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ed.

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ECONOMIA DA CULTURA:
ESTATÍSTICAS E INDICADORES
PARA O DESENVOLVIMENTO

Os números da cultura
limites para dimensionar o impacto
na sociedade contemporânea

Experiências nacionais
e internacionais
paradigmas e alternativas de sistemas
de informação em cultura

Contas-satélites
desafios da mensuração da economia
da cultura
Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural - N. 23 (dez. 2017/maio 2018). – São


Paulo : Itaú Cultural, 2007-.

Semestral

ISSN 1981-125X (versão impressa)


ISSN 2447-7036 (versão on-line)

1. Política cultural. 2. Cultura e sociedade. 3. Indicador cultural. 4.


Economia da cultura. 5. Economia criativa. 6. Cultura e desenvolvimento.
expediente
REVISTA Supervisão de revisão Coordenação
OBSERVATÓRIO Polyana Lima do Observatório
Luciana Modé
Edição Revisão
Leandro Valiati Karina Hambra Produção
e Rachel Reis Tiago D’Ambrosio
Conselho editorial (terceirizadas)
Cristina Lins
Luciana Modé Tradução NÚCLEO DE
Tiago D’Ambrosio Marisa Shirasuna COMUNICAÇÃO E
RELACIONAMENTO
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Rosana Brandão
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administrativo André Seiti
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Lilia Góes e Produção editorial
Toninho Amorim Luciana Araripe
(terceirizados) NÚCLEO DE Raphaella Rodrigues
INOVAÇÃO/
Ensaio artístico OBSERVATÓRIO
Guilherme Kramer
Gerência
Ilustração Marcos Cuzziol
André Toma
aos leitores

John Ruskin, pensador inglês do século publicação. Falar da importância de medir


XIX, foi um dos primeiros livres-pensadores e produzir sentido objetivo dos impactos da
de economia política a se preocupar com a cultura é algo consensual na sociedade con-
mensuração econômica do valor da arte. Não temporânea. Conhecer a realidade sobre a
propriamente através de registros estatís- qual as decisões públicas e privadas são to-
ticos, mas, sobretudo, por refletir acerca de madas no campo cultural é fundamental para
instrumentos reducionistas, muitas vezes o seu desenvolvimento. O porquê de medir
empregados pela economia (e também pelo nos parece claro; contudo, duas outras ques-
senso comum) para tentar compreender rea- tões – o que medir e como medir – merecem
lidades muito complexas. Diz o autor em A muito debate e uma visão mais robusta sobre
Economia Política da Arte: a diversidade na qual se inscrevem os méto-
dos na ciência econômica.
[...] temos deturpado a palavra Econo- Não se trata, pois, do quantitativo pelo
mia [...] em um sentido que não lhe diz abso- quantitativo, mas de todas as nuances que
lutamente respeito. Em nosso uso, o termo podem ser descobertas ao lançar mão da
significa apenas poupar ou acumular [...]. ciência econômica sobre impactos e pro-
Porém tal uso é inteiramente bárbaro [...] no cessos produtivos. Há algo de arte, de sensi-
triplo sentido de ser mau inglês, mau grego bilidade no olhar, que ajuda a superar o “mau
e de ser um péssimo juízo. grego” de pensar indicadores econômicos
como mera redução a um número frio, reve-
As preocupações do autor com um uso lando-os como uma ferramenta útil para que
específico da compreensão do que é a eco- as sociedades possam melhor se conhecer e
nomia guardam sentido com a ideia desta tomar suas decisões.
10 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Considerando esse desafio, a presente indicadores e informações, enfatizando as


publicação inova, pois pretende contribuir potencialidades de uma gestão moderna e
com a demarcação da importância da pro- por resultados para o setor cultural. Nesse
dução de estatísticas e indicadores culturais âmbito, o primeiro passo é o de um exercício
para o campo da economia da cultura, com taxonômico fundamental para que alguns
ênfase na policy e também nas estratégias conceitos sejam explicitados e trazidos à
de desenvolvimento. Além disso, produz um discussão de forma ordenada. Tal eixo é
compêndio de iniciativas internacionais e composto também do debate sobre o valor
nacionais consolidadas de construção de sis- econômico da cultura trazido pelo professor
temas de informação e Contas-Satélites de Geoffrey Crossick, que dialoga com o texto
Cultura (CSC), o que é, de fato, muito útil para de Enrique Avogadro acerca de como a ex-
iniciativas novas que se colocam no âmbito da pectativa de preservação e multiplicação
produção de um sistema nacional integrado. desse valor transborda em políticas públi-
Esses dois eixos dão lastro a um debate feito cas contemporâneas.
nesta publicação que pode ajudar a demar- O segundo objetivo da revista passa
car o processo de produção de ferramentas, pela descrição e análise de paradigmas e ex-
tais como sistemas de indicadores, atlas de periências nacionais e internacionais, rela-
economia da cultura e Contas-Satélites de tando iniciativas consolidadas em sistemas
Cultura, repercutindo sobre seus desafios e de informação e gestão de economia da cul-
oportunidades. A soma desses debates pode tura a partir de indicadores, com ênfase nas
apontar possíveis caminhos para avançar Contas-Satélites de Cultura, mas também
nesse campo de forma mais lúcida, perce- com espaço importante para o relato de sis-
bendo suas particularidades e diversidade. temas alternativos de informações culturais
A atual edição da revista está estru- diante de desafios contemporâneos. Nesse
turada a partir de dois objetivos centrais, ponto, George Windsor traz uma visão pri-
aos quais aderem textos de alta qualidade vilegiada do modelo inglês de tratamento de
trazidos por renomados profissionais e pen- informações em sua política pública para o
sadores nacionais e internacionais. O pri- setor cultural e criativo, seguido pela visão
meiro objetivo é contextualizar indicadores espanhola, abordada pelo trio Pau Rausell
e estatísticas culturais como ferramentas Köster, Vicente Coll-Serrano e Cristina Par-
para o desenvolvimento, produzindo refle- do-Garcia, e pela latino-americana, aborda-
xões sobre o papel da economia da cultura da por Liliana Patricia Ortiz Ospino, Diego
na conjuntura e suas relações com política Traverso e ­Ángel Moreno, sobre estatísticas
cultural e produção acadêmica/técnica de culturais. Na sequência, o caso brasileiro é
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  11

revelado com contribuições de Cristina Lins, desafio contemporâneo no campo cultural e


Frederico Barbosa, João Leiva Filho e Ricar- criativo, para o qual a produção de indica-
do Meirelles sobre medidas já existentes no dores eficientes, homogêneos e modernos
país para mensuração e debate acerca de pode exercer forte contribuição, oferecendo
estruturas de oferta e demanda em cultura. insumos para que seja realizado por nossa
E o trio Andrezza Rosalém, Ana Carolina sociedade um debate coerente sobre quais
Giuberti e Ricardo Savacini Pandolfi traz a são os desígnios da relação entre economia,
experiência capixaba. cultura e desenvolvimento.
Por fim, em linhas gerais, a presente Conhecer uma realidade, portanto, é a
iniciativa propõe reflexões sobre passos im- melhor maneira de transformá-la, conec-
portantes para o futuro da construção de um tando-se a uma nova realidade no que toca
sistema de indicadores e da Conta-Satélite ao reconhecimento do papel das cadeias
de Cultura, com ênfase na política pública e produtivas culturais locais, assim como à
nos novos desafios que se colocam na con- distribuição global de bens e serviços cultu-
temporaneidade, o que aparece de maneira rais. A produção desse tipo de massa crítica é
intensa nas contribuições dos autores que fundamental neste momento do país, quando
trazem a visão do Instituto Brasileiro de Geo- são claras as necessidades de transforma-
grafia e Estatística (IBGE) sobre obstáculos ção profunda em nossa política cultural e nos
que a instituição enfrenta para a criação da mecanismos de financiamento, e de valori-
CSC brasileira. Diana Marcela Rey aborda zação desse mercado como estratégico. Só
os desafios de visibilizar os efeitos econômi- assim poderemos perseguir uma aplicação
cos da cultura por meio das contas-satélites. racional do esforço social brasileiro (traba-
Os artigos finais, de Cissi Montilla e Elder lho) para a produção cultural; ter sustenta-
­Patrick Maia Alves, tratam de temas inova- bilidade e legar nosso imenso valor cultural
dores no âmbito proposto. a outras gerações (preservação cuidadosa),
Voltando a Ruskin, a resposta do filóso- garantindo acesso ao consumo cultural a um
fo sobre a contribuição da economia para a grande contingente de brasileiros que pas-
cultura vem de um olhar sobre o mundo do sam ao largo de ter a vida tocada pela cultura
trabalho, pois o conceito seminal dessa ciên- e tecnologia (distribuição oportuna).
cia envolve um conjunto de técnicas para o Esperamos que esta publicação contri-
sábio gerenciamento do trabalho, a partir de bua para tal reflexão e que esse debate seja
três sentidos: a aplicação racional do traba- replicado. Boa leitura!
lho, a preservação cuidadosa de seus frutos
e a sua distribuição oportuna. Eis um grande Leandro Valiati
9. Aos leitores
Leandro Valiati

1. ECONOMIA DA CULTURA:
UMA REVISÃO TEÓRICA
3. SISTEMAS DE
INFORMAÇÕES CULTURAIS:
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
19. Economia da cultura e
indústrias criativas: modos de usar 65. Política de apoio à economia
e medir (um exercício taxonômico criativa: o papel dos dados no
na lógica da mensuração) Reino Unido
Leandro Valiati George Windsor

