as escolhas feitas
neste estudo, entre elas, a de tomar a desigualdade social como sua temática central.
Na tentativa de explicitar as razões dessa escolha, faço um mergulho em minha história.
Trago à memória os caminhos que me movimentam e em que me movimento, entrelaçando as
experiências1 que ao passarem por mim, deixaram-me marcas, produziram conhecimentos,
mudanças e inquietações.
E como um bricoleur, juntando os fragmentos das memórias dessas experiências,
exponho aqui o esforço de traduzi-las em palavras, construindo uma narrativa que, ao ser tecida,
possibilitou-me parar para olhar, escutar e sentir os detalhes que constituíram o entrelaçamento
das temáticas da desigualdade social e do processo de escolarização das elites em minhas
vivências pessoal e profissional, bem como neste estudo.
Graduei-me em Pedagogia no início dos anos 80. Neste mesmo período, casei-me e fui
morar no interior da Bahia onde meu esposo trabalhava em uma empresa mineradora. Fomos
residir em uma vila residencial situada no coração do sertão baiano, entre as cidades de Senhor
do Bonfim e Juazeiro. Uma vila construída por uma empresa mineradora estatal, a Caraíba
Metais, planejada pelo arquiteto e urbanista Joaquim Guedes. Um fato marcou-me
profundamente ao chegar nessa vila residencial: as janelas das casas!
O Núcleo Residencial de Pilar, assim era chamada a vila residencial, destacava-se de
outros vilarejos e cidades circunvizinhas por suas ruas pavimentadas, pelo serviço de
saneamento básico, pelos equipamentos comunitários, entre outros aspectos que compunham
sua infraestrutura.
O arquiteto, ao planejar a vila residencial da Caraíba (Figura 1), apesar de reconhecer
que “[...] projetar uma cidade mineira sem classes é ilusório, ingênuo e anti-histórico em nossa
Bierrenbach (2007, não paginado) explica que, ao planejar as casas de nível superior
sem janelas voltadas para a fachada frontal, o arquiteto utilizou como justificativa o desejo da
“[...] minoria melhor remunerada [ter] [...] residências isoladas com amplos jardins, distantes
dos demais funcionários, sem contato com o bairro operário”.
De fato, ao entrarmos em casa (eu morava em uma dessas casas de nível superior) não
tínhamos mais contato com o “mundo exterior”. Todos os cômodos da casa eram voltados para
um grande jardim interno, o que compensava a falta de janelas para o exterior e,
consequentemente, isolávamo-nos dos acontecimentos externos mesmo que não tivéssemos
essa intenção.
20
fazer uso das vagas públicas, o que era motivo de queixas constantes destes.
Figura 4 – Fachada de residências padrão inferior e médio – Núcleo Residencial Pilar (Caraíba/Jaguarari/BA).
A relação entre o padrão de moradia e a renda de seus moradores não era novidade para
mim. Nas cidades, percebemos esta distinção entre os bairros ditos “nobres” e os bairros ditos
de “periferia”. Por que, então, esta questão suscitava-me tantos questionamentos?
Apesar da participação em algumas atividades educacionais e beneficentes em
comunidades de “periferia”, decorrentes tanto dos estágios curriculares do curso de pedagogia
quanto do envolvimento em atividades ligadas à Igreja Católica, cresci em um bairro “nobre”
na cidade de Vitória, no estado do Espírito Santo (ES), circulando, a maior parte do tempo,
entre outros bairros de classe média, classe média alta.
Esta distinção, tão presente em meu cotidiano no núcleo residencial, não se fazia tão
presente em meu cotidiano em Vitória, onde os bairros “periféricos” situam-se do “outro lado”
da ilha, ou em alguns morros, “acima” de nosso campo de visão quando circulamos pela cidade
de carro. Como diz o ditado popular, “o que os olhos não veem o coração não sente”!
22
Porém, naquela vila, as janelas das casas estavam ali, escancaradas, despudoradas,
emoldurando o meu trajeto diário de casa para o trabalho, e do trabalho para casa, a me
questionar. Não tinha como “fechá-las”, “varrê-las para debaixo do tapete”!
Era justo o critério utilizado para a distribuição das casas naquela vila? Por que o número
de pessoas da família não poderia ser considerado um critério para essa distribuição? Se as
casas seguiam o padrão arquitetônico da região, com portas e janelas diretamente sobre a
calçada, por que as casas de nível superior teriam que quebrar tão drasticamente esse padrão?
Se não pagávamos um aluguel para morar naquelas casas e considerando o fato de a empresa
ser estatal, por que tanta distinção nas moradias se todas haviam sido construídas com dinheiro
público? Se não eram somente os funcionários do escalão superior que possuíam carros, por
que somente eles poderiam ter o privilégio de terem vagas privativas, uma vez que o problema
não era a questão de espaço?
Não tinha respostas prontas, nem definitivas, para estas questões. Entretanto, as janelas
continuavam lá, escancaradas a me questionar!
Antes de me mudar para esta vila, fui aprovada em um concurso público realizado pelo
governo do Estado para provimento de vagas na área educacional. Assim, quando cheguei para
morar no Núcleo Residencial Pilar, comecei a trabalhar na escola de Ensino Fundamental e
Médio que havia sido inaugurada no ano anterior. Além dessa escola, o Estado também era
responsável pela gestão de uma outra unidade escolar que atendia ao segmento da educação
infantil. A partir de uma parceria com o governo estadual, a empresa mineradora,
complementava o salário dos professores dessas duas escolas, e também fornecia material,
manutenção predial e apoio logístico.
Apesar desse apoio, algumas esposas de funcionários do alto escalão da companhia
estavam insatisfeitas com a qualidade do ensino ofertada nessas duas escolas. A solução dada
pela mineradora foi entregar os outros dois prédios escolares que estavam sendo concluídos
para a iniciativa privada. Foram inauguradas mais duas escolas, uma de Educação Infantil e
outra de Ensino Fundamental/Médio, sendo que a mantenedora de uma delas era a empresa que
administrava o Núcleo Residencial, ligada à mineradora, e a outra foi a esposa de um
funcionário do escalão superior que assumiu. Não acompanhei o processo de criação dessas
escolas, pois, ao mudar-me para a vila, elas já estavam funcionando.
As quatro escolas não tinham muita diferenciação em relação à estrutura física. Também
não havia tanta diferenciação em relação às credenciais do corpo docente. Em alguns casos,
especialmente a partir do 6o ano, os professores trabalhavam nas duas instituições. Como a
23
mineradora mantinha uma parceria com o Estado, os recursos materiais disponíveis nas escolas
também não eram muito diferenciados.
A grande diferença entre as escolas estava no público a quem elas se destinavam. As
escolas públicas eram frequentadas pelas crianças e jovens moradores das casas com janelas. E
as escolas privadas, pelas crianças e jovens moradores das casas sem janela. Essa divisão era
um incômodo muito grande para mim. As janelas continuavam lá, escancaradas, a me
questionar!
Por que não seria possível oferecer uma educação de qualidade em uma escola pública?
Qual a necessidade de ter uma escola para os “filhos dos engenheiros” e outra para os “filhos
dos operários”? O currículo dessas duas escolas não era o mesmo? Desconfiava de algumas
respostas. Não sabia de outras.
Do sertão baiano, fomos para o Pará, para a região da floresta amazônica. Lá, também
fomos morar em uma cidade-empresa planejada pelo mesmo arquiteto, Joaquim Guedes, porém
construída pela mineradora Companhia Vale do Rio Doce (Figura 5).
Figura 5 – Vista panorâmica do Núcleo Residencial de Carajás – Parauapebas/PA.
Fonte: <http://realidadeurbanas.blogspot.com.br/2012/01/company-towns-na-amazonia.html>.
Fonte: <https://logbooksgblog.wordpress.com/2016/11/18/cidade-modelo-nucleo-urbano-de-carajas/>.
Em relação ao sistema educacional, outra mudança: existia apenas uma única escola que
oferecia todos os segmentos da educação básica. Essa escola, que ficava situada no coração da
vila, era subsidiada pela companhia que contratava uma empresa educacional de renome
nacional para fazer sua gestão. Uma escola privada que atendia a todos os dependentes dos
funcionários sem custos adicionais para estes.
25
Minhas primeiras impressões ao chegar àquela vila foram de que as janelas não mais
me incomodariam. Porém, quando comecei a trabalhar na escola, fui percebendo que as janelas
da Caraíba, em Carajás, ganhavam outras formas!
A constituição das turmas era feita com base no desempenho acadêmico dos alunos. A
demanda dos professores era por uma enturmação o mais homogênea possível, alegando que
desta forma o trabalho seria muito mais produtivo. Poderiam atender com mais especificidade
às necessidades dos alunos, não “segurando” aqueles que tinham facilidade de aprendizagem,
tampouco “deixando para trás” aqueles que tinham mais dificuldades. A narrativa era que
formando turmas mais homogêneas estaríamos respeitando as individualidades de cada um.
A proposta me parecia justa. Porém, os resultados não apontaram nesta direção. Na
prática, o que vivenciamos foi que as turmas compostas pelos alunos com “mais facilidade”
avançavam, cumpriam a proposta para a série e, em muitos casos, a extrapolavam. Já o mesmo
não acontecia com as turmas compostas pelos “alunos mais fracos” que, não raras às vezes,
chegavam ao final do ano letivo sem conseguir cumprir o programa proposto para a série.
No lugar de encurtarmos as diferenças de aprendizagem entre os alunos, aumentávamos
essas diferenças. Como também aumentávamos as distinções entre eles. A despeito de todo o
esforço da equipe de professores para não rotular as turmas, a comunidade sabia quais eram as
turmas “fortes” e “fracas”.
As turmas “fracas” eram compostas pelos filhos dos operários, e as turmas “fortes”,
pelos filhos dos funcionários dos escalões superiores. Lógico que havia algumas exceções na
composição dessas turmas. E uma dessas exceções causava-me um grande incômodo! Quando
acontecia de um aluno “mais fraco” ser filho de algum funcionário do escalão superior, a equipe
de professores acabava justificando sua enturmação na turma “forte” para que ele não se
sentisse sozinho, pois entendiam que era importante para as crianças terem referências de
amigos nas turmas.
A distinção entre os alunos passava a ter outra roupagem naquela vila. Se não era mais
por conta da escola onde estudavam, já que a escola era única, a distinção era feita pelas turmas
que frequentavam. Se não havia mais escolas para públicos diferenciados, havia turmas para
públicos diferenciados.
Na tentativa de reverter este quadro, e motivada pela leitura de alguns trabalhos
publicados sobre a questão do fracasso escolar, propus aos professores criarmos um grupo de
estudo para aprofundarmos nossos conhecimentos sobre o assunto. Uma das consequências da
criação desse grupo foi a mudança dos critérios de enturmação utilizados. Queríamos, entre
outras coisas, quebrar o paradigma das turmas “fortes” e “fracas”.
26
Esta decisão não foi muito bem aceita por alguns pais das turmas “fortes”. Ao ouvirmos
suas queixas, no entanto, concluímos que a preocupação de muitos desses pais era “com quem”
os filhos estariam estudando e não necessariamente com o resultado da aprendizagem. Se antes
a comunidade fazia referência às turmas como “fortes” e “fracas”, agora as referências
passavam a ser “a turma do filho de fulano”.
Esta realidade suscitava-me vários questionamentos. Como atender aos interesses
distintos dos diferentes grupos sociais que atendíamos? Como compensar as desigualdades de
origem dos alunos, respeitando a diversidade e garantindo a aprendizagem de todos? Carajás
foi um aprendizado e um desafio no sentido de praticar uma educação pública (em um sentido
lato) e de qualidade para todos.
Se em Carajás tínhamos “a turma do filho de fulano”, em São Luís, encontro “a escola
dos filhos de ciclano”! Quando me mudei para o Maranhão, fui convidada para assumir a
direção de uma escola privada cuja mantenedora era um grupo educacional de projeção nacional
com unidades escolares em vários estados. Apesar de ter assumido a direção da escola de
Carajás por um período, esta nova experiência de gestão, em São Luís, tinha aspectos
diferenciados da anterior, pois teria que aliar à gestão dos processos educacionais e
administrativos, a gestão dos processos financeiros da unidade. Para alguém que não pensava
a educação “como um negócio”, este foi um senhor desafio!
“A escola dos filhos de ciclano” era considerada uma escola de prestígio na comunidade.
Apresentava bons resultados nos exames vestibulares locais e em outros estados, especialmente
na Região Sudeste. Embora não fosse uma escola com raízes na sociedade maranhense, como
era o caso de algumas de suas concorrentes, tinha em seu corpo discente alunos oriundos de
famílias bem tradicionais da cidade.
Além do desafio de ter que pensar a escola enquanto “negócio”, a passagem por esta
instituição possibilitou-me perceber que o “prestígio” desta não advinha apenas da qualidade
da sua proposta/trabalho pedagógicos, mas também da “qualidade” de seus alunos.
Retorno para Vitória no início de 2003. Neste mesmo ano, assumi o cargo de vice-
diretora educacional em uma escola privada situada na Região Metropolitana (RM) da Grande
Vitória, que, à similaridade da escola de São Luís, atendia a uma parcela da elite
econômica/política/intelectual da região e também pertencia a um grupo educacional com
projeção nacional. Porém, diferentemente daquela, era uma escola confessional2. Além da
2Caracteriza-se por seguir a “confissão” religiosa de uma determinada ordem religiosa ou congregação. Uma
escola confessional pode ser católica, presbiteriana, evangélica, etc. (BITTAR, 2010, não paginado, grifo da
autora)
27
preocupação com os resultados de aprovação de seus alunos nos exames seletivos para ingresso
no ensino superior, a escola também tinha um enfoque humanista e desenvolvia
atividades/programas de cunho social.
Uma situação em particular marcou-me logo quando cheguei à escola. O instituto
religioso mantinha uma obra social em um bairro “periférico” da cidade. Uma das atividades
sociais programadas para aquele ano foi a ida dos alunos a esta obra com o objetivo de promover
uma integração entre eles e as crianças da obra.
No dia posterior à atividade, a Orientadora Educacional procurou-me para contar, com
muito entusiasmo, que a atividade tinha sido um sucesso e destacou que os nossos alunos
haviam levado balas para as crianças. Chegando à instituição, com as crianças reunidas no pátio,
os nossos alunos jogaram as balas para o alto para que as crianças as pegassem. Foi um
alvoroço, as crianças corriam pelo pátio para pegar as balas que estavam sendo jogadas para
elas.
À medida que a Orientadora Educacional ia me relatando a atividade, vinham à minha
mente aquelas imagens, que vemos em noticiários ou filmes, em que a população se aglomera
para pegar alimentos que estão sendo distribuídos. Talvez essa associação de imagens tenha
sido exagerada. Poderia ter associado a descrição feita por ela com cenas de festas de
aniversário em que se estouram balões cheios de balas para que as crianças as peguem.
Exagerada ou não, o fato é que a cena de nossos alunos jogando as balas para as crianças tocou-
me profundamente!
A partir desta cena, comecei a refletir sobre a forma como estávamos conduzindo as
atividades de cunho social. Que tipo de relação estávamos incentivando nossos alunos
estabelecerem com o outro? O que nossos alunos aprendiam com atividades como aquela? Que
valores sustentavam aquele tipo de atividade? Que leituras os nossos alunos faziam da realidade
por meio de atividades daquela natureza? Esses questionamentos levantaram algumas pistas e
muitos outros questionamentos. Porém, nem todos respondidos.
Decido dedicar-me à formação de professores. Essa decisão leva-me ao mestrado em
Educação: Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
e encontro na disciplina-projeto “Dimensão subjetiva da desigualdade social: sua expressão na
escola” ecos para as várias “janelas”, “turmas fortes e fracas”, “escolas dos filhos de fulano e
ciclano”, “balas jogadas”, e tantas outras memórias vividas e não descritas nesta narrativa que
me questionam, me desafiam, me constituem como mulher, mãe e educadora e me movem à
busca de sentidos para o ato de educar. Educar para quê? É deste lugar que falo. E como afirma
Ribeiro (2017, p. 86),
28
[...] todas as pessoas possuem lugares de fala, pois estamos falando de localização
social. E, partir disso, é possível debater e refletir criticamente sobre os mais variados
temas presentes na sociedade. O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo
social privilegiado em termos de lócus social consigam enxergar as hierarquias
produzidas a partir desse lugar e como esse lugar impacta diretamente na constituição
de lugares de grupos subalternizados.
Se para o leitor talvez já esteja claro o porquê da escolha da desigualdade social como
temática central deste estudo, acredito que falta esclarecer o porquê estuda-la a partir do
processo de escolarização das elites. É o que me proponho fazer nas próximas linhas deste texto
introdutório.
Se me pedissem para apontar dois grandes consensos nacionais nos dias de hoje, em
primeiro lugar, apontaria que todos concordamos que vivemos em um país profundamente
marcado por desigualdades sociais. Esse é um consenso entre sociólogos e economistas
apontado por Scalon (2012, p. 11), que, embora possam divergir em alguns aspectos,
concordam ser a desigualdade social “[...] uma questão central em nosso país”.
Algumas manifestações desse fenômeno podem ser constatadas em relatórios
publicados pela Oxfam do Brasil3, nos anos de 2017 e 2018. Nesses relatórios, o Brasil continua
figurando entre os países que apresentam as maiores desigualdades econômicas, ocupando a 9a
posição em um ranking de mais de 180 países, apesar de ter apresentado, nas últimas duas
décadas, uma trajetória geral de redução da pobreza e de acesso a alguns serviços essenciais
garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos após a promulgação da Constituição
Federal de 1988.
Scalon (2012, p. 11) também aponta outra concordância entre os sociólogos e os
economistas em relação ao fenômeno da desigualdade social, a de que seu combate “[...] deve
ser prioridade na agenda das políticas públicas e sociais”.
Prioridade que é expressa em nossa Constituição em seu Artigo 3o, Inciso III, quando
este aponta a redução das desigualdades sociais como um dos objetivos fundamentais do Estado
(BRASIL, 1988) 4, possibilitando, desta forma, alcançarmos o que considero ser nosso segundo
3 A Oxfam é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em rede em mais de 90 países
como parte de um movimento global em prol de mudanças necessárias para construir um futuro livre da injustiça
da pobreza e das desigualdades. (Informação extraída do site oficial da Oxfam Brasil: https://www.oxfam.org.br,
acessado em 10 de outubro de 2017.
4 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
consenso nacional, também expresso em nossa Carta Magna e presente nos discursos de muitos
de nossos governantes: vivermos em um país democrático, mais justo e igualitário, marcado
pela solidariedade.
Porém, se me perguntassem qual é o nosso grande dissenso, eu diria: definir o que
entendemos por democracia, justiça, solidariedade e igualdade e que caminhos devemos
percorrer para alcançar este país tão almejado.
Tomemos a questão da desigualdade, Reis (2004, p. 38) explica que quando falamos de
desigualdade social estamos falando de um padrão de justiça distributiva, pois a noção de “[...]
igualdade e desigualdade social pressupõe referência a uma unidade, a uma identidade coletiva
ou a um todo no interior do qual ganham sentido julgamentos morais sobre critérios e padrões
distributivos”.
Esses parâmetros distributivos, frutos de uma definição do “[...] que é ou não aceitável
na distribuição de bens e recursos a partir de um código cultural compartilhado” (REIS, 2004,
p. 38), são uma construção histórica e cultural de uma dada sociedade, como nos explica a
socióloga. Para ela, é somente no campo das políticas que a sociedade explicita seu
entendimento de igualdade, pois ao definir uma política social, será necessário explicitar uma
igualdade em relação a quê.
Medeiros (2003) explica que as elites, em nossa sociedade, têm papel central nas
escolhas dessas políticas por ocuparem posições estratégicas e controlarem recursos. Ideia
reforçada por Pochmann et al (2005, p. 9), ao afirmarem que o não enfrentamento das
desigualdades sociais deve-se ao fato das camadas privilegiadas “[...] se comportarem e
permanecerem à margem da condição de apartação social brasileira”.
Ao apontar a influência mútua de riqueza e poder, Medeiros (2003, p. 8) ressalta que a
coincidência entre elites econômicas, políticas e sociais é tema recorrente nos estudos sobre a
temática das elites no Brasil.
Essa influência mútua de riqueza e poder apontada por Medeiros (2003) é evidenciada
em um dos relatórios divulgado pela Oxfam do Brasil (OXFAM, 2017), quando este aponta
que, em 2014, quase metade dos deputados da Câmara Federal tinham “[...] um patrimônio
30
superior a R$ 1 milhão, valor 17 vezes maior que a média de patrimônio per capita no Brasil”
(OXFAM, 2017, p. 70), sendo este o parlamento mais rico eleito nos últimos 15 anos.
E como essas elites significam igualdade? Como elas a justificam? Que padrão de
distribuição consideram justo ou aceitável? Estes questionamentos, segundo Reis (2004), são
importantes de serem respondidos, pois as significações dadas pelas elites a essas questões “[...]
informam sobre os limites e possibilidades da política social em uma dada sociedade” (REIS,
2004, p. 43). Neste sentido, entender a forma como as elites reagem, suas ações, ou mesmo suas
inações, analisar as características desses indivíduos que integram as camadas mais ricas da
sociedade, saber em que medida seus interesses se chocam com as necessidades das outras
camadas da população brasileira, são fatores importantes quando pretendemos compreender a
dinâmica das desigualdades sociais em nosso país (MEDEIROS, 2003; REIS, 2004; SOUZA,
J. 2015, 2017 ).
Desta forma, inspirando-me no estudo realizado por Reis (2004) sobre a percepção da
elite brasileira em relação à desigualdade social, pesquisei (KULNIG, 2010) 5, no mestrado, as
significações sobre a desigualdade social constituídas por jovens que estudavam em escolas
que atendiam uma classe economicamente favorecida na RM da Grande Vitória/ES. Jovens a
quem são destinados cargos de liderança em nossa sociedade, que serão, em muitos sentidos,
responsáveis por gerirem não só os recursos privados, como também os recursos públicos. Os
resultados encontrados nessa pesquisa realizada por mim corroboraram os achados da autora
em muitos aspectos, como exporei a seguir.
Em sua pesquisa, Reis (2004) aponta que para a elite brasileira não há um senso de
compromisso amplamente disseminado como sendo ela também responsável pelo
enfrentamento das desigualdades sociais, cabendo esta responsabilidade primordialmente ao
Estado. De forma semelhante, para a maior parte dos jovens participantes da pesquisa realizada
por mim, o governo foi apontado como responsável pelas desigualdades existentes no país
(KULNIG, 2010). Explicações que, como sinaliza Santos (2013, p. 150), “[...] apontam para
um modelo em que a dinâmica de produção da desigualdade é concebida alheia aos sujeitos, e
não como um processo engendrado coletivamente a partir de relações sociais determinadas”.
Reis (2004) também apresenta como resultado de sua pesquisa, que a elite brasileira
aponta, em primeiro lugar, como política prioritária para o enfrentamento das desigualdades
sociais, a promoção da Reforma Agrária, possibilitando, desta maneira, “[...] exportar dos
5A pesquisa foi realizada com 404 jovens que cursavam o ensino médio em cinco escolas privadas consideradas
de prestígio, e teve como objetivo, além de investigar as significações constituídas por esses jovens sobre
desigualdade social, também a relação que estes estabeleciam entre desigualdade social e educação.
31
grandes centros urbanos os problemas sociais que [...] estimulam a violência e aumentam a
insegurança” (REIS, 2004, p.54). Apesar dos jovens não fazerem menção à questão da reforma
agrária durante as entrevistas realizadas por mim na pesquisa do mestrado, a violência foi
apontada por eles como a expressão da desigualdade social em seus cotidianos (KULNIG,
2010).
Em segundo lugar, como política prioritária para o enfrentamento das desigualdades
sociais brasileiras, na opinião da elite brasileira, Reis (2004) aponta a melhoria da eficiência
dos serviços públicos, reforçando a ideia do seu não comprometimento com essa questão. A
melhoria da eficiência dos serviços públicos também foi apontada pelos jovens entrevistados
por mim como uma solução para o enfrentamento das desigualdades (KULNIG, 2010).
A taxação da riqueza, a participação dos trabalhadores nos lucros e a expansão dos
gastos sociais apareceram em último lugar na lista das políticas prioritárias para este
enfretamento na opinião dos participantes da pesquisa realizada por Reis (2004), que também
demonstraram um repúdio em relação às ações afirmativas para compensar segmentos sociais
discriminados. Esse repúdio também foi manifestado pelos jovens pesquisados por mim ao
comentarem, em especial, sobre o sistema de cotas adotado pela universidade federal do estado
e também sobre o programa federal de redistribuição de renda denominado Bolsa Família
(KULNIG, 2010).
Reis (2004) conclui que por acreditarem na igualdade de oportunidades, as políticas
afirmativas, na opinião da elite, legitimam o princípio da desigualdade por manipularem e
distorcerem oportunidades. Dessa forma, a elite brasileira acredita ser a educação o elemento
chave na explicação dos elevados níveis de desigualdade social. E, por ser uma estratégia que
não penaliza setores ou classes em especial, é considerada por essa elite como o recurso
privilegiado para assegurar a igualdade de oportunidades. De um modo geral, como conclui a
pesquisadora, a elite brasileira enfatiza a educação como ferramenta de capacitação para o
mercado, como meio de mobilidade social via ocupação, diferindo do papel da educação
atribuído por elites de outros países, que a destacam como um mecanismo de conscientização
política.
Os jovens entrevistados por mim (KULNIG, 2010), ao significarem igualdade como
igualdade de oportunidades, também apostam na educação como uma via para diminuição da
desigualdade social, por ser esta a forma de propiciar igualdade de oportunidades para todos,
sinalizando, desta forma, uma crença muito maior no mérito individual como meio de superação
da desigualdade social.
32
Uma desigualdade cuja significação para esses jovens está fortemente ligada à
distribuição de renda e ao acesso a bens e serviços. Uma desigualdade que se expressa nos
contrastes por eles observados nas condições de moradia, transporte, saúde, alimentação e
vestuário da população, sendo, portanto, a diferença de renda o elemento central que a
caracteriza na opinião desses jovens. Isto é, uma desigualdade econômica, de acesso a bens e
serviços da sociedade, traduzida em sua concretude como uma miséria econômica.
Poucos jovens que participaram dessa pesquisa realizada por mim no mestrado
demonstraram compreender as determinações histórica e estrutural desse fenômeno. E, apesar
de alguns desses jovens terem sinalizado que há uma diferença para além da renda familiar
entre eles e os jovens mais pobres, a maioria não sinalizou que as desigualdades
socioeconômicas possam ser constitutivas de formas diferenciadas de ser e estar no mundo. Ou
seja, que para além de produzir uma miséria econômica, a desigualdade social também pode
produzir uma miséria emocional, existencial e política.
Ao término da pesquisa realizada no mestrado, fui tomada por uma sensação de
inacabamento, pois muitos questionamentos surgidos durante sua realização foram “colocados
de lado” no percurso de sua execução. Eco (2009, p. 174, grifo do autor) descreve bem este
sentimento, quando afirma que durante a elaboração de uma tese, queremos
[...] aprofundar todos os pontos que ficaram em suspenso, ir no encalço das idéias que
nos vieram à mente, mas que se teve de suprimir [...]. E isto é sinal de que a tese ativou
o seu metabolismo intelectual, que foi uma experiência positiva. É sinal, também, de
que já se é vítima de uma coação no sentido de pesquisar, à maneira de Champlin em
Tempos Modernos, que continuava a apertar parafusos mesmo depois do trabalho: e
será preciso um esforço para se refrear.
Este “frenesi intelectual”, do qual nos fala o autor, foi se constituindo em uma
“curiosidade epistemológica”6: em que medida o processo de escolarização vivenciado por
esses jovens, a quem são destinados cargos de liderança em nossa sociedade, que serão, em
muitos sentidos, responsáveis por gerirem não só os recursos privados, como também os
recursos públicos, contribuiu para a constituição de suas significações sobre a desigualdade
social?
Embora concorde com Celso Furtado (apud Medeiros, 2003) que a desigualdade de
renda possa ser tratada como um indicador de outros tipos de desigualdade, por interferir em
várias dimensões de nossa vida cotidiana, entendo, como argumenta Souza, J. (2009, 2003),
6Para Freire, P. (2015), a curiosidade epistemológica se diferencia da curiosidade ingênua por ser mais
metodicamente rigorosa ao se aproximar do objeto, possibilitando a passagem do conhecimento de senso comum
para o conhecimento científico.
33
que essa dimensão material do fenômeno da desigualdade social é apenas uma de suas facetas.
Estudar esse fenômeno apenas pela ótica da renda, sob uma perspectiva economicista, “[...]
esconde e torna invisível todos os fatores e precondições sociais, emocionais, morais e
culturais que constituem a renda diferencial, confundindo, ao fim e ao cabo, causa e efeito”
(SOUZA, J., 2009, p. 18, grifo nosso).
Esta questão levantada por Souza, J. (2009; 2003) remete às teorizações no âmbito da
Psicologia Sócio-Histórica (PSH) (FURTADO, 2009; BOCK; GONÇALVES, 2009, 2016;
GONÇALVES; BOCK, 2009, 2016; AGUIAR, BOCK) que nos ajudam a entender que a
compreensão de uma realidade ou de um fenômeno social implica em assumirmos uma
perspectiva dialética entre subjetividade-objetividade na análise desse fenômeno e ou realidade.
Ou seja, se quisermos superar a simples aparência de um fenômeno social como a desigualdade
social, precisamos considerar não apenas a objetivação desse fenômeno, traduzida em sua
concretude material, mas também a presença dos sujeitos, traduzida em sua concretude
existencial, emocional e política. Nesse sentido, a PSH, por meio da categoria dimensão
subjetiva da realidade, por apontar “[...] para a relação indivíduo sociedade procurando superar
os aspectos oriundos da relação que terminam por constituir a própria realidade, sem priorizar
o âmbito do indivíduo ou o âmbito da sociedade” (GONÇALVES, FURTADO, 2016, p. 38),
permitem-nos evidenciar que “[...] os fenômenos sociais são marcados pela presença dos
sujeitos; [que] há neles uma dimensão subjetiva que é produzida, no capitalismo, pela inversão
do valor-de-uso e o valor-de-troca” (GONÇALVES, FURTADO, 2016, p. 38) produzindo,
como afirma Furtado (2011, p. 87) “[...] um valor ético e estético descolado da própria
realidade”.
Para Bock e Aguiar (2016, p. 49), esta categoria da PSH,
Sacristán (2000) afirma que as práticas reais que povoam os cotidianos das instituições
escolares são constituídas pelas concepções e crenças dos professores que produzem nos alunos
efeitos complexos das mais diversas naturezas: cognitiva, afetiva, social, moral, entre outras,
que nem sempre são analisados, e, portanto, conhecidos. Poderíamos destacar que um desses
“efeitos” da escolarização, de que nos fala Sacristán (2000), está relacionado com os modos de
sentir, pensar, agir dos sujeitos. Ou seja, seus modos de ser e estar no mundo. Avaliar este
34
7 [...] a compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho não-material cujo produto não se separa do
ato de produção nos permite situar a especificidade da educação como referida aos conhecimentos, idéias,
conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade
em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz, deliberada e intencionalmente,
através de relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens. (SAVIANI, 1984,
p. 6).
8 Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos.
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da
matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.
(Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em 10 set. 2017.
35
para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e
o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”9 .
Proposições que vêm sendo reforçadas, ao longo dos últimos vinte anos, em documentos
educacionais de caráter nacional como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)10, as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)11 e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)12.
Na BNCC, especificamente na parte que se refere ao segmento do EM, no documento
ainda provisório, encaminhado para discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE), a
construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva é colocada como condição
para a formação cidadã do educando e para o seu “[...] aprimoramento como pessoa humana”
(p. 456). Nesse sentido, como descrito no documento,
[...] as escolas devem se constituir em espaços que permitam aos estudantes valorizar:
• a não violência e o diálogo, possibilitando a manifestação de opiniões e pontos
de vista diferentes, divergentes ou conflitantes;
• o respeito à dignidade do outro, favorecendo o convívio entre diferentes;
• o combate às discriminações e às violações a pessoas ou grupos sociais;
• a participação política e social; e
• a construção de projetos pessoais e coletivos, baseados na liberdade, na justiça
social, na solidariedade e na sustentabilidade (p. 465-466).
“Ver o outro como pessoa”, como nos lembra Santos (2013, p. 78) “[...] é uma
construção que está associada à atribuição de cidadania e também de subcidadania”. A
discussão sobre subcidadania em uma sociedade estruturalmente desigual como a nossa, como
pontua a autora, “[...] implica-nos refletir que há uma dimensão subjetiva na desigualdade
social, que é também moldada e retroalimentada a partir das relações estabelecidas entre os
sujeitos” (SANTOS, 2013, p. 78).
Ciente das limitações que possam acarretar todo recorte que um estudo exige;
considerando que o estudo da realidade social brasileira, como preconizado na LDB, está
presente nos currículos das escolas de EM; entendendo que a escolarização é um dos
determinantes13 do processo de constituição dos modos de ser, sentir, pensar, agir dos sujeitos;
concordando com Almeida, A. e Nogueira (2003) quando estas afirmam que os estudos sobre
Entendo, como Gonçalves (2009), que o método não se refere apenas a uma descrição
dos procedimentos adotados em uma pesquisa. Ele deve ser entendido para além de sua função
37
instrumental, pois envolve uma concepção de mundo, uma concepção de homem e uma
concepção de conhecimento, definindo, desta forma, como se pensa o real e o homem frente a
ele, bem como as possibilidades e as formas do conhecimento. Ou seja, “[...] a questão
metodológica é indissociável de uma abordagem ontológica e epistemológica” (GONÇALVES,
2009, p. 113).
Esta perspectiva de compreensão do real possibilita ao pesquisador apreender a
historicidade e o caráter de totalidade do fenômeno pesquisado – no caso deste estudo, a
dimensão subjetiva da desigualdade social presente no processo de escolarização das elites,
produzindo um conhecimento que se aproxime do concreto, síntese de múltiplas determinações.
Desta forma, nesta primeira parte do relatório, apresento os fundamentos que sustentam
este estudo: suas bases epistemológica, teórica e metodológica, dividindo-a em quatro seções.
Na primeira seção, apoiando-me em estudos da Sociologia, Economia e Ciências Política,
apresento o entendimento sobre Desigualdade Social que embasa este estudo, bem como a
concepção de elite. Ainda nessa seção, apresento um breve panorama da distribuição de renda
e riqueza no Brasil e de estudos que envolvem o processo de escolarização das camadas
economicamente favorecidas da população brasileira na atualidade. Na segunda seção, justifico
a escolha pela PSH e apresento a categoria dimensão subjetiva da realidade, estruturante neste
estudo. Como o recorte deste recai sobre a dimensão subjetiva da desigualdade social, nessa
segunda seção, também apresento alguns estudos correlatos. Os procedimentos e percursos
realizados para a produção e análise dos dados são descritos na terceira sessão. Finalizo esta
primeira parte apresentando os procedimentos éticos adotados nessa pesquisa.
Na abertura de seu livro intitulado “The killing fields of inequality”14, o sociólogo Göran
Therborn (2013) leva o leitor a refletir sobre o fenômeno da desigualdade social por meio de
questionamentos bastante provocativos. Reproduzo alguns desses questionamentos:
O que está errado com a desigualdade? Por que nos ressentimos com a desigualdade
econômica de alguns e admiramos a de outros - de estrelas do esporte e do
entretenimento, por exemplo? Qual é a diferença entre desigualdade e diferença? Que
tipo de igualdade os igualitários contemporâneos, democráticos e libertários, devem
buscar? Quais são os mecanismos sociais através dos quais desigualdade - e igualdade
- são produzidas? (THERBORN, 2013, p. 5, tradução nossa)15
No Brasil, encontramos vários estudos sobre este fenômeno, em especial nos campos da
Economia, da Sociologia e das Ciências Políticas. Como aponta Michelotto (1997), as
explicações sobre este fenômeno têm se apresentado como um grande desafio para as
sociedades desde a antiguidade clássica. No entanto, Therborn (2013) ressalta que, antes da
modernidade, apesar da existência de diferenças hierárquicas que muitas vezes não eram
aceitas, como, por exemplo, entre homens livres e escravos, entre homens e mulheres, entre
nobres e plebeus, essas diferenças nem sempre eram percebidas, discutidas e teorizadas como
desigualdades.
Segundo este sociólogo, a desigualdade vai se tornar um problema político e moral
apenas na modernidade, em razão de dois fatores confluentes:
a) o Iluminismo, que favoreceu tanto o florescimento da ideia de sociedade como uma
instituição historicamente mutante e politicamente mutável quanto o surgimento do
capitalismo comercial em larga escala;
b) a noção secular de igualdade humana fundamentada, especialmente, na crença
cristã e islâmica da igualdade da alma, que emergiu em crítica aos privilégios da
aristocracia e à situação de escravidão, alimentando o ideário das chamadas
Revoluções do Atlântico16.
Desta forma, como conclui Therborn (2013, p. 72, tradução nossa), na modernidade,
“[...] os humanos não eram mais apenas diferentes, de diferentes posições, de sorte diferente.
Sua igualdade poderia ser violada; eles poderiam ser desiguais”17. Afirmativa que nos remete a
um dos questionamentos apresentados pelo sociólogo na introdução de seu livro: qual a
distinção entre diferença e desigualdade?
Consultando o significado desses dois vocábulos em dicionários da língua portuguesa,
constataremos que ambos trazem em suas acepções um sentido relacional. Haverá sempre a
15 What is wrong with inequality? Why do we resent the economic inequality of some, and admire that of others
– of sports and entertainment stars, for example? What is the difference between inequality and difference? What
kind of equality should contemporary democratic and libertarian egalitarians strive for? What are the social
mechanisms through which inequality – and equality – are produced? (THERBORN, 2013, p. 5)
16 Independência dos Estados Unidos (1765-1783), Revolução Francesa-Haiti (1791-1804), Independência da
18 “Differences can and do coexist with equality as well as with inequality” (THERBON, 2013, p 38)
40
Nesse sentido, podemos concluir, como o faz Barros (2005, p. 346, grifo do autor), que
“[...] desigualdade e diferença não são noções necessariamente interdependentes, embora
possam conservar relações bem definidas no interior de determinados sistemas sociais e
políticos”.
Se por um lado, igualdade opõe-se a diferença e por outro se contradita com
desigualdade, Barros (2005, 2016) ressalta que uma contradição relacionada com desigualdade
pode passar a ser lida pela sociedade como uma contrariedade relacionada com diferença. Esses
deslocamentos de leituras, no entanto, não são gratuitos, como pontua o historiador, ocorrendo
como expressão de profundas alterações que vão se dando na história de determinadas
sociedades, como no caso da oposição entre liberdade e escravidão, como ocorrido na sociedade
brasileira.
A relação entre diferença e desigualdade pode implicar no diálogo com outra noção
bastante comum no vocabulário histórico, social e político - a de discriminação social,
entendida como “[...] um determinado modo de conduzir socialmente as diferenças com vistas
a tratá-las desigualmente” (BARROS, 2005, p. 354). A discriminação implica em um jogo de
dominação e estratificação social que subalterniza um ou mais grupos em relação a outro. Essa
ideia de dominação de um grupo sobre outros é apresentada por Gonçalves Filho (1998; 2007),
Silva, M. (2009) e Souza, J. (2009) ao se referirem ao fenômeno da desigualdade social.
Silva, M. (2009, p. 2) afirma que desigualdade social “[...] pressupõe a apropriação ou
usurpação privada de bens, recursos e recompensas, implicando concorrência e luta”. Souza, J.
(2009) enfatiza a dominação ao defender que no estudo do fenômeno da desigualdade social
devemos considerar os aspectos simbólicos nele envolvidos que, por sua vez, qualificam e
desqualificam indivíduos e grupos, distinguindo-os entre si e criando uma “ralé” condenada à
subcidadania. Já Gonçalves Filho (2007, p. 208) alerta-nos que apesar de no fenômeno da
desigualdade social a dominação estar presente, só muito remotamente “[...] faz alusão a uma
falta praticada por muitos e instituições”.
Tomemos agora o significado de desigualdade social em outros dicionários. Tanto no
Dicionário de Sociologia (JOHNSON, 1997), quanto no Dicionário de Política (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998), seu significado está atrelado ao de estratificação social.
Em ambos os dicionários, o termo remete ao sentido de uma distribuição desigual e sistemática
de vantagens e recursos tais como riqueza, poder e prestígio entre os membros de uma
sociedade ou entre as sociedades. Como explica Cavalli (1998, p. 443, grifo do autor), “[...] os
mecanismos mediante os quais são distribuídos bens e valores sociais dependem mais da
estrutura da sociedade que da distribuição das características, qualidades e capacidades
‘naturais’ [das pessoas]”. Ou seja, são mecanismo históricos, estabelecidos socialmente por
meio de acordos ou imposições.
O sentido de distribuição está presente no significado atribuído por Tilly (2006) à
desigualdade social - uma distribuição desigual de atributos (econômicos, políticos, simbólicos)
entre unidades sociais, sejam elas indivíduos ou categorias19 de indivíduos. Ele explica que em
cada um dos polos das categorias (gênero, idade, raça, classe social, nível educacional,
nacionalidade, identidade cultural, entre outras), os indivíduos se reconhecem como integrantes
19As categorias são compreendidas por Tilly (2006) como um recurso analítico que proporciona uma maior
evidência sobre a atuação de desigualdades persistentes. Podem ser compreendidas como distinções,
estabelecimento de fronteiras (quem está dentro/quem está fora), entre grupos, moldando desigualdades e
identidades, realizadas como forma de organizar o mundo.
42
de uma mesma categoria social, apesar das diferenças individuais referentes ao desempenho ou
mérito. Essas diferenças não são, necessariamente desigualdades. Porém, dentro de um
conjunto de circunstâncias determinadas e através de processos específicos, essas diferenças
podem gerar desigualdades sociais, denominadas por ele desigualdades categóricas.
Desta forma, desigualdade categórica refere-se à expressão dos efeitos de determinações
históricas e estruturais sobre indivíduos, independentemente de seu desempenho ou mérito
individuais, sendo melhor visualizadas na relação entre conjuntos humanos (categorias), em
uma relação dualista, assimétrica, verticalmente hierarquizada, na qual um dos polos controla
os recursos socialmente valorizados, enquanto o outro encontra-se excluído desse acesso.
“Desigualdades categóricas são, por exemplo, as que dividem homens e mulheres, pessoas que
falam hebraico das que falam árabe, membros de diferentes religiões ou cidadãos de nações
distintas” (TILLY, 2006, p. 48).
As desigualdades categóricas podem se transformar em desigualdades duradouras. São
duas as condições apontadas por este sociólogo para que essa transformação aconteça. A
primeira condição é quando as transações através de uma fronteira categórica geram
regularmente vantagens líquidas a pessoas em um dos lados dessa fronteira. A segunda
condição é quando essas transações reproduzem a fronteira entre as categorias. “Embora a
forma e o grau da desigualdade categórica variem dramaticamente conforme o tempo e o lugar,
toda população humana de grandes dimensões manteve sistemas substanciais de desigualdade
categórica” (TILLY, 2006, p. 51).
Nas teorizações de Reis (2004) sobre a temática, também está presente esse sentido de
distribuição, como já exposto na introdução deste relatório, quando ela afirma que é somente
no campo das políticas que a noção de igualdade é explicitada, pois ao definir um padrão de
justiça distributiva por meio de uma política social, a sociedade estará explicitando uma
igualdade em relação a algum parâmetro estabelecido historicamente e socialmente . E,
considerando que as diferenças se referem à “essência” e as desigualdades às “condições”, essas
políticas, fruto de lutas e embates sociais, de uma forma geral, não se orientam para abolir as
diferenças, mas sim, para abolir ou minimizar as desigualdades, uma vez que, nas democracias
modernas, pressupõe-se que certas diferenças não devam gerar desigualdade (BARROS, 2005).
Após o exposto, tomo, neste estudo, a desigualdade social como uma categoria
analítica20 das relações sociais que expressa diferenças hierárquicas e moralmente injustas,
20 Para Minayo (2004), as categorias analíticas retêm as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas
21 Human beings are organisms, bodies and minds, susceptible to pain, suffering and death; Human beings are
persons, with selves, living their lives in social contexts of meanings and emotion; Human beings are actors,
capable of acting towards aims or goals. (THERBORN, 2013, p. 48)
22 “[…] function fully as a human being […] to choose a life of dignity and well-being” (THERBORN, 2013, p.
48).
44
23 Vital inequality, referring to socially constucted unequal life-chances of human organisms (THERBORN,
2013, p. 48).
45
uns de bens e valores produzidos por outros. Para Therborn (2010; 2013), apesar da exploração
ser considerada uma das formas mais repulsivas de geração de desigualdade, não pode ser
considerada a forma principal.
A exploração também é apresentada por Tilly (2006) como um dos mecanismos que
explica a (re)produção das desigualdades, juntamente com os mecanismos de reserva de
oportunidades, de emulação e de adaptação. Para ele, os mecanismos de exploração e reserva
de oportunidades favorecem a instalação das desigualdades categóricas. Já os mecanismos de
emulação e adaptação favorecem a naturalização e perpetuação dessas desigualdades.
A exploração está associada ao monopólio de recursos, sejam eles econômicos, políticos
ou simbólicos. Ela diz respeito às formas como uma categoria social se beneficia dos resultados
produzidos por outra categoria social, à sua revelia. Porém, para que os mecanismos de
exploração tenham êxito, os indivíduos que fazem parte da categoria social dominante
estabelecem redes de solidariedade que lhes possibilitam manter o controle sobre os bens
materiais e simbólicos: reserva de oportunidade.
No campo da educação, o termo elite tem sido cada vez mais utilizado, tanto na mídia
quanto no meio acadêmico, para distinguir um grupo de instituições ou de processos
educacionais voltados para um segmento específico da sociedade. Que segmento é este? De um
modo geral, é relacionado a uma classe social detentora de um maior poder econômico e social.
No entanto, como alertam Cattani e Kieling (2007), este termo é controverso por apresentar um
conceito bastante amplo e ambíguo associado à ideia de posição privilegiada seja por mérito,
por competência ou talento, atributos nem sempre aplicados à elite econômica.
Outra crítica apresentada ao uso deste termo por esses autores é o fato de o termo
equiparar posições que têm origem em mobilização de recursos e desempenhos totalmente
diferentes, como por exemplo, elite política, elite intelectual, elite acadêmica, elite artística,
48
elite esportiva, entre outras. Ou seja, sob este termo, poderiam estar agrupadas personalidades
com perfis, atributos e poderes bastante distintos.
A ambiguidade do termo também já havia sido alertada por Bottomore (1965, p.
6), ao destacar o sentido antagônico que a palavra elite pode adquirir nas várias situações em
que é utilizada, com uma “[...] conotação positiva, elogiosa, realçando qualidades de indivíduos
ou grupos, [...] [ou com] conotação negativa, crítica, responsabilizando pessoas ou segmentos
da sociedade pelas injustiças e desigualdades sociais”.