2. INDICADORES,
ESTATÍSTICAS E OS LIMITES DE
79. Sistemas estatísticos para a
economia da cultura da Espanha
Pau Rausell Köster,
MENSURAR O VALOR DA CULTURA Vicente Coll-Serrano e
PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Pardo-Garcia

29. O valor da cultura: 93. Contas-Satélites de


economia, diversidade e Cultura, aposta e proposta ibero-
entendimento no século XXI americana para as estatísticas
Geoffrey Crossick culturais no mundo
Liliana Patricia Ortiz Ospino
46. Quanto vale a cultura?
O papel dos indicadores e das Estudo de caso: Uruguai
estatísticas nas políticas públicas Diego Traverso [conteúdo on-line]
para a economia da cultura
Enrique Avogadro Medições na cultura,
contribuições à diversidade na
56. Entrevista Colômbia e região
Arjo Klamer Ángel Moreno [conteúdo on-line]
sumário

4. EXPERIÊNCIAS
NACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES
5. SISTEMA NACIONAL
DE CULTURA E CONTA-SATÉLITE:
PARA UM SISTEMA INTEGRADO PERSPECTIVAS E DESAFIOS
DE INFORMAÇÕES CULTURAIS
181. O Sistema de Contas
Sistema de informação e Nacionais – núcleo central,
indicadores culturais, Perfil dos Contas-Satélites e a mensuração
Estados e dos Municípios Brasileiros: das atividades culturais
histórico e resultados João Hallak Neto, Rebeca de La
Cristina Lins [conteúdo on-line] Rocque Palis e Hugo Saramago

147. O Ipea e a 192. O desafio de visibilizar


economia da cultura os efeitos econômicos da cultura:
Frederico Barbosa as Contas-Satélites de Cultura
Diana Marcela Rey
160. Hábitos culturais no Brasil:
o que já é possível saber 202. Na era do Big Data:
João Leiva Filho e Ricardo Meirelles os sistemas de informação cultural
Cissi Montilla
Espírito Santo Criativo:
a construção de uma política pública 213. Informações, mercados
Andrezza Rosalém, culturais e investimento no Brasil:
Ana Carolina Giuberti e perspectivas de ação privada e
Ricardo Savacini Pandolfi caminho da policy
[conteúdo on-line] Elder Patrick Maia Alves

Os textos/entrevistas desta revista não necessariamente refletem a opinião do Itaú Cultural.


Do trabalho de Guilherme Kramer
emergem rostos vívidos e paisagens detalhadas,
vistos nas ruas bem como nas profundezas
de sua imaginação. Nascido em São Paulo, já
realizou exposições individuais e coletivas em
diferentes cidades do Brasil e do mundo.
Na série Fluxos, o caminhar e a meditação surgem como prática artística. Andando
pelas ruas, o autor transforma lugares e seus significados. Com o corpo à deriva, busca o
contraditório: real e irreal, caótico e ordenado, mundo interior e exterior, loucura e cura.
Durante o percurso pelo desconhecido, surge uma rede de nervos, veias, galhos, raízes, asas,
texturas, pelagens, olhos, bocas, expressões e sons que compõem os desenhos. As linhas, as
formas e a agitação da cidade promovem um caos que apenas a pintura pode ordenar.
1. ECONOMIA DA CULTURA:
UMA REVISÃO TEÓRICA

19. ECONOMIA DA CULTURA


E INDÚSTRIAS CRIATIVAS:
MODOS DE USAR E MEDIR
(UM EXERCÍCIO TAXONÔMICO
NA LÓGICA DA MENSURAÇÃO)
Leandro Valiati
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leandro Valiati 19

ECONOMIA DA CULTURA
E INDÚSTRIAS CRIATIVAS:
MODOS DE USAR E MEDIR (UM EXERCÍCIO
TAXONÔMICO NA LÓGICA DA MENSURAÇÃO)
Leandro Valiati

O exercício de medir em economia é parte fundamental nessa ciência. Contudo, o processo


de extrair informações de uma realidade não é trivial. Não se trata apenas de produzir registros
estatísticos neutros. Em toda medição está presente um discurso sobre uma realidade, como
um conjunto de conceitos e percepções sobre a constituição do objeto estudado, que se converte
em guia para o olhar que produz informações. Em toda informação estatística/quantitativa
produzida há uma camada estruturante que é formada por um conjunto de ideias sobre as
atividades econômicas observadas e, por consequência, predefinições que acabam por definir o
campo estudado e suas interações. Nesse processo, revelam-se, então, identidades produtivas,
modelos de negócio, relações econômicas intra e intersetoriais, novas tendências de mercado
de trabalho, entre outras inferências que pautam os dados produzidos e são pautadas por eles.
Nessa dinâmica de mensuração econômica, o setor cultural apresenta fortes desafios. Para
que se tenha um bom nível de compreensão sobre qual é o estado da arte e também sobre quais
são as potencialidades da economia da cultura e das indústrias criativas locais, um exercício
taxonômico é fundamental. Tentando trazer alguns insights a esse desafio, o presente artigo
tem por objetivo propor alguns exercícios conceituais específicos que deem sentido a estratégias
de mensuração que associem economia, cultura e desenvolvimento. Para tanto, será demarcado
um quadro conceitual sobre economia da cultura, indústrias criativas e economia criativa no
âmbito do desenvolvimento econômico.

Economia da cultura: abrangente de estudos em economia da cul-


a formação do campo tura estabelecido com abordagens históricas

A
e processuais relacionadas. Em linhas gerais,
o longo da história do pensamento falar da abordagem econômica dos bens cultu-
econômico, em que pese o fato de rais é recente no que toca aos estudos acadê-
os componentes culturais serem micos formalizados. Nesse contexto, pode-se
substantivamente representativos para as re- distinguir duas formas de tratamento do tema
lações econômicas, não se verifica um campo a partir da lógica econômica, que acabam por
20 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

responder a leituras sob um prisma heterodo- neoclássica, a cultura em sua forma substan-
xo, por um lado, e ortodoxo, por outro. tiva estaria fora do alcance da teoria econô-
A primeira delas, propondo uma aná- mica. Os modelos que pretendem explicar a
lise mais abrangente, é a que trata a cultura relação dos agentes com o consumo e a oferta
como substantivo. Destacam-se nesse cam- cultural devem seguir a lógica econômica:
po as interpretações a respeito das relações ser estáveis, garantir previsibilidade e, ainda,
entre os valores morais de uma sociedade, possuir variáveis qualitativas passíveis de
suas crenças, religião e formação socioan- ser descritas quantitativamente. Assim, em-
tropológica dos elementos que estruturam bora se atribua um status econômico parti-
mercados. Pode-se dizer inclusive que essa cular a um bem cultural, essa particularidade
perspectiva permeou a economia desde seus está prevista nos modelos de racionalidade
tempos mais remotos. De Jong (2009), por limitada ou de falhas de mercado, por exem-
exemplo, considera como antecedentes do plo. Nessa perspectiva, costuma-se atribuir a
debate sobre economia e cultura as obras A condição de obra seminal a Performing Arts:
Teoria dos Sentimentos Morais (1759) e A Ri- the Economic Dilemma, de Baumol e Bowen
queza das Nações (1776), de Adam Smith, A (1966), elaborada a partir de um estudo mais
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo formalizado das relações entre economia e
(1905), de Max Weber, e O Capital (1867), de cultura e que, em uma abordagem típica
Karl Marx. Seguramente, podemos acrescen- da esfera conceitual da welfare economics,
tar a essas a Teoria da Classe Ociosa (1906), procura compreender e elencar argumentos
de ­Thorstein Veblen. É uma lógica que se para ação pública no mercado de artes.
aproxima de leituras heterodoxas, na medi- É possível notar, em especial a partir
da em que se descola dos modelos analíticos de meados da década de 1990, o surgimento
neoclássicos centrados no valor utilidade. e o fortalecimento de um campo na grande
A segunda delas, que trata a economia área das ciências econômicas, respondendo a
da cultura a partir dos bens e produtos eco- essa lógica. Nesse mesmo período foi criada a
nômicos com a particularidade de estarem Association for Cultural E­ conomics Interna-
ligados aos mercados de arte e cultura, pres- cional (Acei), constituída na VII Conferência
supõe a cultura como adjetivo e, em geral, Internacional de Economia da Cultura, reali-
considera esses mercados a partir de uma zada em outubro de 1992 em Fort Worth, no
perspectiva ortodoxa com foco no comporta- Texas. Juntamente com esse processo, em
mento individual. De Jong (2009) considera 1984, em Akron (Estados Unidos), foi lan-
essa leitura, vinculada ao hard core utilitaris- çado o Journal of Cultural Economics (JCE),
ta1 da Revolução Marginalista de Edgeworth, posteriormente apropriado como publicação
Jevons e Marshall, na tradição anglo-saxã, de referência da Acei, convertendo-se no pe-
e às contribuições de Menger, na Escola riódico acadêmico mais representativo sobre
Austríaca. Nessa visão, aspectos exógenos economia da cultura.
ao indivíduo não são incorporados nos mo- O JCE é composto de análises abran-
delos analíticos. Para a tradição utilitarista e gentes dos aspectos culturais na esfera
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leandro Valiati 21

econômica, tanto na perspectiva da microe- no que toca tanto à sua capacidade de


conomia utilitarista quanto na da macroeco- maximização de utilidade3 quanto à
nomia e na do desenvolvimento. É necessário, possibilidade de maximizar seu lucro,
no entanto, ressaltar que a orientação teórica tendo em vista as possibilidades téc-
nele dominante está associada ao m ­ ainstream nicas de produção de bens culturais.
da economia neoclássica, respondendo à ca- São os racionais da microeconomia
tegorização do Journal na base springerlink, que fornecem os subsídios teóricos à
que o caracteriza como pertencente aos cam- produção em economia da cultura a
pos de microeconomia, organização indus- partir dessa perspectiva, tendo como
trial e políticas públicas.2 referência o modelo de concorrên-
Na medida em que a análise neoclássica cia perfeita, particularmente em sua
tem sido de fato o lócus da maior parte dos tra- construção de equilíbrio geral compe-
balhos de economia da cultura, há um vasto titivo. Disso decorre como explicação
potencial de temas a ser tratados a partir do ar- para ineficiências a presença de falhas
cabouço analítico do desenvolvimento, a partir de mercado, tais como as formas de
de uma abordagem histórica e de economia monopólio, informações assimétri-
política e institucional, por exemplo. Trata-se, cas, bens públicos e externalidades.
então, de uma conversão à leitura desse campo Essa perspectiva ainda contempla
da economia trilhando um caminho metodo- estudos com respeito à teoria da fir-
lógico diferente da corrente dominante. ma ligados à dimensão de organização
Desse modo, aprofundando a análise da produção. Podemos considerar que
das produções nessa área, é perceptível sua as obras de William Baumol (1966) e
demarcação em duas esferas: as teorizações de Gary Becker (1977)
sobre a formação do gosto e a de Ri-
a) a primeira delas, de caráter instru- chard Musgrave (1951) sobre os bens
mental, está focada na dimensão das de mérito são as contribuições mais
preferências do consumidor e nos tradicionais nesse campo. A essa
impactos econômicos strictu sensu abordagem se filiam representativos
da cultura, no contexto do individua- autores de produção mais recente;4
lismo metodológico. Essa aborda-
gem reúne trabalhos elaborados, em b) a segunda esfera, de caráter estru-
geral, a partir de duas perspectivas: turante, diz respeito à investigação,
a da microeconomia tradicional e a elaboração e proposição de funda-
dos estudos a partir da welfare eco- mentos teóricos mais abrangentes
nomics, em especial os que se voltam para compreender o comportamento
para a justificativa da ação pública. Na humano e que precedem a esfera do
perspectiva da microeconomia tradi- mercado. Esses estudos em economia
cional, os estudos levam em conta o da cultura são levados a termo a par-
comportamento racional dos agentes tir de uma abordagem no campo do
22 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

desenvolvimento econômico e histó- Esse é o caso da escola da regulação, corpo


rico, marcadamente interdisciplinar de literatura que surgiu no fim da década de
pelo diálogo com outras ciências so- 1970 na França, com interesse justamente em
ciais. Nessa perspectiva de análise, explicar como ocorreu a crise fordista nesse
destacam-se as obras de Bruno Frey, país a partir de análises das transformações
David Throsby e Arjo Klamer. Esses de longo prazo da economia capitalista. Seus
autores tratam de temas que auxiliam estudos sobre a crise do fordismo revelam a
na composição dos referenciais teóri- debacle de um regime de acumulação, isto é,
cos no que toca às definições de cul- o esgotamento do padrão coerente de aloca-
tura, valor cultural e valor econômico ção de recursos que permitia a reprodução do
para a economia da cultura. sistema durante os anos dourados (HARVEY,
1989, p. 121-122). Eles denominaram de acu-
Portanto, com a finalidade de apresentar mulação intensiva o regime de acumulação
esse campo analítico, é possível afirmar que keynesiano-fordista, cujo dinamismo era
duas são as linhas distintas de abordagem: a) oriundo da produção em massa com trabalho
a primeira, vinculada àquela que definimos pouco qualificado (AMIN, 1994, p. 9; BOYER,
como instrumental, identificando elemen- 2008). A partir da recessão de 1973, entretan-
tos da análise do mainstream a partir das teo- to, o ciclo virtuoso que permitia o aumento da
rias utilitaristas da formação do gosto, bens qualidade de vida dos trabalhadores por meio
de mérito e externalidades e da perspectiva de ganhos de produtividade do seu trabalho
analítica da welfare economics; b) a segunda, encontrou seu fim, dando origem ao período
tributária a abordagens que consideramos de transição, em que a dificuldade que os seto-
como estruturantes e interdisciplinares, a res público e privado tiveram para se adaptar
partir dos conceitos instrumentais de cultura, aos novos tempos pode ser resumida em sua
valor econômico e valor cultural, para autores rigidez (HARVEY, 1989, p. 139-142).
que demarcam o campo da produção intelec- A transformação em direção a um novo
tual da economia da cultura na perspectiva regime de acumulação sustentável passava
heterodoxa e dialogada com outras ciências. por flexibilizar certas relações, não só em
questões de compromissos assumidos pelo
Economia criativa e o pós-fordismo Estado, que são continuamente objeto de
de acumulação flexível demandas pelo setor privado, como regu-
Na visão de Fernand Braudel (1983, p. lação do trabalho, responsabilidade fiscal e
433), a capacidade de adaptação e a flexibi- gastos sociais, mas também nas técnicas de
lidade são precisamente as características produção, que eram restritivas quanto a ino-
centrais do capitalismo, dando unidade à sua vações de diferenciação do produto. O regi-
história da Itália do século XIII aos dias atuais, me de acumulação emergente, na proposição
e não às formas particulares que assumiu. As- de Harvey, por forçar uma flexibilização do
sim, não surpreende que várias interpretações regime fordista, foi chamado de regime de
pós-fordistas deem ênfase à flexibilidade. acumulação flexível (HARVEY, p. 142, 147).
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leandro Valiati 23

Articulados com as transformações na Indústrias culturais


manufatura, é nesse período que ganham e economia criativa
relevância aqueles setores posteriormente O estudo das indústrias culturais e cria-
identificados como indústrias criativas. tivas é uma agenda de pesquisa que tem cres-
As transformações flexibilizadoras fo- cido muito nos últimos 20 anos. Sua origem
ram muitas. A padronização dos produtos está na evolução do estudo das indústrias
fordistas foi substituída por uma grande va- culturais, que se tornou mais abrangente a
riedade de catálogo, o que incentivava uma partir dos anos 1980 para incluir outros se-
redução da vida útil dos bens. Isso requereu a tores econômicos cuja atividade também é
troca da relativamente estável estética fordis- centrada na criatividade. Essa inclusão se dá
ta por uma mudança continuada, com rápidas no momento em que diferentes autores apon-
modificações de tendências e uma estética tam para novos padrões de acumulação de ca-
pós-modernista focada na diferença e na pital e organização produtiva, no que passou
efemeridade (HARVEY, 1989, p. 156). “Eco- a ser chamado de paradigma da acumulação
nomias de escopo haviam vencido economias flexível. As indústrias criativas seriam, assim,
de escala” (HARVEY, 1989, p. 155, tradução uma adaptação do conceito de indústrias cul-
nossa), com a produção em pequenos lotes de turais aos novos tempos e às novas possibili-
bens diversificados ganhando vantagem cres- dades de acumulação (O’CONNOR, 2010).5
cente ante a produção em massa. Esse novo Em geral, os trabalhos dessa agenda
padrão permitia reduzir riscos e aproveitar apresentam duas características marcantes,
nichos de mercado altamente especializados, que merecem ser pontuadas. Em primeiro lu-
num contexto de menor crescimento econô- gar, a necessidade de justificar a racionalidade
mico (­HARVEY, 1989, p. 156). econômica do gasto público no setor cultural,
Quanto ao mercado de trabalho, a maio- que é núcleo do valor simbólico apropriado
ria das abordagens concorda que o fordismo pelas indústrias criativas. As políticas de
era baseado em trabalho pouco qualificado, austeridade fiscal a partir dos anos 1980, com
em oposição à emergência da centralidade das Thatcher, Reagan e o Consenso de Washin-
ocupações muito qualificadas a partir de sua gton, assentaram uma visão de que bens e
crise (AMIN, 1994). Outras interpretações serviços culturais são um luxo restrito a socie-
destacaram o papel da informação e do valor dades avançadas. Assim surgem os primeiros
simbólico na produção de mercadorias da estudos que descrevem o efeito multiplicador
nova era (­O’CONNOR, 2010, p. 33-37), o que do gasto cultural (O’CONNOR, 2010, p. 31-32;
reforça o papel da ocupação criativa na agre- MYERSCOUGH, 1988). Agências governa-
gação de valor (STERNBERG, 1993, p. 1.021). mentais locais no Reino Unido que divergiam
Houve também um aumento considerável dos do governo de Thatcher e que desejavam pro-
profissionais autônomos, cujo estrato supe- mover as indústrias culturais capitanearam
rior inclui consultores, designers, artesãos e o alargamento do conceito para incluir as in-
especialistas (HARVEY, 1989, p. 158), ou seja, dústrias criativas. Essa inclusão fortaleceu o
profissionais em ocupações criativas. rationale econômico, pois, na média, os novos
24 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