Cattani e Kieling (2007, p. 171) explicam que a origem do “[...] termo advém do
verbo latim elegire (eleger), desdobrando-se em eleitos e, posteriormente, em elite, indicando
os escolhidos, aqueles considerados, por alguma razão, os melhores e que comporiam,
legitimamente, o topo, o escol da sociedade”. A associação do termo a indivíduos ou grupos de
indivíduos que detêm o poder econômico e político ou então uma maior influência social,
cultural ou artística, tem origem na aristocracia francesa, como explica Martinez (1997), que
utilizou o termo para justificar seus privilégios e manter distância das classes menos
favorecidas. Neste sentido, o termo ganha uma conotação negativa ao se referir aos grupos
privilegiados que possuem influência social e política, e que se beneficiam desse poder, como
utilizado pelos idealizadores da Teoria das Elites24.
Uma referência nos estudos das elites é o sociólogo Charles Wright Mills (1962), que
delineou um perfil de elite com base na análise da sociedade americana. Para ele, os campos
econômico, político e militar seriam a base do poder da elite, composta por uma minoria dos
indivíduos mais influentes na sociedade que teria consciência de seu pertencimento a uma
classe social. Este senso de pertencimento levaria esses indivíduos a estabelecerem relações
entre si (negócios, casamentos, círculos de convivências) totalmente diferentes das relações que
manteriam com outros indivíduos não pertencentes à elite. Para Mills (1962), o que predomina
na definição e caracterização das elites é a posse do poder econômico, bem como a competência
de usar esse poder, tendo como referência a posição que o indivíduo ocupa dentro das
instituições sociais que ele considera detentoras do poder.
Para Riedner e Pereira (2012, p. 32,), é a posição que os indivíduos têm no contexto
econômico, social e cultural, bem como o seu nível de escolarização, seu estilo de vida, tipos
de consumo cultural, profissão, status diferenciado e prestígio social, que configura seu
pertencimento às “elites”.
24Por Teoria das Elites ou elitista – de onde também o nome elitismo – se entende a teoria segundo a qual, em
toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em
contraposição a uma maioria que dele está privada (BOBBIO, 1998, p. 385).
49
O objetivo desta breve exposição foi evidenciar o caráter plural do termo elite. Neste
trabalho, tomo-o como apontado por Costa, M. (2008, p.456, grifo do autor), como um grupo
detentor “[...] de oportunidades e recursos pouco acessíveis às ‘massas’, em disputas pelo
controle de tais recursos, os quais conferem oportunidades vantajosas de poder, prestígio e
riqueza”.
A renda, um desses recursos em disputa, tem, em sua distribuição, uma característica
peculiar em nosso país: a segmentação da população em uma grande massa homogênea de
famílias de baixos rendimentos e uma reduzida elite rica.
Quem são os ricos no Brasil? Qual a desigualdade de renda existente no país? Recorri
aos relatórios da Oxfam do Brasil (OXFAM, 2017; 2018) para tentar responder a estas duas
questões, como exporei a seguir.
Embora o Brasil esteja entre as dez maiores economias globais, seu Produto Interno
Bruto (PIB) per capita (US$ 9.821,41) é relativamente baixo se comparado a países com
desigualdade de renda pouco menores que a brasileira, como o Chile (US$ 15.346,45), o
Panamá (US$ 15.087,68) e a Costa Rica (US$ 11.630,67). Em um conjunto de 189 países, de
acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (Pnud), o Brasil
ocupa a 9a pior posição em matéria de desigualdade de renda medida pelo coeficiente de Gini25,
apesar de, nas últimas duas décadas, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ter
apresentado uma trajetória geral de redução da desigualdade de renda, e de acesso a alguns
serviços essenciais garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos.
Se no período entre 1976 a 2015, houve uma diminuição do índice de Gini da renda,
variou de 0,623 para 0,515; uma redução da pobreza de 35% da população para menos de 10%
(Figura 7) e uma parcela maior da população passou a acessar serviços essenciais como acesso
à água, esgoto e energia elétrica, ao se aproximar a lupa sobre a distribuição de renda no país,
25 O Coeficiente de Gini é um importante índice de medição das desigualdades sociais, em particular do nível de
concentração de renda. Também chamado de Índice de Gini, ele pode ser usado para cálculos de concentração de
determinadas características (renda, riqueza, terra, etc.) em uma determinada população. Consiste em um número
entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso do rendimento, por exemplo, toda a população
recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento e
as demais nada recebem).
50
observa-se que o Brasil inicia o ano de 2017 com mais de 16 milhões de pessoas vivendo abaixo
da linha da pobreza; com os seus seis maiores bilionários juntos possuindo riqueza equivalente
à da Ametade
distância quemais
nos unepobre de sua população; sendo o país que mais concentra rendawww.oxfam.org.br
índice no 1% mais
rico da população, além de sustentar o terceiro pior índice de Gini na América Latina e Caribe
(OXFAM, 2017).
// Gráfico 1.
Brasil
Figura - Desigualdades
7 – Brasil medidas
– Desigualdades pelos
medidas índices
pelos de de
índices Gini da da
Gini renda total,
renda total,pela
pelaproporção de domicílios
proporção de
domicílios
em situação em situação
de pobreza, de pobreza,
pela proporção pela proporção
de renda da renda
nacional recebida nacional
pelos 40% maisrecebida
pobres pelos
e pelo40% maisrico –
1% mais
pobres e pelo 1% mais rico, 1976-2015
1976-2015.
está trajetória geral de redução da desigualdade de renda e 18% . Neste mesmo período, a concentração de renda
40
estagnado; a relação entre renda média dos 40% mais pobres e da renda média total piorou;
da pobreza, como visto no Gráfico 1. Apesar de dignos de no 1% se manteve estável, no patamar de 22 a 25%41.
houve um aumento
reconhecimento, estesda pobreza;
resultados uma
não são regressão
mais que um na equiparação de renda entre mulheres e
começo para uma caminhada ainda muito longa. Se aproximamos mais a lupa, percebemos que persistem
homens e entre negros e brancos (OXFAM, 2018).
desigualdades históricas entre mulheres e homens e,
A Oxfam Brasil calcula que, mantido o ritmo médio de re- sobretudo, entre negros e brancos. Como mostra o Gráfi-
O relatório de 2018 (OXFAM, 2018, p. 18) aponta que,
dução anual de desigualdades de renda observado des- co 2, apesar de avanços em termos de equiparação sala-
de 1988, levaríamos 35 anos para alcançarmos o nível rial entre esses grupos, as mulheres ainda ganham 62%
que Uruguai está hoje. Seriam
[...] necessários 75 anos
a renda média para
mensal do capita
per que ganham os homens,
levantada pela ePNAD
os negros ganhamfoi
Contínua meros
de R$
chegarmos ao patamar atual1.268,00;
do Reinouma queda
Unido 39
. de 2,7% em57%relação à deaos
em relação 2016 - R$ 1.303,12.
brancos. Entre
Neste último 2016
caso, e 2017,
é visível
o índice de Gini que mede desigualdade de da
o arrefecimento renda
curvadomiciliar perindicando
desde 2011, capita manteve-se
que es-
A elevação da renda dos inalterado,
mais pobres nonãopatamar
tem sidode 0,549,
su- o que
tamos contrastanacom
estagnados os 15deanos
redução anteriores raciais
desigualdades nos quais
sempremais
ficiente para reduzir de maneira houve alguma
drástica as queda
desi- em relação
medidas aorenda.
pela ano anterior. Este índice é importante por
refletir
gualdades brasileiras, visto o grau
que existe aindadegrande
concentração
as- da renda, sobretudo da renda do trabalho, mas,
também, incluindo rendimentos que não sejam provenientes do trabalho como as
aposentadorias, pensões, aluguéis recebidos e outros benefícios e fontes.
Página - 19
51
Se no ano de 2017, a renda média da metade mais pobre da população foi de R$ 787,69,
valor menor que um salário mínimo, os 10% mais ricos “[...] com alguma renda viram um
crescimento de quase 6% em seus rendimentos do trabalho, e de 2% se considerados todas as
rendas no mesmo período. Com base em dados da PNAD Contínua 2017, a renda média total
do decil mais rico foi de R$ 9.519,10, cerca de 10 salários mínimos por mês. (OXFAM, 2018,
P. 18).
Um dado apontado no relatório de 2017 (OXFAM, 2017), a partir dos estudos de Souza,
P. (2016)26, é que entre 2001 e 2015, os 10% mais ricos se apropriaram de 61% do crescimento
econômico, enquanto a fatia dos 50% mais pobres foi de 18%. Neste mesmo período, a
concentração de renda no 1% se manteve estável, no patamar de 22 a 25%”.
Este relatório do ano de 2017 (OXFAM, 2017) também aponta que o valor da renda
média per capita da grande maioria dos brasileiros foi de até um salário mínimo por mês, com
80% da população vivendo com uma renda per capita inferior a dois salários mínimos mensais.
Considerando os valores de 201527, seis em cada 10 brasileiros tinham uma renda domiciliar
per capita média de até R$ 792,00 por mês. Em contrapartida, os 10% mais ricos da população
tinham rendimentos domiciliares per capita de, em média, R$ 4.510,00, e o 1% mais rico
recebia mais de R$ 40.000,00 por mês. (Figura 8)
Outro dado em relação à renda da população trazido por este relatório de 2017
(OXFAM, 2017) foi que, comparando a renda do grupo que recebia, em média, R$ 4.510,00,
com a renda média de cada grupo (decil) que compunha os 90% restante da população, teríamos
as seguintes proporções: os 10 % mais “ricos” da população recebiam:
a) quase três vezes mais que o valor médio recebido pelos que ocupavam o 9o decil;
b) sete vezes mais que o valor médio recebido pelos que ocupavam 5o decil;
c) quase trinta e oito vezes mais que o valor médio recebido pelos pobres, que
ocupavam o 1o decil.
26 SOUZA, Pedro H. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-
2013. Universidade de Brasília. Instituto de Ciências Sociais. 2016
27 Calculados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
A distância que nos une índice www.oxfam.org.br
52
// Gráfico 3.
Figura 8Brasil – Níveis
– Brasil de renda
– Níveis domiciliar
de renda per per
domiciliar capita médios,
capita porpor
médios, decil (em(em
decil R$)R$)
– 2015
– 2015.
Porém, se a concentração de renda média for examinada nos decis, como informado no
relatório de 2017, evidencia-se disparidades internas na distribuição de renda em cada um deles,
Como visto no Gráfico 3, em relação aos demais 90%, os não passa de 7,2%56 (com a notável exceção do primeiro
revelada
10%pelo índice decomGini
dos brasileiros dentro
maiores depoderiam
rendas cada decil, como
ser decil, demonstrado
o mais naporFigura
desigual de todos 8. O índice
abrigar justamente os de
facilmente classificados como “ricos”. Considerando os brasileiros miseráveis e muito pobres).
Gini derendimentos
renda dentro dos 10% mais ricos era de 30,7%, muito maior do que aquele observado
médios de cada decil, eles ganham quase
três vezes
nas demais o quenas
faixas, ganham aqueles
quais no 9º passava
ele não decil, sete de
ve- 7,2% (com a notável exceção do primeiro decil,
zes o que ganham brasileiros do 5º decil, e 38 vezes a
o mais renda
desigual dedetodos
dos 10% pormais
brasileiros abrigar justamente
pobres. Contudo, tal os brasileiros miseráveis e muito pobres).
concentração de renda média no decil mais rico, quando
Se forem considerados os dados tributários dos indivíduos que ocupam o decil de renda
vista de perto, revela uma enorme desigualdade no pró-
prio topo.
mais alto, será encontrada uma variação que oscilará em uma ponta aqueles que declararam
receberIsto
cerca
é vistode três
pelo salários
índice mínimos
de Gini de e dos
renda dentro em10%
outra ponta aqueles que declararam receber mais
mais ricos (Gráfico 3), que é de 30,7%, muito maior do
de trezentos e vinte
que aquele salários
observado mínimos
nas demais faixas, – uma
nas quaisfaixa
ele demasiadamente larga e heterogênea para ser
considerada monoliticamente como “ricos”.
Página - 23
Declarantes cuja renda individual está entre 3 e 20 salários mínimos (R$ 2.364,00 e
R$ 15.760,00) são a grande maioria dentro dos 10% mais ricos: 9 em cada 10. Ao
mesmo tempo, este grupo concentra apenas metade do total de rendimentos
declarados, a maior parte deles sujeita à tributação. (OXFAM, 2017, p. 24)
desigualdades. Há, dentro deste decil, um grupo denominado no relatório de “topo do topo”,
por estarem esses indivíduos no topo máximo da pirâmide social: são os brasileiros cujos
rendimentos médios – a maior parte não tributada – são de cerca de R$ 190.000,00 por mês –
mais de quarenta e duas vezes a renda média do decil mais rico captada pela PNAD.
Alguns rendimentos declarados por este grupo pertencente a uma elite econômica “[...]
superam os R$ 400.000,00 mensais – quase noventa vezes o que ganha uma pessoa na média
dos 10% mais “ricos”, de acordo com dados domiciliares per capita. Isso revela em que medida
o topo é também muito desigual em si” (OXFAM, 2017, p. 24).
O cálculo do índice de Gini a partir dos dados das Declarações de Imposto de Renda de
Pessoa Física (DIRPF), que passaram a ser divulgados a partir de 2015, demonstrou “[...] a
estabilidade da desigualdade de renda no Brasil entre 2006 e 2012, e a impressionante
concentração de renda no topo da pirâmide social, a qual se manteve estável desde os anos
2000” (OXFAM, 2017, p. 25).
O relatório de 2018 demonstra que, considerando esses dados do DIRPF, “[...] a renda
média mensal declarada em 2017 (ano-calendário 2016) dos 10% mais ricos no Brasil foi
superior a R$ 13.000,00” (OXFAM, 2018, p. 18). No entanto, se comparada a renda dos 12
milhões de brasileiros que fazem parte deste grupo, “[...] 75% ganham até 20 salários mínimos
de renda tributável – mais da metade destes ganha até 10 salários mínimos. Por outro lado, o
grupo de cerca de 1,2 milhão de pessoas que compõem o 1% mais rico do país tem rendimentos
médios superiores a R$ 55.000,00 ao mês (OXFAM, 2018, p. 18).
Este mesmo relatório aponta que, em 2017, os rendimentos mensais médios do 1% mais
rico representavam 36,3 vezes mais que aqueles dos 50% mais pobres. Considerando os dados
das declarações de IRPF, tal razão seria de 72 vezes (OXFAM, 2018).
Ao finalizar a descrição deste breve panorama sobre a distribuição de renda e riqueza a
partir dos relatórios da Oxfam, gostaria de pontuar duas questões. A primeira é que podemos
depreender, a partir desses dados, que o enfretamento da pobreza, embora seja um imperativo
moral, não significa, necessariamente, o enfrentamento das desigualdades de renda e riqueza,
considerando “a estabilidade da desigualdade de renda no Brasil entre 2006 e 2012, e a
impressionante concentração de renda no topo da pirâmide social, a qual se manteve estável
desde os anos 2000”. A segunda questão é que esta breve síntese revela uma realidade social
que serve de base para a produção das subjetividades na realidade brasileira. Ou seja, não
podemos falar de uma dimensão subjetiva da desigualdade social descolada de sua base
material, como será apresentado no tópico 1.2.
54
28 A maior parte das publicações foi acessada pelos sistemas de busca disponibilizados na web utilizando
operados booleanos para combinar as seguintes palavras-chave: elite, educação, escola, escolarização, trajetória
escolar. Outra estratégia utilizada, foi a consulta às referências utilizadas nas produções acessadas pela web,
criando um efeito “bola de neve”.
29 O INSE foi construído com base nos microdados das avaliações educacionais conduzidas pelo Instituto
Nacional de Pesquisa Educacional Anísio Teixeira (INEP) - a Prova Brasil dos ciclos referentes aos anos de
2005, 2007, 2009 e 2011; o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2003, 2005 e 2011; e o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) realizado nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2011,
55
30Segundo Max Weber, Tipo Ideal é um modelo abstrato que nos permite observar aspectos do mundo real,
estabelecendo padrões de comparação sem a preocupação de descrever uma situação específica (BRANDÃO,
CANEDO, XAVIER, 2012, p. 196).
56
31“[…] ‘responsabilidade social escolar’, entendida como o conjunto de propostas pedagógicas e práticas
educativas implantadas por estabelecimentos privados de ensino, visando envolver os alunos em experiências
cognitivas relacionadas às disparidades existentes em nossa sociedade e em atividades a elas associadas” (NERI,
2012, p. 5).
57
(continuação)
Tipos ideais Caracterização propostas pedagógicas de responsabilidade social
Compõem este grupo as instituições que não priorizam práticas assistencialistas e
filantrópicas, uma vez que o propósito principal de suas propostas pedagógicas de
“responsabilidade social” é a conscientização acerca das disparidades sociais e a busca
pela formação de indivíduos capazes de conviver e atuar em uma sociedade mais justa. Ou
seja, as ações pedagógicas deste grupo de escola são caracterizadas por um discurso
voltado à busca de conscientização sobre as desigualdades sociais e de construção de
Responsabilidade
atitudes tolerantes e livres de preconceitos na convivência com o “outro”. São enfatizados
crítica
o comprometimento social e a necessidade de mudança de mentalidades e de construção
de uma sociedade mais igualitária. As questões relacionadas à “responsabilidade social”
estão integradas ao currículo escolar, envolvendo o corpo discente, sendo privilegiado um
contato constante com indivíduos provenientes de outros universos socioculturais
mediante a inserção de alunos bolsistas na própria escola ou o desenvolvimento de projetos
de cunho social de longa duração.
Fonte: Elaborado a partir de Neri, 2012
Associada às instituições que atendem aos jovens das elites, observa-se a recorrência do
vocábulo “prestígio” nas publicações analisadas, que, de um modo geral, descrevem essas
escolas como sendo instituições de prestígio na comunidade onde estão inseridas. O prestígio
(capital simbólico), como explica Martins (2015) com base nas teorizações do sociólogo francês
Pierre Bourdieu, é estabelecido pelo reconhecimento de uma competência embutida em um
58
determinado bem, assim como nos efeitos que esse bem produz no espaço social. Ao analisar o
processo de institucionalização do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, objetivando apreender as disposições e os mecanismo envolvidos na construção e na
reprodução do prestígio dessa instituição no cenário educacional, a pesquisadora conclui que
“[...] os indicadores de prestígio escolar são móveis, amplos e incorporam os diferentes tipos
de capital da instituição e de seus agentes” (MARTINS, 2015, p. 191).
Neste sentido, Brandão, Mandelert e Paula (2005), ao analisarem as características
institucionais e familiares que interagem no processo de escolarização dos jovens pertencentes
às camadas média e alta na cidade do Rio de Janeiro, concluem que, se por um lado, o prestígio
dessas escolas é construído e tende a se perpetuar com base nas características de sua clientela,
por outro, essas famílias, que de um modo geral possuem um elevado capital cultural,
monitoram o desempenho da instituição, o que leva as pesquisadoras a concluir que nessas
instituições há uma “circularidade virtuosa” que alimenta seu prestígio.
[...] indícios que relacionam os objetivos educacionais das famílias [investigadas] com
as intenções das instituições de ensino em manterem não apenas no plano concreto
uma posição privilegiada no quesito de aprovação nas universidades e cursos de mais
alto prestígio, mas também consolidar no imaginário social a existência de uma
‘excelência’ nos serviços educacionais prestados, confirmando-se o ideal de um
‘contrato de sucesso escolar’ que poderia não só manter, como também reproduzir
socialmente a situação de destaque ocupada, tanto por parte das famílias, como das
próprias instituições de ensino que se voltam à escolarização de grupos sociais da elite
(PIRANI, 2010, p.7, grifo do autor)
Investigando os fatores que intervêm nesta sintonia (jogo de forças que regula a relação
família-escola) Lacerda e Paes de Carvalho (2007, p. 15, grifo do autor) identificaram três
níveis “[...] de gradação de autonomia das escolas na negociação de seus contratos
institucionais, que por sua vez se articulam a diferentes possibilidades de valorização do ‘capital
técnico’ das escolas por parte das famílias”, variando de uma situação de grande dependência
da escola em relação às famílias à uma autonomia relativa em relação às famílias, como descrito
no Quadro 3.
Quadro 3 – Níveis de autonomia das escolas de prestígio em relação às famílias (continua)
Esta demanda parental por recursos internacionais tem reflexos direto no mercado
nacional das escolas privadas que, cada vez mais, têm oferecido aos pais, como demonstrado
nas publicações analisadas, um “cardápio” de opções que incluem iniciativas de
internacionalização, tais como programas especiais de aprendizagem de línguas
estrangeiras; projetos pedagógicos bilíngues/trilíngues; que podem começar desde a educação
infantil; viagens e intercâmbios de estudos ao exterior, entre outras.
Os estudos analisados também apontaram que, de um modo geral, a escola representa
um ambiente propício para a construção de redes de relações e influências, fortalecendo-se
amizades, possibilidades de futuros matrimônios, bem como a aprendizagem de modos de
gestão das relações interpessoais, evidenciando, portanto, uma grande eficiência do papel de
inculcação de disposições ligadas a grupos específicos exercido pelas instituições privadas de
prestígio que atendem às elites (JAMBERSI, 2014; SALGADO, 2011; NARTINI, 2011;
NICOLAU, 2010; FIGUEROA, 2008; PEROSA, 2005; OLIVEIRA, C., 2005; NOGUEIRA,
2003; ALMEIDA, A., 1999).
Outro aspecto, também apontado nos estudos analisados, é a relativização da escola
como meio de manutenção do status social adquirido, principalmente para os grupos
privilegiados economicamente (classe empresarial). Ou seja, esses grupos estabelecem uma
relação instrumental com a escola, privilegiando a inserção dos jovens no mundo do trabalho,
mais do que no mundo escolar (NOGUEIRA, 2003; GRÜN, 2003).
A escolha da PSH como fundamento desta pesquisa está alicerçada no fato de que esta
perspectiva “[...] radicaliza, frente a outras teorias da psicologia, a importância do fenômeno
social e de sua relação com a constituição da subjetividade” (GONÇALVES; FURTADO,
2016, p. 28). Ao considerar a condição social e histórica dos homens e dos fenômenos a eles
associados, a PSH questiona o caráter natural do humano, contrapondo-se à concepção
hegemônica de sujeito na qual a Psicologia se baseia. Concepção essa que, com seus conceitos
naturalizantes, têm apresentado o mundo psíquico como algo natural, ficando “de costas”, como
observam Gonçalves (2015) e Bock (2016), para a relação desse mundo com as condições reais
da vida vivida pelos sujeitos. Condições essas que, no caso da sociedade brasileira, são
atravessadas pelas diversas dimensões da desigualdade social.
62
O homem ativo é o que produz sua própria existência, no âmbito social, pelo trabalho,
organizado para produção da sobrevivência, do indivíduo e da espécie, portanto
também para a reprodução da vida; e, no âmbito individual, pela atividade própria de
cada um, definida e delimitada pelas características do trabalho e no contexto das
relações sociais de produção.
O homem é social porque sua atividade só é possível no contexto das relações sociais.
Mas o homem é social também porque é somente participando da vida em sociedade
que ele se torna indivíduo - indivíduo humano - por meio da apropriação da história e
da cultura [...].
O homem é histórico porque a sociedade não é apenas uma estrutura ou um conjunto
de instituições e processos ou rede de posições. A sociedade é tudo isso em
movimento decorrente da ação do homem sobre a realidade (trabalho e atividade),
marcado por contradições, sendo a fundamental a divisão da sociedade em classes
antagônicas. A existência dessa divisão confere às estruturas, às instituições, aos
processos e às posições sociais um conteúdo histórico, decorrente do lugar social
ocupado por grupos de indivíduos qualitativamente diferentes. São produzidos
valores e referências diversas que compõem, também, a realidade social. Dessa forma,
as relações sociais e os fenômenos sociais que engendram estão revestidos de
conteúdo histórico (GONÇALVES, 2015, p. 66).
Kahale e Rosa (2009) afirmam a historicidade como categoria fundamental para a PSH
por possibilitar incluir “[...] na compreensão dos processos da realidade, o conteúdo que
identifica cada fenômeno na sua relação com a produção humana histórica, [...] na sua relação
com diferentes grupos sociais, definidos por diferenças no lugar social produzido pelas
contradições da base material” (p. 39). Essa compreensão possibilita a produção de um saber
crítico em relação aos fenômenos sociais e humanos, desnaturalizando-os, uma vez que ao “[...]
63
dialético, é necessário que o fato seja estudado além da sua aparência. É preciso conhecer a sua
concretude. Ou seja, “[...] é preciso que o pensamento invada o fenômeno e possa desvendar
relações e determinações que o constituem e que não ficam evidentes no imediato, ou seja, no
nível empírico” (AGUIAR, W., 2009, p. 95-96).
Neste sentido, o conhecimento, na PSH, é compreendido como uma produção humana,
como um processo analítico-interpretativo que faz uso das categorias da dialética por estas se
referirem ao real e orientarem um modo de apreensão da esfera da realidade em estudo. A
aplicação dessas categorias às questões da Psicologia32 surge a partir da crítica à superação
entre objetividade e subjetividade e da naturalização dos fenômenos humanos e sociais. Como
categorias de análise, “[...] cumprem a função de auxiliar a desvendar os fenômenos, saindo do
nível das aparências para apreender seu processo e concretude; suas relações, seu movimento”
(KAHHALE; ROSA, 2009, p. 26).
A mediação é uma dessas categorias. Ela permite romper com as dicotomias interno-
externo, objetivo-subjetivo, possibilitando dessa maneira uma análise dialética do fenômeno
psicológico. Permite perceber o movimento de constituição desse fenômeno, que implica uma
relação não isomórfica entre indivíduo e sociedade e sim uma relação na qual indivíduo e
sociedade se incluem e se excluem simultaneamente, constituindo-se um ao outro. Possibilita,
portanto, explicar/compreender como o homem, embora tenha ao nascer potencial para se
desenvolver como humano, só se tornará humano por meio das relações sociais com outros
homens e com a cultura acumulada pelas gerações que o precederam.
No entanto, apesar das categorias da dialética serem referências fundamentais para esta
perspectiva da psicologia, impõe-se a necessidade de elaboração de categorias específicas que
possibilitem nomear as relações do homem com o mundo, isto é, o fenômeno psicológico,
32 [...] ao fundar a Psicologia histórico-cultural, Vigostki parte das categorias fundamentais do materialismo
histórico e dialético e as aplica, dialeticamente, às questões da Psicologia. Isso significa que as categorias da
dialética são referências fundamentais e por isso mesmo impõem a elaboração de categorias específicas para a
Psicologia e seu objeto de estudo. Vigotski lança as bases para a construção de tal Psicologia, obra que ele
mesmo teve pouco tempo para desenvolver, mas que continuou na Psicologia soviética e, a partir da década de
70, na América Latina (GONÇALVES, 2009, p.127).
66
entendido como a atividade do homem de registrar experiência e a relação que mantém com o
ambiente sociocultural.
Gonçalves (2003) explica que trabalhar com a ideia de categoria é delimitar um campo
de investigação. Consiste em apresentar o fenômeno estudado e a visão da gênese desse
fenômeno, salientando suas características principais. As categorias devem procurar explicitar,
descrever e explicar o fenômeno em sua totalidade. Ou seja, uma categoria pode ser entendida,
como explica Aguiar, W. (2009), como um constructo teórico, abstrato, cuja intenção é explicar
uma determinada zona do real, apreendendo o seu movimento, suas contradições, sua
historicidade. A categoria pode ser compreendida como um princípio explicativo, por ser “[...]
um constructo que permite relacionar uma determinada realidade com uma determinada
elaboração teórica, [...] uma expressão conceitual de uma determinada realidade”, nas palavras
de Sirgado (1990, p. 65).
Embora a categoria delimite o objeto de estudo, recorte-o, Gonçalves (2003, p. 62)
explica que “[...] não são conceitos fechados, mas indicam processos que devem ser
apreendidos em seus conteúdos históricos, ideológicos, contraditórios, multideterminados,
mediados para que se possa compreender e explicar os fenômenos estudados”. Desta forma, a
PSH elabora categorias teóricas que delimitam, junto ao objeto da Psicologia, campos de
investigação de processos constantes de transformação33. A dimensão subjetiva da realidade é
uma dessas categorias.
Gonçalves (2016) pontua que essa categoria procura resolver duas questões. A primeira
é a da dicotomia indivíduo-sociedade, em que a Psicologia ora enfatiza o polo indivíduo,
apresentando uma concepção voltada “[...] para a explicação do indivíduo e de elementos de
sua subjetividade à luz de características de uma sociedade tomada de forma abstrata e
cristalizada” (p. 69). Ora a ênfase recai para os fatores sociais como explicativos da relação
indivíduo-sociedade, anulando o papel do sujeito, promovendo um reducionismo determinista.
A segunda questão é “[...] a necessidade de que os fenômenos sociais sejam eles próprios objeto
da Psicologia Social” (p. 70).
A dimensão subjetiva da realidade, categoria estruturante no estudo exposto neste
relatório, “[...] estabelece a síntese entre as condições materiais e a interpretação subjetiva dada
a elas. Ou seja, representa a expressão de experiências subjetivas em um determinado campo
33 “O objeto da Psicologia, para além de conceituações objetivistas ou subjetivistas [...] pode ser configurado
como a dialética subjetividade-objetividade; as categorias teóricas, que conferem visibilidade aos principais
processos dessa dialética, são atividade, consciência, identidade, afetividade, dimensão subjetiva da realidade
[...] (GONÇALVES; FURTADO, 2016, p. 34).
67
Como apreender a dimensão subjetiva da realidade? Por meio das significações. Como
explicam Bock e Aguiar (2016, p. 51), é “[...] na atividade com outros homens, no processo de
satisfação das suas necessidades, que a linguagem e pensamento se [...] [constituem], tornando-
se categorias que permitem dar visibilidade à dimensão subjetiva, que constitui o real. [Ou seja,
é no processo de apreensão das] [...] maneiras como o pensamento se realiza na palavra,
objetivada na forma de significações”.
As significações expressam a síntese da objetividade e da subjetividade, de modo que a
análise interpretativa realizada apresenta elementos da dimensão subjetiva da realidade. Nesse
sentido, a análise da fala, do discurso ou do texto, na perspectiva da PSH distancia-se da análise
linguística e se coloca no campo da análise da subjetividade do sujeito historicamente
constituído, uma vez que, como afirmam Bock e Aguiar (2016, p. 57), “[...] a dimensão
subjetiva é uma interpretação analítica de uma realidade vivida”.
68
Vigotski (2000) estabelece uma distinção entre o sentido e o significado de uma palavra.
O sentido de uma palavra (o que ela quer dizer para o sujeito) será sempre uma formação
dinâmica, fluída, complexa, possuindo zonas cuja estabilidade varia muito, enquanto o
significado é tão somente uma dessas zonas de sentido que ganharam estabilidade. Os
significados das palavras mudam, são dinâmicos, evoluem. Isso é importante porque essas
alterações no significado das palavras surgem a partir do confronto entre os significados sociais
(acordados, convencionados) e os sentidos particulares dados por cada sujeito, que decorrem
de suas vivências pessoais.
Desta forma, podemos afirmar que os sentidos, expressos por meio da fala, do discurso,
do enunciado, do texto, isto é, das palavras, são próprios do sujeito. No entanto, a palavra
carrega em si tudo aquilo que constituiu o sentido, que está para além do sujeito, mas que foi
por ele apropriado. A palavra (sempre significada) é um dos elementos de mediação entre o
sujeito e o mundo, uma vez que carrega em si as dimensões objetivas e subjetivas que a
constituem. As categorias significado e sentido (significações), enquanto unidades de contrário,
nos ajudam a apreender elementos constitutivos e reveladores tanto do sujeito quanto da
realidade.
Concluindo, podemos afirmar que a categoria dimensão subjetiva da realidade nos
permite dialogar, a partir do campo da Psicologia, com o fenômeno da desigualdade social,
considerando que as expressões objetivas e materiais que encontramos nesse fenômeno
possuem uma dimensão constituída por elementos de natureza simbólica ou psicológica. “Esta
dimensão é caracterizada por elementos de significação (valores, sentimentos, ideias,
significados) que encontram-se ancorados na subjetividade e objetivados na realidade social e
nas relações vividas entre os homens” (BOCK; AGUIAR, 2016, p. 49).
Para a PSH importa estudar o sujeito concreto, inserido em sua realidade cotidiana e em
seu tempo histórico; um sujeito que se constitui nas relações e nas atividades sociais, portanto
69
um sujeito que carrega em sua subjetividade elementos que podem nos ajudar a compreender a
objetividade da sociedade desigual, considerando que “[...] o mundo psicológico em uma
sociedade desigual não é o mesmo; não é universal. Os sentimentos, as ideias, os registros de
memória são distintos; os valores e formas morais de se por frente ao mundo são diferentes”
(BOCK, 2007, não paginado).
No entanto, em uma sociedade estruturalmente desigual como a brasileira, a
desigualdade social, questão que perpassa todas as dimensões desta vida vivida por nós, não
tem sido tomada como objeto de estudo pela Psicologia. Bock (2016) exemplifica este fato
com dois exemplos básicos: a ausência deste termo na terminologia em Psicologia cadastrada
na Base Virtual de Saúde – Psicologia (BVS-Psi)34; e a pouca frequência com que apareceu,
nos anais de um evento do campo da Psicologia de dimensão nacional, o XVIII Encontro
Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)35, em que, na maior parte
dos poucos trabalhos em que o termo foi utilizado, a desigualdade social não é apresentada
como o objeto de estudo, e sim, como caracterização da condição dos sujeitos pesquisados.
Gonçalves (2015) ressalta dois aspectos que diferenciam a leitura que a PSH faz do
fenômeno da desigualdade social em relação a outras perspectivas da Psicologia. Um desses
aspectos é a utilização da categoria historicidade. Isto significa, como explica a pesquisadora,
tomar a desigualdade social “[...] na sua produção e constituição processual, a partir da
materialidade da vida e das relações humanas, historicamente determinadas” (p. 65).
O outro aspecto, apontado por Gonçalves (2015), que diferencia a leitura que a PSH faz
do fenômeno da desigualdade social em relação a outras perspectivas da Psicologia é não tratar
a desigualdade social “[...] como pano de fundo ou um dos fatores explicativos dos fenômenos
psicológicos, mas ela mesma como fenômeno a ser compreendido na sua dimensão subjetiva”
(p. 65, grifo nosso), corroborando as observações de Bock (2012) de que o estudo da
desigualdade social não deve recair apenas na caracterização e quantificação das diferenças de
distribuição e acesso aos bens materiais e simbólicos produzidos socialmente (renda, riqueza,
34 A terminologia em Psicologia, disponível em três línguas na BVS-Psi, vem sendo construída, desde 1973, pela
Biblioteca “Dante Moreira”, do Instituto de Psicologia da USP e conta em 2011 com mais de 6.300 termos
hierarquizados, de acordo com a estrutura de Tesauro desenvolvida no CDS/ISIS. O passo inicial para
elaboração do Tesauro foi a compilação dos termos extraídos da literatura e representativos de conceitos na área
específica da Psicologia.
Várias fontes foram consultadas nesta seleção, incluindo-se os termos utilizados nos índices e bibliografias
nacionais e estrangeiras e sua freqüência em títulos e resumos da literatura publicada no período 1970 a 1975,
em livros, teses, separatas e artigos de periódicos. Fontes de informações tais como dicionários especializados,
glossários, listas de cabeçalhos de assunto entre outras, foram igualmente valiosos na fase de
compilação. (Informação extraída do site da BVS-Psi – Disponível em <
http://www.psi.homolog.bvs.br/php/level.php?lang=pt&component=19&item=95>. Acesso em 25 nov. 2018.
35 Disponível em < https://www.encontro2015.abrapso.org.br/download/download?ID_DOWNLOAD=462>.
70
educação, saúde, entre outros), tomando a realidade social desigual apenas como pano de fundo
das pesquisas e teorizações. Ao evidenciar a dimensão subjetiva da desigualdade social, a PSH
tem outro foco, como pontuam Bock e Gonçalves (2016, p. 8, grifo das autoras):
(2013); Salvatico (2014); Bock, Gonçalves e Hasegawa (2015); Melsert e Bock (2015);
Gonçalves (2015); Bock e Gonçalves (2016); Oliveira e Bock (2016); Bock et al (2016a, 2016b)
Melsert e Bock (2015) 36, a partir dos estudos realizados por Gonçalves Filho (1998);
Bock (1999); Reis (2000); Campos et al. (2003); Scalon e Cano (2005); Souza, J. (2009) e
Kulnig (2010), sintetizaram alguns desses elementos:
a) a legitimação das desigualdades sociais a partir de uma lógica meritocrática,
fundada em um discurso liberal que explica sucessos e fracassos a partir de esforços
individuais, ocultando a sua produção social;
b) a significação da escola como a única solução para as desigualdades sociais,
correlativa de uma naturalização da má qualidade da instituição escolar pública;
c) a desresponsabilização pelo quadro de desigualdades em nossa sociedade,
especialmente pelos brasileiros que pertencem às elites, atribuindo a culpa dessa
realidade ora a um Estado negligente, ora a uma natureza do ser humano
caracterizada por traços negativos;
d) a dominação que as elites exercem sobre as classes pobres não é deliberada;
e) as camadas ricas, como as demais, não percebem ou não compreendem os
mecanismos de produção e de manutenção de uma estrutura social desigual.
Esses elementos sintetizados por Melsert e Bock (2015), a partir dos estudos citados,
corroboram em muitos aspectos os resultados, ainda parciais, da pesquisa intitulada “A
dimensão subjetiva da desigualdade social: um estudo da vivência da desigualdade na cidade
de São Paulo”37, desenvolvida por um grupo de professores pesquisadores e alunos bolsistas de
iniciação científica na PUC-SP, que, por meio da descrição de aspectos da experiência
individual e social de viver em uma cidade desigual, pretende elaborar um “mapa” que
caracterize a dimensão subjetiva do fenômeno social da desigualdade em todas as regiões e
distritos da cidade de São Paulo.
Como explicou Gonçalves (2015), na primeira etapa da pesquisa, foram realizadas
entrevistas em grupo com moradores de três regiões da cidade de São Paulo, utilizando como
referência para a escolha das regiões o atlas da exclusão social da cidade de São Paulo elaborado
por Campos et al (2003). Foram escolhidas uma região com maior índice de exclusão, uma com
menor índice e uma intermediária. A análise dessas entrevistas resultou no levantamento de
36 O artigo publicado por Melsert e Bock (2015) é um recorte da dissertação defendida por Melsert (2013),
orientada por Bock.
37 Para mais detalhes sobre a pesquisa mencionada, consultar Bock (2009); Nascimento, Sarubbi e Souza (2009);
Explicando melhor, ao pesquisarem a dimensão subjetiva da desigualdade social por meio dos
projetos de futuro de jovens ricos e pobres, elas constataram que quando solicitados a
pensarem/escreverem sobre o projeto de futuro de um outro jovem com uma situação
socioeconômica diferente da sua, tanto os jovens das camadas ricas quanto os das camadas
pobres participantes da pesquisa falaram “[...] a partir de uma posição diplomática, que tanto
poupa o seu interlocutor de receber significações carregadas de afetos sobre esse outro, quanto
poupa o personagem que construíram de encarnar o destino imaginado para os sujeitos de sua
camada social” (MELSERT; BOCK, 2015, p. 785). Nesse sentido, as pesquisadoras concluem
que
Nesse mesmo estudo, as autoras destacam que entre as significações apresentadas pelos
jovens participantes, configurou-se, como já apontado na pesquisa descrita por Gonçalves
(2015), a afirmação do padrão de vida das elites, sendo o pobre o “desigual” e a desigualdade
social significada “[...] como um dado natural da organização social e justificada como fruto de
um esforço pessoal e/ou de uma herança familiar” (MELSERT; BOCK, 2015, p. 785),
corroborando dados da pesquisa relatada por Gonçalves (2015), dado também destacado em
38
pesquisa relatada por Oliveira e Bock (2016) , que investigou o processo de escolha
profissional de jovens universitários da camada pobre, bolsistas do Programa Universidade para
Todos (ProUni)39, e que, também, teve como foco o estudo da dimensão subjetiva da
desigualdade social.
As teorizações apresentadas nessa pesquisa corroboram elementos que caracterizam a
dimensão subjetiva da desigualdade social elencados nas pesquisas anteriores. A afirmação do
38 O artigo publicado por Oliveira e Bock (2016) é um recorte da tese defendida por Oliveira, A. (2014),
orientada por Bock.
39 Programa criado pelo Governo Federal no contexto das políticas de acesso à Educação Superior (MP
2013/2004 e Lei 11.096/2005), concede bolsas integral e parcial em instituições de ensino superior privadas a
estudantes cuja renda per capita familiar máxima é de três salários mínimos, em cursos de graduação e
sequenciais de formação específica (OLIVEIRA, A., 2014).
74
padrão de vida das elites e do “desigual” como sendo o jovem das camadas pobres também foi
destacada por Oliveira e Bock (2016), ao relatarem que, apesar dos dois jovens participantes da
pesquisa, alunos dos cursos de graduação em Direito e em Serviço Social, creditarem aos seus
esforços o acesso à escolarização universitária, destacando essa conquista como resultado do
esforço pessoal, desconsiderando todos os outros determinantes e sentindo-se merecedores
desta vitória, não se reconheciam como pertencentes àquele espaço. Um sentimento de
inferioridade, a despeito da conquista de terem sido aprovados em um exame seletivo, e um
sentimento de vergonha, relacionado ao seu lugar de origem, expressos a partir das condições
e das experiências de vida vividas em uma sociedade estruturalmente desigual. Sentimentos
conceituados por Gonçalves Filho (1998) como “humilhação social”.
[...] ao interesse e desejo de gente e grupos soberbos para quem eu e meu grupo
parecemos contar como inferiores, quando famintos, mas também quando saciados,
quando sem casa, mas também quando moradores, quando desempregados, mas
também quando ocupados, quando doentes e quando curados, quando sem escolas e
quando nela matriculados; quando pobres e quando remediados ou abastados, quando
negros, índios, migrantes, quando mulheres, quando homossexuais ou bissexuais
(GONÇALVES FILHO, 2007, p. 212-213).
Oliveira e Bock (2016) também identificaram nos relatos dos jovens dois sentimentos
opostos em relação às suas comunidades de origem constituídos a partir da vivência das
desigualdades sociais. Um sentimento de aproximação, fundamentado em um desejo de
transformação das estruturas estabelecidas; e um sentimento de distanciamento, aceitando o
status quo. Nas palavras das autoras:
até o sentir-se discriminado ou revoltado [...], não podem ser explicadas unicamente pela
determinação econômica” (p. 9). Essa categoria possibilita-nos perceber “[...] as múltiplas
afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas” (p. 104), permite dar
visibilidade a um tipo de sofrimento resultante
[...] da maneira como como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a
face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela
organização social. Portanto, o sofrimento ético político retrata a vivência cotidiana
das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que
surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice
inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade
social, da negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da
produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público
e de expressar desejo e afeto (SAWAIA, 2004, p. 104-105)
Antes de iniciar a apresentação dos procedimentos que utilizei para a realização deste
estudo, gostaria de ressaltar quatro aspectos que considero importantes para que o leitor deste
relatório possa melhor compreender minhas opções. O primeiro, é que concordo com González
Rey (2005b) quando este afirma que o pesquisador está diante de um caminho singular ao
empreender o desenvolvimento de uma pesquisa, e que o planejamento desta exerce muito mais
o papel de avaliar a representação que este tem sobre o que irá estudar e a forma como pretende
78
acessar os sujeitos a serem analisados do que uma sequência rígida de etapas a serem seguidas.
Com isto, quero reforçar a ideia de que, embora a exposição sobre os procedimentos para a
produção e interpretação das informações adotados neste estudo possa dar uma ideia de
linearidade ao caminho percorrido para sua realização, esse caminho foi se constituindo em
idas e vindas em relação ao problema de pesquisa, corroborando as explicações de González
Rey e Martínez (2017) de que a construção do problema de pesquisa não é necessariamente um
processo que acontece a priori, e sim no próprio curso da pesquisa.
de um fenômeno particular, levando em conta seu contexto e suas múltiplas dimensões, irão
requerer do pesquisador estratégias diferenciadas para dele se aproximar, de modo a produzir
informações que o permitam ir além da aparência, favorecendo uma visão de totalidade do
mesmo. Nesse sentido, busquei estratégias diferenciadas para me aproximar do fenômeno
investigado.
Por fim, gostaria de ressaltar que a opção teórico-metodológica adotada neste estudo foi
ancorada na crença, como apontada por André (2008; 2013) nas vantagens dos estudos de caso,
de que esta possibilitaria:
a) uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada do fenômeno estudado;
b) retratar situações da vida real sem o prejuízo de sua complexidade e de sua dinâmica
natural;
c) a interação do pesquisador com os participantes nas situações concretas de vivência
do fenômeno estudado;
d) e o protagonismo do pesquisador.
Antes de passar para a descrição das estratégias e procedimentos, cabe mais um
esclarecimento. Em alguns tópicos, farei uso de trechos transcritos do Diário de Campo (DC),
intercalados com justificativas teórico-metodológicas, como recurso para melhor explicar os
procedimentos utilizados para a produção e análise das informações. Os trechos reproduzidos
do DC, nesta seção e em outras, serão destacados com o uso do itálico e do sombreamento para
facilitar sua identificação pelo o leitor.
1.3.1.1 Conversação
Neste sentido, durante o período em que estive participando das atividades no Colégio,
fiz uso de três dinâmicas conversacionais que denominei de Conversas Informais (CI),
Conversas Formais (CF) e Rodas de Conversa (RC).
Denominei de CI aquelas conversas que envolveram tanto os jovens quanto os
educadores, que aconteceram de forma “espontânea”, isto é, sem um agendamento prévio.
Essas CI ocorreram durante ou após a realização de atividades em que eu estava acompanhando,
como, por exemplo, a conversa realizada na praça com os jovens que estavam participando da
Missão de Solidariedade (MS); a que ocorreu no pátio do Colégio, no momento do intervalo
(recreio), com jovens que participavam das disciplinas Eletivas que eu acompanhava; as que
ocorreram com os jovens nas caminhadas entre o Colégio e a instituição beneficente onde estes
realizavam um trabalho voluntário; a que ocorreu no estacionamento do Colégio, enquanto as
jovens que haviam participado da simulação da MiniONU aguardavam os pais virem buscá-
las; ou as que ocorreram nas salas dos professores, nos momentos de intervalo ou quando algum
81
professor lá estava elaborando ou corrigindo algum material, nas “janelas” entre aulas. Pelo
caráter espontâneo, as CI não partiram de temas “previamente” estabelecidos, sendo que
algumas foram gravadas com consentimento dos participantes e outras foram transcritas
livremente no DC.
O segundo conjunto de conversações, denominadas por mim de CF, ocorreu apenas com
os educadores. Foram as conversas iniciais realizadas com a equipe gestora com o objetivo de
conhecer as atividades de cada segmento e as realizadas com a equipe gestora do ensino médio
e os professores responsáveis pela coordenação das atividades observadas após o período em
que estive participando destas. Essas conversas foram agendadas previamente e giraram em
torno de temas oferecidos por mim. Todas as conversas formais foram gravadas com
consentimento dos participantes.