setores incluídos são mais lucrativos que os 2014, quando sua classificação passou por
setores tradicionais das indústrias culturais revisão metodológica. Na nova metodologia,
(O’CONNOR, 2010). Assim, é comum que os a intensidade de ocupações criativas se torna
trabalhos dessa agenda costumem trazer, na central para a seleção de setores na economia
sua introdução, dados que reafirmam a im- criativa (SPILSBURY & GODWARD, 2013).
portância dos setores analisados para a eco- A realidade é que a economia criativa
nomia, principalmente sua participação em surgiu muito mais como um conceito útil à
renda, exportações e emprego. elaboração de políticas públicas, em particu-
Em segundo lugar, o conceito de indús- lar do DCMS. Para os fins práticos da políti-
trias criativas é controverso, pois há abor- ca pública, convém essa definição, uma vez
dagens diversas que baseiam a resposta na que aglutina setores com interesses comuns
pergunta “Quais setores compõem as indús- que passam a dispor de maior capacidade de
trias culturais e criativas?”. Assim, muitos barganha para disputar recursos e políticas
trabalhos têm de dedicar espaço para discutir públicas. Por outro lado, essa mesma agência
a literatura e situar-se conceitualmente. As governamental reconheceu que as indústrias
tentativas de endereçar o problema podem criativas são um fenômeno de maior profun-
ser agregadas em dois subgrupos principais. didade, já que vê a ascensão desses setores
Primeiro, há os autores que definem as indús- como sintoma de mudanças mais gerais
trias criativas a partir do conteúdo criativo nos padrões de acumulação e produção, ao
dos bens e serviços produzidos e/ou da cria- contabilizar também os trabalhadores cria-
tividade como fator de produção. Essa parece tivos tradicionais.
ser a abordagem, até 2013, do Departamento No contexto dos elementos levantados
de Cultura, Mídia e Esporte do governo britâ- neste artigo, a fim de enfrentar os desafios
nico (DCMS, na sigla em inglês; análogo aos informacionais contemporâneos para os
ministérios no Brasil), da Conferência das setores cultural e criativo, alguns elemen-
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvol- tos são essenciais: a) a produção de uma
vimento (Unctad) e Unesco,6 que passaram visão estratégica sobre conceitos e aborda-
a publicar relatórios a partir de 2008 sobre gens para a economia da cultura, de modo
o tema. Mesmo bons critérios são de difícil a responder o que e de que forma medir; b)
aplicação, levando a uma decisão subjetiva uma análise coerente da colocação dos bens
sobre quais setores incluir e excluir. Desde culturais e criativos no mercado capitalista
o princípio, a abordagem do DCMS leva em contemporâneo, a fim de identificar modelos
consideração que a criatividade é um asset de negócios e conexões com demais setores;
vinculado a uma pluralidade de setores, sendo c) uma visão estrutural acerca de como as
um processo mais de transformação dos pa- políticas para o setor são estabelecidas, a fim
drões de produção do que de emergência de de adequar a produção de informações tan-
setores vanguardistas da economia. Tal inter- to qualitativas quanto quantitativas, deve se
pretação é central ao segundo subgrupo clas- tornar ferramenta que auxilia na tomada de
sificatório, do qual o DCMS faz parte desde decisões de gestores públicos e privados.
26 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Leandro Valiati
É professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor e pesquisador associado
na Unesco, na Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), na Universidade de
Valência (Espanha), na Queen Mary University of London e na Universidade Paris XII –
Sorbonne. Coordenador do Observatório de Economia Criativa da UFRGS. Coordenador
do grupo de trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas no Centro de
Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov), da UFRGS (www.ufrgs.br/cegov), e do
grupo de pesquisa CNPQ Economia Criativa, Cultura e Desenvolvimento. (Site pessoal:
www.leandrovaliati.com.)

Referências

AMIN, A. (Ed.). Post-fordism: a reader. Oxford: Blackwell, 1994.

HARVEY, D. The condition of postmodernity: an enquiry into the origins of cultural


change. Cambridge, U.S.: Blackwell Publishers, 1989.

O’CONNOR, J. The cultural and creative industries: a literature review. 2. ed. Newcastle
upon Tyne, U.K.: Creativity, Culture and Education (CCE), 2010.

SPILSBURY, M.; GODWARD, C. Classifying and measuring the creative industries.


London: Creative Skillset, 2013.

Notas

1 Explicação do comportamento econômico que se fundamenta nos


princípios do autointeresse e na maximização da utilidade, em um ambiente
em que as preferências do consumidor são soberanas e exercidas com
completude informacional.

2 De acordo com pesquisa realizada por Corazza, Florissi, Sabbatini e Valiati


(2011), nas publicações do JCE entre os anos de 2007 e 2011, observou-se uma
distribuição temática que confirma empiricamente essa inclinação de approach
do periódico: em um total de aproximadamente 282 artigos publicados nesse
período, apenas 31 (11%) remetem a algum tipo de discussão teórica sobre
a formação do campo ou demarcação de abordagens interdisciplinares de
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leandro Valiati 27

economia, ao passo que os demais artigos, em sua maior parte, desenvolvem


e aplicam a abordagem instrumental das ferramentas da economia neoclássica
para o campo das artes e da cultura.

3 Na medida em que, como pressuposto, o agente é apto a comparar, ordenar


e escolher cestas de consumo a partir da confrontação entre sua estrutura
de preferências e os dados relativos a preços e disponibilidade orçamentária
(no caso do consumidor).

4 Por exemplo, Tyler Cowen (2000), James Heilbrun e Charles M. Gray (2001)
e Vitor Guinsbourgh (2010).

5 A adesão ao conceito de indústrias culturais se verifica pelo aumento da


quantidade de trabalhos publicados. Uma busca com os termos “creative
industries” no Google Scholar revela 356 resultados entre 1986 e 1995, 6.590
na década seguinte e mais de 20 mil resultados para o período 2006-2015.
A busca não incluiu patentes, mas incluiu citações. Disponível em:
<https://scholar.google.com.br>. Acesso em: 16 abr. 2016.

6 A Unctad era responsável por esses relatórios entre 2008 e 2012. O último
relatório, de 2013, foi elaborado pela Unesco.
2.
INDICADORES, ESTATÍSTICAS
E OS LIMITES DE MENSURAR
O VALOR DA CULTURA PARA
O DESENVOLVIMENTO

29. O VALOR DA CULTURA:


ECONOMIA, DIVERSIDADE E
ENTENDIMENTO NO SÉCULO XXI
Geoffrey Crossick

46. QUANTO VALE A CULTURA?


O PAPEL DOS INDICADORES E DAS
ESTATÍSTICAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA A ECONOMIA DA CULTURA
Enrique Avogadro

56. ENTREVISTA
Arjo Klamer
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 29

O VALOR DA CULTURA:
ECONOMIA, DIVERSIDADE E
ENTENDIMENTO NO SÉCULO XXI
Geoffrey Crossick

Este artigo, baseado em um relatório do Arts & Humanities Research Council, do Reino
Unido, indaga se os indicadores estatísticos podem, por si só, capturar o valor que o envolvi-
mento com a cultura proporciona aos indivíduos e à sociedade. O artigo amplia a abordagem
do relatório, pois inclui diversas formas de provisão cultural, enfatiza a experiência cultural
pessoal, que plasma indivíduos reflexivos, e questiona aspectos da narrativa usual sobre eco-
nomia, cidades, saúde e educação. Convida ao maior uso de métodos das artes e humanidades
para proporcionar, muitas vezes por meio de estudos de caso, um entendimento que pode escapar
às buscas de dados em grande escala.

A
história das discussões sobre o além da economia, abrangendo outras áreas
valor da cultura é longa e variada, em que é possível capturar e usar Big Data
mas só nas últimas décadas preva- (SCOTT, 2014; UNESCO, 2009).
leceu uma abordagem que privilegia dados Nos últimos 20 anos, o debate sobre
econômicos. Esta costuma incluir a men- valor cultural resultou da percepção das
suração dos efeitos do setor cultural sobre limitações de uma abordagem cujo foco se
a economia, usando técnicas de medida de restringisse aos indicadores econômicos e
gastos – por exemplo, pela contribuição para estatísticos: são limitações em termos de
o valor agregado bruto (VAB) ou por meio de questões técnicas, sem dúvida, mas, o que
estudos de impacto econômico. Nos últimos é ainda mais importante, são limitações no
anos, contudo, surgiram esforços no sentido modo de pensar o valor cultural e capturá-lo.
de ampliar seu escopo através de Contas-Sa- David Throsby, economista cultural austra-
télites de Cultura (CSC), como na Finlândia, liano, exerceu particular influência nessa
no Canadá e, bem recentemente, nos Esta- busca da ampliação do significado de valor
dos Unidos (MINISTRY OF EDUCATION, cultural para os economistas (THROSBY,
FINLAND, 2009; MCCAUGHEY, 2014; 2001). A economia cultural nos leva a um
NATIONAL ENDOWMENT FOR THE território muito mais vasto do que o da eco-
ARTS, 2013). Também houve interesse em nomia da cultura. O uso de técnicas de va-
desenvolver indicadores culturais nacio- loração econômica, tais como a valoração
nais baseados em dados de grande escala e ir contingente, para capturar o valor que as
30 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