O terceiro grupo de conversas, as RC, recebeu esta denominação por terem sido
realizadas com mais de um participante ao mesmo tempo, além de terem sido agendadas
previamente e gravadas com o consentimento dos participantes. Ao todo, realizei três RC com
os jovens, duas envolvendo os alunos que participaram das disciplinas Eletivas observadas, e
uma envolvendo os jovens que participaram da atividade da Pastoral (MS) da qual também
participei. Com os educadores, foram duas RC, sendo uma com a equipe pedagógica
responsável pelo Ensino Médio e outra com a equipe da Pastoral. Nessas RC, como nas CF, o
diálogo girou em torno de temas oferecidos por mim.
É importante ressaltar, como o fazem Penteado e Aguiar (2018, p. 546), “[...] que o
diálogo produzido na situação de grupo tem mediação determinada, inicialmente, por uma
intencionalidade do pesquisador e, posteriormente, pelas mediações dos participantes”, uma
vez que uma roda de conversa configura-se como um espaço que, como define Warschauer
(2001), além de propiciar o desenvolvimento da argumentação, da capacidade lógica, “[...] a
presença física do outro [também implica] inserir-se na malha da conversa, enfrentar as
diferenças, o esforço de colocar-se no ponto de vista do outro” (p. 179) forjando os nossos
próprios juízos.
Considerei como informantes potenciais professores, alunos e gestores envolvidos,
direta ou indiretamente, com/nas práticas escolares observadas. Além do fato de estarem
envolvidos nas práticas observadas, o critério para participar das CF, RC e CI, também foi o
consentimento dos participantes para que estas fossem gravadas. Ao todo, foram 52 jovens40
que participaram das CI (gravadas) e das RC. Esse total representava 18% dos alunos
Conversas Formais
CF_05 01 00:32:04
aula que dava na instituição e o horário de almoço para realizarmos a conversa. A conversa
foi realizada na sala dos professores.
Conversa realizada com o professor da disciplina Eletiva I após eu ter acompanhado suas aulas
CF_06 01 durante o ano letivo. A conversa foi realizada durante a “janela” que o professor tinha entre a 00:32:59
segunda aula e o horário do intervalo. A conversa foi realizada na sala dos professores.
CF_07 01 Conversa realizada com o Diretor em sua sala ao final do ano letivo. 00:33:11
Conversa Informal realizada com um dos professores das disciplinas Eletivas e coordenador
CI_01 01 00:08:25
da área de Exatas, durante o intervalo, na sala dos professores.
Conversa Informal realizada com uma das professora de Geografia, durante “janela” entre
CI_02 01 00:10:16
aulas, na sala dos professores.
Conversar Informal realizada com um dos professores de Língua Portuguesa, durante “janela”
CI_03 01 00:34:22
entre aulas, na sala dos professores.
Conversa Informal realizada com um dos professores de História e coordenador da área de
CI_04 01 00:27:57
Ciências Humanas e Sociais, durante “janela” entre aulas, na sala dos professores.
Conversa Informal realizada com professora de Ciências durante a realização do Fórum de
CI-05 01 Ciências da Natureza. A conversa aconteceu na sala onde estavam sendo expostos os trabalhos 00:35:17
Conversas Informais
realizados pelos alunos que ela orientou.
Conversa Informal realizada com uma jovem que participava da PJ, durante o trajeto entre o
CI_06 01 00:14:55
Colégio e a instituição beneficente onde realizava um trabalho voluntário.
Tipo de No
Código Descrição Tempo de gravação
conversação participantes
Conversa Informal realizada com três jovens que estavam participando da Missão de
Solidariedade, após retornarmos das comunidades onde passamos os dois primeiros dias. A
CI_07 03 00:25:49
conversa ocorreu na praça em frente à Igreja Matriz, enquanto aguardávamos o restante dos
participantes retornarem das comunidades.
Conversa Informal realizada com uma jovem que estava participando da Missão de
Solidariedade após retornarmos das comunidades onde passamos os dois primeiros dias. A
CI_08 01 00:10:29
conversa ocorreu na praça em frente à Igreja Matriz, enquanto aguardávamos o restante dos
participantes retornarem das comunidades.
Conversa Informal realizada com ex-aluna da Escola que estava participando da MS após
retornarmos das comunidades onde passamos os dois primeiros dias. A conversa ocorreu na
CI_09 01 00:36:53
praça em frente à Igreja Matriz, enquanto aguardávamos o restante dos participantes
retornarem das comunidades.
Conversa Informal realizada com com o casal de irmãos que nos hospedou durante a Missão.
CI_10 02 00:16:10
A conversa ocorreu em um dos momentos em que estávamos andando pela comunidade.
Conversas Informais
Conversa Informal realizada com dois jovens que participavam da disciplina Eletiva II. A
CI_11 02 00:14: 53
conversa foi realizada no pátio da escola, durante o intervalo das aulas.
Conversa Informal realizada com duas jovens que participaram da simulação mini-ONU. A
CI_12 02 conversa aconteceu ao final da simulação, no estacionamento do Colégio, enquanto as jovens 00:22:06
aguardavam os pais irem buscá-las.
Conversa Informal realizada com dois jovens que participaram da Mini-ONU, realizada no
CI_13 02 auditório da escola, após a realização apresentação que os jovens que participaram da 00:30:39
MiniONU fizeram para os alunos do 9o ano do Ensino Fundamental..
Roda de Conversa realizada com os jovens que participaram da MS. Esta RC ocorreu três
RC_01 12 00:44:17
semanas após o término da Missão, nas dependências do Colégio.
Roda de Conversa realizada com a equipe da Pastoral, após realização da MS, na sala da
RC_02 04 00:48:09
coordenação da Pastoral.
Roda de Conversa realizada, em sala de aula, com os alunos matriculadas na disciplina Eletiva
RC_03 25 00:36:24
I no final do período letivo. O professor não participou da RC.
Roda de Conversa realizada, em sala de aula, com os alunos matriculadas na disciplina Eletiva
RC_04 21 01:00:43
II no final do período letivo. O professor não participou da RC.
Rodas de Conversa
Roda Conversa com a Coordenadora Pedagógica e a Orientadora Educacional do Ensino
RC_05 02 00:53:46
Médio. Esta RC ocorreu ao final do ano letivo, na sala da Coordenação Pedagógica.
Fonte: Elaboração própria.
85
Nas transcrições41 das conversações, dividi os diálogos em trechos (de acordo com o
turno da fala) para facilitar a recuperação destes no todo da conversação. Além disso,
considerando que as significações não são apenas construções de caráter cognitivo e verbal,
mas sim uma unidade entre emocional e simbólico, também utilizei alguns marcadores que
possibilitassem mapear e considerar aspectos emocionais na fala dos sujeitos,
Apresento, no Quadro 5, as simbologias utilizadas nas transcrições.
Quadro 5 – Quadro de Simbologia utilizada na transcrição das conversações.
Simbologia Significado
[palavra] Comentário do pesquisador
[...] Recorte efetuado na transcrição
< palavra > Termo não compreendido claramente
(#) Fala inaudível
MAIÚSCULAS Palavra ou frase pronunciada com ênfase
... Pausa ou hesitação na fala
Ahã, Uhum Afirmação ou concordância
T-T Negação ou discordância
Fonte: Elaboração própria
Além das conversações, outra estratégia de que fiz uso como fonte de informações foi
a observação, bastante utilizada nos estudos de caso, que ganha o adjetivo “participante”,
segundo André (2013, p. 26), pelo fato de o pesquisador ter “[...] sempre um grau de interação
com a situação estudada, afetando-a e sendo afetado por ela”. Neste tipo de observação, ainda
segundo a autora, “[...] os eventos, as pessoas, as situações são observados em suas
manifestações cotidiana” (p. 26).
Velho (1978) também me fez pensar sobre a possibilidade de utilizar a observação
participante como técnica para a produção de informações nesta pesquisa. Em seu texto
intitulado “Observando o familiar”, ele afirma que “O que sempre vemos e encontramos pode
ser familiar, mas não é necessariamente conhecido” (p. 39, grifo do autor). Ou seja, podemos
estar acostumados a uma certa “paisagem social”, porém isto não significa que compreendamos
a lógica das relações que as constituem, tampouco os sentidos constituídos a esta mesma
“paisagem” por todos que nela habitam. Com isto, o autor chama a atenção para o cuidado que
o pesquisador deve ter ao estudar os fenômenos sociais, pois a realidade, seja ela familiar ou
exótica, “[...] sempre é filtrada por um determinado ponto de vista do observador” (VELHO,
1978, p. 42). Ao pontuar essa questão, Velho (1978, p. 43) nos mostra a importância de
41 Uma mostra de como foi feito o tratamento das transcrições das conversações encontra-se na Figura 9, página
96
86
42 Vale ressaltar que a identificação desses indícios foi realizada a partir de conversas com a equipe gestora, da
leitura da ementa e/ou proposta das atividades, levando em consideração a possibilidade de na atividade serem
abordadas questões que envolvessem, de uma forma direta ou indireta, uma ou mais dimensão da desigualdade
social apontada por Therborn (2010; 2013). Esses indícios serão melhor explicitados no item 2.3
87
Para não me esquecer dos detalhes observados e das ideias que me vinham à mente no
momento em que observava/participava das atividades, registrava algumas breves notas para,
posteriormente, transformá-las em um texto que registrava em meu DC. A elaboração desse
instrumento de registro foi inspirada em Mills (2009) e Barbier (2002), e em minha experiência
como professora orientadora de estágio.
O DC serviu como um “guia” para minhas ações. Nele, registrava as minhas idas ao
Colégio, as atividades que realizava (participação em aulas/eventos; encontros com gestores,
professores e alunos; consulta de material, entre outras) e minhas impressões sobre o que
observava/vivenciava naqueles momentos. Enfim, o DC foi um recurso que utilizei para
registrar, além do que retive da observação das práticas, de alguma conversa realizada durante
ou após essas observações, também, as dificuldades encontradas, as surpresas e as reações das
pessoas, os questionamentos sobre o que observava/ouvia/lia.
Embora eu tenha registrado as observações relacionadas à MiniONU, bem como as
relacionadas ao Fórum de Ciências da Natureza, não incorporei essas observações no corpus
de análise das práticas escolares devido ao volume de material a ser analisado. Isto não
significa, entretanto, que essas práticas observadas não contivessem elementos que pudessem
contribuir para os propósitos dessa pesquisa. Priorizei, para a análise, as práticas que
possibilitaram aos jovens participar de uma intervenção social (PJ, MS e Eletiva II) e um
trabalho sistematizado com indicadores socioeconômicos (Eletiva I).
88
Código Referência
DCAG Refere-se às anotações gerais
DCMS Refere-se às anotações sobre a Missão de Solidariedade (MS)
DCPJ Refere-se às anotações sobre a Pastoral Juvenil (PJ)
DCDE Refere-se às anotações sobre as Disciplinas Eletivas
DCMO Refere-se às anotações sobre a MiniONU
DCFCN Refere-se às anotações sobre o Fórum de Ciências da Natureza
Fonte: Elaboração própria.
1.3.1.3 Documentação
No âmbito da pesquisa científica, Severino (2007, p. 124) define documento como todo
objeto que se torna suporte material de uma informação que é nele fixada e classifica a
documentação como uma “[...] técnica de identificação, levantamento, exploração de
documentos e fontes do objeto pesquisado e registro das informações retiradas nessas fontes
que serão utilizadas no desenvolvimento do trabalho”.
Lüdke e André (1986, p. 39) ressaltam que, uma vez que as fontes documentais “[...]
surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto”,
possibilitam, ao pesquisador, ampliar a compreensão do contexto social, histórico e político em
que o fenômeno pesquisado se constitui. Outro aspecto ressaltado pelas autoras é que, por serem
uma “[...] fonte estável e rica”, os documentos possibilitam ser visitados e revisitados inúmeras
vezes pelo pesquisador, subsidiando seu trabalho de interpretação.
Também fiz uso da documentação por entender que a proposta educacional de uma
instituição é materializada não somente nas ações de seus agentes, mas também nas intenções
registradas em seus documentos norteadores. Intenções que expressam tanto um caráter
obrigatório de cumprimento por todos aqueles que participam dos processos referidos nos
documentos, quanto um caráter indicativo, um consenso, um compromisso que pode ter sido
definido coletivamente. Neste sentido, meu entendimento é que os documentos escolares não
são apenas um suporte material de uma informação que é nele fixada, eles carregam em si as
significações que os “sujeitos coletivos”43 de uma dada instituição possuem sobre o processo
43Apoiando-me em Silva, J. (1996), quando este afirma que a existência dos sujeitos coletivos nas instituições
educacionais é o que as sustentam e as conduzem numa ou noutra direção, tomo emprestado este termo, por
entender que a elaboração dos documentos institucionais expressa uma ação intencional e deliberada de um
89
grupo de educadores em assumir uma tarefa comum. Os documentos representam a expressão da identidade
coletiva do grupo, servindo como um subsídio para as ações de seus membros, sejam elas realizadas individual
ou coletivamente, garantindo, nesse sentido, um sentimento de pertença.
44 Província Religiosa – Circunscrição eclesiástica agrupando diversas casas religiosas, erecta canonicamente e
colocada sob a presidência de um Superior Provincial. Para a criação de uma província conjugam-se condições
de autonomia financeira, número de efectivos e a existência de estruturas de suporte à vida religiosa e pastoral.
(FRANCO et al., 2013, p. 32)
90
1.3.1.4 Questionário
Para conhecer o perfil socioeconômico dos jovens que estavam participando das práticas
escolares observadas, elaborei um questionário baseando-me em Negri (2012), que, em sua tese
de doutoramento, ao realizar uma revisão de estudos sobre estratificação social, concluiu que
os principais indicadores empíricos usados para caracterizar “[...] a posição socioeconômica
dos indivíduos no espaço social são o nível educacional e o nível de rendimentos”. Outro
aspecto apontado pela pesquisadora, que também deve ser levado em conta, é o que ela
denominou características secundárias, “[...] práticas culturais e religiosas, formas de lazer e de
utilização do tempo livre, entre outros aspectos” (NERI, 2012, p. 28).
Com base nessas considerações, o questionário elaborado por mim, que se encontra no
Apêndice A, foi dividido em seis tópicos: identificação; residência; escolarização;
profissão/escolarização dos pais; atividades socioculturais dos pais; lazer dos jovens. Além
desses tópicos, acrescentei mais um: atividades que participavam na escola.
O cenário não significa o espaço físico onde a pesquisa ocorre, e sim uma construção
relacional-dialógica entre pesquisador e participantes, envolvendo a confiança entre ambos, não
se limitando apenas ao seu momento inicial. O pesquisador deve estar constantemente atento a
91
esse processo ao longo da realização da pesquisa, uma vez que representa um elemento
essencial na produção de sentidos.
Foi pensando nesta questão que, inicialmente, minha intenção era que esta pesquisa
fosse realizada em duas das instituições45 onde havia realizado a pesquisa de mestrado
(KULNIG, 2010). Considerando que já havia um envolvimento anterior com essas instituições,
acreditei que isso facilitaria a construção desse cenário. Com isto em mente, iniciei os primeiros
contatos com todas as cinco escolas participantes da pesquisa realizada no mestrado, com o
propósito de agendar um encontro com a Direção para apresentar a proposta desta nova
pesquisa e verificar a abertura dessas instituições para acolhê-la. No entanto, três instituições
(Colégios A, C e D) não retornaram à solicitação de agendamento de um horário, mesmo após
algumas tentativas feitas por mim.
As escolas estão demorando a dar um retorno! Lembro-me que, à época do mestrado, das oito escolas
contatadas, uma não retornou a minha solicitação e duas escolas não permitiram a realização da pesquisa.
Uma delas, inclusive, justificou a não aceitação por conta do tema da pesquisa. Alegou que este tema poderia
trazer algum “constrangimento” na relação com as famílias. Se naquele ano, não havia uma discussão tão
acirrada sobre a questão “ideológica, de “doutrinação” nas escolas, este ano é bem capaz de eu ter dificuldade
que alguma escola aceite que eu realize a pesquisa nos moldes a que estou me propondo! Vamos aguardar!
(Excerto do DCG)
Terceira tentativa de contato com as escolas que ainda não deram retorno. Os Colégios A e C disseram,
novamente, que retornariam o contato. Sinal de que não abrirão espaço para que a pesquisa seja realizada. Já
a pessoa com quem falei do Colégio D explicou-me que a agenda da Direção está muito apertada neste mês e
que ela tentará agendar para o mês que vem. Como já tenho a resposta positiva do Colégio E e estou
aguardando um retorno do encontro que tive no Colégio B, não insistirei mais com essas escolas! (Excerto do
DCG)
Foquei nas duas instituições que se dispuseram conhecer a proposta da pesquisa. Estava
esperançosa de que as duas abrissem as portas da instituição para que eu pudesse realizá-la. No
entanto, não foi este o retorno que tive do Colégio B.
Hoje, apresentei a proposta da pesquisa no Colégio B. Fiquei um pouco frustrada pois achei que seria recebida
pela mesma coordenadora que me recebeu quando fiz contato com a escola para apresentar a proposta da
pesquisa que realizei no mestrado. Quem me atendeu foi o coordenador do Ensino Médio. Não o conhecia.
Pelo que conversamos, entendi que ele trabalhava na escola na época em que realizei a pesquisa do mestrado,
porém, não demonstrou ter conhecimento sobre a pesquisa. Usei a mesma estratégia que utilizei com a diretora
do Colégio E para apresentar a proposta da pesquisa. Fiquei um pouco desanimada com este encontro. Apesar
do Coordenador me relatar algumas atividades realizadas pela escola, que aliás acho que serão bastante
interessantes para minha pesquisa, não o achei muito receptivo à minha proposta. Durante nossa conversa, ele
fez questão de deixar claro que a rotina da escola é muito densa, que os alunos já são envolvidos em muitas
atividades e que acrescentar mais uma atividade na rotina deles poderá não ser tão produtivo, mesmo eu tendo
45 Na ocasião da pesquisa do mestrado, a escolha das escolas baseou-se em critérios como: valores da
mensalidade praticada, resultados obtidos no Enem e prestígio/fama/imagem da instituição no seio da
comunidade capixaba. Considerando que nesta amostragem havia escolas confessionais e laicas, a minha
intenção inicial era de trabalhar com uma escola laica e outra confessional.
92
explicado que a minha intenção era interferir o mínimo possível na rotina da escola! De qualquer maneira, ele
não descartou a possibilidade de a pesquisa ser realizada. Porém, como esta decisão não cabe a ele, pediu que
eu envie, formalmente, uma solicitação, que pode ser por e-mail, para que ele a encaminhe à Direção da escola
(Excerto do DCG).
Liguei para o Colégio B hoje. Acho que não vão aceitar que eu faça a pesquisa lá, pois até agora, nada de
darem um retorno sobre o projeto enviado. Muito estranho, pois são sempre cuidadosos em relação ao retorno
de qualquer solicitação. A secretária que atendeu meu telefonema pediu desculpas em nome da escola pelo fato
de não terem respondido ao meu e-mail e disse que entraria em contato com o coordenador e que depois me
daria um retorno (Excerto do DCG).
O Coordenador do Ensino Médio do Colégio B fez contato. Foi o que imaginei. Não será possível realizar a
pesquisa na escola. Ele me pediu desculpas por não ter me respondido logo. Alegou que os alunos têm muitas
atividades e que não teria como acrescentar mais uma em sua rotina. Disse também que por conta da
dinamicidade do cotidiano da escola, não teriam como designar uma pessoa para acompanhar meu trabalho.
Fiquei frustrada. Queria muito realizar a pesquisa nesta escola, pois das cinco escolas escolhidas, ela está no
topo, considerando o indicador do nível socioeconômico divulgado pelo INEP. (Excerto do DCG).
Assim que fiz o primeiro contato com o Colégio E, a secretária prontamente marcou um
horário com a Direção. Fui atendida pela Diretora Geral da escola e, neste encontro,
conversamos sobre as motivações que eu tinha para a realização deste estudo e a ideia de, em
um primeiro momento, ter “carta branca” para poder conversar com a equipe, conhecer os
processos da escola e, a partir desse contato inicial, decidir que processos e segmento
acompanharia.
Durante nossa conversa, a Diretora pareceu-me bem receptiva à proposta e expressou, em alguns momentos,
que o fato de me conhecer, conhecer a seriedade, o comprometimento e o discernimento que tenho em relação
ao trabalho, são fatores importantes para liberar a realização da pesquisa. Porém, como a escola possui uma
gestão colegiada, terá que apresentar a proposta ao Diretor Adjunto, responsável pelo educacional, para tomar
uma decisão. Solicitou que eu envie um e-mail com uma síntese do que conversamos para ela apresentar ao
Diretor Adjunto (Excerto do DCG).
Três dias após o envio dessa síntese, recebi um e-mail da diretora confirmando a
possibilidade de realização da pesquisa na escola. Nesse e-mail, ela propôs que eu apresentasse
o projeto de pesquisa para a equipe pedagógica: “Pensamos ser interessante sua vinda ao
colégio numa terça-feira pela manhã, para que converse com a equipe pedagógica sobre seu
projeto, uma vez que você transitará pela escola e estará em contato direto com toda a equipe”
(Trecho do e-mail enviado pela Direção).
O espaço do diálogo com a direção da escola estava criado e o convite para apresentar
o projeto de pesquisa foi a possibilidade de abrir espaços de diálogo com a equipe pedagógica.
Quando cheguei à escola, fiquei aguardando ser chamada, pois, pelo combinado com a diretora,
eu não participaria de toda a reunião.
93
Não levei nenhuma apresentação formal para a reunião de hoje com a equipe pedagógica. Resolvi conversar
com a equipe, da mesma forma como fiz com a Diretora: falar sobre as motivações que me movem para a
realização desta pesquisa, destacando dois episódios: o das balas46, que ocorreu quando trabalhei em uma
escola de educação básica, e o do bolo, que ocorreu quando eu realizei a pesquisa do mestrado47. À medida
que fui expondo minhas motivações/intenções, fui percebendo algumas reações positivas, uma receptividade
às minhas intenções: sorrisos, gestos de anuência com a cabeça.
Alguns expressaram ser a temática da pesquisa proposta bastante relevante e que eu poderia contar com o
apoio deles. Senti que o espaço para um diálogo está se ampliando! Preciso cultivar isto! O desafio agora será
manter este espaço de diálogo com os professores e alunos!
Durante a reunião, também expliquei para a equipe que, neste primeiro momento, eu não tenho uma definição
de que segmento e ou processos estarei acompanhando, tampouco de instrumentos que serão aplicados. O meu
primeiro contato com eles tem como objetivo conhecer um pouco mais da escola, sua estrutura e
funcionamento. Portanto, eu estarei agendando momentos de conversa com eles e, a partir deste contato inicial,
decidir que processos/segmento acompanharei (Excerto do DCG).
Depois desse encontro com a equipe pedagógica, o próximo passo foi marcar um horário
com o Diretor Adjunto para estabelecermos os procedimentos para minha entrada e circulação
na escola. Nesse encontro, ele expressou o seu interesse pela temática da pesquisa e enfatizou
que gostou bastante da conversa que tive com a equipe pedagógica na reunião. Mais um espaço
de diálogo/interação estava se abrindo!
Hoje, no encontro que tive com o Diretor Adjunto, acordamos que não haverá necessidade de solicitar
autorização prévia à Direção para eu agendar algum encontro com a equipe pedagógica ou os professores.
Nem para acompanhar alguma atividade. Porém, a minha entrada no Colégio deverá ser pela portaria
principal, onde são registradas as entradas e saídas dos visitantes, e eu deverei usar um crachá de visitante
durante todo o período em que estiver na instituição. Acordamos, também, como solicitado no e-mail enviado
pela Diretora, que eu apresentarei à Direção, antes de aplicar, qualquer instrumento que for utilizar na
pesquisa. Depois de nossa conversa, o Diretor Adjunto levou-me a alguns setores da escola para ser
apresentada e explicar que estarei realizando uma pesquisa. Também fomos até a sala dos professores do
Ensino Fundamental II e Ensino Médio e ele me apresentou a alguns professores que lá estavam (Excerto do
DCG).
Para a análise das conversações (CF, CI, RC) fiz uso do procedimento metodológico de
análise e interpretação denominado Núcleos de Significação, elaborado por Aguiar e Ozella
(2006; 2013) e discutido por Aguiar, Soares e Machado (2015) e Penteado e Aguiar (2018), que
tem como objetivo “[...] instrumentalizar o pesquisador, com base nos fundamentos
epistemológicos da perspectiva sócio-histórica, para o processo de apreensão das significações
constituídas pelo sujeito frente à realidade com a qual se relaciona” (AGUIAR; SOARES;
MACHADO, 2015, p. 59), ou como afirmam Penteado e Aguiar (2018, p. 538) “[...] viabilizar
o processo analítico-interpretativo de pesquisas qualitativas, baseadas no método materialista
histórico dialético”.
Como afirmam seus idealizadores, o esforço de análise empreendido pelo pesquisador
deve partir do empírico (a palavra com significado) para superá-lo (aproximar-se das zonas de
sentido). Ou seja, a partir daquilo que foi dito pelo sujeito, apreender aquilo que não foi dito,
95
[...] dialético em que o pesquisador não pode deixar de lado alguns princípios, como
a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos que constituem as significações
produzidas pelos sujeitos, as contradições que engendram a relação entre as partes e
o todo, bem como deve considerar que as significações constituídas pelos sujeitos não
são produções estáticas, mas que se transformam na atividade da qual o sujeito
participa.
constituem. “Os núcleos devem ser construídos de modo a sintetizar as mediações constitutivas
do sujeito; mediações essas que constituem o sujeito no seu modo de pensar, sentir e agir”
(AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 310).
Essa terceira etapa é a que mais se distancia do empírico e se aproxima da realidade
concreta. É constituída por dois processos: o processo articulação dos indicadores, como já
explicado, e o processo de teorização dos achados da pesquisa, processo este que exigirá do
pesquisador “[...] superar as teses e antíteses que vieram à tona nas etapas anteriores do
tratamento dos dados, almejando mais propriamente a síntese” (AGUIAR; SOARES;
MACHADO, 2015, p. 71). O processo é finalizado com a análise internúcleos que tem como
finalidade “[...] interpretar e explicar o fenômeno estudado em uma totalidade mais ampla”
(PENTEADO; AGUIAR, 2018, p. 541).
Aguiar e Ozella (2013, p. 311) ressaltam que a articulação dos conteúdos intra e
internúcleos, “[...] analisados à luz do contexto do discurso em questão, à luz do contexto social
e histórico, à luz da teoria”, possibilitará uma análise interpretativa mais complexa e
sintetizadora. E, como enfatizam Aguiar, Soares e Machado (2015, p. 72),
Considerando que o conhecimento científico é uma síntese, e não uma abstração, esse
momento – sempre articulado intrinsecamente aos outros – se configura como
expressão do esforço do pesquisador para criar, como diz González Rey (2003, 2005),
“zonas de inteligibilidade” sobre o real, para produzir mediante o pensamento teórica
e metodologicamente orientado, conhecimento científico com clara intencionalidade
de ser crítico.
Com estas reflexões em mente, iniciei a etapa de levantamento dos pré-indicadores. Para
isso, realizei várias leituras das transcrições das conversações (CI, CF e RC), ao mesmo tempo
em que ouvia sua gravação. Pois, apesar da tentativa de ter marcado, nas transcrições, elementos
que expressassem uma carga emocional na fala dos participantes, a leitura das transcrições
ouvindo, simultaneamente, as gravações enriqueceu este processo de análise.
À medida que ia realizando a leitura, destacava, em negrito, os pré-indicadores, trechos
que interpretava como relevantes pelo seu aspecto emocional e simbólico, processo que fiz em
cada conversação transcrita, como exemplificado na Figura 9 (p. 97).
Após a identificação dos pré-indicadores, para cada conversação transcrita construí um
quadro com os indicadores (Figura 10). Considerando que a elaboração dos indicadores
significou um processo de muitas idas e vindas ao texto original das transcrições das
conversações analisadas, identifiquei os trechos que continham os pré-indicadores,
possibilitando, desta forma, voltar “o recorte da fala” ao seu “contexto de produção”,
97
procurando garantir o que Aguiar e Ozella (2006; 2013) ressaltam como importante no processo
de análise: partir da palavra significada, inserida no contexto que lhe atribui significado.
Figura 9 – Print de tela da primeira página de uma das transcrições das conversações.
coletivo” educadores. Da mesma forma que fiz com os indicadores, identifiquei o trecho da
conversação e acrescentei a identificação desta.
Figura 11 – Print de tela de parte de quadro elaborado na etapa de construção dos núcleos de significação.
Dos procedimentos adotados pelo grupo coordenado por Machado (2010) para a análise
dos textos literários, utilizei a proposta de percorrer os documentos com termos-pivô48. Isto
possibilitou-me uma primeira aproximação com estes textos, uma espécie de voo panorâmico,
que foi facilitado pelo fato de ter tido acesso aos documentos por meio de sua versão eletrônica.
Desta forma, utilizando ferramenta de busca, percorri os textos utilizando alguns termos-pivô
relacionados à temática da desigualdade social como, por exemplo, o termo “igual”, que
possibilitou-me encontrar outros termos derivados como igualdade, desigualdades, igualitária.
À medida que percorria os textos dos Doc_01, Doc_02 e a parte comum do Doc_03, destacava
os trechos onde estes termos e suas dferivações eram encontrados, desde que as significações a
eles relacionadas tivessem ligação com a temática pesquisada como exemplificado na Figura
12.
Outros termos-pivô utilizados para aproximar-me do texto foram: acesso, diferença,
distribuição, diversidade, dominação, elite, equidade, estratificação, exclusão, hierarquia,
humilhação, justiça, mérito, natural, oportunidade, pobre, privilégio, rico.
Figura 12 – Print de tela de parte do quadro construído com identificação de trechos dos documentos contendo
os termos-pivô
48 Em sentido figurado, a palavra pivô refere-se à sustentação principal de algo, de uma coisa que gira em torno.
Geralmente, é um termo que sintetiza a filosofia, a doutrina e a ideologia de um discurso. O termo-pivô pode ser
utilizado como um marcador de referência para análise de discursos, como um procedimento auxiliar (Matos,
2010).
101
Depois deste voo panorâmico, desta primeira aproximação com o texto, e considerando-
49 Ver Apêndices B e C
50 Ver Apêndice D
104
(Excerto do DCPJ_04)
Esta segunda parte do relatório é dividida em cinco seções: na primeira seção, apresento
uma breve caracterização da instituição investigada, do contexto em que está situada e dos
participantes da pesquisa. A segunda seção tem como eixo de exposição a primeira questão que
norteou esta investigação: como a temática da desigualdade social é apresentada e significada
nos documentos norteadores da instituição. Na terceira seção, justifico a escolha das práticas
observadas, apresento uma descrição destas e como a desigualdade social foi apresentada e
trabalhada nessas práticas. Por fim, na quarta e quinta seções, a partir da análise das
conversações realizadas com os educadores e os jovens, apresento, respectivamente, as
significações constituídas sobre o trabalho com a temática da desigualdade social e sobre a
desigualdade social a partir das e nas práticas realizadas.
54Com base nos valores de setembro de 2003, era considerada rica, segundo a linha de riqueza nacional, a
família cujo piso era uma renda mensal acima de R$ 10.982,00 por família. A renda média mensal dessas
famílias era de R$ 22.487,00. (POCHMANN et al, 2005).
107
Figura 15 – Massa de riqueza55 das famílias ricas por município capixaba – Espírito Santo, 2000.
55 Massa de riqueza = renda média familiar x número de famílias ricas (POCHMANN et al, 2005).
56 De acordo com a Nota Técnica divulgada pelo INEP, trata-se de uma medida cujo objetivo é situar o conjunto
dos alunos atendidos por cada escola em um estrato, definido pela posse de bens domésticos, renda e contratação
de serviços pela família dos alunos e pelo nível de escolaridade de seus país. Para uma leitura mais aprofundada,
ver INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Nota
técnica: indicador de nível socioeconômico (Inse) das escolas. Disponível em <
http://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/indicadores_educacionais/2011_2013/nivel_socioeconomic
o/nota_tecnica_indicador_nivel_socioeconomico.pdf>. Acesso em 10 nov. 2016.
108
escolas que apresentam um Indicador Socioeconômico Muito Alto, segundo os mesmos dados
do INEP (2015).
Figura 16 – Distribuição das escolas de Ensinos Fundamental e Médio do Espírito Santo por grupo
socioeconômico.
40
35
29,5%
30
25
20
15 11,5%
9,8%
10
4,9%
5 1,1% 0
0
Muito Alto Alto Médio Alto Médio Médio Baixo Baixo Muito Baixo
57 Património espiritual de um instituto (costumes, tradições, ideário, missão, natureza) (FRANCO et al., 2013,
p. 12). O carisma de um instituto religioso é o que o caracteriza, é sua maneira de ser e de servir à comunidade
humana. Pode ser comparado ao código genético da congregação/instituição: sua identidade, seu patrimônio
espiritual, seu passado, seu futuro.
110
Um espaço, não usual nas outras instituições privadas da região, conta, por meio de
fotos, livros, mobiliário e material escolar, a história do Colégio desde sua fundação. Além de
preservar a memória do Colégio, que faz parte de uma rede de instituições educacionais e
sociais ligada a um instituto religioso fundado na Europa, no início do século XIX, esse espaço
também preserva a memória do carisma desse instituto que marca o início de suas atividades
no Brasil no final do mesmo século.
De acordo com os preceitos de seu fundador, para o instituto, a educação é vista como
um meio privilegiado para a formação do ser humano e a transformação do mundo, alicerçada
em uma pedagogia embasada nos princípios da convivência, do cuidado ao próximo, da relação
fraterna com Cristo, do amor ao trabalho, da simplicidade e do espírito de família, devendo ser
uma presença significativa na vida das crianças, adolescentes e jovens, principalmente os mais
empobrecidos. A missão legada do fundador é vivida, hoje, por religiosos e leigos e compreende
quatro dimensões: a educação, a evangelização, a solidariedade e a advocacy58.
O Colégio está ligado a uma das unidades administrativas do instituto no Brasil
(Província), com uma estrutura que abrange escolas de caráter beneficente ou não, unidades de
assistência social e de assessoramento, cuja missão é expressa no compromisso de formar
cristãos e cidadãos comprometidos na construção de uma sociedade sustentável, justa e
solidária59.
Com 20% dos alunos matriculados no segmento da Educação Infantil, 40% nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, 27% nos anos finais deste segmento e 13% no Ensino Médio,
o total de alunos matriculados, no ano da realização desta pesquisa, representava 10% do total
das matrículas na Educação Básica em instituições da rede privada do município.
As anuidades praticadas, naquele ano, variavam entre R$ 12.120,00 e R$ 23.676,00
(Tabela 2, p. 110), valores considerados médios entre as escolas de maior prestígio da RM da
Grande Vitória.
Tabela 2 – Valores das anuidades praticadas no Colégio por segmento/série no ano de realização da pesquisa.
Valor anuidade
Segmento Série Valor anuidade
Turma integral
58 “Advocacy é, basicamente, um lobby realizado entre setores (ou personagens) influentes na sociedade. É na
realização de processos de comunicação, reuniões entre os interessados e os pedidos entre essas influências que
se dá o verdadeiro advocacy, que pode ter várias vertentes, como social, ambiental ou cultural” (ZEPPELINI,
2006, não paginado).
59 Nesta seção, será utilizado o recurso do itálico para marcar tanto os trechos transcritos dos documentos oficiais
da instituição, dos diários de campo e das transcrições das falas dos participantes da pesquisa.
111
Situado bem próximo das regiões “nobres”60 do município, e atendendo uma clientela
de classe social média, média-alta e alta e também alguns estudantes de baixa renda na
modalidade de Bolsa Social, conforme dispõe o marco regulatório da filantropia ao qual o
colégio está subordinado enquanto instituição sem fins lucrativos, a história do [Colégio] se
confunde com a história da cidade. Muitos líderes religiosos, comunitários, educacionais e
sociais foram formados pelos valores que fundamentam suas práticas educativas, conforme
descrito no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI).
Com bons resultados nos vestibulares e no Enem, o Colégio ocupa posição de destaque,
situando-se entre os seis melhores colégios da rede privada, tendo uma forte inserção social e
uma grande contribuição para a educação do Estado, de acordo com o mesmo documento.
Para monitorar os resultados dos processos educativos das unidades escolares, a
Província possui um sistema próprio de avaliação em larga escala. Participam dessa avaliação
os alunos do 5o e 9o anos do Ensino Fundamental e os alunos do 3o ano do Ensino Médio. Além
de avaliar o desempenho acadêmico dos alunos, essa avaliação fornece dados relativos ao
capital sociocultural61 dos alunos, nível socioeconômico e de escolaridade dos pais, e a
defasagem escolar 62 dos alunos, dados que são apresentados nas Tabelas 3, 4, 5, 6 e 7 (p. 111),
retirados do documento denominado Boletim da Escola, que divulga os resultados dessa
avaliação em larga escala por unidade educacional.
60 Pochmann at al (2005) define regiões “nobres” como aquelas em que habitam famílias com elevado nível de
renda, providas com equipamentos sociais e segurança. De modo geral, essas regiões possuem o valor de m2
mais elevado na cidade.
61 Capital sociocultural é a relação entre o nível de escolaridade dos pais e as condições da família, obtida por
defasagem escolar os alunos que não possuem, no início de cada ano letivo, os anos de estudo compatíveis com a
sua idade.
112
Fonte: Avaliação em larga escala realizada pela Província – Boletim da Escola (2015)
Tabela5 – Distribuição do total de alunos do Colégio segundo a maior escolaridade dos pais
Segmento
Ensino Fundamental I Ensino Fundamental II Ensino Médio
Nível
Nenhum 0,8% 0,0% 0,0%
Ensino Fundamental I 9,1% 0,9% 0,0%
Ensino Fundamental II 2,5% 1,8% 1,3%
Ensino Médio 3,3% 5,4% 14,1%
Ensino Superior 84,3% 91,9% 84,6%
Fonte: Avaliação em larga escala realizada pela Província – Boletim da Escola (2015)
Tabela6 – Bens de consumo e serviços que definem a condição socioeconômica do total de alunos do Colégio
Segmento
Itens Ensino Fundamental I Ensino Fundamental II Ensino Médio
Frequenta curso de idioma 74,4% 75,7% 31,6%
Viaja de férias todo ano com a 68% 61,4% 51,9%
família
Possui casa p/ lazer 48,8% 52,7% 40,5%
Possui tablete/Ipad 91,1% 74,8% 58,2%
TV por assinatura 95,2% 95,5% 89,9%
Aspirador de pó 68,8% 67,6% 68,4%
Fonte: Avaliação em larga escala realizada pela Província – Boletim da Escola (2015)
2.1.2.1 Os jovens
Dos 52 jovens que participaram das conversações, um pouco mais da metade era do
sexo feminino (52%), com a idade variando entre 15 e 17 anos. A maior parte dos jovens
declarou-se branco, 29% declarou-se pardo, 4% preto e 10% amarelo ou indígena.
Mais da metade desses jovens ingressou no Colégio no Ensino Fundamental, com 32,7%
iniciando nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1o ao 5o ano) e 28,8% nas séries finais (6o
ao 9o ano). Somente 21,2% dos jovens estuda na instituição desde a Educação Infantil e apenas
17,3% ingressou no Ensino Médio. Não há distorção idade-série neste grupo de jovens. Apenas
um declarou ter sido reprovado em alguma série.
Questionados sobre quais atividades realizam além das atividades escolares, 60% dos
jovens afirmou que realiza atividades físicas e esportivas semanalmente: ir para academia, jogar
basquete, vôlei, futebol, natação, caminhada e andar de bicicleta; 27% declarou que frequenta
um curso de línguas; 10% que tem aulas de música/dança; e 19% que frequenta a Igreja63.
Quando questionados sobre onde costumam passar férias, 63% dos jovens respondeu
que viaja, sendo que mais da metade informou já ter realizado uma viagem ao exterior (67,3%).
América do Norte (Estados Unidos) e América do Sul (Argentina e Chile) foram os continentes
mais visitados nessas viagens. Em relação aos pais, 57,6% dos jovens afirmou que realizam, ao
menos, uma viagem internacional ao ano.
Os jovens declararam que, em média, há 04 pessoas morando em suas residências, o
que sugere uma família com um número reduzido de pessoas. Uma boa parte desses jovens
(69%) declarou que os serviços domésticos são executados por empregados. Apenas 35% dos
jovens informou o tamanho de suas residências. Dos que declaram, 61% informou residir em
imóveis com mais 200m2 de área construída. Ainda em relação às residências, a grande maioria
declarou residir em imóveis próprios (91,3%).
63 Os jovens não especificaram a denominação religiosa das Igrejas frequentadas ao responderem o questionário.
114
A grande maioria dos jovens residem nos bairros “nobres” localizados próximos aos
bairros onde o Colégio encontra-se situado. A distribuição das residências dos alunos, de acordo
com o IDHM do bairro em que se situa, está descrita na Figura 17.
Figura 17 – Distribuição percentual das residências dos alunos que participaram das conversações de acordo
com o IDHM dos bairros onde se situam
Fonte: Elaboração própria a partir a partir de dados do questionário respondido pelos jovens e dados do IPEA,
FJP, PNUD (2014)64
Em relação à escolaridade dos pais, 68,6% concluiu o Ensino Superior. Destes, 5,8%
são doutores, 7,8% são mestres e especialistas, respectivamente; 25,5% concluiu o Ensino
Médio e 5,9% o Ensino Fundamental. As mães possuem um nível de escolaridade mais elevado
que os pais: 73% concluiu o Ensino Superior e 27% o Ensino Médio. Das que concluíram o
Ensino Superior, 23% possui Especialização e 3,8% é Mestre.
Quanto ao lazer praticado pelos pais, 53,8% dos jovens declarou que os pais frequentam
clubes; 84,6% que seus pais frequentam cinema, teatro ou museus; e 80,7% dos jovens
afirmaram que os pais realizam passeios com regularidade em sítios, fazendas ou cidades do
interior.
Todos os jovens declararam a intenção de continuar os estudos após o Ensino Médio. A
maioria (84,6%) pretende realizar esses estudos em uma instituição pública, sendo a
64 Os quintos se referem ao agrupamento dos dados ordenado em cinco partes iguais de modo que cada amostra
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) a instituição mais citada. Entre as instituições
privadas, a mais citada foi a Universidade de Vila Velha (UVV).
Em relação aos cursos que pretendem cursar, Medicina ficou em primeiro lugar na lista,
seguida de Direito e Engenharia, como demonstrado no Figura 18. Apenas 17,3% dos jovens
não soube dizer que curso pretende fazer após terminar o Ensino Médio.
Figura 18 – Distribuição percentual dos jovens por curso escolhido após o término do Ensino Médio.
2.1.2.2 Os educadores
Dos quatorze educadores que participaram das conversações, dois deles ex-alunos do
Colégio, todos possuíam quatro, ou mais, anos de experiência de trabalho na Instituição, seja
no Colégio ou em outra unidade escolar ligada à Rede de escolas do Instituto, conforme descrito
no Quadro 9.
116
Quadro 9 – Caracterização dos Educadores que participaram das conversações formais e informais registradas
por meio de gravação de áudio.
Caraterização
Categoria Participantes Tempo de experiência
Nível de Formação
Colégio / Instituição
Diretor (Dir.) Mestrado em curso Dois anos / Dez anos
Coordenadora Pedagógica EM (C. Ped.) Mestrado em curso Seis anos
Gestores Orientador Educacional EM (OE) Especialização Sete anos
Coordenador da Pastoral (C. Past.) Especialização Sete anos
Coordenador área Humanas (CH) Especialização Quatro anos
Coordenador área Matemática (CM) Especialização Dezoito anos
Profo. Eletiva I (PE1) Mestrado em curso Dez anos
Profo. Eletiva II (PE2) Especialização Cinco anos
Docentes Profo. Geografia (PG) Especialização Dezesseis anos
Profo. Produção.de Texto (PPT) Especialização Treze anos
Profo. Ciências (PC) Mestrado Quinze anos
Agente Pastoral 1 (AP1) Graduação Cinco anos
Agentes
Agente Pastoral 2I (AP2) Graduação Três anos
da Pastoral
Agente Pastoral 3 (AP3) Especialização em curso Quatro anos
Fonte: Elaboração própria a partir de informações obtidas durante as conversações.
Como informado na introdução desta segunda parte do relatório, esta seção tem como
eixo de exposição a primeira questão que norteou esta investigação: como a temática da
desigualdade social é apresentada e significada nos documentos que norteiam as práticas
escolares do Colégio. A partir da análise desses documentos, foram construídos três Núcleos
de Significação que serão apresentados e discutidos, após uma breve descrição dos princípios
que fundamentam a elaboração do projeto educativo de uma Escola Católica.
Mainardes (2006, p. 52) explica que uma “[...] política não é feita e finalizada no
momento legislativo”. Portanto, ela precisa ser lida levando em consideração o local e o tempo
de sua produção. Da mesma forma, os documentos que norteiam as práticas escolares
117
65 Concílio – Assembleia de prelados católicos presidida pelo papa ou por seu legado, para deliberar sobre
questões doutrinárias ou disciplinares. (MICHAELIS. Pequeno dicionário da lígua portuguesa (on line).
Melhoramento, 2015. ISBN: 978-85-06-04024-9. Disponível em <https://michaelis.uol.com.br/moderno-
portugues/busca/portugues-brasileiro/conc%C3%ADlio/>.
Um Concílio denomina-se “ecumênico” (do vocábulo de origem grega oikoumene, o qual significa “mundo
habitado”) quando é celebrado por toda a Igreja, reunindo os bispos do mundo inteiro, sob a autoridade do Papa.
(NOVAIS, 2016, p. 21).
O concílio Vaticano II foi uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965, pela Igreja Católica. Foi
convocado pelo papa João XXIII, sendo conduzido pelo papa Paulo VI após a morte de João XXIII. Contou com
a participação de bispos de todo o mundo. O Concílio produziu quatro constituições, oito decretos e três
declarações.
118
O diálogo, definido por esses autores como uma das palavra-chave desse concílio, é
impulsionado pela “[...] acolhida das diferenças até então vistas como estranhas, ameaçadoras
e mesmo inimigas” (PASSOS; SANCHEZ, 2015, não paginado). Novais e Silveira (2017,
p.1260-1261) reforçam essa ideia do diálogo como marca do Vaticano II ao explicarem que o
66
projeto eclesiológico que o orientou “[...] proporcionou, à Igreja Católica, assumir uma
atitude de profícuo diálogo com o mundo contemporâneo, o qual tem se estendido ao longo do
tempo”. Um diálogo que permitiu à Igreja tomar uma consciência mais profunda sobre sua
própria identidade, possibilitando-lhe uma abertura positiva ao mundo moderno, “[...] não para
se conformar a ele, mas para iluminar a fé em sua relação com ele”, como complementa (2016,
p. 21).
Nesse diálogo com o mundo contemporâneo, a Igreja refletiu e debateu sobre diversos
âmbitos da atividade humana, divulgando seu posicionamento por meio da promulgação de três
tipos de documentos:
a) as constituições, que expõe de maneira organizada a doutrina da Igreja;
b) os decretos, que desenvolvem e concretizam as constituições;
c) as declarações, em que o concílio, em nome da Igreja, toma posição frente a
determinados temas.
A declaração Gravissimum Educationis (GE), resultante das reflexões conciliares sobre
a educação cristã e proclamada pelo Papa Paulo VI em 1965, reconhece ser a educação um
direito inalienável da pessoa e que, embora, a ação educativa ocorra em diversos âmbitos,
aponta a escola como seu lugar privilegiado “[...] em cuja operosidade e progresso devem tomar
parte, juntamente, as famílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vida
cultural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana” (GE 5), visando
“[...] a formação da pessoa humana na busca de seu fim último e do bem das sociedades das
quais, como homem, ele é membro e em cujas obrigações, como adulto, ele compartilhará” (GE
1).
Nessa declaração, além da Igreja reafirmar seu livre direito de fundar e dirigir
instituições educacionais, passa a conceber a escola católica como um espaço aberto a todos
que a escolham, assumindo, assim, uma perspectiva católica67 no sentido próprio do termo
(MICHAELIS. Pequeno dicionário da lígua portuguesa (on line). Melhoramento, 2015. ISBN: 978-85-06-04024-
9. Disponível em < https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/cat%C3%B3lico/>
119
Desta forma, as tarefas da escola católica “[...] polarizam-se na síntese entre cultura e fé
e entre fé e vida; tal síntese opera-se mediante a integração dos diversos conteúdos do saber
humano, especificado nas várias disciplinas, à luz da mensagem evangélica e através do
desenvolvimento das virtudes que caracterizam o cristão” (EC 37).
Na América Latina, sob o influxo do Vaticano II, as Conferências Episcopais que se
sucederam ao concílio68, especialmente as que ocorreram em Medellín e Puebla, ao
reconhecerem a situação de desigualdade social no continente, o contexto de pobreza e injustiça
social que atingia a maior parte de sua população, reforçam a necessidade da evangelização
produzir uma mudança na estrutura social, promovendo a dignidade dos empobrecidos, como
ressaltam Junqueira e Leal (2017a).
Souza, N. (2008, p. 128) explica que as Conferências Gerais têm por característica
essencial a reflexão pastoral, não discutindo os assuntos ligados às verdades da fé. Essas
discussões, de caráter pastoral, têm sua gênese na análise profunda das realidades social,
política, econômica, cultural, religiosa e eclesial, contando com a contribuição de assessores e
peritos que fornecem elementos para uma análise crítica, precisa e atenta à realidade. Desta
forma, ao convocar a conferência de Medellín (1968), o objetivo do Papa Paulo VI era ler a
realidade latino-americana à luz do Concílio Vaticano II. No entanto, essa conferência
representou o Vaticano II da América Latina, pois os “[...] bispos fizeram mais do que isso.
Leram o Concílio à luz da realidade latino-americana” como afirmaram Siqueira, Baptista e
Teodoro-Silva (2018, p. 649).
A Conferência de Medellín foi um momento de abertura e de engajamento na luta pela
libertação e pela superação da opressão, inaugurando-se oficialmente uma forma de ver e pensar
a Igreja Católica a partir do próprio contexto dos povos latino-americanos: a teologia da
libertação69 e sua opção pelos pobres. Leal, V. (2014, p. 66) afirma que, “[...] ao contrário do
que possa parecer, [a teologia da libertação] não reduz o conceito de salvação a questões sociais,
mas procura ter uma visão global da pessoa, sendo peça chave na ação pastoral e na educação”.
Atendendo às orientações da declaração GE, as reflexões sobre a educação discutidas
em Medellín foram expostas na primeira parte do documento fruto dessa conferência, que ficou
conhecido como “Conclusões de Medellín” (DdM). Considerada como um fator básico e
decisivo para o desenvolvimento do continente, a educação escolar deixa de ser concebida
como um privilégio para alguns, para ser considerada um direito de todos, na perspectiva cristã.
Uma educação criadora, aberta ao diálogo, que afirme as particularidades locais e nacionais,
integrando-as no contexto mais amplo do próprio continente e do mundo. Uma educação que
capacite as novas gerações para uma mudança permanente e orgânica que o desenvolvimento
supõe. Porém, um desenvolvimento que se quer integral tanto em nível pessoal quanto social,
porque conduz o homem de uma condição menos humana para uma condição mais humana
(DdM, 4, 8).
Desta forma, a educação, adjetivada como libertadora no documento, é apresentada
como um “[...] meio-chave para libertar os povos de toda escravidão” (DdM, 4,8), uma
ferramenta de transformação do “[...] educando em sujeito de seu próprio desenvolvimento”
(DdM, 4, 8).
Em relação às instituições de educação católicas, é ressaltado no documento que estas
devem oferecer uma educação não apenas catequética, mas integral; uma educação para a
alteridade e a solidariedade, que devem tornar-se habilidades e competências num processo
contínuo de colaboração social. Uma educação que evidencie o compromisso com a realidade
social, em virtude das desigualdades sociais, das discriminações por motivo de raça e de posição
social (JUNQUEIRA; LEAL, 2017a; SIQUEIRA; BAPTISTA; TEODORO-SILVA; 2018)
Como sintetiza Beozzo (1998, p. 837),
completa o de Medellín, considerando que, pela educação, a pessoa não só é sujeito do próprio
desenvolvimento, mas está à serviço do desenvolvimento da comunidade.
- [...] [a oferta de] uma educação evangélico-libertadora que inclua, junto com a
capacitação técnica e científica de qualidade, a formação para a solidariedade
humana, o incentivo para o cumprimento dos próprios deveres e a promoção dos
direitos de todos, desabrochando em verdadeira fraternidade e abertura à
transcendência e aos valores do reino de Deus [...].
- [...] [uma] identidade evangélica, que implica uma identidade “comunitária” e,
como tal, deve ser definitivamente assumida na correta concepção de uma
“escola pública”. [...]
- [...] [a elaboração e a concretização de] seus projetos educacionais de forma
participativa e à luz da fé e da vivência cristã, de modo a oferecer uma educação
de qualidade, a produzir novos conhecimentos e serviços que colaborem para o
desenvolvimento econômico, cultural e social, sobretudo das grandes maiorias.
[...]
- [...] [a solidariedade] com os grupos e pessoas que lutam para que a educação
seja, de fato, um direito de todos, e o repúdio a qualquer prática que a torne
simples bem de consumo ou meio de enriquecimento. [...]
- [...] [o incentivo do] diálogo da fé com a ciência e com as diversas culturas,
buscando discernir os valores fundamentais que tornam possível a evangelização
em profundidade. (CNBB 47, 111)
Como parte de uma rede de escolas católicas de Educação Básica, além de seguir as
diretrizes emanadas da Igreja, o Colégio segue as diretrizes políticas, pedagógicas e pastorais
da Rede a qual pertence, expressas em documentos elaborados em nível interprovincial, escritos
a muitas mãos, mentes e corações (Doc_01), com o propósito de dar unidade ao processo
educativo vivido em cada instituição de ensino, respeitando e valorizando seus sujeitos, as
peculiaridades culturais e regionais e as novas demandas educativas (Doc_01), em um esforço
coletivo de realizar uma leitura atualizada do carisma institucional, voltado às necessidades dos
tempos atuais.
Do conjunto de documentos produzido no período entre 2007 e 2016, foram analisados,
como descrito no Quadro 8, aqueles que, de uma forma geral, orientam as práticas escolares
70 Ao longo deste tópico, os documentos serão identificados por códigos, conforme descrito no Quadro 6, e os
trechos originais desses documentos serão destacados em itálico, como explicado no início desta seção.
125
71Capítulo Geral – Órgão colegial, representativo de um instituto religioso, que tem a autoridade suprema.
Congrega os superiores ou delegados das casas ou das províncias conforme a orgânica de cada instituto, em
regra presidido pelo Superior Geral. Embora a periodicidade, propósito e modo de funcionamento variem com as
ordens e congregações, o Capítulo Geral tem como finalidade própria a revisão e interpretação da Regra, a
promulgação de Constituições e a imposição da observância das vigentes, a eleição do Superior Geral e outras
dignidades, assim como a decisão em última instância, salvo o que implica recurso à Santa Sé, sobre as matérias
ao nível temporal ou espiritual com interesse para toda a ordem. (FRANCO et al., 2013, p. 11)
126
b) lugar de evangelização:
O Colégio [da Rede] deve ser “um centro de aprendizagem, de vida e de evangelização” (Doc_03).
A evangelização, assim como a educação, pode ser considerada uma ação formativa,
por atingir e modificar critérios, valores, pensamentos e modos de ser e de viver de pessoas e
de comunidades como afirma Balbinot (2014). No entanto, como explica o autor, enquanto a
ação educativa, seja ela praticada na escola ou em qualquer outro espaço, é uma ação
direcionada por princípios oriundos de matrizes diversas, a ação evangelizadora será sempre
128
uma ação formativa direcionada pelos princípios da Palavra de Deus, na tradição cristã. Quando
unidas essas duas ações no espaço escolar, temos uma “escola em pastoral”. Expressão que
“[...] visa exatamente propor e assumir a atividade evangelizadora como dinamismo para todas
as atividades da Escola” (JUNQUEIRA; LEAL, 2017a, p. 346).
Juliatto (2008) explica que pastoral e evangelização são conceitos distintos, porém
intimamente ligados. O termo evangelização remete à ideia de “[...] toda e qualquer ação que o
cristão estabelece para viver os princípios e ensinamentos do Cristianismo em sua realidade
prática” (p. 39-40). Se o termo evangelização remete à ideia de ação, o termo pastoral, como o
mesmo autor ressalta, remete à ideia de “[...] organicidade e processualidade das ações
evangelizadoras dos cristãos”, levando em conta “[...] uma realidade específica, seus
interlocutores, as necessidades prementes e os meios mais adequados para se chegar a fins
predeterminados” (p. 39-40).
Retomando a explicação de Junqueira e Leal (2017a), uma “escola em pastoral” não se
propõe apenas a proclamar os valores do Evangelho, mas também vivenciá-los. Nesse sentido,
seu projeto educativo deve ser pensado e operacionalizado a partir dos fundamentos da vida
cristã, como expresso no apelo da V Conferência do Episcopado Latino-Americano ocorrida
em Aparecida, que clama à escola confessional o resgate de sua identidade católica por meio
da promoção de uma educação “[...] que ofereça às crianças, aos jovens e aos adultos o encontro
com os valores culturais do próprio país, descobrindo ou integrando neles a dimensão religiosa
e transcendente” (DAp, 334).
Desta forma, por meio da transmissão sistemática e crítica das ciências, do saber e da
cultura, a Escola Católica deve fazer com que “[...] Jesus Cristo seja conhecido, amado, seguido
e anunciado com ardor, como o homem perfeito e fundamento de tudo, em quem todos os
valores humanos encontram sua plena realização” (CELAM, 2011, parágrafo 03). Em outras
palavras, uma “escola em pastoral” propõe “[...] fazer presente a tarefa evangelizadora no mais
próprio de seus afazeres, a transmissão curricular” (CELAM, 2011, parágrafo 20).
Encontramos ecos desse apelo nos documentos analisados, que apontam que as
instituições educacionais ligadas à Rede, entre elas o Colégio, devem assumir, dentre as
diversas configurações propostas em seu projeto educativo, a de um Espaçotempo72 de pastoral
que articula fé, cultura e vida. Isto significa, como descrito no Doc_01, impregnar os conteúdos
Nesse sentido, considerando o currículo não como uma mera lista de conteúdos que não
fazem referência à vida, mas sim um artefato cultural que diz da concepção de homem que o
fundamenta, Pessotto, Resende e Peroza (2015) afirmam que é possível evangelizar pelo
currículo por meio da inculturação do Evangelho, um processo por meio do qual “[...] a
evangelização se faz a partir de dentro da cultura do grupo humano que se quer evangelizar e
não como algo extrínseco e estranho a ela” (AZEVEDO, 2001, p. 29) .
73 Pautado pelos traços identitários da educação [institucional] e considerando os novos apelos oriundos dos
contextos contemporâneos, o Projeto Educativo [das escolas da Rede] orienta-se pelos seguintes princípios: [...]
Solidariedade na perspectiva da alteridade e da cultura da paz (Doc_01).
O espírito de família, o amor ao trabalho, o cultivo da simplicidade, a cultura da solidariedade próprios da
pedagogia [Institucional] são assumidos por toda a comunidade educativa como valores inegociáveis (Doc_02).
74 Projetos de intervenção social compreendem trabalhos desenvolvidos ao longo do processo curricular que
articulam os espaçotempos da aula com questões políticas, sociais e ambientais, aproximando-se do sonho [do
fundador]. Inserem-se no currículo de todos os segmentos da escola e aderem ao movimento da comunidade
humana na busca por alternativas para superar a exclusão, a má distribuição de renda, a desvalorização da
vida, a degradação do ambiente e as violências (Doc_01).
133
a transformação social, visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que
deverá ser concretizada por meio de projetos interdisciplinares e transversais que ajudem a
desenvolver a autonomia dos estudantes, estimulando-os a buscar por alternativas de soluções
para os problemas postos pela sociedade contemporânea.
Em síntese, as diretrizes emanadas dos documentos analisados enfatizam a oferta de
uma educação integral, que incorpore a dimensão técnico-científica associada aos princípios
relativos à promoção da justiça social, à multiculturalidade75, ao respeito às diferenças. Há um
apelo para que, nas práticas educativas, sejam consideradas a cultura e as condições de vida da
população em que a escola está inserida. Nesse sentido, há uma orientação para que os
educadores realizem trabalhos interdisciplinares que auxiliem os jovens, a partir de uma leitura
crítica da realidade na qual estão inseridos, a construir seus projetos de vida sustentados em
uma ética solidária. Ao enfatizarem a oferta de uma educação evangélico-libertadora, estas
diretrizes destacam, como opção metodológica, ações de intervenção social em defesa da vida,
buscando a concretização de uma sociedade mais justa. Abrem, assim, espaço para a discussão
do fenômeno da desigualdade social.
– sociais, culturais e políticos – as tradições culturais (saberes, fazeres, gostos, estéticas, identidades,
subjetividades, visões de mundo, linguagens) de diferentes grupos sociais. O multiculturalismo surge das lutas
de grupos socioculturais considerados subalternos que buscam legitimar seus saberes (Doc_01).
134
76 Tanto a PJ quanto a MS possuem um documento institucional que norteia suas ações. Os trechos transcritos
desses documentos serão destacados em itálico como já anunciado neste relatório.
77 Para um maior aprofundamento sobre a Pastoral Juvenil consultar <
https://www.cnbbo2.org.br/pastorais/pastoral-juventude/>.
135
problemas e avanços, à luz da fé, das ciências, especialmente das ciências sociais, da Palavra
de Deus e dos ensinamentos da Igreja; perceber o que é possível fazer para refletir nos
problemas ou caminhar melhor nessa trilha como sociedade, sendo agentes transformadores e
protagonistas; rever cada etapa do trabalho para tomar consciência do presente, recordar o
passado e visualizar o futuro; celebrar os acontecimentos e a própria vida.
Se as atividades da PJ são realizadas ao longo do ano, com atividades permanentes que
podem variar de acordo com os grupos organizados, a MS é uma atividade mais pontual, que
deverá ter a sua realização definida por cada unidade escolar em seu calendário letivo. É descrita
em seu documento orientador como:
a) uma estratégia educativa que possibilita a concretização de um currículo a serviço
da vida que supõe a realização de projetos comunitários, como exercício para o
desenvolvimento do senso de responsabilidade, cuidado, aprendizado
multidisciplinar e empreendedorismo;
b) um projeto que busca unificar fé e vida, rompendo com os muros da escola,
possibilitando ao educando sair de si e ir ao encontro do outro, nas mais diferentes
situações onde ele se encontra, articulando duas dimensões importantes que
deverão nortear as ações de planejamento e execução do projeto: a dimensão
evangelizadora e a dimensão solidária.
Ao ser justificada a realização da MS no documento institucional, são resgatados os
princípios que norteiam o ideário educativo do instituto, enfatizando a necessidade de serem
criadas oportunidades para projeto de convivência e de solidariedade comum entre os jovens
de diferentes classes sociais, culturas e estilos de vida, encorajando os participantes a se
envolverem em programas missionários e de voluntariado em regiões de vulnerabilidade
social (urbanas, rurais, indígenas, quilombolas, entre outras) em que poderão se deparar com
o excesso de problemas e a deficiência de serviços essenciais para uma vida digna. Dessa
forma, a MS é descrita como uma experiência de inserção social que deverá envolver, além
dos alunos, os familiares, os educadores, os colaboradores, bem como parceiros externos,
possibilitando-lhes, por meio dessa experiência, atuar de forma sistêmica, com programas
educativos, preventivos nas áreas de saúde, lazer, formação pastoral e educativa.
No documento, são previstas três etapas para a operacionalização da MS, que deverão
ser integradas organicamente, de forma que os jovens as vivenciem como possibilidade de
estudo e de transformação social, cultivando a cultura de solidariedade e tornando Jesus
Cristo conhecido e amado: a pré-missão, a missão e a pós-missão.
136
Quadro 11 – Indícios inferidos a partir das falas dos educadores (trechos negritados) de que as práticas da Pastoral poderiam favorecer o contato dos jovens com uma
ou mais dimensão da desigualdade social (continua)
Projetos da pastoral Indícios Trechos transcritos das conversas iniciais
E aí nós [vamos] à creche [nome da instituição filantrópica], que é aqui do lado [...], e lá a gente vai fazer o trabalho
voluntário. [...] E a ideia é exatamente que eles possam participar da atividade cotidiana da... da instituição
[filantrópica]. Não é chegar lá com uma ideia nova, mas é: ajudar na tarefa, ajudar na organização, na higiene das
crianças, ajudar mesmo nesse... Nesse contexto [...] E exatamente eles poderem conviver com essas crianças. [...] Uma
- Conviver com grande preocupação minha é tirar os nossos alunos dos muros do colégio e das paredes dos seus apartamentos, né?[...]
crianças oriundas Então, o foco [da atividade voluntária realizada na “creche”], é... maior, é eles perceberem primeiro que há
de famílias de nível desigualdade.[...] E claro, aqui no colégio, vamos refletir sobre temas atuais, mas temas também que falam da
socioeconômico juventude, né? Como um todo: projeto de vida, o lugar deles no mundo, a dimensão do protagonismo, dessa questão
diferente social, da percepção que eles devem ter de que eles são agentes transformadores da sociedade. Então, o trabalho
perpassa por essa questão. (CF_03 – T18 / 20)
- Vivenciar outras
Eles [referindo-se aos alunos do Colégio] não conhecem a realidade, mesmo, então... [...] E... então, a ideia é levá-
realidades
los a entender que fora dos muros existe um mundo diferente, e às vezes paralelo, àquele que eles vivem, né? Então...
- Perceber a isso é a grande, a grande busca nossa é essa, né? É mostrar a eles que existe um mundo além do deles e que eles
existência das são agentes também responsáveis por esse mundo. Eles estão incluídos nesse mundo, né? Eles não estão paralelos
desigualdades ou acima ou abaixo, eles estão nesse mundo, e o que eles podem fazer para mudar? E aí, à luz do carisma
[institucional], à luz do que o colégio tem como prioridade, como meta, como filosofia, também levá-los a pensar essas
- Refletir sobre
questões. E... principalmente o trabalho voluntário quer mostrar para eles que eles são capazes de mudar
temas sociais determinadas realidades. E não é por uma via assistencialista. Porque é muito fácil chegar para os nossos alunos e
Pastoral Juvenil
- Perceber-se como dizer bem assim: “olha, a gente tá ajudando uma creche e a gente precisa de brinquedo”. A gente enche aquela sala
(PJ) agente de de brinquedo, como já fizemos diversas vezes. Mas para além disso, né? A dimensão afetiva, a dimensão de perceber
transformação que, do meu lugar, eu sou capaz, também, de mudar a realidade do outro. E não é simplesmente adotá-lo para fazer
as coisas por ele. Não: é dar condições para que ele também possa fazer as coisas. Então... a nossa grande questão,
- Problematizar a
o nosso grande objetivo e a nossa grande questão é isso daí. (CF_03 – T26)
hierarquização
social [...] a gente fez um trabalho antes de fazer essa festa da páscoa e eles [os alunos] foram lá e a diretora da instituição
discutiu com eles algumas questões. E a... e, num determinado momento, uma aluna nossa perguntou bem assim, é...
- Sensibilizar-se com “mas eles não ganham nada? Nem ovo de páscoa, nem nada?” Aí, ela [referindo-se à diretora da instituição] falou bem
as situações de assim “Eu posso te dizer que de uns sessenta e cinco que a gente atende, a metade só almoça e janta aqui no nosso
pobreza colégio, e não tem nada em casa”. Então, assim, isso para eles [alunos do Colégio], eles [referindo-se aos alunos da
- Favorecer uma instituição filantrópica] não terem nada para comer em casa, literalmente nada para comer, o básico...? Então esse
choque de realidade, você via os olhos deles [referindo-se aos jovens que participam da PJ] se encherem de lágrimas,
visão crítica da
porque... Para eles é algo surreal, né? [referindo-se ao fato dos alunos perceberem que muitas crianças da instituição
realidade
filantrópica não têm o que comer em casa]. E isso acontece na África, não acontece aqui do lado da casa deles, né?
Mas não, isso acontece, e está ligado à casa deles, partindo do princípio que são filhos [as crianças que estudam na
instituição filantrópica] de empregadas que muitas vezes estão na casa deles, também. Então essas visões começam
também a questioná-los sobre até o lugar deles no mundo, como é que eles percebem, que que eles estão vendo, e a
grande questão é essa, a grande demanda nossa é exatamente trazer [para a instituição filantrópica] para buscar a
reflexão de como nós podemos fazer diferente. (CF_03 – T32)
138
(continuação)
Projetos da Pastoral Indícios Trechos transcritos das conversas iniciais
[...] E aí, nós temos também o projeto da MS, que acontece em setembro, e aí eles [os alunos] vão para um local... nós
estamos trabalhando em [uma localidade no interior do estado] nesse período agora, para que eles possam vivenciar,
- Vivenciar outras lá, a experiência de como aquelas pessoas vivem, em especial os jovens. Então, é ir... ir para a lavoura, ir para o
realidades plantio de café, né? Como é que esse alimento está na minha mesa? Como é que é o processo? Como é que essas
- Ter contato com pessoas vivem? Eles [os alunos do Colégio] também sentirem isso daí, né? (CF_03 – T18)
populações/pessoas [...] já foram feitas várias experiências aqui no colégio [referindo-se à MS]. Já foram em assentamento de sem terra,
em situação de já foram de grupos indígenas, já foi no norte do estado em outros grupos, entendeu? Então assim, a gente, de tempos
vulnerabilidade em tempos, a gente varia um pouco essa escolha de local. Sempre a partir de vivenciar uma experiência que seja
social bem diferente de fato daquilo que é vivido no cotidiano. (CF_04 – T8)
- Perceber a Por mais que a gente more próximo, conheça, tenha essa proximidade geográfica, mas as lacunas sociais, etc., são
existência das grandes em relação à [localidade urbana onde realizaram a MS em anos anteriores], de fato. [...] Mas lá [referindo-se
desigualdades à cidade onde acontecerá a MS este ano], quando nós pensamos, foi até mesmo no aspecto de comunhão também com
a igreja da arquidiocese, e dizer assim: “Não, nós queremos ir para a região do interior”. “Nós queremos propor que
- Refletir sobre os nossos estudantes, eles possam ter uma experiência diferente. Que possam sair um pouco disso que é o cotidiano
Missão de temas sociais da região metropolitana”. [...] A dinâmica que tem o interior. As relações que são estabelecidas lá, a relação com a
Solidariedade - Perceber-se como terra, com a ecologia, a própria questão cultural. [nome da cidade], ela é uma cidade, um município quem tem uma
(MS) agente de diversidade religiosa interessante, mas que eles dialogam muito bem. Então, você tem lá uma variedade de
transformação denominações religiosas que tem trabalhos que se conseguem parceria. Você tem ali uma... o próprio ser um município
de interior traz algumas qualificações bem interessantes. (CF_04 – T16 / 18)
- Sensibilizar-se com
as situações de Há um olhar diferente para a realidade. Não só sob a minha ótica, mas a ótica do outro também. E esse outro que
nesse momento está longe, mas que isso ajuda também no aspecto interno, porque dependendo da experiência e da
pobreza
abertura para o retorno para casa já vai ser diferente. (CF_04 – T82)
- Realizar atividades Até pela maneira como a gente pensa o planejamento da MS. De fato, há... aí volta àquela diferença. Àquela diferença
de cunho básica em relação ao que de fato você pode refletir sobre a questão da desigualdade, vivenciar a desigualdade e tentar
assistencial dar assistência. A assistência que pode ser dada. Nesse caminho, eu acredito que uma das questões que podem chamar
- Desnaturalizar muita atenção é exatamente esse fato de viver essa realidade junto com as pessoas. Existe uma dinâmica dentro da
alguns igreja que eu acho muito interessante. Eu não me lembro de qual o documento, mas eles falam sobre isso, quando falam
valores/conceitos assim, “Permitir que os pobres nos eduquem”. Isso não é fácil fazer, essa dinâmica não é simples. Por quê? Porque
o modo de vida, o jeito de viver, o olhar que eles têm para com a realidade, isso traz uma diferença extraordinária...
extraordinária. Então, eu acredito que nessa dimensão da desigualdade social, um elemento fantástico é essa dimensão
da humildade. (CF_04 – T90)
139
(continuação)
Projetos da Pastoral Indícios Trechos transcritos das conversas iniciais
A relação de mercado, a geração consumista, do bom e do melhor o tempo todo, aquilo que é mais atual, eu tenho... as
melhores marcas [referindo-se aos alunos do Colégio]. Isso possivelmente, conhecendo um pouco da realidade [da
comunidade onde será realizada a MS], eles não vão encontrar isso. Eles vão encontrar o que é necessário para a vida.
Sem tanta abundância, mas vão encontrar o que é necessário para viver. E até mais ainda nos dois primeiros dias.
Porque vida de interior tem as suas belezas, mas tem as suas dificuldades. Eles vão viver isso com a falta de água
[no município]. Eles vão ouvir isso: “onde planta, mas não colhe”. E a renda da família está na colheita. E aí? Não
- Vivenciar a tem renda. Como é que vive? Vive de bico. (CFEd_5 – T102)
experiência da Quando se têm essa missão, os locais e a vivência são pensadas... porque eles [referindo-se aos jovens] vão passar,
conversão eles vão andar por plantações assim. Eles vão visualizar, eles vão ouvir o relato. Pode ser que na hora a consciência
Missão de não consiga captar. Mas aí, entra o aspecto da reflexão, que nós enquanto organizadores fazemos e temos que fazer,
Solidariedade - Favorecer uma que aí vem o dado mais formativo e concreto. Quando, por exemplo, nas diversas visitas que eles vão fazer, eles vão
(MS) visão crítica da poder encontrar e diagnosticar que existe um alto índice de descoberta de câncer. Mas, por que isso? Qual a
realidade influência disso? Então, a gente vai onde eles trabalham aqui e aqui, utilizam esse e esse agrotóxico, à longo prazo,
assim, assim, assado, nem sempre tem o EPI necessário, nem sempre as condições de trabalho são tão favoráveis.
Ou senão, vai encontrar uma situação aonde pode acontecer um grande índice depressivo. (CFEd_5 – T108)
Aí, vem exatamente a dimensão, de fato a experiência da MS ela tem esse dado fortíssimo da vivência. É um dos eixos
fortes... é a vivência. Porque é uma vivência... aí sim, é uma vivência que deve ter esse cunho reflexivo, porque é uma
vivência que, no mundo religioso, a gente utiliza... uma vivência que provoque conversão. A conversão é o olhar
para o dado de fato que foi vivenciado, mas também é refletir sobre aquilo e causar uma mudança. Isso é o ato de
converter-se. (CFEd_5 – T156
78Avaliações elaboradas pela instituição que seguem os mesmos princípios e critérios do Enem cujos resultados
podem ser considerados um dos critérios seletivos para ingresso em cursos de graduação de muitas instituições
de ensino superior (IES).
141
Embora eu não tenha me aprofundado nessa questão, esta possa ser, talvez, uma das
explicações possíveis da presença massiva das meninas no trabalho voluntário proposto aos
participantes da PJ, uma vez que esse trabalho consistia em auxiliar professoras de crianças em
uma instituição filantrópica, como descreveu o AP1 em nossa conversa inicial:
— Lá [referindo-se à instituição filantrópica onde realizavam o trabalho voluntário] são cinco turmas,
então nós vamos em grupos de vinte, no máximo. Então lá, cada grupo de quatro pessoas [referindo-se
aos jovens da PJ] ... e eles ficam diretamente com o professor em sala de aula. Então, a professora em
sala de aula TEM A LIBERDADE de demandar a eles as atividades que eles vão fazer, né? Há momentos
em que nós temos atividades em comum, e aí eles se reúnem e fazem uma atividade [...]. E a ideia é
exatamente que eles possam participar da atividade cotidiana da... da instituição. Não é chegar lá com
uma ideia nova, mas é AJUDAR na tarefa, ajudar na organização, na higiene das crianças, AJUDAR
MESMO nesse... nesse contexto. [...] E, exatamente, eles poderem CONVIVER com essas crianças
(CF_03 – T18).
Outras características dos jovens que participavam das atividades promovidas pela PJ,
apontadas por ele, foram: serem questionadores, exercerem liderança nas turmas, apresentarem
um perfil protagonista, e já estarem envolvidos em alguma atividade religiosa vinculada ou não
à Igreja Católica, como exposto no trecho a seguir, também transcrito de nossa conversa inicial:
— A segunda [característica dos jovens que participam da PJ] é que são estudantes mais sensíveis à
própria realidade do Colégio. São aqueles... é... muitas vezes são os líderes de turma, muitas vezes são
aqueles mais questionadores, são aqueles alunos que muitas vezes buscam, é... A RESPOSTA, que se
manifestam a favor ou contra alguma coisa. Então... são agentes mais políticos, NÉ? .... Que a gente
diria... são aqueles MAIS PROTAGÔNICOS no ambiente. Um segundo dado, é que muitos deles são
ligados a questões religiosas, NÃO SÓ católicas, né? É... nós temos aí, um grupo considerável da [cita o
nome de uma igreja evangélica], nós temos um outro grupo também considerável da... da... [cita o nome
de uma igreja batista]. Então são, né?... NÃO SÃO CATÓLICOS, mas... tem essa visão religiosa (CF_03
– T28).
A amizade e o “sentir-se desafiado”, também foram destacados como fatores que
levavam muitos desses jovens a participarem das atividades da Pastoral. Motivações que iam
se transformando ao longo do tempo, à medida que passavam a ter contato com realidades
diferentes das suas, como explicado pelo ele:
— E... uma outra questão, também, é a questão de amizade deles, né? Um vai chamando o outro, e os
grupos vão se montando, né? E... a perspectiva de DESAFIO, né? A nossa sensibilização para eles virem
parte muito de desafiá-los a viver esse momento. Então, é como: “SE ALGUÉM ME DESAFIOU, eu vou
lá para ver”, né? AH... o encantamento SE DÁ pelo desafio! Mas isso vai mudando. A gente vai
percebendo que sai do desafio para os próprios questionamentos, né? Eles vão se questionando sobre
algumas questões. Aí, principalmente o Ensino Médio, né? Eles começam a tomar alguns choques de
realidade quando eles vão passando por essas questões, né? (CF_03 – T28 / 30).
O primeiro encontro de que participei, que teve como objetivo avaliar as ações da PJ no
Colégio com vista a uma revitalização desse projeto de abrangência provincial, aconteceu nas
dependências do Colégio. As jovens, após reflexões suscitadas a partir da leitura de um
documento provincial, enumeraram as forças e as fraquezas da PJ no Colégio. Como resultado
dessa avaliação, escreveram uma carta que seria enviada à coordenação provincial da PJ, em
que o protagonismo foi elencado como a força do trabalho realizado até o momento pelo grupo
142
do Colégio, marcando uma semelhança existente com as “falas institucionais”, expressas tanto
nos documentos norteadores quanto nas palavras do coordenador do grupo:
— E claro, aqui no colégio, vamos refletir sobre temas atuais, mas temas também que falam da juventude,
né? Como um todo: projeto de vida, o lugar deles no mundo, a dimensão do protagonismo, dessa questão
social, da percepção que eles devem ter de que eles são agentes transformadores da sociedade. Então, o
trabalho perpassa por essa questão (CF_03 – T20).
As temáticas e situações de aprendizagem planejadas devem proporcionar ao estudante o
investimento na observação, na investigação, na reflexão, na abertura à realidade, no
posicionamento crítico, na negociação, no protagonismo, em atitudes solidárias, no respeito e no
cuidado com a natureza, na compreensão e na significação do mundo (Doc_02).
No entanto, apesar de apontarem o protagonismo como um aspecto positivo da PJ do
Colégio e o associarem ao trabalho voluntário que iniciaram naquele ano, as jovens não
explicaram o porquê esse trabalho voluntário favorecia o desenvolvimento do protagonismo.
Tampouco os educadores que conduziam o encontro problematizaram essa questão com as
jovens.
Talvez estivessem relacionando o desenvolvimento desse protagonismo à campanha
que realizaram na época da Páscoa, que culminou com a realização de uma festa na instituição
filantrópica onde exerciam o voluntariado. Embora eu não tenha acompanhado essa atividade
por ela ter ocorrido antes do período em que iniciei a participação nas atividades, acredito ser
importante relatar sobre ela.
Durante nossa conversa inicial, o AP1 explicou que a intenção do trabalho voluntário
na “creche” era a de mostrar aos jovens que eles eram capazes de transformar determinadas
realidades sem fazer uso de abordagens assistencialistas como campanhas de doações de
brinquedos, alimentos, agasalhos, entre outras. No entanto, após as jovens ouvirem da diretora
da instituição que as crianças, naquele ano, não iriam ganhar ovos de Páscoa, uma vez que a
empresa que costumava doar esses ovos havia cortado o patrocínio, e seus pais não terem
condições de comprá-los, algumas jovens, como descrito pelo AP1, encheram os olhos de
lágrimas e iniciaram uma campanha entre os alunos do Ensino Médio para realizarem a festa
da Páscoa que, inclusive, foi noticiada no site do Colégio, com destaque para alguns aspectos:
a) o fato do recolhimento de donativos, bem como a compra e entrega dos ovos de
Páscoa às crianças e aos funcionários da instituição filantrópica terem sido
totalmente articulados pelas jovens da PJ;
b) o fato de as jovens da PJ terem enfeitado, para o dia da festa, o chão do salão da
instituição com patas de coelho e pintarem seus rostos com caricatura de coelho;
c) as demonstrações de agradecimentos das crianças com sorrisos e abraços pelo
recebimento dos ovos;
143
d) o fato de as jovens terem feito uma reflexão com as crianças de que o mais
importante da Páscoa é Jesus, que morreu e ressuscitou por todos nós;
e) o depoimento das jovens de que a Páscoa teve novo sentido para elas, por poderem
se colocar a serviço dos mais necessitados, fazendo com que a Páscoa deles tivesse
mais vida, alegria e sabor.
Conversando com dois jovens que participaram do outro projeto da Pastoral que
acompanhei (a MS), eles mencionam, com orgulho, esta ação que envolveu os alunos do Ensino
Médio com a doação do dinheiro para a compra dos ovos de Páscoa. Quando os perguntei como
foi ter participado dessa ação, eles explicaram que, como muitos outros, apenas doaram o
dinheiro para a compra dos ovos não tendo contato direto com a instituição ou mesmo com as
crianças.
Acredito que vale a pena problematizarmos esta cena/ação descrita pelo AP1, pelos dois
jovens e noticiada no site do Colégio. Ela reforça a ideia de uma relação estabelecida entre os
jovens (os que tomaram a iniciativa para realizar a festa e os que apenas doaram o dinheiro) e
as crianças fundamentada na filantropia, que também fundamenta a relação estabelecida entre
a instituição de educação infantil e as famílias dessas crianças.
Na filantropia, há sempre aquele que doa e aquele que recebe. Uma relação, muitas
vezes baseada na caridade e na compaixão, que, no entanto, cristaliza uma posição hierárquica
entre os doadores e os receptores. Uma posição que, de acordo com Groppo e Zamarian (2009,
p. 10, grifo dos autores), “aquele que recebe deve se resignar a aceitar ‘o que vier’ com a falsa
consciência de que não tem direitos enquanto cidadão”. Nesse sentido, uma ação que contradiz
a intenção expressa pelo AP1 ao propor a atividade voluntária nesta instituição, como havia me
explicado em nossa conversa inicial (ver p. 136, Quadro 11, CF_03 – T 26).
Os outros nove encontros que acompanhei aconteceram na instituição onde as jovens
realizavam o trabalho voluntário. Encontrávamo-nos no Colégio e íamos caminhando até lá:
A maior parte do grupo encontrou-se no Colégio para depois ir caminhando até a “creche”. O trajeto do
Colégio à “creche” é cheio de contrastes: logo que saímos do Colégio, passamos por casas bem simples,
algumas delas, provavelmente, construídas de forma irregular. Atravessamos uma avenida bem movimentada,
passamos por dentro de um shopping center e percorremos alguns quarteirões com prédios residenciais, que
contrastam muito com as casas do início do trajeto, até chegarmos à “creche” que funciona no mesmo terreno
de uma igreja, porém em dependência própria. Esse contraste entre as edificações que encontramos no
caminho me fez lembrar de algumas conversas que tive na sala dos professores sobre a preocupação que alguns
expressaram em sensibilizar os alunos para as questões da desigualdade social. A própria conversa que tive
com o AP1, quando este me disse que para muitos desses jovens a circulação deles pela cidade se resumia à
garagem do prédio, ao shopping e aos muros da escola. Esse trajeto é uma ótima oportunidade para
problematizar algumas questões em relação à ocupação dos territórios na cidade, no entanto, essa “paisagem
de contrastes” parece que se tornou algo “natural”, não me pareceu ser notada pelos jovens e tampouco pelos
educadores que os acompanham (Excerto do DCPJ_02).
144
A impressão que tive, no primeiro dia que fui até a “creche”, de que o “contraste” das edificações presentes
no trajeto é algo que não chama a atenção dos jovens e nem dos educadores, é reforçada a cada encontro.
Continuamos a fazer este trajeto sem nem “notarmos” o entorno (Excerto do DCPJ_05).
A “creche”, assim denominada pelas jovens e pelos educadores do Colégio, era uma
instituição privada de ensino regular, de caráter filantrópico, autorizada a ofertar a primeira
etapa da Educação Básica, a Educação Infantil:
O fato de o AP1 referir-se a esta instituição como “creche”, bem como o próprio nome da instituição, me faz
pensar sobre a “carga” assistencialista que é revestida a história de atendimento às crianças pequenas,
especialmente àquelas oriundas de famílias pobres. Uma carga assistencialista que o próprio termo “creche”
ainda traz em si, vinculando-o a um serviço oferecido à população de baixa renda. Este termo, na história da
Educação Infantil do país, esteve associado, por um longo período, às instituições que se caracterizavam por
uma atuação em horário integral, subordinadas e mantidas por órgãos de caráter médico/assistencial.
Atualmente, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), a Educação
Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é denominada creche quando o atendimento é destinado às
crianças de zero a três anos de idade, independentemente de sua origem socioeconômica, e pré-escola, quando
este atendimento é destinado às crianças de quatro a cinco anos. No caso desta instituição onde os jovens da
PJ estão realizando o trabalho voluntário, há apenas uma turma de crianças com idade de três anos (creche)
e as outras quatro turmas são compostas por crianças com idades entre quatro e cinco anos (pré-escola). Não
justifica chamar a instituição de “creche”. Além disso, o próprio nome dado à instituição, “Lar [nome do
fundador]”, já denota uma carga muito mais assistencialista do que educativa (Trecho do DCPJ_02).
Esta “carga assistencialista” foi inferida não só pelos termos com os quais a instituição
era designada, mas, também, por alguns indícios relacionados à sua estrutura, funcionamento e
público alvo.
A instituição possuía uma boa estrutura física, com cinco salas de aulas mobiliadas de
forma adequada às idades a que estavam destinadas; um refeitório onde eram servidos o café
da manhã, o almoço, o lanche da tarde e o jantar para as crianças; um grande salão utilizado
para múltiplas atividades (recreação, aulas de educação física, de música, apresentações
teatrais, comemorações, entre outras), que era dividido com a paróquia para reuniões e outros
tipos de eventos; banheiros adequados à faixa etária; recepção; sala administrativa; cozinha;
área de lavanderia e almoxarifado. A área externa era o espaço que “deixava a desejar”
considerando ser uma instituição de Educação Infantil, e, especialmente, se comparado à
qualidade e adequação da estrutura da área interna para o atendimento das crianças nessa faixa
etária.
Além das refeições, também eram oferecidos às crianças os uniformes, uma agenda, a
mochila e todos os materiais escolares necessários ao desenvolvimento das atividades, bem
como, por meio do trabalho de profissionais voluntários, atendimento médico pediátrico,
odontológico e psicológico. Nesta prestação de serviços voluntários, também estavam inseridos
alguns trabalhos de limpeza, realizados pelas mães das crianças, e o trabalho de algumas
senhoras da paróquia, em especial, em datas comemorativas, confeccionando adornos,
lembrancinhas entre outras coisas para as crianças.
145
(Excerto do DCPJ_02).
O fato de as jovens não terem sido assíduas aos encontros (percebi uma “rotatividade”
a cada encontro), e o fato de não acompanharem sempre um mesmo grupo-classe, talvez tenham
contribuído para, durante este período em que estive acompanhando as atividades, não ter
presenciado, por parte das professoras, movimentos de solicitação ou de delegação de
atividades para as jovens. Era como se, a cada encontro, as professoras estivessem considerando
que a turma estivesse recebendo uma visita e não parceiras que poderiam auxiliá-las em suas
atividades. Neste mesmo sentido, não me pareceu que as jovens também tivessem assumido o
papel de auxiliares das professoras, comprometendo-se e envolvendo-se na rotina da
instituição, como entendi ser um dos propósitos desse trabalho voluntário a partir da conversa
inicial que tive com o AP1:
— [...] e eles [referindo-se aos jovens da PJ] ficam diretamente com o professor em sala de aula. Então,
a professora em sala de aula tem a liberdade de demandar a eles as atividades que eles vão fazer, né?
(CF_03 – T18).
Considerando que a proposta para o trabalho com a PJ sugere a adoção do método ver-
julgar-agir-avaliar-celebrar, dentro dessa rotina que denominaria de “visitas” à instituição
surgiram episódios, como os que serão descritos a seguir, em que questões relacionadas à
temática da desigualdade social poderiam ter sido problematizadas com as jovens, o que, no
entanto, não ocorreu durante o período em que acompanhei as atividades, embora essa
possibilidade ter sido sinalizada pelo AP1em nossa conversa inicial (ver p. 136, Quadro 11,
CF_03 – T18/20).
Um desses episódios está relacionado a uma atividade realizada pelas professoras no
momento em que reuniam todas as turmas após o lanche. Nesse dia, as professoras preparam
encenações com a participação direta de algumas crianças para culminar o estudo sobre
profissões realizado pelas turmas. Reproduzo, a seguir, trecho do DC referente ao episódio:
O momento em que as turmas se encontram para realizar uma atividade conjunta foi reservado, hoje, para
“falar” das profissões. Cada turma preparou algum tipo de apresentação para este momento. Três situações
me chamaram a atenção nesta atividade. A primeira, foram as profissões simuladas pelas crianças:
marceneiro, pedreiro, motorista, padeiro, guarda de trânsito, entre outras. No escopo das profissões simuladas
não havia profissões de “prestígio”, como advogados, médico, engenheiros. A segunda situação, foi quando
simularam a profissão de cabelereira. A “cliente” foi uma das poucas crianças loiras, de cabelos lisos que
frequentavam a “creche”. A terceira situação que me chamou a atenção foi como as crianças gostam de
“brincar” com o cabelo de uma das alunas da PJ. Há uma certa “disputa” entre elas, principalmente entre as
meninas, para mexerem em seu cabelo. Esta aluna da PJ possui cabelos bem longos, lisos e louros. Sua pele é
bem clara e os olhos são em um tom de castanho bem claro.
Na caminhada de volta ao Colégio, ao “puxar uma conversa” com a dona dos longos cabelos loiros que tanto
encantaram as crianças, pergunto o porquê de as crianças gostarem tanto de brincar com seus cabelos. Ela,
prontamente, me responde que, provavelmente, poderia ser porque seus cabelos lembravam os cabelos da
“Frozen”, uma das princesas heroínas de um longa-metragem animado que fazia sucesso entre as crianças,
cujas características físicas se assemelhavam a ela: branca, longos cabelos loiros e olhos claros.
147
As cenas presenciadas por mim, também foram presenciadas pelo AP1 que coordena as atividades deste grupo
da PJ. Quando o abordei sobre se ele havia percebido estas questões, ele me respondeu que não. Conversamos
sobre essas cenas e como elas, muitas vezes, “passam despercebidas” por nós educadores. Ele fez uma reflexão
bastante interessante: mesmo propondo uma atividade com o intuito de sensibilizar os alunos para as questões
sociais de nosso país, nem sempre, como educadores, estamos “sensíveis” a “pequenos detalhes”, nos
significados que cenas como as que vimos hoje representam. (Excerto do DCPJ_04).
Que pequenos detalhes foram esses que passaram despercebidos? Ou, utilizando a
terminologia do método proposto nos documentos norteadores da MS, que pequenos detalhes
não foram “vistos”? O que há para ser “julgado” (problematizado) em relação ao fato daquela
criança ter sido escolhida, entre tantas outras, para ser a cliente do salão de beleza? Qual a
relação entre a cena das crianças brincando com os cabelos da jovem loira da PJ e a encenação
feita pelas crianças da profissão de cabelereira? O que poderia ter sido problematizado em
relação às profissões escolhidas para serem encenadas pelas crianças? Em síntese, o que poderia
ter sido problematizado com as jovens da PJ em relação ao fenômeno da desigualdade social a
partir dessas cenas?
Para relacionarmos esses “pequenos detalhes” que “nos passam despercebidos” com o
fenômeno da desigualdade social, precisamos transcender a imediaticidade dada pelos fatos
isolados em si. Tomando, como já exposto neste relatório, a desigualdade social como
diferenças hierárquicas e moralmente injustas relacionadas à distribuição e ao acesso a bens e
serviços materiais ou simbólicos, diferenças essas construídas histórica e culturalmente, que
expressam a dominação de um grupo em relação a outro(s), manifestando-se de forma
multifacetada, envolvendo várias dimensões da vida social, não se circunscrevendo a apenas
um setor da sociedade, tampouco a um único recurso, Alves (2010) e Oliveira e Abromowicz
(2010) podem nos dar algumas pistas em relação à cena do “salão de beleza” e do fascínio das
crianças pelos cabelos da jovem da PJ.
Partindo da premissa de que os significados sociais atrelados à pertença racial, que
resultam em construções valorativas hierárquicas e opostas em relação ao ser branco e ser
negro, não são constituídos apenas pelas características físicas dos indivíduos, Alves (2010)
analisou, nas narrativas sobre as memórias escolares de um grupo de dez professores da
educação básica (seis autoclassificados como negros e quatro autoclassificados como brancos),
os modos como a brancura se apresentou em suas experiências enquanto alunos da Educação
Básica. Para os professores autodeclarados negros, a presença das crianças brancas estava
sempre associada a lugares de destaque nos eventos escolares relacionados a festas e datas
comemorativas.