pessoas dão a suas experiências culturais, Boa parte da defesa atual das artes e
bem como os valores de não uso derivados da cultura baseou-se em um pressuposto
da disponibilidade de instalações culturais que não é dessemelhante: o de que o valor
de que elas mesmas não participam, avan- articulado por meio de uma medida pode
çou de maneira significativa bastar para identificar o va-
(BAKHSHI & ­FUJIWARA, O debate dos últimos 20 lor do que, na verdade, são
2015; BAKHSHI et al, 2009). anos sobre valor cultural vem campos multifacetados de
da percepção das limitações
O potencial dessas novas atividade. Valor cultural não
de uma abordagem cujo foco
condições é real, mas sua é um absoluto em relação ao
se restrinja a indicadores
capacidade de capturar a econômicos e estatísticos. qual o desafio é encontrar a
totalidade do valor do envol- maneira certa de medi-lo.
vimento com a cultura é restrita, não menos É um construto contingente cujos sentidos
por se concentrarem em percepções de indi- mudam com o tempo, vinculado como é a dis-
víduos. Dessa maneira, não é possível dar vi- cursos que mudam, acima de tudo quando
sibilidade a benefícios mais amplos, que vão em torno de políticas.
além do âmbito privado, estando destinados É por isso que alguns economistas
ao bem-estar da sociedade. culturais, dos quais o mais destacado é
Esses métodos constituem uma im- ­Throsby, agora consideram a medida do im-
portante resposta a medidas de valor con- pacto sobre a economia e o uso de métodos
centradas exclusivamente em benefícios econômicos de valoração apenas como dois
econômicos, mas o são no contexto de um elementos de uma grande cesta de métodos
modelo especificamente econômico que, de (­THROSBY, 2001; THROSBY & HUTTER,
resto, restringe o valor cultural aos indica- 2008). O valor econômico é cada vez mais
dores francamente econômicos e estatís- reconhecido como apenas uma parte de
ticos. Em 1830, Jeremy Bentham, filósofo certa percepção mais abrangente de valor
inglês, considerou o valor como verdadei- cultural, embora haja menos concordância
ramente comensurável por meio da sim- quanto a se tal concepção mais ampla pode
ples medida da utilidade, o que, a seu ver, ser satisfatoriamente articulada em ter-
permitiria comparações entre o valor de mos econômicos. De fato, os impactos eco-
diferentes atividades: nômicos (os efeitos econômicos das artes
e da cultura), o valor econômico (capturar
O valor dessas artes e ciências [...] o o valor das artes e da cultura por meio de
valor que possuem, é exatamente propor- metodologias de valoração econômica) e o
cional ao prazer que propiciam. Precon- valor cultural (o valor das artes e da cultura,
ceito à parte, o jogo de push-pin tem valor baseado ou não em noções econômicas de
igual ao das artes e ciências da música e valor) não necessariamente se encaixam
da poesia. Se o jogo de push-pin fornecer um no outro, mas ocupam espaços subs-
mais prazer, será mais valioso que ambas tantivos e conceituais diferentes, embora
(BENTHAM, 1830). com ­superposições.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 31

As limitações de uma abordagem es- orientavam a alocação de verbas governa-


tritamente econômica tornaram-se eviden- mentais. Essa abordagem reforça uma ten-
tes em 2012, quando fui nomeado diretor dência a começar pelo que possa ser contado,
de um novo projeto sobre valor cultural em vez de perguntar por aquilo que nos in-
(­Cultural Value Project) lançado pelo Arts teressa e como melhor evidenciá-lo. Aqui
& Humanities Research Council, do Reino reside a sedutora atração do uso de simples
Unido (ver relatório final em CROSSICK indicadores quantitativos: o sucesso da arte
& ­KASZYNSKA, 2016).1 A origem dessa em prisões é testado pelas taxas de reinci-
estreiteza de foco não residia no uso de es- dência, seus efeitos sobre a economia, por
tatísticas e métodos econômicos em si, mas meio de estudos de impacto econômico, e
antes nos objetivos que animavam a busca de a educação artística nas escolas, com base
formas de articular o valor da cultura. Esses no rendimento padrão definido de manei-
objetivos, no Reino Unido e além, estavam ra estrita – quando os reais benefícios em
basicamente voltados para a defesa do finan- todas essas áreas são reconhecidamente
ciamento público das artes. Sua intenção era muito mais complexos. Além disso, esses
influenciar e orientar políticas em um mun- argumentos instrumentais a favor das artes
do governamental cada vez mais dominado repousavam principalmente em objetivos
por abordagens da Nova Gestão Pública econômicos e sociais que podiam ser atin-
(NGP), metas e auditoria. Entretanto, essas gidos por outros meios. E a defesa das artes
não constituem a única relação possível de raramente se baseou em uma análise rigoro-
evidência com a política, e uma alternativa sa que comparasse seus resultados com os
seria usar a pesquisa para apresentar enten- de outras maneiras de alcançar os mesmos
dimentos que pudessem informar a política, objetivos. Raramente se adotou um enfoque
mas que não necessariamente estivessem alternativo, que começasse por aquilo que
em conformidade com ela. A primeira abor- as artes e a cultura podiam fazer irredutível
dagem prevaleceu no Reino Unido e em boa e talvez até exclusivamente.
parte do mundo ocidental, e a defesa das O que acontecerá se libertarmos nos-
artes foi feita através de argumentos que se sas indagações, decidindo que o motivo para
acreditava que os governos queriam ouvir. entender o valor da cultura não é defender o
Esses argumentos residiam, principal- financiamento público? Um resultado é que
mente, nos benefícios para a economia, mas imediatamente abrangeremos as maneiras
também incluíam contribuições para outras muitíssimo mais diversas como as pessoas
prioridades políticas relacionadas com in- se envolvem com a cultura. Para começar, te-
clusão social, criminalidade, comunidades mos a variedade de locais – não só infraestru-
urbanas etc. A defesa foi feita por meio de tura cultural construída para esse fim, como
métodos que atendessem às expectativas galerias e museus, salas de concerto e tea-
dos governos, ou seja, quantitativos e capa- tros, mas também espaços de pequena escala,
zes de se ajustarem a modelos mais gerais de como estúdios de arte ou design e pequenos
análise econômica de custo-benefício, que locais para música ao vivo, instituições como
32 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

lares com assistência terapêutica e prisões, subsídio público, possibilitando o funcio-


bem como os ligados a viagens, à residência namento de partes-chave dessa ecologia
e ao espaço virtual da internet. A residência (HOLDEN, 2015).
é, na verdade, o local onde se dá a maior parte Para assim ampliarmos nosso foco e
do nosso envolvimento com cinema, música, abarcarmos os diferentes meios pelos quais
televisão, artesanato, literatura e videoga- as pessoas se envolvem com a cultura, preci-
mes, bem como com atividades culturais saremos também alargar nossa perspectiva
on-line digitais. E praticamente tudo isso é sobre seus benefícios potenciais, indo além
comercial ou amador. do estritamente econômico e dos resultados
A ampliação da abordagem para incluir mensuráveis padrão que costumam dominar
cultura comercial do terceiro setor, amado- em outras esferas de benefícios.2 Quanto à
ra e participativa, desloca a análise do foco economia, talvez seja preciso enxergar além
convencional, o âmbito que recebe financia- do impacto econômico, em uma área em
mento público. Também nos obriga a indagar que resultados e metodologias estão aber-
mais sobre a transformação digital da expe- tos a sérias críticas (STERNGOLD, 2004;
riência cultural, não apenas sobre o acesso SEAMAN, 1987), e olhar mais para outros
à cultura comercial por meio de streaming benefícios. O modo como um ambiente mais
e downloads, como também, cada vez mais, abrangente de artes e cultura dá apoio às in-
sobre a cocriação de conteúdo à medida que dústrias criativas é um deles, reconhecendo
as plataformas digitais, redes sociais e co- que, com excessiva frequência, os defensores
munidades virtuais de nicho convergem e elidem os dois espaços e pressupõem que a
revelam modificações estruturais de gran- conexão está provada. Outro modo nos con-
de envergadura na maneira como a cultura é vida a ver as artes e a cultura como parte de
produzida, levada a cabo e vivenciada. um sistema mais amplo de inovação, plas-
Ao procurar entender e valorizar a mando uma população desafiadora e criativa
cultura nesses termos mais abrangentes, e também gerando mecanismos de transbor-
libertamo-nos do imperativo de argumentar damento que vinculam artes e cultura, indús-
a favor da parte que recebe financiamento trias criativas e outras partes da economia. E
público. Antes de formular a pergunta se- também considerar o papel de um ambiente
cundária, embora importante, de por que cultural dinâmico na criação das condições
parte da cultura deve ser financiada com que atraem talentos e investimento para um
dinheiro do contribuinte, nós, pesquisado- país e, acima de tudo, para uma cidade. To-
res e profissionais da cultura, precisamos dos esses fatores parecem muitíssimo mais
entender a diferença que esta faz. A cultura importantes para a economia do que as ava-
com financiamento público então assume liações de impacto econômico e de tamanho
um significado mais interessante, inserida econômico podem mostrar.
em uma ecologia na qual a cultura comer- É preciso adotar uma visão igual-
cial, a que recebe financiamento público e mente ampliada dos benefícios urbanos,
a amadora se apoiam uma à outra, com o área em que se enfatizou excessivamente a
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 33