Nas memórias escolares dos sujeitos negros, a escolha de alunas e alunos brancos para
representarem os demais nas apresentações e desfiles ou para ocupar posições de
148
destaque em relação ao restante do grupo escolar era unânime. Tais episódios foram
descritos como marcantes na trajetória escolar de negros [...]. [Suas memórias]
demonstraram não só o [...] [seu] envolvimento direto [...] nessas situações na
condição de alvos da discriminação, como a percepção de que essa discriminação
estava relacionada ao tratamento diferenciado dispensado a alunos e alunas que os
docentes classificavam como brancos (ALVES, 2010, 158).
Alves (2010) conta que uma das professoras participantes da pesquisa, ao rememorar o
processo de escolha da aluna que seria a Miss Primavera da escola, enfatiza que, apesar da
turma ter escolhido, por meio de votação, uma criança que tinha a pele escura e os cabelos lisos,
parecendo-se com uma índia, a professora escolhe uma aluna de pele branca, justificando que
seria mais fácil arrumá-la e maquiá-la.
“Ir à frente, participar, aparecer, enfim, estar visível sempre em posição favorável – em
lugar bom – foram as referências ao lugar do branco na escola” (ALVES, 2010, p. 162, grifo
da autora) presentes nas memórias escolares dos participantes da pesquisa, como ressalta a
pesquisadora. Ou seja, aos alunos brancos era reservada uma posição privilegiada em
detrimento às posições reservadas aos alunos negros. No entanto, a percepção de que as crianças
negras estavam excluídas dos lugares de destaques nos eventos escolares não fazia parte das
memórias dos professores autodeclarados brancos, como constatou a pesquisadora.
Este dado pode ser um indicador de que nas significações constituídas pelos sujeitos
brancos, ocupar esse “lugar bom” seja algo natural, merecido por aquele que o ocupa, e não o
resultado de uma ocupação efetivada por um grupo, em detrimento de outro. Neste sentido, a
não ocupação, isto é, a ausência da ocupação de “lugares bons” pelas crianças negras passa a
ser invisibilizada pelas educadoras, como o foi para as jovens da PJ.
Oliveira e Abromowicz (2010), também nos dão algumas pistas para a leitura desse
episódio descrito no DC. Elas destacam que a veiculação de um modelo estético hegemônico
“[...] produzido incessantemente como o melhor, o único, o bonito e o que deve ser perseguido
por todos” (p. 212) não é feita somente pela escola, mas também por outros equipamentos
centralizadores e difusores de sentido e de estética. Desta forma, as produções literárias,
musicais, de animação, entre outras, destinadas ao público infantil, muitas delas utilizadas nas
escolas, são meios difusores desses padrões estéticos, estejam as professoras conscientes ou
não sobre este fato.
Apesar do aumento de obras literárias, voltadas ao público infantil, em que se procura
quebrar esse padrão estético hegemônico, ainda é bem maior o número de heróis e heroínas
corporificados em personagens brancos, o que nos leva a pensar que esta talvez seja uma pista
que explique a fascinação das crianças em relação aos cabelos da jovem da PJ: o desejo de
149
serem brancas, de cabelo liso, querendo se comparar com as heroínas das histórias infantis,
como no caso da princesa Elsa na história de Frozen, como concluiu uma das jovens após
conversamos sobre a cena das crianças mexendo em seus cabelos.
O terceiro aspecto destacado no episódio, descrito anteriormente no DC, foi a
escolha das profissões encenadas. Como não presenciei o processo de decisão dessa escolha,
não posso afirmar as razões de terem sido escolhidas umas e não outras. Essa escolha pode ter
sido feita a partir das profissões/ocupações exercidas pelos pais das crianças, ou a partir
daquelas que as crianças nomearam ao serem solicitadas pelas professoras. De uma forma ou
de outra, um aspecto se destaca no conjunto dessas profissões: a não necessidade de credenciais
do Ensino Superior para exercê-las. Por que algumas profissões tradicionais, como médico,
engenheiro, advogado, ou até mesmo professor ficaram de fora da lista?
Esta reflexão me remete ao título, bem emblemático, de um documentário nacional,
lançado em 2017, sobre as expectativas para o futuro e os sonhos de jovens estudantes das
escolas públicas do Ensino Médio no Brasil: “Nunca me sonharam” (NUNCA..., 2017). Um
dos jovens entrevistados no documentário faz o seguinte depoimento:
— Como os meus pais não foram bem-sucedidos na vida, eles também não me
influenciavam, não me davam força para estudar. Achavam que quem entrava numa
universidade era filho de rico; acho que eles não acreditavam que um pobre também
pudesse ter conhecimento, pudesse ser inteligente, sabe? Para eles, o máximo era
terminar o ensino médio e arrumar emprego, trabalhar de roça... um tipo vendedor ...
alguma coisa desse tipo. Acho que nunca me sonharam sendo um... um psicólogo,
nunca me sonharam sendo um professor, nunca me sonharam sendo um médico.
Eles não sonhavam e não me ensinaram a sonhar... (NUNCA..., 2017, 31’25”,
grifo nosso)
Cabe, também, a pergunta: como aquelas crianças estavam sendo referidas pelos
educadores do Colégio e pelas jovens? Destaco mais um episódio registrado em meu DC:
Hoje, quando estávamos acompanhando o momento do lanche das crianças no refeitório, uma das alunas da
PJ começou a brincar com elas de fazer “selfies” utilizando um aplicativo no celular que permitia colocar
alguns elementos na foto como nariz de porco, orelhas de coelho, etc... As crianças se divertiam ao ver o
resultado das fotos. Chegou até a “tumultuar” um pouco o momento do lanche porque as outras crianças, que
não estavam sendo fotografadas, levantavam de seus lugares e aglomeravam-se em volta da jovem da PJ para
ver as fotos dos amigos.
A diretora, ao ver estas cenas no refeitório, alertou à jovem para o fato de que ela, em hipótese alguma, poderia
divulgar aquelas fotos, lembrando da situação de risco em que algumas dessas crianças viviam. A jovem
explicou que estava deletando as fotos após mostrá-las às crianças.
No trajeto de volta para o Colégio, resolvi conversar com algumas das jovens sobre o que elas sabiam a
respeito das crianças e de suas famílias. Além da questão financeira, de algumas jovens se referirem às famílias
dessas crianças como famílias pobres, também relataram que algumas delas não conviviam com os pais por
estarem presos, mortos ou, simplesmente, por nunca terem assumido a paternidade, sendo criadas apenas pela
mãe ou, até mesmo, pelos avós. Reproduzo um trecho de uma das conversas que foram gravadas:
— “É uma OUTRA realidade, acho que a gente tem que aceitar isso e não esperar. E que realmente, quando
você vai à creche, você vai se deparar com uma realidade diferente da sua. Então você tem que PRESTAR
MAIS atenção, na forma que você se comporta se você vai mexer com criança que tem uma sensibilidade
maior... Algumas delas não têm pais, porque, OU FORAM presos, ou morreram. E essas COISAS, a gente tem
que prestar atenção para NÃO TRAUMATIZAR as crianças. Porque é uma coisa que... por exemplo... que
minha professora de literatura falou, que os adultos ESQUECEM que as crianças pensam, que OS JOVENS
pensam... que ELES LEMBRAM e isso marca para eles PARA O RESTO da vida. Então, quando a gente for
falar, a gente tem que ter noção DE QUE TIPO de criança, entre aspas, QUE CRIANÇAS a gente está lidando.
E que a gente tem que TOMAR CUIDADO da forma que a gente trata elas, também. Porque isso pode
traumatizar e isso MARCA na vida”.
Esta conversa com as jovens me fez pensar em como que o perfil familiar dessas crianças está sendo trabalhado
com as jovens da PJ. Que discussões, questões estão sendo levantadas com essas jovens a partir dessas
informações? (Excerto do DCPJ_05).
O outro projeto da pastoral que acompanhei, a MS, ocorreu em setembro, durante quatro
dias, no mesmo município onde havia sido realizada no ano anterior, localizado no interior do
estado, a cerca de 150 km da RM da Grande Vitória. Um dos objetivos da escolha desse
município foi propiciar aos alunos um conhecimento sobre o cotidiano, a cultura e os problemas
vividos por moradores de comunidades rurais. Segundo o C. Past., esse município já estava
enfrentando problemas consequentes da grande estiagem que estava assolando o estado naquele
ano. Além do problema da falta de água, os alunos também poderiam se deparar com problemas
resultantes do uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras.
Essas duas questões – a utilização dos recursos hídricos e o uso indiscriminado dos
agrotóxicos, iam ao encontro da proposta da Campanha da Fraternidade que tinha como tema,
para aquele ano, a questão ambiental, o cuidado com o planeta, e com o direito de todos a uma
151
vida digna. Como explicado pelo C.Past., as temáticas da Campanha da Fraternidade da Igreja
Católica80 eram sempre um norte para o planejamento da MS.
Desta forma, nos dois primeiros dias da missão, com o objetivo de conhecerem outras
realidades sociais, econômicas e culturais, os “missionários”81 foram recebidos por famílias que
residiam nas comunidades rurais do município, hospedando-se em suas casas. Além da
convivência com essas famílias, também estavam previstas visitas missionárias82 às outras
famílias das localidades onde ficariam hospedados, uma vez que, como frisado pelo C.Past., a
missão também tinha uma perspectiva religiosa. Nesse sentido, cada missionário recebeu um
livreto com orações que poderiam ser utilizadas durantes essas visitas.
A programação da MS trazia uma novidade para aquele ano: a visita às escolas do
município, programadas para o terceiro e quarto dia, como descrito no excerto do DC
apresentado a seguir.
O C.Past. pontuou que este ano há a ideia de fazer algo diferente. Não só os alunos ficarem hospedados em
casas de famílias, conhecendo o cotidiano das comunidades onde realizarão a missão, mas também trocarem
experiências com os alunos das escolas do município, em especial as escolas estaduais e as municipais que
oferecem os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. A intenção é que os alunos do Colégio
possam participar de encontros com os alunos dessas escolas durante a rotina escolar, possibilitando o
estabelecimento de um diálogo entre eles e os alunos dessas instituições. Os alunos do Colégio poderem ouvir
os alunos dessas instituições falarem sobre o cotidiano de suas escolas, sua rotina, e também, eles mesmos,
falarem de suas experiências escolares, suas rotinas. Em síntese, "escutar a escola" de uma outra realidade,
estabelecer uma "roda de partilha". (Excerto do DCMS_01)
80 Um estudo detalhado sobre a Campanha da Fraternidade pode ser encontrado em Vanzella (2009), disponível
http://www.cnbb.org.br/category/missao/>.
152
Fonte: Elaborada a partir dos dados contidos da programação oficial da MS fornecida pelo C. Past.
Participaram da MS, além dos alunos do Colégio, os alunos de uma outra unidade
escolar pertencente à Rede de escolas da qual o Colégio faz parte. Esta seria a segunda vez que
os alunos das duas instituições estariam participando juntos em uma MS.
Situada no mesmo município do Colégio, porém em uma região oriunda de uma
ocupação não planejada, que apresenta condições precárias de moradia, uma enorme
concentração de famílias que vivem abaixo da linha de pobreza e elevado índice de violência,
essa unidade escolar, doravante denominada Escola, possui, diferentemente do Colégio, um
caráter filantrópico. Os alunos da Escola, além da gratuidade da mensalidade escolar, recebem
material didático, uniforme e alimentação.
Embora nas diretrizes institucionais, estivesse claro que a MS se constituía em uma
atividade voltada para toda a comunidade escolar: alunos, pais, professores, funcionários e
membros da comunidade, o grupo do Colégio foi composto somente pelos alunos e os
funcionários que os acompanhavam. Participaram quatorze alunos, e não vinte, como era a
previsão inicial informada pelo C.Past.: seis rapazes e oito moças, todos matriculados no ensino
153
médio, sendo que dez alunos desse grupo cursavam o 3o ano, e os outros quatro alunos, dois
cursavam o 2o ano e dois o 1º ano. As idades desses alunos variavam entre 15 e 17 anos.
Acompanhando o grupo de alunos do colégio estavam três membros da equipe da pastoral (o
C.Past. e dois AP) e uma funcionária administrativa do Núcleo de Assistência Pedagógica do
Ensino Médio. Não havia professores participando da missão.
Quando questionei o C.Past. sobre a participação dos professores na atividade, ele me explicou que, uma vez
que os professores não poderiam participar desta atividade como voluntários, por uma questão sindical, não
eram convidados a participar. Ele comentou que, como no acordo sindical, os professores teriam que ser
remunerados pelas horas de participação na missão, isto inviabiliza a participação deles. Nas palavras dele:
— Essa questão sindical inviabiliza muito. Aqui no estado, mais do que em qualquer outro. Porque só pode ir
se for hora trabalhada. E como é que você paga um professor vinte e quatro horas para ele estar lá? (Excerto
do DCMS_01).
e se sentaram sozinhos, dando a impressão de que estavam procurando mais espaço para poderem dormir
durante a viagem. (Excerto do DCMS_03)
O embarque do grupo da Escola e dos formandos foi rápido, apesar dos alunos do
Colégio terem de se reacomodar, uma vez que o ônibus ficou lotado, não sendo mais possível,
aos alunos do Colégio, ficarem deitados em duas poltronas, como haviam se acomodado no
momento de seu embarque.
Essa reacomodação dos alunos do Colégio me chamou a atenção. No lugar de cederem
a poltrona ao lado para quem estivesse entrando se sentasse, a maioria preferiu mudar de lugar
e sentar-se junto com um colega da mesma instituição, demarcando, claramente, os espaços
ocupados no ônibus: Colégio x Escola. Essa separação entre os jovens permaneceu durante os
dois primeiros dias da missão, sendo “quebrada” apenas no terceiro dia, quando a dinâmica de
organização dos grupos para a visita às escolas incluiu alunos das duas instituições.
Na igreja matriz, fomos recebidos pelo pároco e pela equipe da comunidade que está apoiando a MS.
Após ouvirmos as palavras de boas-vindas do pároco, o C.Past. encaminhou o grupo para o café da manhã
preparado pela equipe da paróquia. Durante o café, os alunos das duas escolas continuaram formando grupos
separados por escola. Houve pouca interação entre eles. Após o café, nos reunimos no salão da Igreja Matriz.
Lá, as pessoas das comunidades que nos receberiam em suas casas já estavam nos aguardando. Neste
momento, o C.Past. agradeceu a acolhida e iniciou o encaminhamento dos participantes para as famílias que
nos hospedariam nos dois primeiros dias. Fomos divididos em duplas/trios para irmos com as famílias. Como
os alunos não sabiam com quem ficariam, percebi que isto causou uma certa expectativa entre eles, à medida
que o C.Past. ia nos chamando. Duas meninas do Colégio pareciam bem tensas na expectativa de com quem
formariam a dupla/trio nestes dois dias. Os alunos do Colégio foram divididos em 9 grupos, formando duplas
e trios entre eles, os funcionários do Colégio e os formandos que acompanhavam o trabalho da PJ no Colégio.
Entre as meninas, apenas uma formou uma dupla com uma ex-aluna da Escola, que ela já conhecia de outras
atividades da PJ. Entre os meninos, justamente aquele que não me pareceu estar “enturmado” com o restante
do grupo de jovens do Colégio no início da manhã, ficou em um grupo com alunos da Escola e um formando
que participava da PJ da Escola. Eu formei um trio com o Luciano83 e um formando. (Excerto do DCMS_03)
No final da tarde do segundo dia, enquanto aguardávamos pelo retorno dos missionários
das comunidades onde haviam se hospedado, constatei, em conversa com Maria (ex-aluna da
Escola participante da PJ), que a separação entre os alunos das duas instituições, observada por
mim no ônibus, parecia ser frequente nas poucas atividades realizadas em conjunto com os
alunos das duas instituições (Colégio e Escola). Maria descreve um cenário de organização de
assentos no ônibus, quando da ida a uma outra atividade promovida pela Pastoral, bem similar
ao presenciado por mim em nossa ida para a missão.
Maria: — Porque a gente foi no [nome do curso], curso de liderança [oferecido pela Rede de escolas] em
2013 e era BEM segregado [referindo-se à forma como os alunos se acomodaram no ônibus]. Aí... assim...
a gente... o pessoal do Colégio ia atrás, no meio ficava meio vazio no ônibus e no... no começo ia a gente,
da Escola. Só que a gente não sabia se era algo mais... assim..., por questão de renda... por ser Colégio
e Escola, tipo assim... algo social, algo pago [referindo-se ao fato dos alunos da Escola não pagarem
mensalidade, por ser uma instituição privada de caráter filantrópico, e os do Colégio pagarem, por não
ser uma instituição privada de caráter filantrópico]. Não sabemos. Mas... SEMPRE que têm os encontros,
83 Todos os nomes utilizados para descreverem pessoas neste relatório são fictícios.
155
a gente sente isso. [A instituição pertencente à Rede da cidade X] junta com a gente. [A instituição da
cidade Y] junta com a gente. O Colégio não fica junto com a gente. [É] SEMPRE ASSIM. Mas é claro,
tem aquela coisa, não É ESPERAR o outro vir. Porque eu sou muito assim, não sei se você reparou, sou
muito de ir... sou muito comunicativa... (CI_09, T1)
Nesse segundo dia, após a celebração eucarística realizada na Igreja Matriz e o jantar,
fomos todos para o alojamento onde nos hospedaríamos até o final da missão. A separação entre
os alunos das duas instituições ainda era bastante visível.
O alojamento era um prédio grande, sem mobílias, com uma espécie de terraço na parte superior. Na parte
inferior, havia um grande salão, 6 cômodos, sendo dois de um lado do salão e os outros quatro do outro lado.
Em cada lado, havia, também, dois banheiros, com pia, vaso sanitário e um chuveiro. Não havia box nesses
banheiros. Do lado de fora, em frente à entrada da parte inferior do prédio, havia um banheiro coletivo. Este
banheiro ficou reservado para os meninos. Os meninos dormiram no terraço e as meninas se alojaram nos seis
cômodos do andar inferior. Não foi determinado quem dormiria com quem. A escolha dos cômodos onde
dormiriam ficou a critério das meninas. As alunas do Colégio ocuparam dois desses cômodos. Um de cada
lado do salão. Em um deles, dormiram as duas funcionárias do Colégio, com mais três meninas. No outro,
dormiram as outras cinco meninas. Não havia, praticamente, lugar para se movimentar, considerando que os
colchões e as mochilas ocupavam todo o espaço disponível. Os outros quatro cômodos foram ocupados pelas
alunas, funcionária, ex-alunas e pessoal da comunidade da Escola. Minha intenção era dormir junto com as
alunas do Colégio. Porém, como não havia muito espaço “vago” e depois de uma das funcionárias do Colégio
comentar que estava muito cheio, resolvi levar meu colchonete para outro cômodo. Havia um deles com apenas
duas alunas da Escola. Fui para lá. As observações que a ex-aluna fez na conversa que tivemos na parte da
tarde se concretizaram. As meninas do Colégio não se misturaram com as meninas da Escola. Os meninos,
como estavam todos dormindo em um único salão, ficaram mais próximos uns dos outros, embora eu tenha tido
a impressão de que, no momento de arrumarem seus colchonetes, os meninos do Colégio os colocaram
próximos uns dos outros. (Excerto do DCMS_04)
A conversa com Maria me fez refletir sobre a novidade anunciada para aquele ano na
missão: “escutar a escola de uma outra realidade”, estabelecer uma “roda de partilha” entre
alunos de instituições distintas para falar e ouvir sobre as experiências escolares desses alunos,
uma vez que, como salientou o C.Past. em uma de nossas conversas, esse contato com outras
realidades educacionais era uma preocupação provincial, não só do Colégio. “Ver o mundo
através dos olhos das crianças, dos adolescentes e dos jovens”, destacado por ele como uma
das justificativas de ter incluído a visita às escolas na programação da missão, era um apelo do
último Capítulo Geral da congregação.
Sem desconsiderar as experiências que os alunos do Colégio tiveram ao visitar as
instituições educacionais situadas no município onde foi realizada a missão, com toda a
diversidade encontrada nessas instituições, é instigante pensar que esses jovens estavam se
deslocando cerca de 150km para conhecerem a realidade educacional vivenciada por jovens de
outras instituições, ouvir esses outros jovens falarem de suas experiências escolares, e, no
entanto, talvez, por terem sido tomados como “iguais” por frequentarem uma mesma Rede de
ensino, utilizarem um mesmo material didático, um mesmo uniforme, não tenham sido
programados pelos educadores, e nem mesmo sido realizados antes, durante e após a missão,
156
momentos voltados para “uma escuta”, uma “roda de partilha” entre os jovens da Escola e do
Colégio sobre suas vivências escolares.
Os alunos do Colégio, pouco ou nada sabiam sobre a Escola, a não ser o fato de que
que, além de fazer parte da mesma Rede de escolas a qual o Colégio pertencia, era uma
instituição filantrópica. Muito poucos, como Amora, tinham mais informações sobre a Escola.
Informações estas que ela obteve por meio da internet e não por meio de atividades promovidas
pela equipe do Colégio, ou mesmo pelo contato com jovens que estudavam na Escola:
Rita:— Uhum. E vocês tem curiosidade de conhecer como é o trabalho da outra escola? Melhor, igual,
diferente?
Luciano: — A mesma coisa.
Rita:— Não entendi.
Luciano: — Não tenho muita curiosidade não. Deve ser tipo a mesma coisa, que é da mesma Rede do
Colégio assim, entendeu?
Amora: — Eu já vi um vídeo uma vez no Youtube sobre a Escola, é meio diferente sim.
Luciano: — É?
Amora: — Eles ficam... assim... se eu não me engano... lá, eles ficam o dia todo. E aí tem almoço. Eles
almoçam lá e tudo. E a escola é BEM menor, porque a nossa escola é tipo, ENORME. Tem um monte de
quadra, um monte de campo, a educação infantil tem milhares de parquinhos, tem um monte de coisas.
E a de LÁ, NÃO. A de lá é um pouco menor. É BEM menor na verdade, né? (CI_07 – T49-55).
O contato entre os alunos dessas duas instituições não era trabalhado de forma
sistemática. Não havia, em âmbito local, uma proposta sistemática de integração entre os alunos
do Colégio e da Escola, nem mesmo no âmbito das atividades coordenadas pela Pastoral. A
própria MS, que naquele ano estava sendo realizada pela segunda vez em conjunto com a
Escola, e que, no ano seguinte, foi realizada em separado, não se configurava como uma
atividade que tinha, como princípio, a aproximação dos jovens dessas duas unidades
educacionais que, embora pertencentes a uma mesma Rede de ensino, se apresentavam bem
distintas em vários aspectos.
O contato entre esses jovens limitava-se a algumas poucas atividades relacionadas à PJ,
promovidas em âmbito provincial, o que significava a envolvimento de um número bem restrito
de jovens, considerando o total de jovens que participavam da PJ em relação ao total de jovens
matriculados no Ensino Médio.
Em nível local, as possibilidades de interação desses jovens também eram pontuais,
resultantes de algumas poucas iniciativas da equipe do Colégio, como pontuou o AP1 em uma
de nossas conversas:
Rita: — [...] esse encontro regional da PJ, as duas escolas estarão presentes?
AP1: — Estarão presentes. Mas são momentos pontuais, né...
Rita: — Aham...
AP1: — Num encontro, se você chegar, você vai perceber o seguinte: você... só o sotaque do Rio que
diferenciaria quem é ou quem não né. Porque eles conseguem ver todos como alunos da mesma
157
instituição, né, você não consegue diferenciar quem é de Colégio, quem é da Escola, quem são dos
colégios de outras cidades, porque eles conseguem interagir muito bem. O grande... A grande questão é
que são momentos MUITO pontuais...
Rita: — Uhum, não é uma coisa que é...
AP1: — Não é contínua...
Rita: — ...contínua...
AP1: Não é.
Rita: — Não há um trabalho de integração?
AP1: — NENHUM. E aí, é interessante que quando os, os nossos... o encontro acontece fora [referindo-
se aos encontros promovidos pela coordenação da pastoral da Província]. Quando os alunos... os
estudantes de Escola vêm aqui, por algum motivo vem aqui ao Colégio, é interessante como é que eles
se sentem fora de casa, né, fora da sua realidade, como se isso aqui não pertencesse ao mesmo instituto
do qual eles fazem parte.
Rita: — E os daqui, quando olham esse grupo chegando, tem alguma coisa...? Eles...
AP1: — Os que são da PJ acolhem, porque já tem uma certa convivência, agora COM OS OUTROS rola
uma certa, né, uma certa indiferença... eles são de outra escola, eles não são daqui, né... Não é do... da
minha tribo, do meu gueto, do meu lugar, né. Com o tempo, assim, né, é... houve algumas... houve
algumas atividades que nós fizemos em conjunto no passado, até algumas da Eletiva, algumas palestras
que eles puderam participar. Então assim, as duas primeiras eu notei dividido. Com o tempo, eles foram
ATÉ CRIANDO alguns laços, aí, de amizade. É... MAS AINDA HÁ UMA, uma ruptura.
Rita: — Pois é... deixa eu tentar entender, aqui.,. é como se os alunos daqui não olhassem que lá
[referindo-me à Escola] também é um colégio [da Rede]?
AP1: — EXATAMENTE...
Rita: — Aham...
AP1: — Exatamente. (CF_03 – T77-92)
Gostaria de pontuar duas questões a partir desta conversa com o AP1: o sentimento de
não pertença dos alunos da Escola quando frequentam as instalações do Colégio e a
aproximação gradativa entre os jovens do Colégio e da Escola.
Em relação ao sentimento de não pertença dos jovens da Escola quando frequentam as
instalações do Colégio, retomo a conversa que tive com Maria, a ex-aluna da Escola que, no
momento de realização da missão, era aluna da Universidade Federal do Espírito Santo.
Mantinha vínculos com a Escola por meio de sua atuação na PJ. Embarcou no ônibus junto com
os alunos da Escola. Não passou despercebida! Nem tinha como passar! Entrou no ônibus
falando com todo mundo, rindo, brincando. No entanto, ao relatar a primeira vez que, como
aluna da Escola, participou de uma atividade junto com os alunos do Colégio, não sabia qual
era o seu lugar!
Maria: — Olha... de verdade... NO COMEÇO, mas assim, bem no começo, no PRIMEIRO encontro, a
gente fica meio assim: “Pôxa, onde é que eu vou me colocar?” ... tipo assim... onde é o meu lugar? Mas
dep... isso foi quando? Em 2012.
Mais adiante em nossa conversa, ela relata outro episódio, ainda como aluna da Escola,
durante a realização de uma MS em que os alunos da Escola e do Colégio estavam participando
juntos:
Maria: — É engraçado o episódio que aconteceu em 2014, no... na missão. É... um formando [referindo-
se a um pré-postulante], ele cobrava muito isso da gente: “Gente, olha, vamos ficar todo mundo junto,
porque não tem que existir essa questão”. Ele mesmo falou com a gente. Porque juntou os dois [referindo-
158
se aos grupos de alunos], igual fizeram agora, do Colégio e da Escola. “Não tem que existir essa
separação. Então, vamos ficar todo mundo junto”. Ok! Só que nas atividades, ELE ficava SÓ com o
pessoal do Colégio. Ele restringiu o pessoal do colégio. Então... tipo assim... o que ele pediu para a gente
não fazer, ELE FEZ! A gente, lá, tentava juntar... quando a gente chegava para brincar, ele CORTAVA.
A gente ficou meio assustada. Aí, eu não sei o que aconteceu que teve uma hora que a gente estava
brincando, a gente ia falar uma coisa, ele cortava. Mas... a gente não sabia... a gente ficou MUITO
sentida por isso. A gente não sabia se era por questão econômica, alguma coisa assim. Eu sei que na
hora que eu saí... e eu sou muito assim, eu sou muito emotiva... então, se eu fico com raiva, eu não vou
ficar falando nada, eu... minha única maneira de expressar é chorando mesmo. E daí, eu comecei a
chorar porque eu fiquei com MUITA RAIVA. Eu saí. Inclusive uma...uma menina do Colégio, a Fulana,
até é ex-aluna, ela VEIO conversar comigo. Só que, tipo... ela até entendeu isso. Ela achou que eu estava
chorando porque eu era [do bairro onde a Escola fica situada]. Pelo contrário, tenho MUITO orgulho
de onde eu sou. Para mim, isso é uma coisa bem visível aos meus olhos, eu não... não coloco. Mas... e
aí, ela veio. Eu falei, cara... Eu nem falei nada, só estava chorando. Então, ELA TEVE a mesma
análise que eu. Tipo assim, ela achou que eu estava chorando porque ele estava me excluindo por ser
da Escola. Então, eu nem precisei falar nada, ela também FEZ a mesma leitura. Porque eu não conseguia
falar, só estava chorando. Então, ali, na hora que a gente estava brincando, eu não falei nada. A gente
só se sentiu meio excluída e era realmente o que estava acontecendo. Então... assim... às vezes é meio
complicado, né? A gente não sabe exatamente ONDE ESTÁ o erro, SE EXISTE um erro, mas a gente
tenta quebrar. Eu, pelo menos, sempre tento falar com as meninas [da Escola]: “Olha, gente, não é isso,
talvez seja coisa da nossa cabeça”. É... “Ah,, mas porque o pessoal do Colégio pode?”... Porque... igual
no curso de liderança que teve nesse ano... eu fui também. Aí, as meninas não levaram BERMUDA, mas
eu e uma amiga, que também é ex-aluna, levamos. E as meninas do Colégio e do colégio da cidade X
levaram também. Então, não era aquela coisa de que o pessoal DO Colégio levou. A gente também levou.
Aí, elas ficaram um pouco com raiva. Aí, eu falei: “Está vendo? Não é porque É DO Colégio, a gente
também levou”. Então não é um pro...talvez foi uma quebra de COMUNICAÇÃO na hora de passar os
avisos.
Rita: — Mas talvez você tenha levado, porque você já tinha visto que apesar de falarem para não levar,
as meninas do Colégio levavam.
Maria: — É. Mas... realmente, FOI ISSO. E eu sempre falo com elas [referindo-se às meninas da Escola]:
“GENTE, leva na bolsa”. Se você vê que está todo mundo de calça, veste calça. Vê que talvez o clima
mesmo pede, coloca uma coisa mais confortável. É para você se sentir bem, não é para ficar se exibindo
também
Ao descrever a cena, Maria traduziu, em seu relato, o que Gonçalves Filho (1998)
chamou de “humilhação social”. Um sentimento que rebaixa, que humilha, que desmobiliza,
que silencia, não por que eu fiz algo, mas porque eu não posso pertencer a este lugar, meu lugar
tem que ser outro! E este lugar, não me faz sentir autorizada a entrar pela porta da frente!
Rita: — Vocês não fazem atividades juntos?
Maria: — NÃO. Eu até estava conversando com um formando [referindo-se a um dos pré-postulantes da
congregação] e ele também sente a mesma necessidade dessa união. Eu conversei com nosso
coordenador. Só que ao mesmo tempo em que a gente sente necessidade, a gente começa a pensar em
forma de unir... mas a gente não vê... é... exatamente o que fazer. [...] Mas por serem unidades [referindo-
se às duas unidades educacionais: Colégio e Escola] TÃO PRÓXIMAS, eu acho que deveriam acontecer
MAIS encontros. Por exemplo, a questão [...], o parque [referindo-se a uma área dedica à educação
ambiental próxima ao Colégio e administrada pela instituição]. É... tem o parque, mas a gente não passa
por dentro do Colégio para ir lá, a gente passa por fora. TALVEZ se passasse por dentro seria uma
forma de unir mais... DE UNIR. Não ter aquela coisa... o pessoal do Colégio entra por dentro, mas o
pessoal da Escola...
Como diz Therborn (2013), a desigualdade social não diz respeito apenas “ao tamanho
de nossas carteiras”, ela é uma ordem sociocultural que reduz a nossa capacidade de sermos
humanos, reduz a nossa autoestima, nosso senso de identidade. Nesse sentido, a importância
dos educadores tanto do Colégio quanto da Escola, pensarem estratégias que favoreçam
159
Após o café, fomos divididos novamente em grupos para visitarmos mais uma escola. Não foram os mesmos
grupos de ontem. Os grupos foram refeitos, o que achei bastante interessante, pois assim possibilitou um
contato maior entre os “missionários”. [...] Depois das atividades na escola, voltamos para a Igreja Matriz,
onde almoçamos. Durante o almoço, pude perceber que os alunos das duas instituições estavam bem mais
próximos Uma situação me chamou bastante atenção: um menino da Escola foi “adotado” pelos meninos do
Colégio. [...] Praticamente todos voltaram dormindo no ônibus. Apesar do entrosamento, os alunos do Colégio
e da Escola não formaram duplas entre si para dividirem os lugares no ônibus. (Excertos do DCMS_06)
elétrica no ano passado. Durante o caminho, pudemos verificar como a seca está assolando a região: os riachos
estão bastante secos e a vegetação bastante castigada. Ao passarmos por um trecho de mata, o irmão de
Geralda comentou que este era o único lugar que era mata fechada, o restante era tudo capoeira, mata rala.
Então, ele comenta que a música que está fazendo sucesso nas rádios é uma canção de Chitãozinho e Xororó
“O que será deste Planeta Azul.?”. Todos os dias estavam tocando esta música no rádio. André aproveita a
deixa e comenta que em Goiás também estava tudo degradado e fez um trocadilho: o serrado estava serrado.
Como não conhecia esta música, quando consegui sinal de internet procurei informação sobre ela. É uma
música de 1991 que fala sobre a degradação ambiental. O irmão de Geralda mostra um rio que teve seu volume
bastante diminuído, não só pela seca, mas também porque estão colocando bombas para retirarem a água para
irrigar as plantações de tomate. Vimos alguns cafezais que estavam floridos por conta da irrigação. A família
de Geralda mora na região há muitos anos. São de descendência alemã. Vivem da lavoura de café, possuindo
sua própria plantação. Como ela explicou, praticamente todos são parentes na região. Inclusive, seus pais são
primos. A comunidade onde eles moram tem em torno de 50 famílias. A família de Geralda mora em uma casa
simples, de alvenaria, com três quartos, sala, dois banheiros, cozinha e varanda. Na casa, um rádio fica ligado
todo o tempo, com o locutor dando notícias sobre as pessoas das comunidades. Acomodamos nossas coisas e
fomos para a cozinha tomar um cafezinho e chuparmos mel direto no favo. Ficamos conversando enquanto
aguardávamos o pai de Geralda para almoçarmos. Dona Conceição, mãe de Geralda, foi nascida e criada na
comunidade. Teve 14 filhos. Somente 12 estão vivos: 6 homens e 6 mulheres. Geralda é a mais nova de todos e
ainda mora na casa dos pais. Os outros irmãos moram todos perto. O que foi nos buscar com Geralda mora
em uma casa logo ao lado, com a esposa e o filho de um ano. Quando perguntamos se não teria mais filhos,
disse que não gostaria. Não pelo trabalho que uma criança possa dar, e sim por conta da condição financeira,
da dificuldade de sustentar uma criança. Depois do almoço, começamos a visita às famílias da comunidade.
Como as casas ficam um pouco distantes umas das outras, Geralda e seu irmão foram conosco de carro.
Visitamos treze famílias durante o dia. Todas as casas bem simples, umas mais, outras menos. Em todas elas,
conversávamos um pouco, tomávamos um cafezinho e depois fazíamos uma oração. Quem escolhia as casas a
serem visitadas era Geralda, que foi nossa guia. Na primeira casa que fomos, não sabia bem como seria a
visita. Chegando lá, encontramos um senhor sentado na porta, tentando consertar uma dessas TV de tubo.
Depois que a Geralda nos apresentou, o André iniciou uma conversa. Fomos convidados a entrar. A impressão
que me deu é que a casa tinha apenas quatro cômodos: a sala, um quarto, cozinha e banheiro. O senhor que
estava na porta chamou a esposa para a sala. A sala tinha um sofá que também me pareceu servir como cama
para alguém. Depois de um tempinho de prosa, o André propôs fazer uma oração. Abriu o livrinho entregue
aos missionários e escolheu um trecho. Indicou o que eu e Luciano deveríamos ler. Na segunda casa, fomos
recebidos pelo casal de idosos numa varanda, espécie de cozinha. Já estávamos nos despedindo quando Dona
Laura ofereceu um cafezinho. O Luciano e o André agradeceram. Não haviam percebido que, no meio da nossa
conversa, Dona Laura colocou uma água no fogo para passar um café. Aceitei o café. A partir desta casa, em
todas as outras, foi o mesmo ritual: uma prosa, o cafezinho e as orações. O papel de protagonista nessas visitas
ficou com o André. Luciano e eu fomos coadjuvantes. Quem tomava a iniciativa de iniciar uma conversa,
terminá-la, decidir que oração fazer era André. Se ele não estivesse no grupo, não sei se o Luciano saberia o
que “era para ser feito” nessas visitas. Luciano se envolvia nas conversas em algumas casas, em outras ficava
mais calado. Apesar da visita às casas das famílias ter uma ênfase evangelizadora, de levar a “palavra”, fazer
uma oração, foi uma oportunidade para conhecermos um pouco sobre as pessoas que moram nesta
comunidade. Ouvir um pouco sobre suas histórias. Ao final do dia, voltamos para a casa de nossos anfitriões
para jantar. Após o jantar, fomos para a igreja da comunidade. Como estávamos por lá, a comunidade
transferiu a celebração de domingo para o sábado. Como não havia padre, o André conduziu a celebração.
Após a celebração, ficamos um pouco no local, conversando com as pessoas da comunidade. Ao lado da igreja,
estava localizado o posto de saúde e a escola. A escola atende os alunos até o 5o ano. Para continuar os estudos,
as crianças frequentam uma escola em outra comunidade. Tem um carro, contratado pela prefeitura, que
começa a pegar as crianças às 6h para levá-las para esta escola. As aulas começam às 7:30 e terminam às
11:30min. O terreno para a construção da igreja, do posto e da escola foi doado pelos moradores da
comunidade. Conversando sobre a escola, Geralda comenta que só fez até a quarta série. Não continuou os
estudos porque a escola ficava muito longe e, também, precisava ajudar os pais na lavoura. Ao chegarmos na
casa de Geralda, após a celebração, reparei que alguns de seus outros irmãos estavam nos aguardando com a
162
família. Conversamos muito pouco, Luciano e André pediram licença e foram dormir. Estavam exaustos.
Quando conversei com o C.Past. sobre a dinâmica da MS ela havia me dito que, ao final do dia, haveria um
momento de reflexão, de resumo do dia: O que ficou mais forte durante o dia? Quais foram os elementos que
mais nos chamaram a atenção durante o dia? Não fizemos isto. Pelo menos nós três juntos. Se isto está
acontecendo entre Luciano e André antes de dormirem, não tenho como saber. Eles estão dormindo no mesmo
quarto, e eu estou dormindo no quarto que acho que é da Geralda. Acho que ela dormirá no quarto com os
pais. (Excerto do DCMS_03)
Acordamos cedo, tomamos o café junto com a família (se bem que eu acho que eles acordaram mais cedo e
apenas nos fizeram companhia no café da manhã!). Visitamos mais duas famílias pela manhã e depois, como
o André havia mencionado, ontem, que gostaria muito de subir alguns daqueles morros que vimos ao
chegarmos à casa de nossos anfitriões, fomos subir um morro que ficava perto da propriedade da família de
Geralda.Nas duas casas que visitamos, foi o mesmo ritual, com André comandando: uma prosa, o cafezinho e
as orações. Após as duas visitas, subimos o morro. Havia um cruzeiro no cume do morro e a vista lá de cima
era realmente linda. Conversamos um pouco. Aproveitei para conversar com Geralda e o irmão sobre a missão,
o que os motivou a nos receber, entre outras coisas. Transcrevo alguns trechos que considerei bastante
emblemáticos, considerando a conversa inicial que tive com o C.Past. sobre os objetivos da escolha deste
município para a realização da missão: o contraste dos valores da vida em uma comunidade rural e uma
comunidade urbana. Estes trechos desvelam, também, alguns elementos da dimensão subjetiva da desigualdade
social.
Excerto da conversa realizada com Geralda:
Geralda: — Porque assim, como será receber eles [referindo-se aos missionários]? Como será o jeito deles?
Não é? Porque tem pessoas que tem um jeito mais diferente, não é?
Rita: — Uhum.
Geralda: — Tipo assim, meu jeito talvez poderia estranhar eles, o jeito deles talvez poderia não bater com o
meu, MAS PARA MIM foi uma alegria, entendeu? Foi um... COMO SE DIZ?... assim... UM NOVO aprendizado.
Entendeu? Para A GENTE, estar convivendo com as pessoas que a gente NUNCA viu, foi uma alegria muito
imensa. Estar andando, mostrando o lugar que a gente sempre vai, ENTENDEU? a comunidade para eles, a
realidade do lugar, como que é. Então é muito legal, EU gostei.
Rita: — Quando você fala assim: diferente, um jeito novo, qual era a expectativa? O que você estava imaginado
que podia ser?
Geralda: — Tipo assim, por ser cidade, talvez poderiam... assim... “Ah, não vou nesse lugar porque tem mato,
poeira”, NÃO É?
Rita: — Uhum.
Geralda: — “AH, não sou chegado a ficar andando muito, é longe a pé”. O JEITO também, porque tem pessoas
que são assim... muito... digamos... assim..., como lidar com a palavra?.... eu não sei.... será... talvez assim...
Rita: — Pode usar a palavra que você acha que é.
Geralda: — NÃO SEI BATE, vamos supor... assim... MEIO ARROGANTE, entendeu? Não saber lidar com as
pessoas. Assim... talvez, assim... TRATAR as pessoas mal.
Rita: — Uhum.
Geralda: — Porque algumas pessoas são assim, NÃO É?
Rita: — Isso.
Geralda: — Meio... digamos assim, ARROGANTE. Aí, então, eu fiquei assim: “Meu Deus do céu, COMO SERÁ
que é essa gente? Será que essa gente é conversada?”
Rita: — Aham.
Geralda: — Será que essa gente puxa... ou SÓ CONVERSA se a gente puxar assunto?
Rita: — ENTENDI.
Geralda: — Entendeu? Como que são eles? Porque, vamos supor, assim se for só para eu ficar puxando assunto
SERÁ QUE EU SEI? Acho que não. ENTENDEU?
Rita: — Por que você acha que não saberia?
Geralda: — Porque, SEI LÁ. Acho que é porque eu nunca mexi com isso, entendeu?
Rita: — Uhum.
163
Geralda: — Nunca, coisa assim. Geralmente, assim, quando é a primeira vez [que] a gente chega num lugar,
a gente fica acanhado, NÃO É?
Rita: — Uhum.
Geralda: — Fica muito envergonhado: como O QUÊ QUE EU vou falar? Será que eu vou falar
“ABOBRINHA”? NÃO É?
Rita: — Uhum.
Geralda: — Será que eu vou falar ALGUMA BOBEIRA? Será QUE EU POSSO perguntar isso? NÃO É?
Rita: — E quando você pensa assim: a diferença entre as pessoas do campo e as pessoas da cida...
Geralda: — ... É porque tem pessoas da cidade que acham assim, QUE ROÇA... vamos supor assim, a pessoa
da cidade... eu acho que pensa UM POUQUINHO superior. ROÇA um pouquinho mais a nível baixo. NÃO É?
Rita: — Por que você acha isso? Me da uns exemplos assim que te faz pensar sobre isso.
Geralda: — NÃO SEI, eu acho que é porque lá tem mais oportunidades, estudo, mais oportunidade no emprego,
ENTENDEU?
Rita: — E aí, você acha que as pessoas da cidade se acham mais superiores que as pessoas da roça?
Geralda: — NÃO, não é assim. ALGUMAS SIM. Outras, a roça que se acham, mas assim... pelo as pessoas da
roça, tipo assim, já ter um conhecer como caipira, as pessoas da cidade acha aqui na roça que tem um jeito
meio caipira de lidar. ENTENDEU? Ai a gente pensa meio isso.
Rita: — E assim, o que você acha que significa para a comunidade receber essas pessoas [referindo-me aos
missionários]?
Geralda: — OH, é um momento MUITO FELIZ, porque no caso, as pessoas estão vindo visitar a realidade,
NÃO É? Visitar eles, conhecer como que é a vida de cada um. ENTENDEU?
Rita: — E a comunidade valoriza isso?
Geralda: — VALORIZA. Valoriza, TE GARANTO que sim.
Rita: — É?
Geralda: — Porque é um momento de SE SENTIR presente, NÃO É? Vamos supor assim, o povo de lá sabe
que a gente existe. O interior ESTÁ AQUI.
Rita: — E essa sensação assim, do interior é...
Geralda: — É MUITO agradável. É agradável. Para você ver que É TUDO livre, sem aquele monte de
poluição, entendeu? É uma visão bonita, não tem muito trânsito, não é? Porque AQUELE trânsito é muito
estressante.
Rita: — Você se vê morando na cidade?
Geralda: — Eu já pensei nisso, mas não.
Rita: — Não?
Geralda: — Já pensei nisso, mas não. NUNCA tive coragem de sair... de sair daqui para viver num lugar assim,
não. Talvez um dia, eu poderia até ir. SÓ DEUS sabe o futuro da gente, mas me vejo por aqui mesmo.
Excerto da conversa realizada com o Irmão da Geralda:
Irmão de Geralda: — Não. O ser feliz da cidade é o trabalho. O que nós fazemos aqui, eles também fazem lá.
Só que ELES NÃO TÊM aquela liberdade, aquela segurança. O TRÂNSITO é estressante. Você chega lá o
“camaradinha” te trata mal. Você chega ao serviço JÁ ABORRECIDO com o que tem. Você passou pela
estrada, não tem?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — É já fui para Vitória. Quatro horas da manhã, já vi gente pegando ônibus para sair para
o serviço. Eu NÃO ME VEJO dentro de ônibus quatro horas da manhã!
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Indo para Vitória, assim indo para o serviço. Aqui na minha roça, no meu lugar de
trabalho já levanto da minha cama seis horas e faço o meu café e saio para a roça. Sete horas, eu estou no
serviço e cinco horas eu estou voltando para a casa. E NA CIDADE NÃO. Na cidade tem gente que anda 40
QUILÔMETROS para o trabalho.
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — 40 QUILÔMETROS para mim é um mundo que eu ando. É assim...
Rita: Uhum.
Irmão de Geralda: — LIVRE.
Rita: — Sei.
Irmão de Geralda: — É MUITO bacana na roça.
Rita: — O que você acha que motiva as pessoas a preferirem uma cidade?
164
Irmão de Geralda: — RAPAZ, isso eu vou te falar. Uma das coisas que eu penso que é um lugar de conseguir
mais emprego. Vamos supor que aqui na minha roça eu só tenho o dinheiro quando eu faço uma colheita de
café ou quando eu trabalho fora. ENTENDEU?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Mas eu NÃO PENSO no dinheiro. EU PENSO no meu jeito de viver. O que eu tenho já
é sustentável. ENTENDEu?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — É SUSTENTÁVEL. Se fosse para eu caçar uma vida assim de muito dinheiro, por
exemplo, um emprego, eu tinha que caçar cidade.
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — E eu NÃO QUERO isso para mim. Eu quero é assim LIBERDADE, ganhando o que eu
posso, ENTENDEU?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Fazendo o que eu posso. Porque eu gosto de trabalhar na roça e a gente fica muito
alegre. A gente GOSTA do povo da cidade que vem para a roça, a gente gosta DE MAIS DA CONTA quando
vem. Não basta parente, não. Pode bater lá em casa. “Posso passar mais de uma semana?”. “PODE!”. Não
tem nada a ver. Nós já acolhemos gente ali, da que vem na casa do (#). Já acolhemos gente lá em casa, que
vem para tomar banho de cachoeira, vir num aguapé aqui. que esse lugar é tipo assim, um lugar...
[...]
Rita: — E o quê, aqui na roça... você já andou me falando algumas coisas do posto médico, do atendimento...
o que você acha que poderia ter aqui na roça, que às vezes você vai ter na cidade, que seria uma coisa que
ajudaria, complementaria? Não sei...
Irmão de Geralda: — RAPAZ, sobre o posto de saúde, você me pergunta?
Rita: — É. Você falou que o posto de saúde podia ser diferente. Não é?
Irmão de Geralda: — Podia ser sim. Igual já tem um posto de saúde aqui.
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Eles não precisavam UM LUXO para atender o pessoal da roça, porque LUXO NÃO É
SAÚDE, não é nada! É um jeito de gastar dinheiro. Porque a simplicidade é o menos gasto, A SIMPLICIDADE
é o jeito de atendimento. Agora, a estrutura é o gasto, QUANTO MAIS gasto é menos atendimento. Não tem?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Então, o que eu acho que podia melhorar as coisas é simplicidade. Não gastava ter luxo
para a saúde, não gastava ter luxo, não.
Rita: — Bacana essa ideia sua da simplicidade.
Irmão de Geralda: — Porque O DINHEIRO... O DINHEIRO que você gasta no luxo é gastado na saúde. Igual
você caça um médico hoje. Você pode ir à [sede do município], ALI, qualquer hora da semana, de meio dia
para a tarde VOCÊ NÃO ACHA.
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Não acha UM MÉDICO ALI! E o dinheiro que eles estão gastando para o luxo na roça,
eles podiam estar economizando para gastar na saúde. Porque saúde não tem preço. NÃO TEM?
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Eu acho meu modo de pensar assim. Que saúde não tem preço. Eles gastam mais no luxo
que na saúde.
Rita: — Uhum. E a questão do transporte?
Irmão de Geralda: — O transporte, como assim?
Rita: — Faz falta ter esse transporte? Esse apoio?
Irmão de Geralda: — RAPAZ, FALTA FAZ! Mas ninguém aguenta manter um transporte particular. O que
podia fazer, é o prefeito por uma linha aí. ENTENDEU? O prefeito por na cabeça que tinha que ter uma linha
porque muito da gente da cidade que não tem carro pegava o ônibus para vir.
Rita: — Uhum.
Irmão de Geralda: — Agora, já não vem mais porque não tem condição. Aí, a roça já parou, já ficou um pouco
parada.m
Após a subida ao morro, fomos almoçar, despedimo-nos da família de Geralda e fomos para uma outra
comunidade onde haveria uma celebração. Chegamos lá com um pouco de atraso. A celebração já havia
iniciado. Depois da celebração, teve um momento de confraternização. A comunidade havia levado alguns
comes e bebes. Ficamos conversando. Nesta celebração, além do Luciano, também estavam mais três alunas
do Colégio. Eles ficaram conversando muito mais entre si do que com os membros da comunidade. Depois da
confraternização, nossos anfitriões nos levaram de volta para a sede do município onde nos juntaríamos ao
restante dos missionários. Optaram por fazer um caminho diferente da ida para podermos conhecer outras
165
regiões do município. Chegando à cidade, a quantidade de lixo espalhada às margens da estrada chamava a
atenção. Comentei com Geralda e o irmão. Eles falaram que estávamos chegando à sede do município e que
este bairro era um bairro bastante perigoso. Esta foi uma “paisagem” urbana bem diferenciada da que
havíamos presenciado até o momento. Chegamos à Igreja Matriz bem antes do restante do grupo e do horário
combinado na programação. Não tínhamos onde ficar, pois o salão paroquial estava fechado. Ficamos na
praça em frente à Igreja aguardando o restante do grupo. (Excerto do DCMS_04)
- As visitas às escolas:
Como previsto na programação, as visitas às escolas ocorreram nos dois últimos dias da
missão. A ideia inicial, como exposta pelo C. Past., era visitar somente escolas que ofertassem
o Ensino Médio e os anos finais do Ensino Fundamental II. No entanto, também foram feitas
visitas a escolas que ofertavam os anos iniciais do Ensino Fundamental. Diferentemente das
visitas missionárias às famílias, em que os alunos das duas instituições formaram grupos
separados, para esta atividade, o C. Past. compôs os grupos com alunos das duas instituições.
Além dos alunos, em cada grupo foi garantida a presença de um formando e um membro da
equipe da pastoral/educacional. De um modo geral, a proposta de abrir um espaço de troca entre
os estudantes do Colégio e os estudantes das escolas locais, não aconteceu. Acredito que três
fatores contribuíram para que isto não acontecesse: o público das escolas visitadas, pois muitas
delas atendiam a uma faixa etária entre 6 e 10 anos de idade; o não envolvimento das equipes
das escolas na atividade (algumas pareciam ter sido “pegas de surpresa” e outras apenas
cederam o espaço); as estratégias utilizadas para serem efetivados os contatos com os alunos
das escolas visitadas. Transcrevo, a seguir, excertos do DC relativos à visita às escolas.
Alguns grupos foram caminhando para a escola outros foram levados de carro. O meu grupo, e um outro, foi
junto em uma mesma van. Chegando lá, o nosso grupo ficou em uma escola cujo prédio, durante o dia,
funcionava com turmas do Ensino Fundamental sob a administração da prefeitura e, à noite, funcionava com
turmas do Ensino Médio, sob a administração do estado. O outro grupo foi para uma instituição de ensino, de
caráter filantrópico, mantida por um grupo religioso não católico (Colégio L), que ficava a duas quadras da
“nossa” escola. A Coordenadora Pedagógica da escola nos recebeu muito bem. Conversou um pouco com o
grupo sobre a comunidade local e a escola e, depois, ofereceu-nos um lanche. No momento do lanche, percebi
que não havia nada programado com a escola. Pelas conversas entre o C.Past., que estava participando do
meu grupo, e a Coordenadora da escola, a impressão que tive é que ela sabia que iríamos lá, porém, não sabia
como seria a dinâmica desta visita, só que almoçaríamos na escola Luterana. Os alunos, tanto do Colégio
quanto da Escola, também não sabiam exatamente o que seria feito. A única coisa que me pareceu estar clara
para todos os alunos era que estávamos ali para falar sobre a questão da seca, da crise hídrica, do cuidado
que deveríamos ter com o planeta, ou seja, deveríamos abordar as questões relativas à temática da Campanha
da Fraternidade. Porém, o como isto seria feito e com que turmas/faixa etária, nada estava definido.
Aproveitando o momento do lanche oferecido pela Coordenadora da escola, o C.Past. foi conversando com
grupo e algumas ideias foram surgindo a partir das lembranças que alguns tinham de algumas dinâmicas que
já haviam participado. A Coordenadora da escola forneceu alguns materiais solicitados pelo grupo para
realizarem as dinâmicas que foram pensadas naquele momento! As turmas da manhã eram de alunos do 1o ao
5o ano. À medida que as professoras “entregavam” seus alunos para nós, iam para a sala dos professores
tomar um cafezinho. Elas não ficaram na quadra para participar/acompanhar as atividades que seriam
desenvolvidas. A maior parte das dinâmicas realizadas com as crianças foi “puxada” pelo C.Past. ou pelo
166
formando, os alunos missionários ficaram auxiliando. Algumas crianças não participaram das dinâmicas,
preferiram ficar brincando de bola com três missionários, dois alunos do Colégio e uma aluno da Escola. Se a
proposta era “escutar a escola de uma outra realidade”, estabelecer uma “roda de partilha” entre os jovens
do Colégio e os alunos das escolas visitadas, isto não aconteceu! Fomos almoçar no Colégio L, onde estava o
outro grupo. Ao chegarmos lá, todos já estavam no refeitório praticamente terminando o almoço. Uma
funcionária nos recebeu, e indicou-nos onde sentarmos. Então, ela pediu a atenção de todos e nos deu as boas-
vindas, se desculpando por não ter podido nos esperar para iniciar a refeição, para não atrasar os
compromissos que os alunos da instituição tinham após o almoço. Reparei que alguns alunos da instituição
que já haviam terminado a refeição ainda continuavam nas mesas. Aliás, a impressão que tive, foi que todos
ainda estavam sentados nas mesas dos refeitórios mesmo após terem terminado a refeição. Esta impressão foi
confirmada quando, ao sinal da funcionária, todos agradeceram a refeição com uma saudação própria,
levantaram-se praticamente ao mesmo tempo e saíram do refeitório. Um grupo, no entanto, permaneceu para
fazer a limpeza do refeitório, dividindo as tarefas entre si: recolhimento dos utensílios, lavagem, secagem,
reposição dos utensílios nos armários bem como a limpeza do chão do refeitório. Eles explicaram que há uma
escala entre os alunos para realizarem esta tarefa. Na volta à escola onde estivemos pela manhã, fui
conversando com alguns dos alunos do Colégio que haviam participado das atividades do Colégio L pela
manhã. Eles falaram um pouco do que viram. Ficaram impressionados com a ordem e a disciplina da escola e
também com a ênfase que a escola dava a áreas como música e teatro. Retornando à “nossa” escola, na parte
da tarde, o nosso grupo estava maior, pois o grupo que estava no Colégio L juntou-se ao nosso. O público da
tarde era outro: alunos do Ensino Fundamental II. Novamente, as atividades não haviam sido pensadas,
combinadas anteriormente e nem favoreceram a “escuta” dos alunos da comunidade ou mesmo uma “troca”
entre eles e os alunos que estavam participando da Missão. Como a Orientadora Educacional da Escola
integrou-se ao nosso grupo, ela tomou a iniciativa de sugerir as atividades a serem desenvolvidas. As atividades
sugeridas também abordaram questões sobre a conservação do meio ambiente, a crise hídrica. Novamente,
aos alunos missionários ficou delegado o papel de coadjuvantes. Com o grupo da noite, a Orientadora
Educacional também tomou para si a função de pensar uma proposta de atividade para ser desenvolvida com
os alunos do Ensino Médio. Foram realizados trabalhos com dois grupos de alunos. Com o primeiro grupo, a
possibilidade de interlocução entre os jovens foi pouca, já no segundo grupo, depois de algumas pequenas
modificações na dinâmica realizada com o primeiro grupo, os jovens que estavam participando da missão
puderam interagir um pouco mais com os jovens da escola. Fazendo uma reflexão sobre as atividades
desenvolvidas na escola, penso que as estratégias adotadas não foram tão favoráveis para que pudesse
acontecer o que o CP me apresentou como intenção ao propor atividades nas escolas: estabelecer uma "roda
de partilha" entre os estudantes do Colégio e das escolas do município sobre suas experiências escolares. As
atividades acabaram tendo um tom muito mais prescritivo, “moralista”, do que um tom de troca, partilha!
Considerando os relatos que ouvi de alguns jovens que participaram em outros grupos, parece-me que o mesmo
ocorreu nos outros grupos. (Excerto do DCMS_05)
Após o café da manhã, fomos divididos novamente em grupos para visitarmos mais uma escola. Não foram os
mesmos grupos de ontem. Os grupos foram refeitos, o que achei bastante interessante, pois assim possibilitou
um contato maior entre os jovens do Colégio e da escola. Nosso grupo foi para uma escola no centro da cidade,
perto da Igreja Matriz. Por isto, fomos caminhando até lá. Chegando lá, a impressão que tive é de que a
Pedagoga da escola não estava avisada de que iríamos. Foi uma recepção bem diferente da que aconteceu na
escola de ontem. Pela manhã, a escola funcionava com turmas do 1o ao 5o ano. O formando que estava neste
grupo já tinha toda uma dinâmica traçada em sua cabeça e nem chegou a consultar os jovens sobre que
atividades desenvolver. Apenas comunicou ao grupo o que seria feito. O trabalho desenvolvido com o primeiro
grupo de crianças foi um “desastre”. As crianças não se envolveram tanto na atividade proposta. Entre o
trabalho com o 1o grupo e o 2o grupo, participamos do recreio das crianças. Neste momento, como estávamos
na quadra, um aluno do Colégio começou a fazer dobraduras. As crianças ficaram encantadas. Então, ele
resolveu ensiná-las. Paralela à “oficina de dobraduras”, outros três alunos, dois do Colégio e um da Escola,
ficaram jogando bola com as crianças na quadra. As crianças ficaram tão envolvidas com as dobraduras e
com as brincadeiras que acabaram se esquecendo que tinham que voltar para a aula após o recreio. Foi preciso
as professoras irem até a quadra buscar seus alunos. Quando fomos trabalhar com o 2o grupo de crianças,
após o recreio, a interação com elas foi bem melhor. Dois fatores, provavelmente, favoreceram o trabalho com
167
o 2o grupo de crianças, o fato de a Orientadora Educacional da Escola propor uma atividade diferente da que
havia sido realizada com o grupo anterior, que logo foi aceita pelos jovens do Colégio e da Escola e também
pelo formando “turrão”, e o momento de interação entre os jovens e as crianças que aconteceu durante o
recreio. (Excerto do DCMS_06)
Logo após o almoço, o C.Past. convidou a todos para o salão para passar as orientações para as
próximas atividades do dia que seriam com todo o grupo: a visita à Casa de Repouso e o momento de avaliação.
Em relação à Casa de Repouso, o C.Past. alerta os jovens para não tratarem os idosos como se fossem crianças
e espera que esse momento seja um momento em que eles possam conversar com os idosos, ouvir um pouco de
suas histórias e também os jovens falarem um pouco de suas experiências. Chamou a atenção para o fato de
que eles poderiam, também, encontrar algum idoso, que por conta de alguma limitação, não poderiam se
comunicar. Na Casa de Repouso, fomos recebidos pela equipe que coordena o trabalho e encaminhados para
uma sala onde foi feita uma apresentação geral da instituição. Depois, fomos conhecer os espaços da
instituição e ter contato com os idosos. Como um dos idosos gostava de fazer repente e outros tocavam
instrumentos, foram convidados pelo coordenador da casa para tocarem e apresentarem um repente para o
grupo. Os alunos começaram a dançar com os idosos e um deles desafiou o senhor no repente: ficou um
ambiente bastante descontraído. No entanto, antes disso, quando estávamos visitando os espaços da instituição,
uma situação me deixou bastante incomodada: uma das senhoras da equipe da paróquia, que estava
acompanhando o grupo e que me pareceu também fazer um trabalho voluntário na instituição, falava dos
idosos para nós como se eles não estivessem ali, presentes no recinto. Era como se os idosos estivessem
“expostos em uma vitrine” e ela estivesse “falando sobre o produto”. (Excerto do DCMS_06)
Um ano antes da realização desta pesquisa, foi implantada uma nova matriz curricular
para o Ensino Médio, no Colégio, que ampliou a carga horária semanal desse segmento de 34h/a
semanais para 40h/a semanais, nos 1o e 2o anos, e para 41h/a semanais no 3o ano. Com essa
mudança, foi introduzido, na parte diversificada da nova matriz, o Núcleo Transdisciplinar
Eletivo, permitindo aos estudantes um tratamento inter e transdisciplinar dos assuntos
abordados nas novas disciplinas que compuseram esse núcleo.
De acordo com a C. Ped., a oferta dessas disciplinas eletivas foi muito bem aceita pelos
alunos, o que pude constatar por meio das conversas que tive com alguns deles durante o
período em que realizei as observações participantes. Nessas conversas, também constatei que
as escolhas de que disciplinas cursar baseavam-se em critérios como a amizade, isto é,
matricular-se na disciplina que os amigos estão se matriculando; a indicação de algum colega
168
que já havia cursado a disciplina no ano anterior; o gostar do professor que iria lecionar a
disciplina; uma oportunidade para poder aprofundar conhecimentos na área de interesse
profissional; preparar-se melhor para os exames seletivos utilizados nas universidades públicas,
em especial o Enem. O excerto a seguir, transcrito da conversação realizada com uma das
jovens que frequentava a disciplina Eletiva I, ilustra alguns desses motivos.
Renata — Bom, que ela [referindo-se à disciplina Eletiva] tem que... por ser uma aula que a gente escolhe,
a gente tem a oportunidade de fazer o que a gente QUER mesmo. Não fica tão obrigatório, entendeu? Aí
a gente pode relacionar eletiva com alguma área que a gente pensa em fazer na faculdade. Por exemplo,
eu escolhi [a disciplina eletiva] Sustentabilidade porque é um pouco mais voltado para biologia, que é a
minha área, tipo, ciências biológicas. E Indicadores Sociais, porque eu REALMENTE GOSTO de
matemática e gosto da parte social... mesmo das coisas de pesquisar. Igual agora, nas eleições. Eu gosto
de pesquisar e de procurar saber. Aí, por ser eletiva, não é? Por ser uma coisa QUE A GENTE escolhe,
não fica tão chato. E fora que ajuda também a gente na parte da escola mesmo, porque NO FUTURO,
quando a gente for fazer vestibular, sempre acrescenta, não é? Só tem a acrescentar. (CI_08 – T2)
O aluno, ao longo do Ensino Médio, deveria cursar seis disciplinas desse Núcleo,
optando por duas disciplinas a cada ano, como especificado no Plano de Desenvolvimento
Institucional do Colégio (PDI). No ano de realização desta pesquisa, estavam sendo ofertadas
sete disciplinas nesse Núcleo, todas ministradas às terças-feiras, nas duas primeiras aulas do
turno matutino e nas duas primeiras aulas do turno vespertino, o que limitou minha participação
em apenas duas dessas disciplinas: Direitos e Cidadania; e Indicadores Sociais, Estatística e
Probabilidade.
A escolha dessa Eletiva baseou-se na análise de seu Plano de Ensino (PE), que indicava
como objeto de estudo dessa disciplina a interpretação do contexto social, político, econômico
e científico por meio da organização e análise de dados estatísticos e cálculo de
probabilidades, objetivando desenvolver nos alunos competências analíticas para a leitura da
realidade social, política e econômica do país. Ou seja, a disciplina propunha-se a desenvolver
no aluno habilidade de avaliar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso
para compreensão de problemas sociais.
O PE também indicava que seria priorizado o contato inicial [dos alunos] com
relatórios e dados estatísticos diversos, provenientes de sites e outras fontes de pesquisas de
produções de instituições sociais, nacionais e internacionais, tais como IPEA, UNESCO, ONU,
UNICEF, IBGE entre outros.
O desenvolvimento da disciplina pode ser descrito em três etapas. Uma primeira etapa,
em que foram trabalhados os fundamentos relacionados à organização e análise de dados
estatísticos e cálculo de probabilidades, abordando conteúdos relacionados à área de Estatística
169
e Probabilidade. Uma segunda etapa, em que foram desenvolvidos trabalhos de pesquisa sobre
alguns indicadores sociais. E, uma terceira etapa, em que, com base nos indicadores sociais
trabalhados na etapa anterior, foram analisadas as propostas apresentadas pelos candidatos à
prefeitura nas eleições municipais daquele ano. Iniciei o período de observação participante a
partir do trabalho de pesquisa sobre os indicadores sociais.
Para a realização dessa atividade prevista na segunda etapa da disciplina, a turma foi
dividida em seis grupos, sendo cada grupo responsável por pesquisar um indicador: educação;
saúde; mortalidade infantil; saneamento básico; expectativa de vida; qualidade de vida e
consumo. Os grupos deveriam pesquisar dados em relação ao município onde a escola estava
situada, comparando-os com dados em nível estadual e nacional. Foi solicitado, também, que
apresentassem alguma proposta para melhoria dos índices encontrados.
Para que os grupos pudessem realizar a pesquisa e, também, preparar a apresentação do
trabalho foram reservadas aulas no laboratório de informática. No entanto, as aulas reservadas
não foram suficientes para que todos os grupos finalizassem o trabalho, necessitando que este
fosse finalizado fora do horário de aula.
Hoje, fomos para o laboratório de informática para os grupos fazerem o trabalho de pesquisa sobre os
indicadores sociais. Como os laboratórios de informática da escola estão em reforma, os alunos tiveram que
usar um laboratório alternativo. Não havia uma máquina por aluno neste laboratório alternativo. Porém,
mesmo se tivesse, não me pareceu que cada aluno usaria uma máquina. O professor deixou os grupos bem à
vontade para se organizarem. Em alguns grupos, somente um dos componentes estava utilizando o computador
para realizar a pesquisa, enquanto os outros estavam sentados à sua volta. Em outros grupos, havia mais de
um aluno realizando a pesquisa de dados. O professor não circulava entre os grupos para verificar o que
estavam fazendo, problematizar algum dado encontrado, ou sugerir algum outro a ser pesquisado. Só intervia
quando solicitado pelos alunos, o que acorreu poucas vezes. Como o professor não circulava entre os grupos,
fiquei um pouco constrangida em fazê-lo. Aproximei-me de dois grupos. O primeiro grupo pareceu-me que os
alunos estavam fazendo uma busca aleatória de dados. Sem um roteiro previamente discutido entre eles, do
trabalho. Nesse grupo, dois alunos estavam fazendo a busca e os outros três componentes conversando sobre
outros assuntos. O outro grupo pareceu ter divido tarefas entre os componentes. Formaram uma dupla e um
trio para trabalharem nos computadores. E trocavam ideias entre si sobre os dados que achavam. (Excerto do
DCDE_2)
colegas, o que me levou a pensar que as temáticas trabalhadas pelos grupos não despertavam
interesse nos alunos. No entanto, se considerarmos o relato de Rosana, essa aparente apatia dos
alunos no momento da apresentação dos trabalhos não pode ser tomada, de imediato, como um
indicador de um total desinteresse dos jovens pelas temáticas trabalhadas.
[respondendo à pergunta em que a disciplina eletiva a ajudou a ampliar a visão sobre a realidade social
brasileira]
Rosana: — Indicadores sociais... [Como a gente] fez pesquisa sobre o nosso... foi mais sobre o nosso
estado mesmo. Mais voltado sobre o nosso país. A gente percebe [como é a realidade social], porque a
gente teve apresentação de trabalho sobre saúde, sobre infraestrutura, sobre mortalidade infantil e a gente
tem uma noção básica de como que é. Da situação do país. Só que quando a gente faz um trabalho, a
gente pesquisa, a gente aprofunda, a gente ouve o colega falando da pesquisa dele e acho que isso dá,
abre a nossa visão para realidade mesmo, para o que está acontecendo de verdade. A gente percebe, a
gente aprendeu sobre alguns projetos do governo que tem para melhorar a situação, alguns dados de quão
séria é a situação em determinadas áreas. Eu acho que é...
Rita: — Você falou assim: "Quão séria é a situação em determinadas áreas". Vamos ver se eu consegui
entender. De repente, você descobre: "existe isso!", mas você não tinha noção da dimensão do que era.
É isso?
Rosana: — Exatamente.
Rita: — Me dá um exemplo de algumas dessas áreas que você falou assim: "Nossa, isso é sério mesmo!".
Rosana: — Por exemplo, mortalidade infantil. A gente não tem noção de quantas crianças que morrem
por ano por causa de doenças transmitidas por falta de saneamento básico. E eu não sabia que a situação
do Brasil era TÃO, TÃO SÉRIA nesse indicador. Mas, depois do trabalho, a gente percebe que
REALMENTE SÃO MUITAS crianças que, por uma coisa tão necessária como saneamento básico,
entendeu? São muitas doenças que são transmitidas e, realmente, eu FIQUEI PERPLEXA com essa
situação porque EU NÃO TINHA NOÇÃO!
Rita: — Essa foi a temática de pesquisa do seu grupo?
Rosana: — Foi. Do meu grupo.
Rita: — E dos outros grupos, teve algum dado que você falou assim: "Nossa, nunca tinha pensado nisso!"
Rosana: — Deixa eu lembrar... também... PORQUE EU NÃO LEMBRO de todas as áreas. Eu acho que
não tanto... porque eu já tinha uma noção básica, assim, da... eu SEMPRE TIVE uma noção básica, não
é? Porque eu gosto de pesquisar sobre essas coisas... mas eu acho que não teve nenhum outro que eu
fiquei, tipo, chocada, entendeu? Mas só... é porque a maioria dos grupos é algo que A GENTE JÁ SABE,
por exemplo, saúde, educação, são coisas faladas na mídia, entendeu? A gente JÁ SABE. Agora,
mortalidade infantil não é uma coisa que a gente vê todo dia. Aí, POR ISSO que foi o que mais me chocou,
mas não teve outro tão diferente, não.
Rita: — E vocês, assim, discutiram no grupo o porquê disso? Por que dessa situação?
Rosana: — Eu acho que à medida que a gente vai pesquisando, vão surgindo algumas discussões entre o
grupo mesmo. Aí, aparecia algum dado, a gente falava: "NOSSA, não acredito que é tanto isso!". Mas o
porquê é um porquê mais claro, não é? Aí não tem muita discussão.
Rita: — “Um porquê mais claro”? Como assim? Não entendi. O que é “claro”?
Rosana: — Porque... mortalidade infantil, a gente já associa com os problemas básicos do país como falta
de saneamento, falta de infraestrutura, maternidades, etc. A gente discutiu, a gente perguntava, "Ah, o
que você acha que a gente pode fazer para isso, para colocar aqui no trabalho?". "Ah, eu acho que se
melhorar a maternidade, é um projeto bom, que vai diminuir... o tratamento pré-natal". ESSA foi a maior
discussão. O que a gente podia fazer para melhorar os dados.
Rita: Mas assim, por que você acha que está nessa condição? Vocês chegaram a discutir porque o Brasil
tem essa condição?
Rosana: — Olha, a gente não discutiu muito isso, não. Mas... eu acho que... eu NÃO SE... eu acho que a
gente nunca teve um governo muito preparado para realmente investir nessas áreas... Investir, todos os
governos investem, porque senão estaria muito pior. Mas não... eu NÃO SEI explicar direito, mas não...
171
a gente nunca teve muito efetivo, SABE? Melhora os hospitais? Melhora, com certeza. Só que não são
todos, NÃO SÃO em todas as áreas que precisam, não são em TODAS as cidades que precisam. Por
exemplo, aqui mesmo [estávamos na cidade onde foi realizada a MS], aqui a gente tem um hospital só
que..., sabe? Sempre que tem alguma coisa mais séria, tem que mandar para Vitória. FAZER uma
cirurgia? tem que mandar para Vitória. SEMPRE assim... Assim... ESTÁ melhorando aos pouquinhos,
só que a gente nunca viu assim, SABE? (CI_08 – T14-28)
No entanto, esta conversa com Rosana sobre a disciplina eletiva, que ocorreu quando
estávamos participando da MS, me fez refletir, também, sobre “a necessidade de se posicionar,
de maneira dialética, as inversões que têm sido produzidas quando se discutem causas e
consequências da desigualdade” (BOCK et al., 2016a, p. 225), como já apontado anteriormente
neste relatório. Este trabalho de pesquisa desenvolvido pelos alunos na disciplina, apesar de
possibilitar aos alunos tomarem um conhecimento sobre dados relativos à realidade
socioeconômica do país, pela dinâmica de trabalho adotada pelo professor, pode contribuir para
que os alunos façam ou reforcem esta inversão. Neste sentido, é bastante emblemática a fala de
Rosana: “Mas o porquê é um porquê mais claro, não é? Aí não tem muita discussão”.
O trabalho realizado pelos alunos com a análise das propostas dos candidatos seguiu, de
um modo geral, a mesma dinâmica do trabalho anterior. No entanto, no momento das
apresentações dos grupos, houve uma participação maior dos colegas que estavam assistindo
ao trabalho. Um tema foi recorrente nessas participações: a necessidade do combate à corrupção
para melhorar as condições de saúde, educação e moradia da população. O tema da corrupção
também polarizou discussões entre os jovens, em especial sobre a operação Lavo Jato84.
84 O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de
automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente
investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se
consagrou. Para maiores informações consultar <http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-lava-jato/entenda-o-
caso>; < https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato>.
172
aos propósitos deste estudo foi o fato de a disciplina tratar de questões relacionadas aos Direitos
Humanos.
Como a disciplina Eletiva I, o desenvolvimento desta disciplina também pode ser
descrito em três etapas. Na primeira etapa, com a intenção de traçar a história dos Direitos
Humanos, culminando com a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), o professor organizou um conjunto de palestras com convidados externos.
Ainda nesta mesma etapa, foi desenvolvido um estudo com foco nos direitos garantidos aos
cidadãos brasileiros pela Constituição de 1998. Para a segunda etapa da disciplina, foi pensada
uma experiência de inserção social. Na terceira etapa, foram realizados estudos de biografias
de pessoas que defenderam os Direitos Humanos:
PE2: — Aí então, eu peguei, mudei a disciplina para que ela pudesse ter uma conotação MAIS voltada
à cidadania, né? E automaticamente em direitos BÁSICOS, coletivos, direitos naturais, né? Então assim,
o que que eu... tive a preocupação? Em conseguir fazer um COMPLEMENTO daquilo que sociologia,
geografia, história, filosofia NÃO CONSEGUEM fazer na sala de aula, que é uma parte mais
VIVENCIAL, uma parte mais... é... LABORATORIAL de ciências humanas. Como, né? Aí a primeira
coisa que eu comecei a pensar foi que a gente precisava sair da escola, ter contato com ações de caridade,
com trabalho voluntário, é... mobilizar-se com relação algumas campanhas, estudar MAIS A FUNDO
pessoas que defenderam direitos humanos [...] que é estudar autores, né, pessoas como Mahatma
Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King, Malcolm X e assim por diante. [...] Então... eu acho que
o... a... a maior tensão que eu tenho com essa disciplina É NÃO DEIXAR o aluno preso SÓ dentro do
ambiente escolar, possibilitar um aprofundamento, uma coisa fora, né? [...] Bom, quando iniciou o ano
eu pensei, em primeiro, fazer um conjunto de palestras, né? As primeiras palestras, elas tinham um
sentido de TRAÇAR a história do direito humano, como que ele foi se desenvolvendo, como que isso
chegou até a declaração na ONU, né? Como que foi a evolução do direito no Brasil [...]. Então, arrumei
palestrantes, trouxe acadêmicos de direito, trouxe professores universitários, que vieram aqui de bom
grado e conseguiram FAZER BEM essa trajetória, né? Aí, DEPOIS, que a gente viu a história de direitos
humanos, a gente estudou um pouquinho de constituição, percebemos mais a fundo questões que estão
bem CLARAS na Constituição como... que educação básica é direito de todos, moradia e tudo mais, a
gente faz uma análise DO MUNDO hoje, né? Eu dei uma aula para eles falando de concentração de
renda, de pobreza, de exclusão. [...] Um trabalho que não fosse só aquela questão do trabalho voluntário
de doação de alimento, chegar lá, bater foto, dar abraço e tudo. Mas que deixasse alguma marca na
instituição, né? Como por exemplo, que a gente criasse mecanismos para facilitar, arrumar patrocínios
para essas instituições através de divulgação na internet, pedir em empresas, comércio. A campanha de
doação de alimento, que essas instituições precisam muito. Uma vivência, como por exemplo, na creche
que foi indicada pela pastoral e no asilo, também indicado pela pastoral (CF_05 – T4-6-12).
Quando inicie a minha participação nas aulas da turma do matutino, o professor estava
começando, com a turma, o planejamento para realizar a ação de intervenção com os alunos na
instituição beneficente de Educação Infantil, que ele denominou de trabalho voluntário. A
turma foi dividida em grupos e cada grupo tinha como responsabilidade elaborar um plano de
ação e apresentar este plano para a turma na aula seguinte. Os grupos tinham objetivos
diferenciados:
a) o grupo da Festa Junina ficaria responsável em auxiliar a instituição na festa junina
que seria realizada pela comunidade;
173
A aula de hoje foi reservada para visitar a “creche”. Depois que tocou o sinal, o professor orientou para que
os alunos caminhassem juntos, não se dispersando pelo caminho. Também alertou para o cuidado com o que
falar com as crianças. O AP1 foi conosco. Chegando na “creche”, fomos recebidos pela Diretora que contou
um pouco da história da instituição, falou um pouco do perfil dos pais das crianças atendidas pela instituição
(alguns estão presos, outros foram assassinados, mães que tem filhos com parceiros diversos), expôs as
demandas da instituição para que o Grupo da doação pudesse saber o que seria importante solicitar na
campanha. Ela explicou que determinados alimentos que o grupo estava pensando em solicitar não seriam
necessários. No momento, seria mais interessante solicitar a doação de produtos de higiene, como sabonetes,
escovas e cremes dental, shampoo, entre outros. O que ela pontuou como necessidades para a instituição foi
a construção de uma cisterna e a colocação de um piso emborrachado na área do parquinho e apresentou
uma estimativa de custo. O professor ventilou a possibilidade de os alunos do Colégio pintarem o muro que
cerca a área externa como uma atividade que deixaria “uma marca” na instituição. Depois deste contato
inicial com a Diretora, os alunos do Colégio foram conhecer as dependências da instituição. Alguns alunos
brincaram com algumas crianças que estavam na aula de Educação Física. O que me chamou a atenção no
dia de hoje:
- alguns alunos e o próprio professor ficaram um pouco “desapontados” depois da visita. A expectativa
deles era encontrar uma instituição “mais carente. Ficaram surpresos com a estrutura física da
instituição;
- a descrição feita pela diretora do perfil das famílias das crianças impressionou alguns alunos;
- as expectativas expressas por alguns alunos em relação à visita à instituição enquanto caminhávamos
até lá: conhecer gente diferente, uma outra realidade; poder realizar um trabalho social; ser uma
experiência boa para o currículo, uma vez que pretende fazer faculdade no exterior; oportunidade de
brincar com crianças.
realizado com os jovens a partir dessas fichas. Observei que alguns deles se
interessaram em ler esse material e outros não. A tarde recreativa programada por
este grupo aconteceu em uma sexta-feira à tarde. Nem todos os alunos da turma
compareceram a essa atividade. O professor teve um imprevisto e não pode ir com
a turma. Eu os acompanhei. O grupo pensou em atividades a serem realizadas com
as crianças, porém, não providenciaram com antecedência alguns materiais para
realizá-las tampouco verificaram se haveria disponibilidade desses materiais na
instituição. Outra dificuldade encontrada pelo grupo foi que algumas atividades
pensadas por eles não estavam “adequadas” à idade das crianças. Duas professoras
tomaram a iniciativa de ajudar os jovens a organizarem as atividades com as
crianças. Além das brincadeiras, os jovens levaram lanche para as crianças. Esse
lanche, por não ser suficiente para atender a todas as crianças, foi complementado
pela instituição. Nesta sexta-feira, nem o grupo da PJ e nem o AP1 estavam
presentes, embora algumas jovens que compunham o grupo de apadrinhamento
fizessem parte da PJ.
O estudo da biografia de pessoas que defenderam os Direitos Humanos foi a última
atividade da disciplina. A turma foi dividida em grupos e cada grupo encarregado de pesquisar
sobre uma personalidade e apresentar o resultado de sua pesquisa para a turma em forma de um
seminário. Foram reservadas algumas aulas no laboratório de informática para que os grupos
pudessem pesquisar sobre a personalidade estudada e fazer a montagem da apresentação. Essas
apresentações transcorreram sem uma participação muito intensa dos alunos. Eles ouviam
“passivamente” a apresentação dos colegas sem apresentarem muitos questionamentos.
Este tópico tem como eixo de exposição a terceira questão que norteou esta
investigação: como os educadores significam o trabalho com a desigualdade social a partir das
e nas práticas realizadas. Nesse sentido, a partir da análise das conversações realizadas com os
educadores foram construídos três Núcleos de Significação apresentados, de forma sintética,
no Quadro 13 e discutidos a seguir.
Quadro 13 – Síntese dos Núcleos de Significação elaborados a partir da análise das conversações com os
educadores.
- A pobreza
Este núcleo reúne indicadores que expressam, na
perspectiva dos docentes e gestores, o desafio de
sensibilizar o aluno para as questões sociais do país e
sua responsabilidade em relação a essas questões.
Indicadores:
"[...] quando eles conseguem olhar para - Trabalhar o pensamento crítico
outras realidades, eles olham para dentro - Tirar o aluno de sua zona de conforto
também". - A aposta na experiência/vivência como
ferramenta de mudança/transformação
- O aluno se perceber responsável pelas
questões sociais do país
- Sensibilidade do professor para as questões
sociais
Neste núcleo, são reunidos os indicadores que nos
ajudam a explicitar e compreender as determinações
que constituem as condições de trabalho docente que
medeiam as práticas escolares no Colégio.
Indicadores:
- O planejamento da aula como um ato
"É difícil para a gente porque a gente não solitário do professor.
tem um tempo grande de sentar com o - A autonomia do professor para planejar a
professor toda semana ... o professor disciplina
passa correndo, vem, chega, corre, sai - Os mecanismos institucionais para
para outra escola”. acompanhamento do trabalho pedagógico.
- A necessidade do professor de trabalhar em
mais de uma instituição para complementar
a renda.
- A organização dos espaços-tempos das
práticas escolares
- A relação com as famílias
Fonte: Elaboração própria a partir da análise dos registros das conversações formais e informais realizadas com
os educadores.
2.4.1 Núcleo 1: "[...] essa escola, como princípio identitário, ela não pode negar isso, ela
precisa pensar nessa questão da desigualdade social quando ela vai tratar de vários temas".
práticas com os valores evangélicos, sem, no entanto, perder a qualidade acadêmica. Isto
significa, como explicou um dos educadores, considerar os valores cristãos como fundamento
para o planejamento:
— Eu vou muito de... PRIMEIRO, eu foco no objetivo da disciplina. Então... eu acredito que História tem
um papel fundamental de formar um cidadão crítico. E aí, também, como a gente está no Colégio,
também penso na questão de valores. VALORES CRISTÃOS. Então, essa é a base do planejamento.
[...] Ah, eu acho que em primeiro lugar, eu acho que como a gente está falando de cidadania, né, eu acho
que a gente tem que ser um cidadão pleno, e um cidadão pleno, ele é justo. E aí, para mim... pra mim
entra muito a questão da equidade. A gente precisa enxergar como igual. A gente valorizar o outro. A
gente perceber as diferenças, buscar entender as diferenças e valorizar as diferenças. Aprender a
conviver com elas, eu acho que isso é fundamental. E aí entra também o ideal para mim de justiça,
porque nem sempre o que é bom para mim, é bom para você. Então, qual o ponto de equilíbrio aí? O
que pode ser MAIS justo? Eu acho que são valores fundamentais que a gente tem que carregar (CI_04
- T18-20).
formação com os professores em relação ao quê que está previsto na “Laudato si”, encíclica do Papa,
que é o documento, vamos dizer assim, é o cerne do projeto. E fizemos, também, algumas... a gente teve
uma palestra e tínhamos videoconferência falando sobre isso. Com todos os professores (CF_01 - T3);
— E a IDEIA no futuro, que eu tenho, é de fazer uma atividade [semelhante ao Mini-ONU] voltada à
Pastoral. [...] Campanha da Fraternidade, né? Ao invés DESSE tipo de temática, a gente tentar colocar
alguma coisa com A CARA da educação confessional [do Colégio] [...] Na verdade, ela [referindo-se à
atividade semelhante ao Mini-ONU que pretende realizar] ganhar uma cara CATÓLICA, né? Na
verdade, não da educação confessional, mas assim, a gente trabalhar, por exemplo, uma simulação
dessa com base na Encíclica do Papa, entendeu? No GUIA de estudo entrar isso [...] Entendeu? Eu
acho que me expressei até mal. Não é com relação à educação confessional. [...] Quando você tem uma
Campanha da Fraternidade, igual agora, que é saneamento básico, entendeu? A gente faria, sei lá, a
gente pensaria alguma coisa para trabalhar exatamente isso. Então eu acho que é EXATAMENTE esse
mesmo o objetivo. Acho que de certa forma, né? a desigualdade social, ela FICA no... no... no currículo
do Colégio. Eu acho que os projetos sociais, essas coisas, acho que a gente pode estar trabalhando isso
dentro de uma simulação dessa, entendeu? (CF_05 – T98-104 – 106 - 108);
— Então, assim, ele [o aluno] também dá essa devolutiva quando ele produz o texto dele, quando ele faz
uma redação, um poema falando sobre a Campanha da Fraternidade, igual a gente teve o livro
produzido pela Equipe de Língua Portuguesa, que o aluno traz essas... (RC_05 – T42b).
b) “dizer não à idolatria do dinheiro, que nega a primazia do ser humano”, uma vez
que
[...] o dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas
tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres,
respeitá-los e promovê-los. Exorto vocês a uma solidariedade desinteressada e a um
regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano (EG, 58);
85 Discurso proferido aos participantes no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ocorrido em Roma, em
2014. Disponível em <https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-
francesco_20141028_incontro-mondiale-movimenti-popolari.html>. Acesso em 20 set. 2018.
86 JONAS JORGE DA SILVA (São Leopoldo/RS). Instituto Humanitas Unisinos. Alegremo-nos com o Papa: o
para chamar a atenção para situações que causam sofrimento e morte que atingem, sobretudo,
os pobres, nem sempre percebidas por todos.
Em campanhas passadas, alguns dos temas tratados foram: Saúde Pública, Tráfico
Humano, Exclusão Social, Segurança Pública, Educação, Moradia, entre outros. No ano de
realização das observações participantes no Colégio, a Campanha da Fraternidade teve um
caráter ecumênico87, elegendo como tema a “Casa Comum” e, como lema, “Quero ver o direito
brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”.
Com o objetivo de assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e o
empenho dos cristãos de assegurar políticas públicas e assumir atitudes responsáveis que
garantam a integridade e o futuro da Casa Comum, a justificava da escolha do tema/lema
baseou-se em dois princípios: o fato do abastecimento de água potável, o esgoto sanitário, a
limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos, o controle dos meios transmissores de doenças
e a drenagem de águas pluviais serem necessários para a saúde e a dignidade de vida; e o fato
do acesso à água potável e ao esgoto sanitário serem essenciais para a erradicação da pobreza
e da fome, para a erradicação da mortalidade infantil e para a sustentabilidade ambiental.
A partir do tema da Campanha da Fraternidade proposto para o ano seguinte ao da
realização das observações participantes, a C. Ped. exemplifica como o trabalho com a temática
da Campanha é encaminhado junto à equipe docente:
— Então, assim, o ano que vem a gente vai falar, por exemplo, a gente vai falar de... a Campanha [da
Fraternidade] vai tratar sobre os biomas, não é? Então, quando a gente for tratar sobre os biomas, aí
você vai pensar assim: de que forma que Geografia, Culturas Contemporâneas, Sociologia, Filosofia, a
Área de Humanas, a Área de Matemática, Área de linguagem... COMO que a gente vai discutir isso? A
gente vai discutir isso de uma forma, vamos dizer assim, ACRÍTICA? A gente vai colocar esse tema lá,
falar dos biomas: “Ah, gente, tem o cerrado não sei aonde, a caatinga fica em tal lugar, não é?”. NÃO!
A gente vai falar sobre COMO SÃO essas pessoas que moram no cerrado. POR QUE elas têm essa
vida? O QUÊ que determina a condição socioeconômica dessas pessoas que moram no cerrado ou que
moram na caatinga, QUAL a diferença? POR QUE essas diferenças são determinadas? Tem alguma
situação que é política ou cultural ou social que implica NISSO AÍ? Em relação A NÓS: QUAIS SÃO
as diferenças que se estabelecem? Será que a gente pode contribuir de alguma forma, ou existem
políticas públicas que podem contribuir de alguma forma? Então, assim, nós vamos construir
seminários para a terceira série, o ano que vem, em cada etapa... junto, [de forma] interdisciplinar, a
gente vai discutir os temas. Então, a nossa ideia é, cada trimestre, a gente vai trazer áreas para
conversarem e fazer ali discussões com a terceira série. CLARO, a gente está visando a produção de
textos também, a melhora do aspecto discursivo desse menino, da dissertação, da argumentação, mas
a gente tem sempre essa preocupação assim, em O QUÊ QUE ISSO pode contribuir para a formação
desse menino? Então... quando você falou no termo desigualdade, quando a gente vai tratar, no ano
que vem, por exemplo, esse tema da Campanha [da Fraternidade], ele vai ser trabalhado no Fórum, ele
vai ser trabalhado em projeto de leitura, escrita e oralidade na escola inteira, que é o projeto [nome do
projeto]. Isso vai... esse projeto ele vai falar sobre biomas, mas ele não vai ficar falando SÓ do aspecto
da Ciência, da Biologia, da Geografia. Ele vai TRAZER ISSO para o humano, não é? Então, QUE
IMPLICAÇÕES o homem que mora no cerrado tem para a vida dele, para a produção, para a cultura
87 Para maiores informações sobre a Campanha da Fraternidade do ano de 2016, consultar <
http://www.arquisp.org.br/noticias/especiais/campanha-da-fraternidade-2016> ou <
http://www.arquidiocesedepassofundo.com.br/site/node/1032>.
181
dele, não é? E um homem que mora na caatinga, e a pessoa que mora na Amazônia, como é que é
isso? Como é que é a relação desse homem? (RC_05 – T76).
Apesar da C. Ped. afirmar que o Colégio não eleja a desigualdade social como um tema
central a ser trabalhado em todas as disciplinas e projetos, no entanto, ao eleger os temas da
Campanha da Fraternidade para serem trabalhados de forma transversal no currículo, cria
espaços para que os educadores, em suas diversas disciplinas e nos projetos institucionais,
trabalhem com as diversas manifestações desse fenômeno. Esta afirmativa da C. Ped. leva-me
a inferir que a significação de desigualdade social está muito mais atrelada à dimensão de
recurso: desigualdades de acesso e de recompensa.
— [...] nós não elencamos a desigualdade como um tema de trabalho, como a gente já elencou agora,
por exemplo, a questão da água, como a gente TAMBÉM elencou a questão dos refugiados no ano
passado, QUE É um tema gritante, que a gente precisava conversar. Mas, quando a gente faz TODO um
planejamento da etapa e faz um planejamento dos projetos e discute esses projetos na área, por exemplo,
AGORA MESMO nós fizemos um planejamento dos grandes projetos para o ano que vem, então... assim...
quando a gente traça uma linha, um tema para aquele projeto, [a gente] coloca as áreas para dialogarem,
o professor para compreender de que forma ele pode contribuir para AQUELA discussão, a gente tem
sempre, POR PRINCÍPIO, pensar no viés da nossa escola que é uma escola CONFESSIONAL,
CATÓLICA, que tem uma... vamos dizer assim, tem uma característica pastoral, É ESSA identidade.