revitalização por meio de novos investimen- terapêuticas clínicas que aceleram a recupe-
tos em infraestrutura, em salas de concerto ração de patologias físicas, por mais impor-
ou galerias e por meio do incentivo a bair- tantes que estas sejam. É necessário enfocar,
ros criativos e culturais. Essa revitalização em seu lugar, o uso do envolvimento com as
de locais costuma ser acompanhada pelo artes para lidar com problemas de saúde
enobrecimento urbano e pela “economia da mental, inclusive os que prejudicam a recu-
experiência”, em que pessoas de fora vão lá peração de patologias físicas; o uso da arte
por causa do buzz, dos cafés e das compras. e do design para gerar melhores ambientes
No entanto, um corolário disso é a perturba- para a atenção à saúde; intervenções artísti-
ção e exclusão de comunidades, como as que cas comunitárias para melhorar a inclusão
lá vivem; e as que lá produzem, inclusive as social e a saúde mental; e os benefícios do en-
mais envolvidas na produção volvimento com as artes para
criativa, são forçadas a se mu- A residência é, na pessoas mais velhas e para
dar em razão da elevação dos verdade, o local onde as que vivem com demência.
preços dos imóveis e aluguéis. se dá a maior parte do Voltando-nos agora para a
As próprias forças que ajuda- nosso envolvimento com educação artística nas escolas,
cinema, música, televisão,
ram a plasmar o buzz cultural constatamos a repetida afir-
artesanato, literatura e
vão embora, e o que resta é a mação de que essa disciplina
videogames, bem como
economia da experiência. A com atividades culturais melhora o aproveitamento em
dificuldade em delinear as on-line digitais.  testes padronizados. As evi-
consequências de longo prazo dências dos EUA e do Reino
de grandes projetos de revitalização cultu- Unido não são convincentes a esse respeito,
ral foi evidenciada por tentativas de avaliar apontando no máximo uma melhora margi-
o programa Capital Europeia da Cultura nal e muitas vezes praticamente inexistente.
(GARCIA & COX, 2013). Em contraste, os Em compensação, há numerosas evidências
ativos culturais de menor escala parecem ter de seu impacto sobre os fatores subjacentes
efeitos mais positivos para bairros e comuni- à aprendizagem; demonstrou-se que estes
dades. Pequenas artes comerciais, comuni- melhoravam com a educação artística. São
tárias e participativas – tais como estúdios fatores como habilidades cognitivas, con-
de design, pequenos locais para música e fiança em si, motivação, curiosidade, reso-
grupos artísticos comunitários – parecem lução de problemas e, é claro, imaginação e
proporcionar benefícios mais sustentáveis e questionamento, fundamentais tanto para a
podem constituir uma via mais equilibrada aprendizagem em sentido geral quanto para
e orgânica para a revitalização (STERN & as necessidades dos futuros trabalhadores.
SEIFERT, 2013). Mas a melhora em termos de aproveitamento
Quando se trata dos benefícios das ar- padronizado em si não é confirmada pelos
tes e da cultura para a saúde, precisamos nos muitos estudos que foram realizados.
concentrar menos em economias financeiras Fontes mais abrangentes de valor, tais
mensuráveis decorrentes de determinadas como essas que abarcam muitas áreas da
As artes e a
cultura ajudam a
formar indivíduos
reflexivos, com
melhor entendimento
de si mesmos,
maior empatia em
relação aos demais
e uma apreciação da
diversidade humana.”
36 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

economia e da sociedade, são menos fa- de temas. Entre eles, a jornada até a reabi-
cilmente capturadas apenas por meio de litação de infratores presos, suscitada e
indicadores, mas todas são suscetíveis de desenvolvida pelas atividades artísticas e
análises rigorosas, mesmo se esses métodos culturais, que instauram incerteza e uma
analíticos rigorosos não necessariamente de- percepção de que há opções em um mun-
rivam de métodos quantitativos, econômicos do prisional, onde só existem certezas
ou outros. Essa questão metodológica tam- restritivas; a forma como a discussão de O
bém se aplica à capacidade que tem o envol- Fazedor do Bem, parábola de Oscar Wilde,
vimento com as artes e a cultura de formar levou médicos a confrontar seus próprios
indivíduos reflexivos e cidadãos engajados. pressupostos em relação ao que significa
O relatório do Cultural Value Project apro- fazer o bem e os comportamentos difíceis
funda a questão da capacidade que as artes e a que isso pode levá-los; a humanização de
a cultura têm de ajudar a plasmar indivíduos pessoas internadas com demência na per-
reflexivos, o que facilita a maior compreen- cepção de seus cuidadores profissionais
são de si mesmos e de sua vida, aumenta a por meio do envolvimento conjunto em
empatia em relação aos demais e ajuda a atividades artesanais em instituições tera-
apreciar a diversidade da experiência, das pêuticas; estudos psicológicos mostrando
culturas e das pessoas. Um elemento essen- pessoas que se tornam mais empáticas por
cial é o papel da distância estética (“Isto não lerem literatura; a dúzia de museus do Rei-
é real, mas parece a realidade”) para permitir no Unido que fizeram exposições sobre as
a reflexão sobre dimensões desafiadoras da questões citadas conseguiu que as pessoas
própria vida e da existência social. Enquanto questionassem seus pressupostos relativos
isso, de forma separada, porém conectada, a deficiências; ou o caso de pessoas despro-
há evidências de que as artes e a cultura aju- vidas e vulneráveis, com história limitada
dam a gerar cidadãos participativos não só ao de leitura, que se dispõem a refletir sobre a
promoverem comportamentos cívicos como própria experiência e identidade ao lerem
votar, envolver-se em organizações da socie- em voz alta umas para as outras em peque-
dade civil e de voluntariado, mas também ao nos grupos. Em relação a comportamentos
ajudarem a articular e alimentar um imagi- cívicos, encontramos exemplos igualmente
nário político mais vasto. O envolvimento variados: por um lado, a discussão de ques-
com a cultura funciona em parte ajudando tões de mudança climática por meio de um
a traduzir noções abstratas em narrativas envolvimento aberto e não didático com as
em escala humana, e o faz de modo aberto artes, que pode permitir uma mudança de
e não didático, trabalhando obliquamente, comportamento nas pessoas; e, por outro
obrigando-nos a reimaginar e perturbando lado, os grafites e espetáculos de luzes por
nossos pressupostos. meio dos quais os jovens da ­Grã-Bretanha
Em seu exame dessas questões de re- têm questionado as decisões de planeja-
flexividade e empatia, o relatório se baseia mento urbano em seus próprios bairros.
em pesquisas sobre uma grande diversidade Se dispusesse de mais espaço, eu poderia
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 37

desenvolver muitíssimo mais tais exemplos, ocupação, educação e renda (BYGREN et al,
como o fazem o relatório e suas referências 2009; ­KONLAAN et al, 2000)?
às pesquisas subjacentes. A questão-chave O segundo tema, ainda menos estudado,
é a existência de um leque substancial de diz respeito à qualidade do produto cultural
pesquisas que tanto analisam quanto evi- e da experiência cultural. Qual é a relação
denciam a maneira como o envolvimento entre a qualidade e as várias fontes de valor
artístico e cultural pode formar indivíduos que podemos identificar – os efeitos sobre
reflexivos e cidadãos participativos. a reflexividade, a capacidade de inovação, a
Estamos, necessariamente, bem lon- saúde ou a participação cívica, por exemplo,
ge dos indicadores quantitativos. O avanço estão relacionados com a q ­ ualidade da obra
também requer que tratemos de dois te- e sua experiência? A necessidade de identi-
mas fundamentais, porém negligenciados, ficar o que queremos dizer com qualidade
ao ponderar o valor da cultura. O primeiro dificulta ainda mais a pesquisa sobre essa
é a ausência relativa de estudos longitudi- pergunta, mas é uma pergunta que cer-
nais – será que os supostos benefícios do tamente precisa ser feita, mesmo em um
envolvimento cultural para os indivíduos ou mundo de experiências culturais diversas,
comunidades são duradouros? Em termos onde conceitos como o cânone e o popular
da experiência e do envolvimento pessoal, a têm relevância decrescente.
informação capturada costuma ser imediata, Aonde nos levou a minha argumenta-
pois as pessoas ou estão participando de uma ção a respeito da maneira como entendemos
experiência cultural ou acabam de fazê-lo. valor? Para podermos capturar e articular o
As grandes perguntas que então se colocam valor da cultura, os indicadores econômicos e
são: será que os benefícios são duradouros ou outros indicadores estatísticos cumprem pa-
precisam de renovação periódica por meio de pel fundamental quando aplicados a serviço
outras experiências para que se mantenham do entendimento das áreas em que têm algo
os efeitos identificados? Será que o caráter importante a nos dizer. No entanto, a análise
da diferença que se faz muda com o tempo? do valor cultural abrange muitíssimo mais
Há evidências de que, embora os impactos pesquisa e é necessária a apresentação de
imediatos de uma experiência cultural pos- uma narrativa, o que significa ir além dos
sam ser afetivos, relacionados com emoção benefícios econômicos e abarcar as numero-
e execução, seus impactos de mais longo sas outras áreas enumeradas anteriormente.
prazo são cognitivos, pois os participantes Para tanto, é preciso superar a marginaliza-
refletem sobre sua experiência (REINELT, ção da experiência em discussões sobre valor
2014). E o que dizer da associação de muito cultural, a marginalização que parece derivar
longo prazo entre o envolvimento cultural e da suspeita em relação à experiência e, as-
os resultados benéficos para a saúde, como sim também, talvez, a suspeita em relação
demonstraram diversos estudos feitos nos aos métodos fenomenológicos por meio dos
países nórdicos após controlar para uma sé- quais a experiência muitas vezes é capturada
rie de variáveis socioeconômicas, tais como (KASZYNSKA, 2015).
38 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

No intuito de ampliar nossas perguntas (FROGGETT et al, 2014); observação etno-


nos sentidos que sugeri, também precisamos gráfica detalhada para determinar a reação
de um leque muito mais amplo de métodos e de jovens a iniciativas ambientais através das
fontes de evidência para encontrar respos- artes (HAWKINS, 2014); exame da experiên-
tas a essas perguntas. Ao explorar o valor cia e da formação de identidade em grupos de
das artes e da cultura, precisamos abarcar dança sênior com improviso usando métodos
uma série de abordagens das artes e huma- etnográficos somáticos (WINTER, 2014);
nidades e, com estas, formas qualitativas de fazer com que jovens de origem menos fa-
evidência, tais como métodos etnográficos, vorecida editassem um filme sobre suas ati-
hermenêuticos e alicerçados em artes, bem vidades para revelar implicitamente o valor
como a construção de narrativas de estudos que teve para eles a participação em um
de caso apoiada em evidências qualitativas grupo de teatro (THOMSON & PRINGLE,
e fenomenológicas. A análise de sentidos e 2014); uma comparação de discursos acerca
representações, o esclarecimento de práti- de práticas museológicas em Manchester en-
cas discursivas, a exploração de paralelos e tre o final do século XIX e o início do século
experiências históricas, juntamente com a XX (REES LEAHY, 2015); e entender as vá-
leitura atenta de textos, imagens, execução rias camadas de sentido de um monumento
e linguagem – essas estão entre as muitas memorial de guerra sikh nos arredores de
características que as abordagens de artes Brighton por meio de análise histórica e li-
e humanidades podem trazer para o mix de terária (ASHLEY, 2014).
métodos. Sem essas características, muito Os estudos de caso, assim cuidadosa-
deixará de ser entendido. Para tais discipli- mente analisados e apresentados, criam en-
nas, o rigor metodológico é tão importante tendimentos que poderiam ter escapado a
quanto para as ciências, mas se trata de uma uma garimpagem de dados em grande escala
abordagem rigorosa diferente, que, em muitos e em muitos contextos. Os estudos de caso
aspectos, é mais adequada para a complexida- rigorosos são essenciais para a obtenção de
de tanto das atividades quanto das respostas evidências e sua análise, não obstante as difi-
que caracterizam as artes e a cultura. culdades em aumentar a escala dessas abor-
Há exemplos impressionantes no tra- dagens. Esse é, sem dúvida, um dos pontos
balho financiado pelo Cultural Value Project mais fortes da contribuição das artes e hu-
e que aqui só é possível mencionar. Entre manidades para o conhecimento e o enten-
eles estão: leitura e releitura meticulosas dimento da sociedade. A extrapolação desses
de transcrições das discussões de grupos de estudos de caso pode ser o primeiro passo
leitura organizados por The Reader Orga- para a criação de métodos de avaliação sensí-
nisation, baseadas em abordagens da lite- veis e cuja escala possa ser ampliada, permi-
ratura e da linguística (DAVIS et al, 2014); tindo que entendamos melhor os processos
uso de uma matriz visual para proporcionar subjacentes e os aspectos compartilhados
estímulo não verbal a grupos de discussão por diferentes contextos. O desafio depois é
sobre arte pública na cidade de Ilfracombe reunir os diferentes tipos de resultado que
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 39

emergem desses estudos, porque muitos não experiências complexas em um mundo com-
têm abrangência nacional e sua escala tam- plexo, no qual as variáveis individuais não
bém não pode ser ampliada para que passem podem ser isoladas nem controladas. Reco-
a tê-la. É aqui que as disciplinas de artes e nhecer a diversidade e a complexidade das
humanidades têm muito a oferecer, porque numerosas partes que o compõem será um
os estudos de caso são um elemento central grande passo adiante para o estudo do valor
do seu conjunto de ferramentas. cultural, e ainda mais para o modo como usa-
É possível reunir essa variedade de mos o que aprendemos com esse estudo.
resultados em indicadores únicos? Não
na complexidade esboçada aqui. E por que
desejaríamos reuni-los assim? Se estamos
procurando o valor associado a organiza-
ções culturais, programas ou iniciativas
específicas, precisamos recorrer a aborda-
gens multicritérios. Isso porque os disposi-
tivos usados por essas abordagens – como
o ­balanced scorecard, desenvolvido para
ser aplicado em empresas, mas hoje imple-
mentado mais amplamente – existem para
reunir os diferentes critérios sem perder
seu significado independente (­BOORSMA
& ­C HIARAVALLOTI, 2010; REEVE &
­SHIPLEY, 2013; ­WALMSLEY, 2012). E, Geoffrey Crossick
quando se trata de respostas no âmbito de É historiador e professor de humanidades na
um país ou uma cidade, é preciso explorar os Escola de Estudos Avançados da Universidade de
diversos benefícios por meio de uma diver- Londres. Foi vice-reitor da Universidade de Lon-
sidade de métodos. Nada há de errado, claro, dres, diretor da Goldsmiths College e presidente
em reconhecer a amplitude da cultura, a am- do Arts & Humanities Research Council (AHRC).
plitude da experiência e a amplitude do valor. Foi diretor do Cultural Value Project, do AHRC, cujo
Uma vez abrandada não nossa exi- relatório Understanding the Value of Arts & Culture
gência de rigor, mas a maneira como reco- foi publicado em 2016. É presidente do Conselho
nhecemos o rigor, uma vez abrandada não de Ofícios da Inglaterra. É membro de várias dire-
nossa exigência de evidência robusta, mas torias nos setores de educação superior e cultura
a maneira como reconhecemos a evidên- e ministra palestras no Reino Unido e no exterior
cia robusta, teremos condições muito me- sobre educação superior e estratégia de pesquisa,
lhores para entender o valor da cultura em importância das artes e humanidades e dos setores
toda a sua riqueza. Isso não gerará respostas criativo e cultural. É membro do Conselho Consul-
simples, diretas, porque a questão diz res- tivo para Ciências do Departamento de Cultura,
peito, em grande medida, a intervenções e Mídia & Esportes, na Inglaterra.
42 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Geoffrey Crossick 45

Notas

1 A íntegra do relatório, com detalhes sobre o projeto e a variedade de


atividades financiadas, está disponível em: <http://www.ahrc.ac.uk/research/
fundedthemesandprogrammes/culturalvalueproject/>. Acesso em: 6 jul. 2017.

2 Os parágrafos a seguir não apresentam mais do que um breve resumo de alguns


dos argumentos essenciais que são elaborados de forma mais completa e com
referências à bibliografia de pesquisa no relatório CROSSICK & KASZYNSKA,
2016, p. 42-118.
46 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUANTO VALE A CULTURA?


O PAPEL DOS INDICADORES E DAS ESTATÍSTICAS
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A ECONOMIA
DA CULTURA

Enrique Avogadro

Interpretar a dinâmica cultural com o apoio de informação estatística é uma tarefa tão
necessária quanto desafiadora. Sua natureza diversa e cambiante obriga-nos a dar conta de
múltiplas maneiras como a cultura se vincula tanto com a esfera econômica quanto com a
social. As políticas culturais são permanentemente questionadas em sua relevância e em seu
impacto, motivo pelo qual a geração rigorosa de indicadores e a definição de metas consistentes
são vitais para poder sustentá-las – e ampliá-las – no tempo. A esse papel fundamental das
estatísticas, vinculado ao planejamento estratégico, somam-se outros, tais como constituir
uma ferramenta de informação pública e contribuir positivamente para o posicionamento
das políticas culturais.

Introdução: por uma disciplina cada papel da cultura como fator-chave na agenda
vez mais relevante do desenvolvimento, contribuindo assim para

A
o bem-estar geral através da melhora de dife-
s políticas culturais públicas en- rentes indicadores sociais; por fim, a função
frentam desafios crescentes quanto tradicional das políticas vinculada à proteção
a sua definição e seu alcance. Para do patrimônio e à promoção da produção ar-
que existem as políticas culturais? Nos últi- tística e cultural de qualidade.
mos anos, aprofundaram-se as tensões entre Seja como for, e para além das tensões
três reivindicações que, embora não sejam mencionadas acima, a gestão cultural como
estruturalmente antagônicas, costumam apa- política pública é permanentemente ques-
recer em confronto pela atenção dos deciso- tionada em sua relevância e em seu impac-
res e pela consequente alocação de recursos. to, motivo pelo qual a geração rigorosa de
Em primeiro lugar, surge com força crescente indicadores e a definição de metas consis-
uma política cultural associada à cultura do tentes são vitais para sustentá-las – e am-
espetáculo, caracterizada pela organização de pliá-las – no tempo.
grandes festivais e outros eventos de massa; Interpretar a dinâmica cultural com o
em segundo lugar, a necessidade de focar o apoio de informação estatística é uma tarefa
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Enrique Avogadro 47

tão necessária quanto desafiadora. Em Medir sistematizada para o planejamento e a ava-


la Cultura: una Tarea Inacabada,1 Carrasco liação das intervenções públicas culturais.
Arroyo afirma que “a realidade cultural é Um dos principais marcos nessa ques-
dinâmica e extremadamente cambiante” e tão é o relatório final da Conferência Inter-
aponta características que desafiam o uso governamental sobre as Políticas Culturais
de uma metodologia homogênea e de con- na Europa,2 organizada pela Unesco em
senso, como a variedade dos agentes, a hete- Helsinque (1972), com participação dos Es-
rogeneidade dos territórios, a diversidade de tados europeus, que destaca a importância
competências das instituições e as diferentes da manutenção de sistemas permanentes de
manifestações culturais. informação cultural e apresenta os primeiros
Nesse sentido, existe uma série de ele- desafios metodológicos que devem ser en-
mentos que nos permitem afirmar que es- frentados no curto prazo, como a definição de
tamos passando por um contexto favorável escalas, a comparabilidade entre diferentes
em diversos planos para a geração e o uso realidades e a complementação de informa-
de informação cultural. Por ção quantitativa por meio de
Interpretar a dinâmica
um lado, ­a presenta-se um abordagens qualitativas.
cultural com o apoio de
cenário global no qual foram Por sua vez, o Relatório
informação estatística é
feitos diversos avanços na uma tarefa tão necessária sobre a Economia Criativa
consolidação de uma visão quanto desafiadora. sugere que a “economia em si
que atribui papel de destaque mesma faz parte da cultura”
à cultura nas estratégias nacionais de desen- (UNESCO, 2013, p. 24) e que interpretar
volvimento, identificando a contribuição da este contexto de produção e consumo con-
cultura e da criatividade ao valor agregado, siderando as especificidades da natureza da
ao emprego e ao comércio exterior, entre atividade cultural permite “revelar o modo
outras variáveis. como identidades e mundos reais estão in-
Adicionalmente, no âmbito da gestão terligados com a produção, a distribuição
pública, assistimos a um boom da abordagem e o consumo de bens e serviços”. Assim, é
de políticas baseadas em evidências, o que possível afirmar que tudo o que considera-
supõe a necessidade inelutável de contar mos economia é resultado de dinâmicas de
com informação estatística devidamente interação social e cultural. Tais dinâmicas,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Enrique Avogadro 49