Então, assim, essa escola, como princípio identitário, ela NÃO PODE negar isso, ela PRECISA pensar
nessa questão da desigualdade social quando ela vai tratar de vários temas (RC_05 - T74).
ele tem de novo. Uma relação muito mercadológica são realidades agora diferentes. Onde de fato
pisar no chão, mesmo se for por alguns dias, isso vai fazer a diferença na vida desse menino. E
faz. Pode não ser em curto prazo, mas a médio, longo prazo faz a diferença (RC_02 – T23)
— Eu acho que assim, isso NÃO TEM como fugir disso [referindo-se ao fato de que a escola está
formando futuras liderança], não é? Porque... assim, a gente tem os nossos alunos... são frutos da
classe média e da classe média alta, tem meninos que tem um poder aquisitivo significativo, NÃO
É? ATÉ pelo valor de mensalidade que a gente tem, do nosso material, de onde a gente está
localizado, de quem... de onde nossos alunos vêm. ENTÃO... a gente sabe do poder aquisitivo
desses meninos, da assistência que a família dá em termos de... do apoio que essas famílias dão no
que elas podem, não é?, dentro das limitações que eu disse, assim, elas podem dar um apoio para
comprar material, a estarem presentes, a virem apoiar o filho quando solicitado e tal. E a gente
sabe que os pais desses meninos TAMBÉM OCUPAM esses cargos, esses lugares, (#) são lugares.
Então, assim... HÁ UMA PREOCUPAÇÃO da escola em relação a isso, tanto é que o Projeto
Político Pedagógico da escola, ele é calcado nesse... num tripé: fé, cultura e vida. Então assim, O
QUÊ QUE É fé, cultura e vida? É você ACREDITAR, VIVENCIAR aquilo que você acredita.
Trabalhar os valores, a ética, a moral, ser crítico, ser consciente, ser proativo, pensar no coletivo,
pensar no outro. E trabalhar toda essa questão da transformação da sociedade, e vivenciar isso,
não é? [...] A concepção que a gente tem da disciplina, a concepção que a gente tem de CADA
componente curricular, as habilidades que a gente deseja CONSTRUIR nesse aluno e junto com
uma concepção de que o ensino, ele NÃO É SÓ o ensino acadêmico, um ensino enciclopédico, um
ensino livresco. Ele é TAMBÉM um ensino Pastoral para a vida, em construção coletiva com o
outro. Então, a gente parte de uma perspectiva que nós precisamos MESMO de temas transversais.
A gente traz a Campanha da Fraternidade para ser discutida na escola, em VÁRIOS momentos, em
VÁRIOS projetos, em VÁRIAS ações. A gente faz com que o professor, no planejamento, pense
nesse O QUÊ que dentro do meu conteúdo eu posso discutir numa perspectiva de Pastoral com
esses meninos? O QUÊ que eu posso discutir, numa perspectiva de trazer, de QUESTIONAR,
PROBLEMATIZAR as coisas que estão acontecendo da política, as coisas que estão acontecendo
no aspecto social da sociedade onde eu estou inserido? A gente TENTA estimular esse menino a
participar de projetos sociais. A gente traz, às vezes, projetos sociais para dentro da escola, para
que os meninos conheçam, FALEM da necessidade deles. Então, eu acredito que é uma escola
QUE SE ENTENDE, assim... apesar de nós privilegiarmos uma camada da sociedade, é uma
escola QUE NÃO SE ISENTA da sua responsabilidade com essa sociedade. Porque os meninos
que estão aqui, eles NÃO podem ser educados numa redoma, eles estão sendo educados para,
MAS NA, É DENTRO dessa sociedade com todos esses conflitos que eles precisam crescer, não
é? Então, eu penso que os projetos que a gente traz são projetos que conseguem fazer com que o
aluno vislumbre e vivencie algumas coisas que talvez ele não vivenciaria em outra escola que não
tenha esse perfil Pastoral cunhado dentro do Projeto Político Pastoral [...] Acredito que o Fórum
é um grande projeto onde a gente se propõe a trabalhar com questões sociais importantes, não é?
Questões políticas, também importantes. Então... esse ano, a gente falou sobre o tema da Campanha
da Fraternidade... a gente falou sobre a questão do saneamento, sobre a questão da água. Sobre a
questão de como que as pessoas do Espírito Santo, os grandes produtores estão manejando a água
no Espírito Santo. Como que projetos importantes estão ensinando o pequeno produtor a manejar
a água, e como que isso... então, assim... a gente tem muitos alunos que o pai é fazendeiro, é dono
de... não é? tem propriedade. Então, assim..., o aluno... ele com essa formação, ele também vê
possibilidade de questionar (RC_05 – T34 – 36 - 40).
— PENSO [referindo-se ao fato de trabalhar em uma escola que atende à elite]. PENSO demais
nisso. Penso porque... porque a minha jornada de trabalho já é antiga, né. Eu já tenho, aí, mais de
trinta anos de profissão. Eu comecei a dar aula quando eu estava na faculdade. E aí, nessa... nessa
perspectiva, eu tenho, é... vivenciado, é... pessoas que hoje tem a formação política, acadêmica, é...
têm médicos e advogados, assim como a gente também JÁ PERDEU alunos, né, por outros motivos.
Então... eu vejo o aluno hoje na perspectiva de futuro MUITO grande. E não é um futuro TÃO
longe assim, não. É um futuro próximo. E ISSO, é... é... faz parte, tá, do nosso currículo de Ciência.
É... sempre a gente tem, assim, atividades onde ELE tem que se colocar na posição do outro. Mas,
QUEM é esse outro? Esse outro pode ser aquela pessoa que não tem recursos, mas pode ser
aquela pessoa que vai justamente, né, gerenciar os recursos, né. Então ele tem... NÓS temos que
fazer esse exercício de colocar os educandos nessas... Nesses dois... Eu acho que são os extremos
da desigualdade (CI_05 - T184).
— Mas eu penso que... eles conseguem DIFERENCIAR, DISCERNIR, né, um ambiente com
saneamento básico, um ambiente sem saneamento. Eles percebem a necessidade das pessoas, né.
183
Eu coloco eles na condição, é... de... futuros prefeitos. Assim como eu coloco eles na condição de
estarem vivenciando, se colocando no lugar das pessoas que não TÊM esse tipo de recurso, né.
Então eles precisam sentir que hoje eles estão aqui, mas que mais tarde eles vão estar assumindo,
né, outras funções, e COMO que eles vão ser? Que tipo de pessoas eles vão ser? Então eu acho
que ISSO também está no nosso currículo. Talvez ele não apareça no processo de planejamento,
na parte escrita, mas ele faz parte (CI_05 - T136-154).
Para algumas pessoas, a desigualdade pode não ser preocupante, enquanto a pobreza
é. Os dois podem ser separados conceitualmente. A pobreza pode ser uma condição
de igualdade (relativa), como na China e no Vietnã da década de 1980, e a crescente
desigualdade pode ser interpretada como parte de um vale de transição da pobreza
para a riqueza. Mas um setor populacional pobre pode ficar preso lá, encontrando a
rota fechada para cima. Nos países desenvolvidos, em desenvolvimento e
subdesenvolvidos, em contraste com os não desenvolvidos, a pobreza é um produto
da desigualdade, de um ou mais de seus quatro mecanismos88.
88 To some people, inequality may be of no concern, while poverty is. The two can be conceptually separated.
Poverty may be a condition of (relative) equality, as in China and Vietnam of the 1980s, and rising inequality
may be interpreted as part of a valley of transition from poverty to affluence. But a poor population sector may
get stuck there, finding the route upward closed. In developed, developing and underdeveloped countries, in
contrast to a non-developed ones, poverty is a product of inequality, of one or more of its four mechanisms.
184
percebo que os educadores do Colégio, eles ficaram, é... de... ESSAS reflexões elas foram SE
PERDENDO, até porque nos últimos anos a escola não o fez. [...] A PERTINÊNCIA da discussão ela
EXISTE e como gestor eu tenho clareza dela. Porém eu não posso deixar de sinalizar que EU percebo
ainda a escola AQUÉM desta discussão. Eu... eu vejo que essa discussão, O TRABALHO SOBRE A
DESIGUALDADE SOCIAL é FEITO ainda numa dimensão extremamente, eu diria, superficial e
relegado a alguns campos do conhecimento. (CF_07 - T12 - 20)
2.4.2 Núcleo 2: "[...] quando eles conseguem olhar para outras realidades, eles olham para
dentro também".
Para Fanfani (2010, não paginado), em sentido estrito, o ofício docente pode ser
compreendido como o ofício de “[...] trabalhadores intelectuais capazes de cooperar na
distribuição deste capital estratégico que são o conhecimento e a cultura nas novas gerações”.
No entanto, como nos alerta o autor, às distintas posições e relações de forças dos atores
(sindicatos docentes, especialista, intelectuais, gestores públicos e privados, entre outros) que
lutam pelo controle do trabalho docente correspondem diferentes formas e visões de definir o
sentido da educação e do trabalho desses profissionais, podendo estes serem vistos como
especialistas em ensino-aprendizagem, ou seja, profissionais técnicos cuja “[...] maior
responsabilidade consiste em fazer que seus alunos alcancem os melhores resultados nas provas
nacionais de avaliação do conhecimento” (FANFANI, 2010, não paginado) ou como “[...]
profissionais críticos, construtores de subjetividades conforme a projetos políticos relacionados
com a construção de uma sociedade mais justa, livre e democrática” (FANFANI, não
paginado).
Esta dualidade apresentada por Fanfani (2010) é expressa por vários dos educadores que
participaram das conversações, que ora apresentavam uma preocupação com a formação crítica
dos alunos, ora apresentavam uma preocupação com os resultados obtidos por esses mesmos
alunos em exames seletivos para a entrada em instituições de ensino superior, considerados,
como expresso por alguns deles, um dos critérios utilizados pelos pais para avaliar a qualidade
da educação ofertada pela instituição.
— Então o foco da gente é trabalhar mesmo essa questão social até por causa dos resultados... do
ENEM, essa questão SOCIAL... a gente precisa melhorar essa questão (CI_02 - T2).
— E principalmente lá no 9º ano, eu trabalho muito texto argumentativo e principalmente o dissertativo
argumentativo, que tem que elaborar uma solução no final, como no texto do ENEM. Então,
RESOLVER PROBLEMA, não só resolver problema matemático. É pensar, entender os processos
sociais para tentar resolvê-los. Então problemas sociais TAMBÉM funcionam como equações, tem
que ser equacionados. [...] [A escolha das temáticas a serem trabalhadas na produção de textos] Tem
uma influência do ENEM. Porque o ENEM... as temáticas SÃO de natureza social. Então, muitas
vezes, a temática DO ENEM acaba também influenciando. Tem esse fator também. Eu levo isso em
consideração, também. (CI_03 - T23-T137)
— Acho que o maior desafio para o ensino médio é fazer com que o aluno consiga aprender, ter uma
relação significativa com a escola e com o conhecimento. Porque ele está hoje sujeito a uma quantidade
imensa de informação, esse aluno não sabe lidar com essa informação, ele fica só na superficialidade,
ele sabe muita coisa de, muito pouco de muita coisa, na verdade, e não se aprofunda, não é? E aí a gente
tem uma escola que ainda está, estou falando de uma escola de um modo geral, não estou falando do
Colégio. A gente tem um currículo hoje, oposto das escolas do Brasil que fazem o quê? Elas querem
que o aluno em três anos aprenda um volume enorme de conteúdos de 13 disciplinas, não é? Sei lá
quantas disciplinas. Então assim, a dificuldade maior da escola que eu vejo é essa, você tem um
professor que tem uma quantidade enorme de conteúdos que ele precisa trabalhar e fechar na primeira
186
e na segunda série, não é? Concluir alguma coisa ainda na terceira série do ensino médio, e fechar
todo esse ciclo bem com êxito, porque o menino precisa ser bem-sucedido no vestibular, ele precisa ser
bem-sucedido no ENEM, não é? E a família espera isso, e conseguir dar conta de que esse menino se
sinta participante desse processo, se sinta motivado a ver sentido nisso aí. Então acho que a maior
dificuldade nossa é essa, porque a gente tem por um lado um professor pressionado que dá conta de
tudo, não é? Porque na ponta a gente tem um sistema de entrada de ingresso para a vida acadêmica
também que pressiona a escola (RC_05 – T12).
— PENSEI [muito antes de aceitar esta disciplina], porque tudo o que é novo é... é complicado, e eu
tenho assim, eles [os alunos] vão para a minha disciplina, eles não vão querer fazer a discussão, não sei
se você percebeu? Eles VÃO querendo aprender alguma coisa para o ENEM.[...] [a disciplina não
trabalha com temas que os alunos tenham] Muita vivência... muita vivência. Mas eu TENTO, eu tento...
e é difícil. A do Professor X ainda é mais fácil. A do Professor X, ele consegue fazer mais coisas do que
a minha. Porque a... a dele, o aluno já vai com essa cabeça, na minha não, ele vem com uma outra
cabeça (CF_06 – T68).
— Sim, eu acho que a aprovação valida a excelência acadêmica. Porque hoje, o quê que as famílias
procuram? É tão interessante que... as famílias, quando a gente faz processo seletivo para alunos, de
ingresso de sexto ano, sétimo ano, ATÉ menores de quarto, quinto ano, as famílias já perguntam qual
a colocação da escola no ENEM, em que lugar a escola ficou no ENEM esse ano, não é? E que nós
tivemos, por exemplo, processo seletivo para nono ano, alunos de oitavo ano, e os pais perguntando
para a gente: “Olha, a gente quer saber quantos vocês ranqueiam; quais foram os cursos
aprovados; quais foram as universidades públicas; qual foi O NÚMERO DE alunos aprovados nas
áreas; a gente quer saber QUANTOS foram aprovados em medicina, QUANTOS em engenharia,
QUANTOS nos cursos que são mais concorridos”, NÃO É? Então... assim, hoje existe um padrão de
comportamento dos pais, que até eu acho que muito motivados pela mídia, não é? Que a escola que
qualifica, que a escola que tem excelência É AQUELA escola que tem um resultado melhor, que
esse resultado é ranqueado por esse resultado no ENEM, alguns vestibulares. Então eu acho que
essa excelência acadêmica, INFELIZMENTE, ela é traduzida assim, é ISSO que o pai espera. Aí,
coloca o filho no ensino médio, quando ele tira o filho de uma escola X para colocar numa escola Y,
ele está pensando em quê? EM APROVAÇÃO do vestibular. (RC_05 - T18b)
percebe isso, ele meio que desperta para tentar fazer algo, para mudar a realidade dessas pessoas, então
foi esse o objetivo (CF_05 – T40).
— Trabalhar [com a temática da desigualdade social] não é difícil, agora, sensibilizar o aluno é.
Sensibilizar o aluno é. [...] Você trabalhar, falar, cobrar na prova, é tranquilo. Agora, AS AÇÕes deles
me mostram, entendeu? Uma eficiência neste tipo de trabalho, você ainda percebe aqui muito a questão
de bullying com aluno que é bolsista, por exemplo, entendeu? Você percebe que o círculo de amizade
deles muitas vezes deixa a desejar, numa consciência mais crítica com relação a sociedade, né? Então
assim, TRABALHAR, não acho que não, não seja problema. O problema é ter resultado em cima disso.
(CF_05 - T52-54)
— Agora A MINHA percepção aqui, dos alunos, que eles ainda, como eu falei, eles são MUITO
indiferentes em determinados assuntos. A desigualdade social é uma delas. E essa indiferença, ela se
manifesta... Eu estou generalizando aqui, é óbvio. Tem grupos e grupos. Mas de uma forma geral, os
alunos que já passaram comigo, eles são BEM indiferentes a isso, porque o mundo que eles vivem é
um mundo mais homogêneo, não é um mundo TÃO diversificado. Eles moram quase todos no mesmo
bairro, eles têm quase todos o mesmo poder aquisitivo. Eles viajam, conhecem PRATICAMENTE os
mesmos lugares. E AÍ É UM PROBLEMA que, a escola, inclusive com as nossas disciplinas, A
GENTE TENTA combater, justamente quando aparece o diferente, que é o natural em todas as
escolas. Aí, nasce o bullying. Aí nasce a discriminação. O ambiente escolar é um caldeirão para isso. É
o lugar mais fácil para isso se manifestar. E aqui não é diferente de qualquer outra escola. (CI_04 -
T24).
— [O foco nas questões é trabalhado em] TODAS as séries. TODAS as séries. E é uma coisa assim, eu e
Fulana, é uma... uma das coisas que a gente SEMPRE bateu nessa questão de que PRECISA
sensibilizar esses alunos para... TER uma visão de uma realidade diferente, que o mundo NÃO É só
flores, não é? E o que for acontecer, eles vão ter sempre alguém ali para ampará-los diante da... dos
desafios. A gente PRECISA colocá-los para a vida ... que não é desse jeito (CI_02 - T22).
— Nós fizemos esse momento de... de visitação de alguns bairros para eles analisarem as diferenças
de ocupação. Mas também... Então, quando você faz uma atividade de campo, convive com essa
realidade, AÍ É que eles vão ter noção do quê que é. Porque se eu deixo SÓ na imagem, SÓ na explicação
de sensibilização, NÃO É o suficiente para eles sentirem (#) a isso. Um VÍDEO... talvez eles... eles tenham
um impacto maior, mas quando a gente mostra SÓ imagem, SÓ a nossa fala, não é o suficiente. Então
isso eu também já percebi que... que para sensibilizar, o VÍDEO é uma melhor ação se você não tiver
oportunidade de fazer uma atividade em campo (CI_02 – T12).
— A maior parte dos nossos planejamentos TEM essa questão. Como eu falei, o foco, por exemplo, de
História, é esse. Quando a gente estuda os processos históricos, a gente está vendo as contradições
sociais também. Não levando numa tendência marxista, de mostrar aí, “Ah, existe o opressor, oprimido
e tal”. Mas uma tendência mesmo de você... de diferentes pontos de vista, diferentes olhares, você
conseguir entender uma realidade, interpretar uma realidade. E a realidade histórica que a gente vive
hoje no Brasil é uma realidade de desigualdade muito forte, muito presente. E que às vezes esse aluno,
pelo fato de alguém não ter falado, de alguém não ter trabalhado com ele, passa indiferente a uma
pessoa que está na calçada dormindo num dia chuvoso, num dia frio, sem cobertor, etc. E aí, aqui a
gente promove algumas ações. A gente tem a pastoral, que a gente sempre faz uma parceria, ensino
religioso, as disciplinas de Sociologia, Filosofia, Ética. A gente tem um trabalho muito forte no ensino
fundamental II com as meninas de Geografia, Ética, Direitos Humanos junto com História, ensino
religioso. Faz um trabalho forte nesse sentido de levar os meninos para conhecerem outros lugares,
tem ações sociais. O professor X fez ações esse ano, também, de arrecadação. Trouxe pessoas para
palestrar em relação a temas polêmicos que envolvem inclusive esse tema de discriminação e na
própria sala de aula, às vezes, com vídeo. É intencional mesmo, por exemplo, Geografia trabalha
bastante essa questão de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Quando trabalha países
subdesenvolvidos, vai entrar em alguns países que vivem em extrema pobreza. Então, traz um VÍDEO
quase que para sensibilizar o aluno diante daquela situação. Mas COM o intuito justamente da
conscientização. “O que a gente vai fazer daqui para frente?”. Existem realidades que são
desconfortáveis, são muito ruins. Esse É o papel da escola fazer isso. Acho que são essas ações que eu
estou tentando lembrar... são essas ações... são esses encontros, são essas VISITAS técnicas, digamos
assim. E NA própria sala de aula (T28).
— Até pela proposta do projeto [referindo-se à MS]. Porque já foram feitas várias experiências aqui no
Colégio. Já foi de assentamento de sem terra, já foi de... de... é, grupos indígenas, já foi no norte do
estado em outros grupos, entendeu? Então assim, a gente de tempos em tempos, a gente, a gente varia
188
um pouco essa escolha de local. Sempre a partir de vivenciar uma experiência que seja BEM
DIFERENTE de fato daquilo que é vivido no cotidiano [do aluno]. [...] Mas o fato de ir para um outro
local é exatamente propiciar, “Ah, vamos dar uma outro, um outro olhar agora”. Pensar diferente
(CF_01 - T8).
Considerando o público atendido pelo Colégio, uma das dificuldades para se trabalhar
de forma crítica com as questões sociais apontadas pelos educadores foi a receptividade deste
trabalho por parte das famílias.
— ME PREOCUPA a reação primeira dos pais no sentido de acolher as reflexões [sobre a temática da
desigualdade social], de acompanhar, de contextualizá-las também. Mas, esta... esta preocupação, hoje,
ela.. ela EXISTE MUITO no sentido de que aos poucos esse trabalho ele também vai ganhando CORPO
junto às famílias. Eu creio que é... é uma mudança que precisa ser feita também de forma
GRADATIVA. Até para que as pessoas compreendam a necessidade dessa reflexão e das práticas
pedagógicas abarcarem essa questão da desigualdade. Mas é uma preocupação porque vai ser sempre
um elemento de tensão (CF_07 - T28).
Núcleo 3: "É difícil para a gente porque a gente não tem um tempo grande de sentar com o
professor toda semana ... o professor passa correndo, vem, chega, corre, sai para outra
escola".
compreendem tudo aquilo que é necessário para os sujeitos docentes89 desempenharem com
sucesso e bem-estar o trabalho que lhes cabe. Condições que, de acordo com Oliveira e
Assunção (2010), abarcam, além da estrutura física das unidades escolares, os recursos
materiais disponíveis, as condições de emprego (cargo, função, vínculo de contratação, carga
horária de trabalho, remuneração, plano de carreira, formação continuada), as normas que
organizam a dinâmica das interações institucionais, como também a experiência relacional
entre os sujeitos que fazem parte deste processo e as percepções e os efeitos objetivos e
subjetivos de todo esse conjunto de recursos e processos.
Chávez e Garrido (2010) destacam, nas condições de trabalho docente, uma dimensão
psicossocial que implica a organização do processo de trabalho e as relações laborais de poder:
as ambiguidades e contradições entre a realidade e a prescrição e entre as regras e as ações, o
apoio especializado, a autonomia sobre as atitudes e atividades, a consistência e o alcance dos
sentidos do trabalho, o clima laboral, as possibilidades da prática docente reflexiva, a
participação escolar e as relações entre a unidade educacional e o entorno social.
O planejamento, um dos processos que constituem as condições de trabalho docente, é
compreendido como um ato político e pedagógico por envolver, na ação de ensinar, intenções
e intencionalidades, indo muito além da elaboração formal de Planos de Ensino, de Curso ou
outros documentos solicitados pelas instituições escolares. Nessa perspectiva, o planejamento
é entendido como “[...] uma atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente”
(FUSARI, 1998, p. 45). E, para que isso ocorra, de acordo com Fusari (1998), é necessário que
seja concebido, assumido e vivenciado no cotidiano da prática social docente como um
processo que promova uma forma de pensar “radical” (que busca a raiz, a gênese), “rigorosa”
(metódica) e “de conjunto” (exigindo uma visão de totalidade). Ou seja, o planejamento deve
se assemelhar a uma reflexão filosófica. No entanto, como exercitar este pensar reflexivo diante
de uma rotina de trabalho como a descrita por um dos professores participantes desta pesquisa?
— SINCERAMENTE, não tem como pegar e me dedicar a ESSA disciplina [referindo-se à disciplina
Eletiva II], COMO que eu vou fazer isso? É NÃO dormindo na segunda à noite? É NÃO almoçando
com a família no domingo, entendeu? Então assim, AINDA FALTA muito na educação brasileira olhar
o professor. O professor É O ÚLTIMO do sistema que é olhado, entendeu? Assim, eu acho que... (CF_05
– T40).
Uma rotina que implica, na maior parte das vezes, trabalhar em mais de uma instituição
de ensino, não possibilitando ao professor, em especial o que atua no ensino médio, “criar
raízes” nas instituições em que trabalha, como descreve a C.Ped.:
89 De acordo com Oliveira, D. (2010), considera-se sujeitos docentes os professores, educadores, monitores, estagiários, diretores,
— A festa junina... que define algumas obras que serão ajudadas. Tem a pastoral que faz
acompanhamento, mas eu não tenho muito contato, não tenho muito. A gente precisava mostrar mais...
a gente sabe que tem, que eles fazem algumas ações sociais, mas a gente não tem... o professor passa
correndo, vem, chega, corre, sai para outra escola e vai para alguma outra escola, aí não consegue ter
essa visão. Mas eles fazem um trabalho também de... de... de ação (CF_06 - T80).
— O professor do ensino médio... professor do ensino médio que tem uma vida assim: ele está aqui duas
aulas, cinco aulas em OUTRA escola. Ele NÃO CRIA raiz em nenhum espaço porque professor de
ensino médio tem essa característica, não é? (RC_05 - T45).
o papel que lhe é específico: a socialização do conhecimento. Nesse sentido, concordo com
Fusari (1998) ao afirmar que a aula deve ser um momento em que o aluno a compreenda, a
perceba e a sinta como um espaço que lhe possibilite avançar do “senso comum” à “consciência
filosófica”, como explicitado por Saviani (1987).
Desta forma, ainda concordando com Fusari (1998), o planejamento da aula deve ser
considerado uma das atividades mais importantes na instituição educacional, pois a aula é o
momento no qual o professor tem a possibilidade de fazer uma mediação competente e crítica
entre os alunos e os conteúdos do ensino; de estimular, via trabalho curricular, o
desenvolvimento da percepção crítica destes sobre a realidade e seus problemas; de também
estimular nos alunos o desenvolvimento de atitudes de tomada de posição ante os problemas da
sociedade com vistas à sua superação. Porém, como fazer isso nas condições objetivas de
trabalho que são oferecidas ao professor mesmo em instituições privadas consideradas de
prestígio? Que tempo objetivo tem este professor para planejar, no sentido lato, sua aula?
O professor é um trabalhador horista, como referido no artigo 320 da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). De um modo geral, sua remuneração é calculada com base na carga
horária equivalente ao número de aulas semanais que ministra, já embutido no valor dessa hora-
aula90 o que se considera trabalho extraclasse: tempo destinado “[...] à preparação ou
planejamento individual ou coletivo das aulas e demais atividades didático-pedagógicas tais
como as avaliações dos estudantes, os estudos, pesquisas e atividades docentes de
aprimoramento profissional” (TEIXEIRA, 2010, não paginado).
A luta pelo reconhecimento de que os períodos de tempo que o professor se dedica ao
trabalho extraclasse deva ser incluído no cálculo e no dimensionamento de sua carga horária de
trabalho é histórica. Uma conquista que o magistério público da educação básica conseguiu
com a aprovação da Lei 11.738 de 16 de julho de 200891, que destina um terço da carga horária
total de trabalho do professor para o desenvolvimento das atividades extraclasse, dentre elas, o
planejamento. Conquista ainda distante para a grande maioria dos professores que atuam na
rede privada de ensino. Mesmo naquelas instituições consideradas de prestígio.
No caso das instituições privadas de ensino do estado do Espírito Santo, regidas pelos
acordos firmados entre o Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Estado do Espírito
Santo (SINEPE) e o Sindicato dos Professores no Estado do Espírito Santo (SINPRO),
90 Refere-se a um período temporalmente delimitado, de maneira formal ou informal, destinado ao desenvolvimento de uma aula, entendida
em seu sentido amplo na legislação brasileira como “toda e qualquer programação incluída na proposta pedagógica da instituição, com
frequência exigível e efetiva orientação por professores habilitados” (Parecer CNE/CES nº 261/2006) (LEAL, Á., 2010, não paginado, grifo
da autora).
91 Art 2º § 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho
92 No âmbito do direito trabalhista, a gratificação é entendida como um pagamento feito por liberalidade do empregador, como meio de
Um exemplo desse desafio pôde ser constatado no planejamento da MS, que é idealizada
pela instituição como um projeto de intervenção social, de caráter interdisciplinar, devendo ser
gestado de forma conjunta entre os setores da Pastoral e o Pedagógico.
Outro aspecto que impacta as condições de realização das propostas de trabalho, como
pontuado na fala anterior e presente na fala de outros educadores, são as definições
institucionais traduzidas não apenas em seus documentos, mas também elencadas como
prioridades pela Equipe Gestora:
— Agora eu já ia dizer os pontos [que precisam ser revistos para qualificar o projeto da MS]. Primeiro
pelo fato de que por mais que exista a pastoral para se fazer a coordenação desse projeto, mas ele é um
projeto que é da escola, não é da pastoral. Então isso é um elemento que é fundamental. Não um projeto
da pastoral, é um projeto que é da escola e que não é somente dos estudantes, ele também é de qualquer
outra pessoa que participa da comunidade educativa. Colaboradores, administrativo, operacional,
professores, equipe pedagógicas, famílias, pessoas que desejam participar do processo. Então essa já é
algo que já foi sinalizado de que vai ter o investimento no projeto para que de fato atenda a essa
realidade. [...] Sim, mas é isso mesmo [concordando com o colega que sinaliza com a cabeça dizendo que
a MS não é vista hoje como um projeto interdisciplinar]. Por isso que eu estou falando, nós estamos em
um momento agora de transição de período. [...] Nessa transição de período, esses elementos é que são
diferenciados, porque até então o projeto era visto como um projeto estanque de uma equipe específica.
[...] O nível de compreensão, o nível de organização agora passou para outra estrutura. [...] Eu penso
que a mudança faz parte de um processo de mudança de gestão. Aí eu não estou fazendo advogado do
diabo não, mas é o aspecto de que é a concepção de quem está à frente do processo, de quem está diante
da administração escolar que tem essa visão. E aí nós sabemos que dentro do aspecto da administração
de uma escola vai depender muito do direcionamento que o diretor dá, pedagógico, financeiro ou
pastoral. Então assim, dessa maneira eu compreendo com muita clareza que o novo diretor da escola já
sinalizou, vai ser um processo que nós teremos outro tipo de investimento. Não estou aqui dizendo,
fazendo assim, foi bom ou ruim, não sei, é um novo momento (RC_ 02 – T33-51).
— Só que, em contrapartida, a escola tem que ter essa clareza desse posicionamento [político, social,
econômico] no seu projeto político-pedagógico. Novamente eu volto em um dos primeiros pontos que
eu disse, volto em um posicionamento da gestão da escola, porque se a gestão da escola também não
tiver clareza desse posicionamento e desse foco, vai sempre priorizar outros elementos que não é esse
[referindo-se à questão pastoral]. Também não estou falando que também [este tipo de projeto] é o
salvador da pátria... (RC_ 02 – T116)
— É, nós passamos praticamente por três mudanças de gestão, não é, assim, pessoas da direção. Foi lá
onde nós tivemos, justamente, uma mudança SIGNIFICATIVA em termos de equipe diretiva. E isso,
com certeza, traz para o trabalho um impacto no trabalho, porque cada pessoa tem um jeito de
organizar, tem sua forma de gestão, tem sua concepção de gestão. Tem uma concepção de como que
os processos devem ser geridos, de como que as pessoas devem ser enxergadas dentro desse processo,
então cada um tem um jeito muito diferente de fazer (RC_05 – T4b).
Nesse sentido, podemos inferir, a partir da fala dos educadores que, apesar das diretrizes
institucionais sinalizarem a realização de um trabalho voltado às questões sociais, é à equipe
195
gestora que cabe dar o “ton” das atividades a serem desenvolvidas nesse sentido, o que é
corroborado na fala do Diretor:
— SIM, vejo MUITAS possibilidades [referindo-se ao trabalho com a temática da desigualdade social no
Colégio], eu creio que o trabalho de formação que nós vamos realizar com os professores no próximo
ano, vai AJUDAR os professores. Porque enquanto é... FILOSOFIA institucional, ela EXISTE, se nós
formos olhar o projeto educativo da instituição, o nosso projeto educativo, a INTENCIONALIDADE, o
ponto de partida é a educação como direito. Então aprender é um direito de todos, a educação como um
direito, o diálogo com as diferentes realidades, a dimensão da solidariedade como uma, a construção de
uma, de um PROJETO de vida e não de ações assistencialistas. Tudo isso no projeto, enquanto
INTENCIONALIDADE educativa, já existe INCLUSIVE. Mas eu vejo que há uma DISTÂNCIA entre o
que está na intencionalidade e o que se materializa no dia a dia. Então penso que no próximo ano, nós
vamos RETOMAR essas discussões de maneira a subsidiar os professores para que essa reflexão seja
feita, este tipo de trabalho ele ganhe uma OUTRA dimensão junto aos estudantes. Até porque nós
acreditamos que ESSES estudantes, MAIS do que ninguém, precisam dessas reflexões aqui nessa escola
(CF_07 - T22).
— Nos anos anteriores eu não posso lhe dizer, mas o próximo ano, eu posso dizer que há uma
preocupação [que o material didático adotado seja coerente com a proposta pedagógica da instituição].
O livro precisa ter uma concepção, primeiro uma concepção TÉCNICA, o livro precisa ter uma
consistência técnica ao material, mas ele também precisa atuar na dimensão daquilo que a gente
acredita, daquilo que nós DEFENDEMOS enquanto processo educativo (Diretor - T52).
No entanto, apesar de entender ser importante “tirar do papel” uma proposta educativa
que se fundamenta na e para a solidariedade, tendo como fim formar agentes comprometidos
com a transformação social, em busca da concretização da justiça social, o Diretor entende não
ser esta uma tarefa fácil, especialmente considerando o público atendido pela instituição.
— ME PREOCUPA a reação primeira dos pais no sentido de acolher as reflexões, de acompanhar, de
contextualizá-las também. Mas, esta... esta preocupação, hoje, ela.. ela EXISTE MUITO no sentido de
que aos poucos esse trabalho ele também vai ganhando CORPO junto às famílias. Eu creio que é... é
uma mudança que precisa ser feita também de forma GRADATIVA. Até para que as pessoas
compreendam a necessidade dessa reflexão e das práticas pedagógicas abarcarem essa questão da
desigualdade. Mas é uma preocupação porque vai ser sempre um elemento de tensão (CF_07 - T28).
À Equipe Gestora cabe, também, uma boa parcela de responsabilidade quanto ao “ton”
dado à organização dos espaçotempos da instituição escolar. Organização esta que impacta no
planejamento e execução da aula de formas diversas:
— Eu sempre falo na escola que eu gostaria MUITO de sair com os alunos. Eu acho que o aluno tem
que fazer o estudo do meio, TEM que ir nos lugares, tem que conhecer a realidade. Mas a gente VIVE
um calendário escolar que é meio apertado [risos], né... E se você sai com uma turma durante uma
etapa, você já não pode sair na outra. Então a gente tem essa... essa preocupação com o ambiente. Mas
aí o que que a gente faz. Vamos trazer a imagem pra sala de aula, né. Os alunos fotografam... Então,
que recurso no meu planejamento eu vou ... eu vou inserir pra poder fazer com que ele VISUALIZE
melhor essa diferença? Então eu acho que primeiro é a gente pensar NAS possibilidades. E trazer, é...
esse tipo de... de discussão pra sala de aula. Pra trabalhar com as diferenças, as desigualdades, é...
mostrar... e mesmo também, AS POSSIBILIDADES. Porque, por exemplo, a grande parte dos nossos
alunos, eles lidam com pessoas na casa deles que, né, que... que fazem um serviço de... de... trabalho, né.
Um trabalho doméstico, e que eles CONVIVEM com essas pessoas. Nós temos alunos que convivem MAIS
com os empregados de casa do que com os próprios pais. Então NESSA vivência, NESSA relação, né,
como que é o tratamento com aquela pessoa que tá trabalhando ali na sua casa? Como é o tratamento
com a pessoa, né... é... a forma... o que que essa pessoa tem de valor que contribui na sua formação?
Entendeu? Então isso já foi uma questão de discussão em aula. Mas assim... a gente tem que estar
196
sempre... é, direcionando para os nossos objetivos, né. Enfim. E aí ciências... É... no sexto ano, eu só
tenho duas aulas de ciências na semana. É um tempo MUITO curto. (CI_05 - T56)
— Aí, quando dá tempo [referindo ao fato dos alunos poderem apresentar aos colegas o texto produzido
e debater este texto] ..., NEM SEMPRE dá. Porque são duas aulas, não é? O tempo corre muito. Escola,
você sabe, sempre tem algo que aparece de paraquedas [risos], para você fazer depois, não é? Tem uma
PALESTRA, tem... alguma coisa aparece (CI_03 – T41).
Dois outros fatores que impactam diretamente nas condições de trabalho, inferidos a
partir da fala dos educadores, foram a relação com as famílias e a relação com os alunos. Há,
na percepção da maioria dos educadores que participaram das conversações, um
reconhecimento de um forte senso de pertencimento à instituição tanto por parte dos alunos
quanto das famílias, como exemplificado na fala a seguir:
O Ensino Fundamental, como um todo, eu acredito que é a família que decide, né? E aí, a família, ela
traz... eu concedo TRÊS motivos que faz o Colégio ter o número de alunos que tem e grupos de famílias
que tem: o primeira é a tradição, né, um colégio antigo QUE TEM uma tradição no município e que
TEM uma TRADIÇÃO familiar. Então... foram os pais que colocaram os filhos e esses filhos agora
tão colocando os netos dos primeiros, aqui. Então... nós temos uma tradição familiar (CF_03 - T66).
Essa tradição familiar, apontada na fala anterior, é um indicativo da confiança que as
famílias demonstram em relação ao trabalho educativo realizado pela instituição. No entanto,
essa confiança, como ressaltada por alguns educadores, mostra-se muito mais atrelada à
excelência acadêmica, traduzida nos resultados em processos seletivos para ingresso nas
instituições de ensino superior, do que em outros valores que sustentam o Projeto Educativo da
instituição:
— Os pais buscam a escola, primeiro, porque a fala de todos os pais é: “O colégio é o melhor colégio
da cidade”. É o melhor por quê? Primeiro, é um colégio grande, é um colégio que tem possibilidades
educacionais em diferentes frentes, porque nós atuamos não só na dimensão acadêmica, mas na
dimensão esportiva, artística, cultural, pastoral, então é um colégio QUE TEM possibilidades. É o
colégio que hoje tem os melhores resultados na cidade, e é também a escola da elite da cidade. Então,
NÃO VEJO que os pais buscam, POUCOS pais buscam a escola pela questão DOS VALORES que a
escola pode discutir, ensinar, que a escola pode construir com os filhos deles, essa... essa dimensão
hoje ela fica em segundo plano, está certo? Se a gente for olhar numa ESTATÍSTICA, eu diria que 70%
dos pais buscam a escola por esses elementos que eu apontei, e uns 30% têm consciência dessa
dimensão dos valores e daquilo que a escola pode construir (CF_07 - T36).
Nos últimos anos, temos visto o crescimento, por parte de setores mais conservadores
da sociedade, de um discurso sobre a separação entre educação e instrução, reduzindo a
formação escolar à mera instrução técnica, deixando a educação à cargo da família. Discurso
este traduzido, em especial, por movimentos como o “Escola Sem Partido”, em que a escola
vem sendo bombardeada como um lugar de doutrinação e não como um lugar de embates entre
contraditórios. Em que o professor vem sendo, cada vez mais desacreditado em relação a sua
competência ética e profissional. Ressonâncias desse discurso já são percebidas e vividas no
cotidiano da instituição pelos educadores do Colégio:
197
— [...] recentemente, eu fui procurado por um grupo de pais de sexto ano e sétimo, porque o professor
de história havia feito uma reflexão e atribuiu ao sistema, ao momento político do Brasil, ele usou a...
a seguinte expressão em sala de aula: “Que a DILMA foi uma boa presidente para os pobres e ruim para
os ricos”. Então, o fato dele falar disso, atribuir o momento do impeachment como um golpe, eu fui
procurado por um grupo de pais que queria discutir como era... qual era o posicionamento da escola
em relação a isso. [...] Eles [os pais] compreenderam, a partir dessa reflexão, eles compreenderam essa
NECESSIDADE. Ainda ficam meio preocupados, INCOMODADOS, porque na... a gente percebe que
a forma como eles ACREDITAM, a escola deveria posicionar-se de uma maneira extremamente
conservadora. E NEGAR a possibilidade dessas discussões, mas quando nós vamos CONVERSANDO,
mostrando, né..., eu acho que a infelicidade dos professores, DO PROFESSOR em questão, foi porque
ele não mostrou outros pontos de vista. Então nesse sentido, eu reconheço que há um erro mesmo. Eu
ACREDITO que a escola tem que discutir TODOS esses temas, a escola NÃO pode SE NEGAR a
discutir, porém a escola tem que TER CUIDADO para apresentar pontos de vista diferentes (CF_07 -
T36).
— Eu acho assim, a gente tem professores que têm posição política mais definida, que não conseguem...
acho que assim... TEM uma definição mais marcada, vamos dizer assim. Não conseguem, às vezes, deixar
de transparecer essa definição, não é? A gente acredita numa escola onde cada um tem seu
posicionamento, MAS A escola precisa ser um espaço onde TODOS os posicionamentos sejam
discutidos. Então, assim... eu vejo que ALGUMAS famílias se preocupam, e principalmente porque a
gente trabalha com classe dominante. Então, assim, tem turma que às vezes o professor fala ou o
professor traz para ser discutido, ou o texto traz, ou o livro, a proposta de redação, então... VAI
AGRADAR? Então, assim, ACHO que é papel da escola, sem se colocar no lugar X ou no lugar Y, dizer
para o aluno, “Olha, aqui os fatos são esses e esses outros aqui... são (#)”. O quê que a gente precisa
fazer? A gente precisa é municiar esse aluno para que ELE faça uma escolha dentro daqueles, dentro do
critério de cidadania, de cumplicidade, de consciência QUE A GENTE ACREDITA. A gente tem
ALGUNS pais, sim, que, ÀS VEZES, questionam: ah! o livro adotado, ou o texto que foi colocado, ou
o paradidático que foi lido... então, assim, isso acontece. [Qual o perfil desses pais?] Geralmente, o
perfil desses pais... são pais que têm um curso superior completo, uma pós-graduação... geralmente
ESSES são os pais, a grande maioria, que tem aqui no ensino médio. E são pais que têm um
posicionamento político BEM marcado de direita, vamos dizer assim, não é? Então, assim, o que a
gente percebe, ÀS VEZES, é isso assim, NÃO HÁ uma abertura de alguns pais, que esse ano foram
POUQUÍSSIMOS que se manifestaram. Eu, pessoalmente não [recebi questionamentos dos pais], mas
já soube de algumas outras situações que pais vieram com muito mais veemência criticar a escola em
relação a alguma coisa (RC_05 - T83b -T85b).
— Mencionei aqui, a questão das meninas que me corrigiram em uma determinada piada, etc., e aqui, a
gente TEM das famílias, ALGUMAS famílias, já um posicionamento mais SEVERO em relação a isso.
Se o professor chega e fala que o trabalhador é explorado, ele está sendo tendencioso para a esquerda.
Se ele não menciona também, ele está ocultando uma parte da história. Então, eu acho que enquanto
área a gente está tentando buscar um equilíbrio ainda, em relação a isso. Porque os posicionamentos
políticos, eles DEVEM existir. O homem é um ser político, não tem para onde fugir. Não existe isso,
escola apolítica, sem ideologia, apartidária. Não tem COMO isso. A gente toma partido diante do que
está acontecendo no país. Só que a gente ainda tem uma influência muito grande das famílias e das
mídias que acabam... não sei se essa é a palavra certa, MENOSPREZANDO o conhecimento do
professor, sua formação e até as posições que ele pode trazer. Então, assim, ainda é um campo delicado
aqui na escola, mas a gente está buscando um certo equilíbrio, e eu acho que a gente está... está
caminhando nesse sentindo. (CI_04 - T50).
Este tópico tem como eixo de exposição a última questão que norteou esta investigação:
como os jovens significam a desigualdade social a partir das e nas práticas realizadas. Nesse
sentido, a partir da análise das conversações realizadas com os jovens que participaram das
práticas da Pastoral foram construídos três Núcleos de Significação que serão apresentados de
forma sintética no Quadro 14 e discutidos a seguir.
198
Quadro 14– Síntese dos Núcleos de Significação elaborados a partir da análise das conversações com os jovens.
2.5.1 Núcleo 1 - A participação nas atividades da pastoral une “[...] o útil ao agradável”.
Ao descrever o perfil dos jovens que participam das atividades da Pastoral, em especial
da PJ, o AP1 apontou dois elementos observados por ele que motivam a participação desses
jovens: a amizade e o desafio. Esses dois elementos estiverem presentes nas justificativas
apresentadas pelos jovens ao serem questionados por mim sobre o que os motivou participarem
dessas atividades. Além da amizade e do desafio de viver uma nova experiência, também foram
citados o incentivo da família, motivos religiosos, o altruísmo, uma forma de aliviar o stress, a
pressão e também uma forma de potencializar a empregabilidade, como exposto a seguir:
a) uma oportunidade de lazer, de estar com os amigos:
— Não, eu fui mais porque... tipo assim... ali...uma amiga minha que foi chamada para fazer pelo
Colégio, eu não sei por que, acho que é porque ela faz MiniONU, essas coisas, e ela foi convidada
a fazer e ela me chamou. Porque ela sabe que eu gosto dessas coisas e tal. Ela falou, “Ah, vamos
comigo para eu não ir sozinha”. Aí eu falei... aí, eu fui na Pastoral, eles me explicaram o que era.
Aí... eu peguei o papel e... e fiz. Aí, acabou que ela NEM veio, mas eu vim sem ela mesma (CI_07 -
T2).
— Só que aí, o Rodrigo estava saindo, assim, da sala e eles estavam indo para lá, para o negócio
da PJ. Tinha um menino da minha sala que estava indo, aí ele falou para ir lá. Eu estava indo ao
banheiro, eu fui com eles (CI_07 - T14).
— [...] eu fui à MS no primeiro ano, no Ensino Médio, e eu gostei bastante. Foi lá em [bairro onde
a Escola fica situada] e... é uma experiência muito boa, não é? Conheci o pessoal de LÁ, fiz amizade
(RC_01- T58).
— Mas eu também... é... tipo... também... fiquei mais assim quando o pessoal animou. Mas, tipo,
desde o começo eu falei: “Ah, pô, vai ser uma experiência boa e tal”. Aí foi quando o Juca e o
Carlos vieram falar comigo que tinham botado o nome para ir, pô, animei mais (RC_01 - T61).
b) a vontade de vivenciar novas experiências:
— Ah, eles passaram na sala, falando da... da MS, entendeu? Só que eu nem me interessei. [...]
Tinha um menino da minha sala que estava indo, aí ele falou para ir lá. Eu estava indo ao banheiro,
eu fui com eles. Aí, “pô”, nem... nem pensava que eu ia vir, entendeu? Só que aí eles explicaram
as “paradas” lá, fui gostando. Falei, pensei: “‘Pô’ deve ser uma experiência bem maneira”. Aí
eu vim (CI_01 - T14).
— Para experimentar coisas novas, entendeu? Para ver a realidade das pessoas que [...] (CI_01 -
T18).
— E eu gosto de conhecer outras realidades, de ter contato com pessoas diferente [...] (CI_08 -
T34),
— O ano passado eu não consegui IR, então esse ano eu resolvi, eu pensei: “ah...“ e era um lugar
diferente, era em [nome do município], então foi a oportunidade, então resolvi ir. Foi MUITO bom
(RC_01- T58).
— É. Eu fui também por... sei lá, conhecer um pouco mais a realidade até porque eu não tenho
muito contato com isso. Tipo, com... com o interior, assim. Aí eu... pensei: “Ah, vai ser uma
experiência boa" (RC_01 -T61 – Felipe).
— Sim, mas tipo, exatamente... essa não vai ser IGUAL A ISSO. Pode ser diferente, pode ser melhor,
pode ser pior, mas teve uma oportunidade que eu perderia. Daí eu resolvi me jogar entre aspas
(RC_01 - T84).
c) a participação em projetos/atividades de cunho social como um elemento
potencializador de empregabilidade:
— Vou... vou falar na moral o que aconteceu para mim. [...] E também tem outra coisa que me
chamou um pouco atenção é porque, tipo, eu vou, eu vou ser engenheiro, não é? E... eu não tinha
200
nada no meu currículo, pô... que fosse alguma coisa assim que... tipo, de projeto... de projeto social,
essas coisas para botar no meu currículo. Porque isso conta. Eu falei assim: “Pô, já que isso conta,
que eu estou no terceiro ano, ano que vem não vou estar mais aqui, eu vou... vou arriscar e vou ir
com os meninos”. [...] Eu nunca tinha ido num PROJETO SOCIAL antes, entendeu? E... então, tipo
assim, primeiramente foi mais... pensando mais no meu futuro, mas ao mesmo tempo que foi muito
bom PARA MIM, sacou? (RC_01 - T62/64).
— Mas na verdade foi bem assim. Eu nunca tinha pensado nisso [no fato de poder colocar no
currículo uma experiência de voluntariado], mas aí esse ano quando o AP2 foi falar nas salas, ele
passou e ele falou como é que é e que logo depois ele falou que ia para o currículo. E que para
ELE, na vida dele assim, fez diferença porque ele conseguiu, abriu várias portas para ele. Então
isso chamou muita atenção de várias pessoas, não é? Aí então, foi que ninguém tinha pensado em
nada. Só foi o AP2 falar, aí todos, “Ah, tá” (RC_01 - T66).
— Ele [AP2] falou: “Pô, isso é bom para o currículo”. Aí eu fiquei interessado (RC_01 - T67).
— O enriquecimento do currículo também foi... foi de grande importância, assim, para motivar ir
e.... primeiro porque eu quero sair do país para estudar fora e isso.... conta muito para ser aceito
em outra sociedade, por exemplo. Aí... também para... como eu vou ser engenheiro, eu preciso ter
um relacionamento bom com as pessoas, porque isso falta muito nos engenheiros atualmente
(RC_01 - T69/71).
— Essa questão de... ALGO A MAIS no currículo, no futuro, para mim também não fez diferença,
não contou. CLARO QUE, no final, obviamente, vai contar [...] (RC_0 - T79).
— [...] O ano passado eu não consegui IR, então esse ano eu resolvi, eu pensei: “ah... “ e era um
lugar diferente, era em Afonso Cláudio, então foi a oportunidade, então resolvi ir. Foi MUITO bom.
[...] No meu caso, o que me fez ir realmente foi... tipo, o discurso do AP2 nas salas. Porque eu
estava bem em dúvida se eu iria ou não, mesmo com algumas amigas minhas indo lá (RCP_1 -
T58/79).
— Assim, eu acho interessante, porque eu quero fazer medicina e para você fazer isso tem muitas
outras coisas que envolvem, mas eu também tenho que saber lidar com as pessoas. E... e esse
projeto, ele ajuda muito nisso também. Porque... eu tenho certeza que eu vou ter contato com todo
mundo vai ter contato com pessoas de diferentes realidades e... falo, tipo, profissionalmente. E...
isso ajuda a entender melhor a situação de quem está ali do outro lado, até para eu poder ajudar
essa pessoa. Porque não tem como ajudar a outra pessoa se você não se coloca no lugar dela, se
você não entende realmente o que ela passa. E... a medicina é muito ampla. Então, mesmo não
sabendo que área eu vou atuar, eu acho que isso é importante (RC_01 - T 94).
d) o incentivo da família para participar em atividades de cunho social:
— Ainda mais eu que vim meio que obrigada entre aspas. Eu que não queria muito vir. Minha mãe
falou assim: “Você vai me agradecer, por você ter... por eu ter te levado, você vai querer ir mais
vezes”. Eu falei: “Eu não vou querer vir, não”. Aí eu acabei de falar com ela e ela falou que... “Viu,
eu não te falei que você ia gostar MUITO disso?” Que foi tipo, eu não imaginava NEM, nem 5%
do que aconteceu aqui. Foi uma experiência totalmente diferente da minha realidade (RC_01 -
T65/67).
— [...] e a minha família principalmente porque... a minha irmã já veio na MS, ela sempre fala
muito bem e eu sempre tive vontade de fazer MS. (CI_08 -T32).
— Tipo assim, a minha irmã estudou aqui antes, quando ela estava no terceiro ano, eu estava no
nono aí eu vim, entrei aqui, ela saiu. Então, ela já participava [da pastoral juvenil]. Eu não sei o
porquê ela participou, mas foi influência dela. Tipo, ela falava: “Ah, muito legal e tal”, e aí eu
comecei a participar [da pastoral juvenil] desde o primeiro ano (RC_01 - T36).
e) Princípios religiosos:
— AH, é questão que eu sou da... que eu sou de igreja, aí eu trabalho nos encontros, essas coisas.
Então sempre que tem alguma coisa assim, meio que para AJUDAR ALGUÉM ou no nosso caso
que é para falar... tipo, a nossa MS até agora foi de... levar à benção, diferentes tipos de benção na
casa das pessoas e tal. Eu acho muito legal, eu sempre, sempre tento ir. Sempre vou (CI_07 - T2/4).
— A minha religião primeiro [...] (CI_08 -T32).
— Eu comecei a participar porque... [...] Eu senti que eu precisava de um momento de reflexão,
entendeu? Porque eu sentia que... faltava alguma coisa em mim assim, na... tipo, eu tinha a mesma
rotina SEMPRE, mas eu não conseguia aprender, tipo, coisas espirituais que eu... me deixassem
bem, entendeu? E a PJ, junto com o AP2, é... senti que melhorou isso (RC_01- T29/31).
201
Um aspecto observado por Groppo e Zamarian (2009), citando pesquisa realizada pela
Fundação Perseu Abramo, é que os jovens, cada vez mais, têm se apercebido das vantagens do
voluntariado como uma estratégia capaz de potencializar suas chances para competir no
mercado de trabalho, como aconteceu com os jovens do Colégio, cujas motivações para
participar das atividades coordenadas pela Pastoral variaram de uma “dimensão egoísta” (fazer
um bem a si próprio) a uma “dimensão altruísta” (fazer o bem ao próximo). Nesse sentido,
podemos também inferir, a partir dessas motivações expressas por eles, que, para muitos, a
solidariedade serviu como uma espécie de “moeda de troca” para alcançar alguns benefícios:
estar com os amigos; ter um momento de lazer; ser uma oportunidade para esquecer dos
próprios problemas, das tensões da vida. Ou seja, uma solidariedade com um caráter mais
instrumental, diferentemente de uma perspectiva mais “altruísta” de solidariedade.
No entanto, como pontuam, Groppo e Zamarian (2009, p.13), apesar de muitas das
motivações que levam o jovem se envolver em atividades sociais de cunho voluntário não
apresentarem, efetivamente, uma dimensão mais altruísta, “[...] ainda assim não há de se
desprezar que, ao menos no fim desta práxis comunitária, pode haver um autêntico sentimento
de participação e de solidariedade, uma vontade de sair do imobilismo e da indiferença”. Foi o
que aconteceu com alguns desses jovens aos participarem da missão e da atividade voluntária
na instituição de educação infantil.
2.5.2 Núcleo 2 - Participar das atividades “[...] ajuda você a pensar um pouquinho mais no
que você faz no dia a dia, no que você gasta”.
Aluna 3: Muita, não é? Muita, tipo, em tudo. Em como as pessoas te tratam, a equipe escolar mesmo e
essa questão também de ter coisas que te motivam porque na escola que eu estudava tinha um projeto
que era sobre gentileza. Só que nunca, eles nunca levaram a gente para ter contato, na verdade levaram,
assim, mas uma vez ou outra levava a gente para ter um contato com realidades um pouco diferentes.
Mas era levar numa creche ou num asilo. E a gente não, sabe? Igual, pelo menos o sentimento que eu
tenho quando eu vou à creche com o Colégio e o que eu vivi na missão é muito diferente. Porque ali na
creche, eles ainda têm tudo, sabe? As crianças são tratadas muito bem ali ainda, mesmo que eles sabem
que há alguma coisa por trás, que uma dificuldade ou outra, a creche dá muita ajuda. E lá a gente via
muita gente sem ajuda nenhuma, sabe? Porque é interior, então às vezes é numa zona que não tem vizinho
nenhum e tal, mas todo mundo se conhece e se ajudo muito. Mas, às vezes, a pessoa também fica sem
ajuda, sabe? Tipo, igual, as crianças você ajuda todos os dias e eles não. E muda muito, sim, a questão
escolar do Colégio. Eu acho que qualquer escola confessional, na verdade, eu vejo uns amigos meus que
estudam no colégio X também e sempre tem essas coisas assim também lá.
Aluna 4: Eu acho que o Colégio, ele, até falando no geral, acho que até as escolas, elas podem passar
um pouco disso, mas eu acho que são muito teóricos. O Colégio, nos permite uma vivência exatamente
de coisas, tipo assim, com PJ, aí nós temos a questão da creche, de poder ir lá e visitar crianças. As
crianças que tem na creche, muitas ali que estão em risco, em questão de risco, então, tipo, a gente não
pode tirar uma foto delas. Porque ou o pai está preso ou alguma coisa do tipo e não sabe onde a criança
está e aí pode acarretar muitos outros fatores assim. E essa questão da missão também, MS. Tem a
disciplina eletiva...
Aluna 3: Como o professor X, Eletiva 2
Aluna 4: A Eletiva 2 também, que ele estava fazendo um projeto de ir ao asilo, na creche também. Eu
acho que o Colégio realmente tem uma estrutura que nos permite vivenciar momentos assim e que trazem
uma reflexão muito grande para gente, tipo, introspectivamente no caso. (RC_01 – T120-134)
Essas experiências promovidas pelo Colégio significaram, para esses jovens, uma
mudança na forma de olhar para si e para o outro. O AP1, em nossa conversa inicial, já havia
sinalizado para essas mudanças que ocorriam com eles ao longo de sua participação nas
atividades realizadas na PJ, à medida que passavam a ter contato com realidades diferentes das
suas. Literalmente, um (con)tato94! Um “sentir na pele”, nas palavras de alguns deles.
Rita: Você falou de um dar choque de realidade, não é? Mas vocês não estudam isso nas disciplinas,
essa realidade que vocês viram?
Aluno 5: Não. É que pode até estudar só que a gente não sente na pele.
Aluno 3: É diferente.
Aluna 2: Fica muito no teórico. Aí você... aí você vivenciando. Você está tendo contato com, tanto com
as pessoas, com o jeito delas e com a realidade que elas vivem naquele momento. Não fica só no: “Ah,
é assim, estar assim”, e você só: “Ah, beleza!”. Mas não vive aquilo. Aí, você está, sei lá, <tendo>
realidade deles por um dia pelo menos.
Aluno 3: (#) que eu acho que quando a gente aprende na escola e vê aquilo que você está vendo
acontecer, sabe? Na escola, entra por um ouvido e sai pelo outro, entendeu? Ou você só estuda o que vai
cair na prova, uma atividade, ou só, sabe? Não deixa muito, deixa meio para lá, mas quando você
realmente vê o que eles estão passando você começa a comparar com a hospitalidade, causa um
impacto. (RC_01 – T95-102)
Quando eles começam a comparar o que estão vendo, isto é, quando comparam as
condições de moradia, de infraestrutura dessas moradias, em que vivem as famílias que os
94 Na evolução dos sentidos, o tato foi o primeiro a surgir. Ele é a origem dos nossos olhos, ouvidos, nariz e
boca. Foi o tato que, como sentido, veio a diferenciar-se dos demais, fato este que parece estar constatado no
antigo adágio “matriz de todos os sentidos”. Embora possa variar estrutural e funcionalmente com a idade, o tato
permanece uma constante, o fundamento sobre o qual assentam-se todos os outros sentidos. (MONTAGU, 1998,
p. 21-22, grifo do autor)
204
hospedaram durante a MS, e a hospitalidade oferecida por elas, eles começam a confrontar
muitos de seus valores, muitas de suas certezas. O que uma família com condições materiais de
vida bem mais modestas que a minha teria para me oferecer?
— Assim, quando a gente está na MS, a gente fica numa família diferente. Então a gente vê que...
DENTRO daquela casa funciona de uma maneira diferente. Às vezes, sei lá, a gente pensa, “Nossa, que
mundo injusto meu pai fez ou que a minha mãe fez comigo”. E... você olha para lá e você fala assim:
“QUE NADA A VER!”, sabe? A gente pensa: “Nossa, eu sou muito ‘privada’”, ou... sei lá: “Eu não
tenho nada”. O funcionamento da sua casa é diferente. Tem... a gente visitou outras famílias além
daquelas que a gente morou [referindo-se à casa onde ficou hospedada durante a MS]. É totalmente
diferente. Além, também, da forma como eles tratam a gente. Recebem a gente de braços abertos, querem
saber como é que a nossa vida, como é que... a... é... como é que é o nosso dia a dia. E... eles ficam bem
interessados mesmos, você vê que eles têm um carinho pela gente quando a gente entra lá. Isso... é um
pouco diferente em relação à cidade, assim. Lá, você chega, é da pessoa e ela já te recebe, já fala para
você ENTRAR, para você SENTAR, para você FICAR À VONTADE. E... pode ficar tranquila, eu já venho.
É super recepcionado. É uma coisa totalmente diferente. É umas das coisas que... eu percebi que... que
é BEM diferente, assim, do meu dia a dia. (RC_01 - T193)
— Eu acho que... me tocou MUITO porque... foi uma realidade BEM diferente da nossa. Tanto na
questão, tipo, ambiental, assim que a gente pôde ver de perto a situação que eles estavam passando, e....
eu não sei em todos os sentidos no caso, não é? Porque... a gente muitas vezes reclama DE TUDO e,
assim, a gente tem uma facilidade muito maior do que eles TÊM. Pessoas que moram na... moram no
interior e tudo mais, e... a gente acaba até falando, tendo tudo de “mão beijada”, nossos pais fazendo
tudo, a gente estuda em escola boa, a gente MORA em um lugar bom. É... a questão da crise hídrica, no
caso, aí, não nos afeta TANTO como AFETA eles de fato. E lá, a gente pôde perceber isso. Foi um
CHOQUE de realidade, assim. Eu (#) “CARACA”, botava a mão na consciência, e, tipo, “nossa,
reclamo que às vezes eu... não tenho água NAQUELA hora, mas e eles que não têm água praticamente
o dia inteiro?”. Que muitas famílias acabam pegando emprestado do vizinho, justamente... e lá eles têm
muito disso, de um querer ajudar o outro. Essa união e tudo mais, tipo, ah, tudo a família, a comunidade
que você conhece. E eu PERCEBO, eu moro em apartamento, que... muitas vezes a gente passa na escola,
mas em qualquer lugar de fato, nunca viu aquela pessoa na vida, não dá um bom dia, fecha a cara para
todo mundo e... é tão, tão... é um gesto tão simples de dar um bom dia, tipo, passar na rua, sorrir para
alguém e receber isso de volta é TÃO GRATIFICANTE que, NOSSA... E eu acho que... deu para
realmente cair a ficha. Eu poderia estar fazendo alguma coisa MELHOR, assim. (RC_01 - T94)
— É isso, também, que eu acho. Que quando a gente aprende na escola e VÊ aquilo que você está vendo
acontecer, sabe? Na escola você entra por um ouvido e sai pelo outro, entendeu? Ou você só estuda o
que vai cair na prova, uma atividade, ou SÓ, sabe? Não deixa muito, deixa meio para lá, mas quando
você realmente vê o que eles estão passando, você começa a comparar COM a hospitalidade, causa um...
um impacto. (RCP_01 - T99)
— Tudo o que eles têm ali, tipo, para te oferecer eles te oferecem. Eles não são pessoas, tipo, que te
julgam pelo... pelo que eles veem de você. Porque a gente faz isso muitas vezes. Eles olham para você e
eles não... eles só pensam em te fazer bem, eles não te julgam porque você é de um jeito ou de outro. Eles
olham e querem te oferecer o melhor que eles têm, mesmo sendo pouco. (CI_08 - T28)
— [...] que a gente percebe que eles não TÊM muita coisa e SÃO MUITO felizes. Diferente de muita
gente, inclusive eu, às vezes reclamo à toa, sendo que eu tenho bastante coisa. E tem gente que... que
pelo que EU VI, entendeu, não reclamam QUASE DE NADA, estão sempre felizes todo mundo, e não tem
quase nada. Isso... isso que para mim foi uma experiência massa, maneiro. (CI_1 - T18)
— E... isso ajuda você a pensar um pouquinho mais no que você faz no dia a dia, no que você gasta.
Coisa que parece ser boba, por exemplo, deixar um pouco de alimento na... na...no prato. Acho que vai
mudando o caráter para o futuro também. Um caráter honesto, uma pessoa digna e sei lá, não é? (RC_01
- T 146)
Olhar o outro com outros olhos, mudar as lentes de referência. Significar as pessoas de
outro nível sociocultural de outro modo. Descobrir que pode haver algo de comum entre eu e o
colega da Escola. Questionar os estereótipos, olhar o outro como “igual” mesmo na
205
Uma das alunas do colégio, que já havia participado de uma missão junto com os alunos
da Escola em outra ocasião, comenta que, da mesma forma como eles olham para os jovens da
Escola, os jovens da Escola olham para eles. Mas será que se olhavam da “mesma” forma?
Enquanto o jovem do Colégio via o aluno da Escola como “barra pesada”, “diferentão”, o jovem
da Escola via o aluno do Colégio como “metidinho e tal”:
— Assim, eu já tinha ido então eu já conhecia algumas pessoas que foram esse ano também. E
principalmente uma pessoa em especial que a gente conversa sempre. E... antes de todo mundo se
conhecer, ele, o [aluno da Escola] veio falar comigo e falou assim, “Não, porque...”, ele achava que
todo mundo era metidinho e tal [risos de alguns] guarda costa, e eles... eu estava sentindo, ninguém
daqui me falou, mas estava sentindo que ele não estava indo para... “Ah, não, vamos juntar”. Ninguém
estava disposto realmente porque todo mundo achava que a gente era: “ah, a gente é muito diferente,
não tem nada a ver”. Eles são do bairro X, do bairro Y, assim, todo mundo ACHAVA, tinha um
estereótipo. E aí, quando eu vi, assim, todo mundo junto e aí depois o [aluno da Escola] veio falando
assim, “Nossa, tem nada a ver o que eu pensava, mudei completamente”. Falei, “Ah, que bom”. Porque
eles realmente não são assim, eles são legais. E antes ele per... ele realmente perguntou para mim, “Você
acha que eu devo mesmo me aproximar deles e tal?” Eu falei, “Sim, claro, eles são os meus amigos,
então você pode ficar A VONTADE porque eles não são como você pensa”. E assim, foi muito bom isso,
porque a gente mudou os estereótipos. A gente não vai chegar... Porque tem certo preconceito às vezes,
não é? Então... (RC_01 - T160)
Como me explicou o C.Past., a missão é pensada como uma vivência que provoque
“conversão”, que no mundo religioso significa, como ele explicou, “[...] olhar para o dado de
fato que foi vivenciado, mas também é refletir sobre aquilo e causar uma mudança. Isso é o
ato de converter-se”. Nesse sentido, podemos dizer que muitos jovens significaram esta
experiência como um ato de “conversão”, ao compararem os valores que encontraram na
comunidade rural com os valores vivenciados por eles nas comunidades urbanas. No entanto,
essa “conversão” parece ter tido um caráter muito mais autorreferente, uma consideração muito
206
maior por si próprio, do que uma “conversão” no sentido de implicar-se em relação à realidade
que tanto lhes causou um “choque”.
— É... a “parada” que mais me impressionou de ir na MS e que eu saí mudado é, tipo, em termos de
felicidade. É... tipo assim, eu sou, acho, depois da MS, um cara mais, sabe? Um cara mais feliz e...
menos EMBURRADO, sei lá. Eu sou um cara que, “mano”, que sou...que estou feliz com tudo, sabe?
Porque eu entrava na casa [durante a MS], tipo, independente da situação que a família estava, era
UMA FELICIDADE, era UM ACOLHIMENTO, era, tipo, rindo, era contando piada, oferecendo café,
era...sabe? E isso, tipo assim, a gente vê que a felicidade não está no dinheiro, sabe? Um monte de
gente que tem um monte de coisa, aqui no Colégio, e, tipo, você vai conversar com a pessoa, a pessoa,
ah, “mó” GROSSA, “mó” não sei o quê, sabe? E lá, não, independente de como estava, independente
se a casa estava suja, se estava... se estava, sei lá, em estado ruim, não construída.... É... eles... eles
conseguiam oferecer, tipo, UMA FELICIDADE, proporcionar felicidade para gente, entendeu? (RC_1
- T102)
— Ela [a missão] molda o caráter da pessoa, não é? Cada coisa que ela [a pessoa] passa na vida vai
mudando o caráter dela. Acho que isso daí ajuda todo mundo a ter um choque de realidade como todo
mundo já falou já, não é? E... isso ajuda você a pensar um pouquinho mais no que você faz no dia a
dia, no que você gasta. Coisa que parece ser boba, por exemplo, deixar um pouco de alimento na...
na...no prato. Acho que vai mudando o caráter para o futuro também. Um caráter honesto, uma pessoa
digna e sei lá, não é? (RC_01 - T 146).
2.5.3 Núcleo 3 - “Talvez a realidade seja de entrar na faculdade e cair no esquecimento, mas
eu acho que vou continuar com esse trabalho porque eu acho, além de muito bonito, assim, é
muito bom para mim, entendeu?”
podia voltar depois de terminar o Ensino Médio. Ele falou que tinha que ver porque não sei o quê, ah,
sei lá, tem que ver, ele falou. Provavelmente não poder aqui, a galera aqui do Colégio. Aí, tipo assim,
tirando isso, se não a gente não puder voltar na missão, talvez até faça outro projeto assim, mas, sabe?
Eu não sei se vai ser mesmo isso porque é muito fácil falar, mas não sei qual projeto eu mesmo faria
porque eu não sou muito dentro de nenhuma igreja, nenhuma comunidade em si. E sei lá, sabe? É
fácil falar assim, ah, não sei o que, eu vou buscar. Mas eu, particularmente, não sei se eu iria em outro
projeto, entendeu? Não que eu não tenha gostado, mas por, sei lá, a realidade mudou, tipo, a minha
realidade mudou. Vou para faculdade e vou, tipo, a minha vida outra. Não é mais escola, entendeu?
[...]
Aluno 6 - É... voltando a pergunta anterior do que mudou na minha vida, com certeza a MS foi um marco
porque... por exemplo, eu sou um privilegiado porque o meu tio que tem uma igreja e tem uma ONG. E...
agora, depois da MS, eu estou ajudando MUITO ele nessa ONG. É... hum... com pessoas que passam
por reabilitação e pessoas que AINDA estão na rua por conta das drogas. O exemplo disso foi essa última
segunda-feira... eu fui a... a alguns pontos onde tem muito, muitos indigentes assim... que preci... que
passam fome, que não tem roupa, é... vivem em casa de papelão ou às vezes nem em casa de papelão tem.
E a gente foi lá, fez, é... um “panelão” com marmita e tal. Foi lá entregou para eles, fez uma oração para
ver se eles conseguem achar um pilar para se reerguer com a igreja que ajuda muito. E... eu pretendo
fazer isso daqui para frente. Talvez a realidade seja de entrar na faculdade e cair no esquecimento,
mas eu acho que vou continuar com esse trabalho porque eu acho, além de muito bonito, assim, é
muito bom para mim, entendeu?
[...]
Aluna 9 - [...] eu penso que todo mundo deveria fazer a MS pelo menos UMA VEZ na vida. E tenho umas
amigas que já fizeram só que esqueceram, não é? Passou o tempo e esqueceu o jeito, assim, e perdeu
isso, não é? Que a gente aqui é muito estressado. Qualquer coisa, minha vida acabou. Vou morrer, quero
me matar, tudo. Tudo exagerado. (RC_01 – T80 - 100)
Kosisk (1976, p. 11), em sua obra “A dialética do concreto” já alertava para a
complexidade “[...] dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da
vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência
dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural”.
Apesar desses jovens reconhecerem essas experiências propiciadas pelas práticas
coordenadas pela Pastoral como valorosas, em destaque a vivência realizada na MS, os
caminhos que suas vidas tomarão, ao entrar na faculdade, provavelmente os distanciarão de
experiências como essas. E, mesmo que tenham “sentido na pele” a missão ou a experiência na
“creche”, a vida reservada a eles provavelmente os distanciará dessas questões, novos
(con)tatos serão estabelecidos, e a pele, como quando nos expomos excessivamente ao sol, se
escamará, para ser “renovada” com novos (con)tatos. E nesta “renovação”, o bronzeado sai! E
a vida continua....
Aluna 3: Ah, eu acho que assim, a experiência que a gente teve, para mim, foi muito boa... porque sempre
quis participar de algum projeto. Mas, chegava lá em casa: “Ah, vamos fazer isso?”. Aí, tipo: “Ahã,
vamos”. Mas nunca ninguém fazia nada.
Aluno 6: Caía no esquecimento.
Aluna 3: Exatamente. E aí eu ficava assim: “Ah, ok”. E só aceitava.
Nesse sentido, vale retomar afirmativa de Minayo (1998, grifo da autora), que utilizei
na introdução deste relatório: “[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver
208
sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”. Não basta “sentir na pele”, é preciso
que, de alguma forma, estas experiências “marquem a pele”.
209
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_________________________________________________
quais pode ser identificada a existência de uma instituição religiosa como mantenedora e a
definição de uma missão institucional que propõe a formação integral baseada em valores
humanistas e religiosos sem perder de vista a necessidade de uma integração socialmente
responsável do aluno à sociedade.
Inspirando-me na metodologia do ciclo de políticas proposta por Stephen Ball e Richard
Bowe e discutida por Mainardes (2006), o entendimento do contexto de influência e do contexto
da produção de texto foi relevante para a compreensão dos documentos que norteavam as
práticas escolares observadas na instituição pesquisada. Por se tratar de uma escola confessional
católica, a leitura e interpretação de documentos frutos do Concílio Ecumênico Vaticano II e
das Conferências do Episcopado Latino-Americano, ocorridas posteriormente a esse concílio,
bem como de documentos elaborados pela CNBB e algumas produções acadêmicas que
analisaram esses eventos, possibilitou-me perceber que a escola confessional católica, em
especial na América Latina, em face à realidade do continente, é chamada a inserir-se nessa
sociedade, a partir de uma perspectiva crítica (olhando, julgando e agindo), para formar agentes
transformadores dessa realidade fortemente marcada pelas desigualdades sociais.
Também possibilitou-me perceber como os princípios que orientam as práticas das
instituições católicas de ensino, frutos do Concílio e das Conferências Episcopais, reverberaram
na produção dos documentos analisados: a educação como um direito inalienável da pessoa;
uma educação que seja integral, evangélico-libertadora, crítica, participativa; uma educação
que promova a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a síntese entre fé, cultura e vida;
uma escola que eduque na e para a solidariedade, que busque a excelência acadêmica, que
incentive o protagonismo juvenil, que seja uma escola em Pastoral e não apenas com Pastoral.
Nesse sentido, entendo que, ao assumir uma concepção cristã e sistêmica da pessoa
humana na configuração de uma educação integral, a instituição mantenedora do Colégio
declara sua intencionalidade de formar agentes de transformação social que possam assumir
sua responsabilidade pelo futuro da humanidade, educando-os na e para a solidariedade, por
meio de práticas que tenham como foco, além da excelência acadêmica, o desenvolvimento da
autonomia dos jovens, estimulando-os a buscar alternativas de soluções para os problemas
postos pela sociedade contemporânea, entre eles a desigualdade social, formando agentes de
transformação social, protagonistas na construção de uma nova humanidade.
Essas diretrizes, emanadas dos documentos analisados, orientam para que as práticas
realizadas nas instituições escolares, vinculadas à Rede a qual o Colégio faz parte, sejam
interdisciplinares e tenham como objetivo auxiliar os jovens, por meio de uma leitura crítica da
realidade, construírem seus projetos de vida sustentados em uma ética solidária, enfatizando
212
O que propugna o Escola sem Partido não liquida somente a função docente, no que
a define substantivamente e que não se reduz a ensinar o que está em manuais ou
apostilas, cujo propósito é de formar consumidores. A função docente no ato de
ensinar tem implícito o ato de educar. Trata-se de, pelo confronto de visões de mundo,
de concepções científicas e de métodos pedagógicos, desenvolver a capacidade de ler
criticamente a realidade e constituírem-se sujeitos autônomos. A pedagogia da
confiança e do diálogo crítico é substituída pelo estabelecimento de uma nova função:
estimular os alunos e seus pais a se tornarem delatores
Apesar de não ser tarefa fácil, acredito ser tarefa possível! E esta possibilidade me leva
a tecer mais algumas considerações em relação às práticas observadas. São práticas prenhas de
potência para serem trabalhadas questões relacionadas ao fenômeno da desigualdade social.
Práticas que, de fato, encerram em si a possibilidade de os jovens exercitarem o tríplice
movimento do ver-julgar-agir, apesar de ainda permanecer o desafio de transformar essas
experiências que os jovens dizem ter “sentido na pela” em experiências que ficaram “marcadas
na pele”.
214
REFERÊNCIAS
________; SOARES, Júlio R.; MACHADO, Virgínia C.. Núcleos de significação: uma
proposta histórico-dialética de apreensão dos significados. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n.
155, p. 56-75, jan./mar. 2015. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cp/v45n155/1980-
5314-cp-45-155-00056.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2016.
ALMEIDA, Ana Maria Fonseca de. A escola dos dirigentes paulistas. 1999. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 1999. Disponível em: <
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/252619>. Acesso em: 19 fev. 2009.
________. Da educação à formação das elites. Jornal da Unicamp, Campinas, 11-17 nov.
2002. Entrevista. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2002/unihoje_ju198pag12.html
>. Acesso em: 19 de fevereiro de 2009.
________. Um colégio para a elite paulista. In: ________; NOGUEIRA, Maria Alice. (org.)
A escolarização das elites: um panorama internacional da pesquisa. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
2003.
216
ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o
amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011.
ALVES, Luciana. Significado de ser branco: a brancura no corpo e para além dele. 2010.
193 f. Dissertação (Mestrado) - Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-14062010-153851/pt-br.php>.
Acesso em: 18 out. 2017.
ALVES, Maria Teresa Gonzaga; SOARES, José Francisco; XAVIER, Flavia Pereira. Índice
socioeconômico das escolas de educação básica brasileiras. Ensaio:
aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro , v. 22, n. 84, p. 671-703, Sept. 2014 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
40362014000300005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 nov. 2018.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Alfonso de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação
educacional. 3. ed. Brasília: Líber Livro Editora, 2008.
AZEVEDO, Marcello de Carvalho. Viver a fé cristã nas diferentes culturas. São Paulo:
Loyola, 2001.
BITTAR, Marluce. Escola confessional. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; ASSUNÇÃO, Ada
Ávila; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo
Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação. Disponível em:
<http://www.gestrado.net.br/index.php?pg=dicionario-verbetes&id=272>. Acesso em 10 set.
2017.
BOBBIO, Norberto. Teoria das elites. In: ________; MATTEUCCI, Nicola.; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
________. Desigualdade social: um tema necessário na psicologia brasileira. In: In: XIV
Encontro Nacional da ABRAPSO: diálogos em psicologia social: epistemológicos,
metodológicos, éticos, políticos, estéticos, políticas públicas, 14, 2007, Rio de Janeito,
RJ, Anais (on-line). Rio de Janeito: ABRAPSO, 2007. Disponível em <
http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/html/mesa/1324_me
sa_resumo.htm >. Acesso em 14 de set, 2014.
________; AGUIAR, Wanda Maria Junqueira. A dimensão subjetiva: um recurso teórico para
a psicologia da educação. In: AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; BOCK, Ana Mercês Bahia
(orgs). A dimensão subjetiva do processo educacional: uma leitura sócio-histórica. São
Paulo: Cortez, 2016. p. 43- 60.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 24 ed. Petrópolis-
RJ: Vozes, 1998.
CAMPOS, André et al. (Org.). Atlas da exclusão social no Brasil: dinâmica e manifestação
territorial. v. 2. São Paulo: Cortez, 2003.
CATTANI, Antonio Davi; KIELING, Francisco dos Santos. A escolarização das classes
abastadas. Sociologias, Porto Alegre, ano 9, nº 18, p. 170-187, jun./dez. 2007. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
45222007000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 04 fev. 2009.
COSTA, Marcio da. Prestígio e hierarquia escolar: estudo de caso sobre diferenças entre
escolas em uma rede municipal. Ver. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, dez. 2008.
Disponível em: <http://bit.ly/OMSoe7>. Acesso em 24 nov. 2017.
CUBA, Rosana da Silva. Os sentidos da escola para jovens de camadas médias. In: ANPED
SUL, 11, 2016, Curitiba. Anais... . Curitiba: UFPR, 2016. não paginado. Disponível em:
<http://www.anpedsul2016.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2015/11/Eixo-2_ROSANA-
DA-SILVA-CUBA.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2017.
ECO, Humberto. Como se faz uma tese. 22. ed, São Paulo: Perspectiva, 2009.
FANFANI, Emilio Tenti. Condição docente. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE,
Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e
condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. Disponível em <
http://www.gestrado.net.br/?pg=dicionario-verbetes&id=396>. Acesso em 10 dez. 2017.
FERRAÇO, Carlos Eduardo. Eu caçador de mim. In: GARCIA, Regina Leite (Org.). Método:
pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 157-175.
FRANCO, José Eduardo et al.. Glossário de cultura católica: termos ou conceitos. Cadernos
de Ciências das Religiões. [S.I.] nov. 2013. ISSN 1646-1630.. Disponível em <
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernoscienciadasreligioes/article/view/3986>. Acesso
em 20 jan. 2016.
221
FREIRE, Paulo. À Sombra desta Mangueira. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. E-
book.
FURTADO, Odair. O psiquismo e a subjetividade social. In: . In: BOCK, Ana Mercês Bahia;
GONÇALVES, Maria da Graça Marchina; ________ (orgs.). Psicologia sócio-histórica:
uma perspectiva crítica em psicologia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 75-93.
GADOTTI, Moacir. Concepção Dialética da Educação: um estudo introdutório. 16. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
________. BOCK, Ana Mercês Bahia. A dimensão subjetiva dos fenômenos sociais. In:
________; ________ (Orgs.). A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-
histórica. São Paulo: Cortez, 2009. p. 116-157.
________. Humilhação social: humilhação política. In: SOUZA, Beatriz de Paula (Org.).
Orientação à queixa escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
________. A violência: gênese, manipulação e ocultamento social. In: SPINK, Mary Jane;
SPINK, Peter (Orgs.). Práticas cotidianas e a naturalização da desigualdade: uma semana
de notícias nos jornais. São Paulo: Cortez, 2006.
JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; LEAL, Valéria Andrade. Escola católica: uma escola
em pastoral!. Revista de Cultura Teológica. ano XXV, no 89, jan./Jun/ 2017a. Disponível
em <https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/rct.i89.30549>. Acesso em 25
set 2017.
________; ________. A escola confessional católica romana. Rev. Pistis Prax., Teol.
Pastor., Curitiba, v. 9, n. 3, 611-628, set./dez. 2017b. Disponível em <
http://dx.doi.org/10.7213/2175-1838.09.003.DS01 >. Acesso em 25 out. 2017
KULNIG, Rita de Cássia Mitleg. Educação e desigualdade social: um estudo com jovens da
elite. 2010. 273 f. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em <
https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/15967>. Acesso em 13 out. 2016.
LEAL, Álida Angélica Alves. Hora-aula. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana
Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e condição
docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. Disponível em <
http://www.gestrado.net.br/?pg=dicionario-verbetes&id=42>. Acesso em 10 dez. 2017.
LEAL, Valéria Andrade. Pastoral escolar no ensino médio: o lugar da palavra de Deus.
2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Teologia). Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2014. Disponível em <
http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2817>. Acesso em
23 nov. 2017.
________; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. Aspectos da pastoral escolar nas escolas
católicas do Brasil. Revista de Cultura Teológica. ano XXIV, no 87, jan./jun. 2016.
Disponível em < https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/rct.i87.28554 >.
Acesso em 25 set 2017.
224
LEFEBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995.
LELIS, Isabel. O significado da experiência escolar para segmentos das camadas médias.
Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 137-160, mai/ago. 2005. Disponível em <
http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n125/a0835125.pdf>.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Alfonso de. Pesquisa em Educação:
abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MENDES, Vitor Hugo. Escola em saída...: propostas educativas para a Escola Católica na
América. Anais do 24º Congresso Interamericano de Educação Católica, 2016. Disponível
em <
https://www.salesianoscentroamerica.org/component/easyfolderlistingpro/?view=download&
format=raw&data=eNpFUMtugzAQ_BXkuwO0KWmdk0usiooWBEmVG3KShVgyD9kmjV
T132te6mlnx57xjDnxffKjSUBQ2coLKLTVZL0mSNS8Au2-
ipMUrYEzd1OuTau4LN77GzRCumHEQvfB84NBY21Qr0FNLnqkCPKWo6oHb>. Acesso
em 24 nov. 2017.
MICHELOTTO, Regina Maria. Uma desigualdade na história dos homens. Educ. rev. ,
Curitiba, n. 13, p. 45-54, dezembro de 1997. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
40601997000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 28 set. 2017.
225
________. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2009.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 10.
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MORI, Katia Regina Gonçalves. A solidariedade como prática curricular educativa. 2013.
Tese (Doutorado em Educação: Currículo) – Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.
Disponível em < https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/9728>. Acesso em 25 out. 2017.
________. Classes médias e escola: novas perspectivas de análise. Currículo sem fronteiras,
v. 10, n. 1, p. 213-231, jan./jun. 2010. Disponível em <
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol10iss1articles/nogueira.pdf>. Acesso em 07 maio
2014.
226
________. No fio da navalha: a (nova?) classe média brasileira e sua opção pela escola
particular. In: ROMANELLI, Geraldo; ________; ZAGO, Nadir (Org.). Família & Escola:
novas perspectivas de análise. Petrópolis: Vozes, 2013.
________; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Org.). Família & escola: trajetórias de
escolarização em camadas médias e populares. 2.ed., Petrópolis: Vozes, 2003
________; ALVES, Maria Teresa G. The education of Brazilian elites in the twenty-first
century: new opportunities or new forms of distinction?. In: MAXWELL, Claire;
AGGLETON, Peter (Org.). Elite education: international perspectives. Londres: Book Now
Edt, 2016.
NUNCA me sonharam. Direção de Cacau Rhoden. Produção de Marcos Nisti; Estela Renner;
Luana Lobo; Juliana Borges. Roteiro: Tetê Cacau e Cacau Rhoden. 2017. (84 min.), son.,
color. Disponível em: <https://www.videocamp.com/pt/movies/nuncamesonharam#>. Acesso
em: 25 set. 2018.
OLIVEIRA, Cristiane Gomes. Diga-me com quem andas e eu te direi quem és: a escolha
da escola como estratégia de distinção. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 2005. Orientador: Isabel
Lelis. Dissertação (mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Departamento de Educação. Disponível em: < http://www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=6069@1>. Acesso em: 19 de fevereiro de
2009.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Trabalho docente. In: ________; DUARTE, Adriana Maria
Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente.
Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. Disponível em <
http://www.gestrado.net.br/?pg=dicionario-verbetes&id=429>. Acesso em 10 dez. 2017.
227
OLIVEIRA, Alessandra dos Santos; BOCK, Ana Mercês Bahia. Escolha do curso por
prounistas: estudando a dimensão subjetiva da desugualdade. Psicol. Esc. Educ.
, Maringá, v. 20, n. 2, p.305-312, Ag. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572016000200303&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 maio 2018.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. O Papa Francisco e o mundo de hoje. In: AQUINO
JÚNIOR, Francisco de; ABDALLA, Maurício; SÁVIO, Robson (Org.). Papa Francisco com
os movimentos populares. São Paulo: Paulinas, 2018. Cap. 1. p. 15-32.
OXFAM. A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. São Paulo:
Brief Comunicações, 2017. Disponível em: <
https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Relatorio_A_distancia_que_nos_une.pd
f>. Acesso em: 30 out. 2017.
OXFAM. País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras. São Paulo: Brief
Comunicações, 2018. Disponível em <
https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_desigualdade_2018_pais_esta
gnado_digital.pdf>. Acesso em 05 dez. 2018.
PASSOS, João Décio; SANCHEZ, Wagner Lopes. Apresentação da coleção marco conciliar.
In: DOMEZI, Maria Cecília. O concílio Vaticano II: e os pobres. São Paulo: Paulus, 2015.
Paginação irregular. E-book.
PEROSA, Graziela Serroni. Três escolas para meninas. Campinas, SP: [s.n.], 2005.
Orientador: Letícia Bicalho Canedo. Tese (doutorado). Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação. Disponível em:
<http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000350856>. Acesso em: 19 de fevereiro de
2009.
PIRANI, Mario Luiz. Contratos de sucesso escolar: aspectos da escolarização das elites.
2010. 84 f. Dissertação (mestrado em Educação). Ribeirão Preto-SP, Centro Universitário
Moura Lacerda, 2010. Disponível em <
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=
198211>.
PRADO, Ceres Leite. Intercâmbios culturais como práticas educativas em famílias das
camadas médias. 2002. 343f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, UFMG, Belo
Horizonte, 2002. Disponível em <
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/IOMS-5KENPA>. Acesso em 25
nov 2009.
QUADROS, João Eduardo. A opção pela educação infantil bilíngue por famílias de Belo
Horizonte: perfil social e motivações. 2013. 130 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Educação, UFMG, Belo Horizonte, 2013. Disponível em <
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-9AYJL5>. Acesso em 27
out. 2017.
REIS, Elisa P .. Percepções da elite sobre a pobreza e desigualdade. Rev. bras. Ci. Soc. São
Paulo, v. 15, n. 42, p. 143-152, fevereiro de 2000. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69092000000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 07 set. 2017.
229
REIS, Elisa P.. A desigualdade na visão das elites e do povo brasileiro. In: SCALON, C.
(org.). Imagens da desigualdade. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora da
UFMG/IUPERJ-UCAM, 2004.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte (MG): Letramento: Justificando,
2017.
RIEDNER, Daiani Damm Tonetto; PEREIRA, Jacira Helena do Valle. A heterogeneidade das
elites brasileiras e as estratégias distintas na obtenção do sucesso escolar. Revista Contexto e
Educação, Campo Grande,v. 27, n.87, p. 4-25, 2012. Disponível em <
https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/article/view/201>. Aceso em
28 jan. 2018.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3.ed. Porto Alegre:
ArtMed, 2000.
SANTOS, Luane Neves. O encontro das psicólogas com o “social” no CRAS/SUAS: entre
o suposto da igualdade e a concretude da desigualdade. 2013. 186 f. Dissertação (Mestrado
em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. Disponível em <
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/12252>. Acesso em 27 jun. 2016.
________. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
educação e política. 32. ed. Campinas – SP: Editores associados, 1999.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
SILVA, Manuel Carlos. Desigualdade e exclusão social: de breve revisitação a uma síntese
proteórica. Configurações [Online], 5/6. 2009. Disponível em
<http://configuracoes.revues.org/132 ; DOI : 10.4000/configuracoes.132>. Acesso em 02 set.
2017.
SOUZA, Andréa Moura de. Quando a melhor escola é internacional: famílias brasileiras em
busca de internacionalização “in loco”. In: 31a REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 31., 2008,
Caxambu/MG, Anais... Caxambu: Anped, 2008. s./p. Disponível em <
http://31reuniao.anped.org.br/1trabalho/GT14-3963--Int.pdf>.
________. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
231
________. A tolice da inteligência brasielira: ou como o país se deixa manipular pela elite.
São Paulo: LeYa, 2015. E-book.
________. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. São Paulo: LeYa, 2017.
SOUZA, Ney. Do Rio de Janeiro (1955) à Aparecida (2007): um olhar sobre as Conferências
Gerais do Episcopado da América Latina e do Caribe. Revista de Cultura Teológica. V. 16,
n. 64, Jul./Set2008, p. 127- 146.. Disponível em <
https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/15533>. Acesso em 04 set. 2017.
SPINK, Mary Jane; SPINK, Peter. Introdução. In: ______ (orgs.). Práticas cotidianas e a
naturalização da desigualdade: uma semana de notícias nos jornais. São Paulo: Cortez,
2006. p. 7-16.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Casrto. Carga horária de trabalho. In: OLIVEIRA, Dalila
Andrade; DUARTE, Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Dicionário:
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação,
2010. Disponível em < http://www.gestrado.net.br/index.php?pg=dicionario-
verbetes&id=74>. Acesso em 10 dez. 2017.
______. The killing fields of inequality. Cambridge: Polity Press, 2013. E-book.
TILLY, Charles O acesso desigual ao conhecimento científico. Tempo soc. São Paulo, v. 18,
n. 2, p. 47-63, novembro de 2006. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20702006000200003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 set 2017.
IDENTIFICAÇÃO
a) Sexo: masculino ( ) feminino ( ) b) Idade: _______ c) Cor ou Raça: Branca ( ) Preta ( ) Amarela ( )
Parda ( ) Indígena ( )
RESIDÊNCIA
a) Mora em: casa ( ) apartamento ( ) b) A residência é: ( ) própria ( ) alugada c) Área construída: __ m²
d) Bairro onde mora: __________________ e) Quantidade de pessoas que moram em sua residência: ____
f) Sua família possui empregados domésticos: Sim ( ) Não ( ) g) Função dos empregados domésticos:
Serviços Gerais ( ) Cozinheira ( ) Faxineira ( ) Passadeira ( ) Babá ( ) Motorista ( ) Jardineiro ( )
ESCOLARIZAÇÃO
a) Estuda no Colégio desde que série? _______ b) Já repetiu alguma série? Sim ( ) Não ( ) Qual? ______
c) Pretende continuar os estudos após o EM? Sim ( ) Não ( ) Que curso pretende fazer?
___________________ Onde? __________________________________
ATIVIDADES NA ESCOLA
Quais as disciplinas eletivas você está cursando ou já cursou?
__________________________________________________________________________________________
Quais atividades extraclasse você participa ou já participou na escola?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
LAZER
Onde você costuma passar suas férias escolares? ________________________________________________
Já viajou ao exterior? Sim ( ) Não ( ) Para onde? ______________________________________________
Motivo da viagem: _________________________________________________________________________
Que atividades você faz além da escola? Indique a frequência
234
________________________________________________
(Local e data)
TERMO DE ASSENTIMENTO
________________________________________________
(Local e data)
_____________________________________________________________________
Nome e assinatura do Participante (Educador)
____________________________________________________________________
Rita de Cássia Mitleg Kulnig (Pesquisadora)
236
________________________________________________
(Local e data)
_____________________________________________________________________
Nome e assinatura do Partcipante
_____________________________________________________________________
Nome e assinatura do Diretor da Escola
____________________________________________________________________
Rita de Cássia Mitleg Kulnig (Pesquisadora)