em forma de fluxo de produção e consumo, de energia (eletricidade, água e gás), que re-
caracterizam a dimensão econômica da cul- presentou 2,1% do total, e o setor de hotéis e
tura, mas sua especificidade subjetiva alte- restaurantes, que gerou 1,8%. Nos últimos 11
rou substancialmente o conceito de valor, anos, além de aumentar sua participação no
acrescentando-lhe o caráter simbólico. total, o VAB cultural praticamente dobrou.
O crescente reconhecimento da con- Outro dado extremamente relevante
tribuição da cultura para o desenvolvimen- é que o setor cultural na Argentina oferece
to também esteve vinculado à criação de quase 400 mil empregos, o que representa
ferramentas como as Contas-Satélites de 2,5%, mais que o dobro dos empregos gerados
Cultura (CSC), que, no contexto dos Siste- pelos serviços financeiros ou pela indústria
mas de Contas Nacionais, geram análises automobilística, e dois terços dos gerados
macroeconômicas da atividade cultural em pela agricultura e pecuária.
seu conjunto (PIB) e fazem o levantamento Nesse marco, em seu território e no
da renda gerada pela atividade produtiva, contexto regional, a Argentina vem fazen-
do gasto (intermediário e final), das im- do esforços para compreender as dinâmicas
portações e exportações e da poupança. As culturais através do levantamento de dados,
especificações para a rea- do uso de recursos esta-
lização dessas análises são [...] existe uma série de tísticos e da elaboração
elementos que nos permitem
explicitadas no documento de cartografias culturais.
afirmar que estamos passando
do Sistema de Contas Na- Além disso, foi realizado
por um contexto favorável em
cionais de 1993 (Nações diversos planos para a geração um trabalho de pesquisa e
Unidas, SCN93) e em sua e o uso de informação cultural. desenvolvimento de indi-
atualização de 2008. Es- cadores com o objetivo de
sas publicações propõem uma organização gerar insumos para a elaboração e imple-
contábil baseada em princípios de integra- mentação de políticas públicas ancoradas
ção (conceitos, definições e classificações nas múltiplas dimensões da cultura. A se-
uniformes), de exaustividade (detalhe e guir, serão expostos alguns desenvolvimen-
pormenorização da dinâmica econômica) tos concretizados nesse sentido.
e de consistência (embora sejam utilizados
diversos recortes e enfoques, as medições A experiência argentina e a troca de
são realizadas apenas de um modo). experiências no Mercosul
Na Argentina, os resultados de 2015 Em âmbito nacional também há si-
mostram que a cultura representou 2,47% nais positivos no que tange à produção de
do valor agregado bruto (VAB) total, índice informação cultural. Por um lado, o gover-
que mede o valor acrescentado na produ- no expressou claramente a vocação de ter
ção de bens e serviços finais dentro do país. uma gestão que dê conta dos resultados que
Atualmente, a cultura está em um de seus produz. Por outro lado, a política nacional
mais altos níveis de participação histórica no de governo aberto, implementada pelo Mi-
valor agregado nacional, superando o setor nistério da Modernização, estabelece um
50 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

marco no qual foram definidos padrões, sobre os gostos, práticas e valorizações dos
interlocutores e metas para a difusão de argentinos em relação à cultura.
dados públicos, que também dizem res- No âmbito regional, a Argentina cola-
peito – é claro – ao Ministério da Cultura borou, como Estado membro e coordenador
da Nação. Em consonância com o anterior, da iniciativa, com o Sistema de Informação
esse ministério determina que os progra- Cultural do Mercosul (Sicsul), espaço de tro-
mas realizados definam indicadores e me- ca de experiências e construção conjunta de
tas que permitam a avaliação oportuna dos metodologias e práticas tendentes a forta-
impactos produzidos. lecer a integração cultural regional, consti-
Dependente da Secretaria de Cultura e tuído em 2006 e incorporado ao Mercosul
Criatividade, o Sistema de Informação Cul- Cultural em 2009.
tural da Argentina (SInCA) é um serviço pú- O grupo de trabalho, que reúne 11 paí-
blico que produz e sistematiza informação ses, avançou no desenvolvimento dessas
referente aos agentes, espaços e políticas atividades e, neste momento, tem como
culturais. Como sistema de informação, é principal meta a integração de sistemas
ao mesmo tempo uma ferramenta de gestão nacionais de informação cultural após a pa-
e um instrumento de informação pública dronização de taxonomias de informação,
que trabalha com insumos de diversas fon- permitindo sua comparabilidade, além de
tes, como enlaces regionais, organismos dar continuidade à troca de informação no
públicos e câmaras empresariais, além de campo econômico.
levantamentos próprios.
De livre acesso e difundido em diferen- Classificação e uso da informação
tes suportes, proporciona informação rela- como apoio às políticas públicas
tiva à produção, às práticas e aos consumos Existem numerosas perspectivas teó-
culturais; mede a influência da cultura sobre ricas para abordar a medição dos fenôme-
a economia do país, o gasto público em cul- nos culturais. Em alguns casos, a lógica por
tura e o comércio exterior cultural; e com- trás do desenvolvimento de determinadas
pila normas relativas a questões culturais. práticas corresponde a padrões de consu-
O SInCA trabalha em vários projetos que mo diretamente associados ao formato das
captam distintas facetas da realidade cul- indústrias culturais. Em outros, estas assu-
tural argentina, tais como: mapa cultural, mem caráter comunitário, quando a identi-
ferramenta cartográfica interativa que per- ficação com determinado grupo ou coletivo
mite a seleção e a comparação de informa- constitui sua característica principal. Por
ção cultural e os dados sociodemográficos sua vez, muitos dos programas e equipamen-
do país inteiro; Conta-Satélite de Cultura, tos culturais disponíveis para a população
em colaboração com a Direção Nacional de estão associados à intervenção do Estado e
Contas Nacionais do Instituto Nacional de seu envolvimento na vida pública.
Estatística e Censos (Indec); e Pesquisa Na- Dessa maneira, podem-se reconhecer
cional de Consumos Culturais, que indaga três lógicas que atravessam a dinâmica
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Enrique Avogadro 51

cultural: as interações por meio do mercado, outras dimensões de análise, como a iden-
da disponibilidade de serviços públicos e da tificação dos principais determinantes
participação comunitária (cultura pública do acesso a cultura, formação, inovação e
não estatal). Assim, por exemplo, enquanto ­institucionalidade cultural.
o setor audiovisual apresenta caracterís- Na geração de indicadores culturais,
ticas próprias de uma indústria cultural, o coloca-se uma série de desafios que tenta-
patrimonial está vinculado ao reconheci- mos resolver. Em primeiro lugar, incorporar
mento e conservação de um novas temáticas sobre as quais
conjunto de manifestações [...] abordamos a ainda não há enfoques conso-
simbólicas próprias de co- medição da cultura lidados (consumos digitais,
sob uma perspectiva
munidades específicas. inovação cultural, empreen-
econômica, mas também
Tal multiplicidade de dedorismo cultural etc.). Em
incorporando outras
perspectivas é o primeiro as- dimensões de análise [...] seguida, faz-se necessário ob-
pecto a ser levado em conta ter informação consistente em
ao pensar um sistema de indicadores que escalas subnacionais, nas quais geralmente
procure caracterizar as diferentes dinâmi- se registram as maiores assimetrias e iniqui-
cas culturais. Se a informação que deve ser dades. Por último, devemos ser capazes de
sistematizada através de indicadores con- estabelecer relações causais sólidas entre
cretos não é homogênea, é preciso, portanto, as políticas implementadas e as mudanças
considerar todas as lógicas que atravessam a geradas em nível agregado, bem como encon-
medição da cultura. trar a temporalidade adequada para poder
Como gestão pública, assumimos esse observar os efeitos dessas políticas.
desafio e entendemos a necessidade de rea-
lizar um processo de delimitação conceitual A Rede de Cidades Criativas da
que corresponda aos objetivos da nossa ges- Argentina e a informação local
tão, contribuindo para a tomada de decisões A Rede de Cidades Criativas é um bom
e a visibilização dos resultados das políticas exemplo da construção e aplicabilidade de
executadas pelo Ministério da Cultura. indicadores para caracterizar os ecossiste-
Uma das estratégias para realizar essa mas criativos locais.
tarefa foi a construção de uma perspectiva Essa iniciativa suscitou a participa-
multidimensional. Partindo do pressuposto ção de aglomerados urbanos de diferentes
de que a cultura só é mensurável por meio regiões do país, o que permitiu pensar in-
do conjunto de atributos que a compõem, dicadores em três fases: o estoque de in-
articulamos áreas temáticas que abranges- fraestrutura e agentes, o nível de atividade
sem alguns dos aspectos mais relevantes da e a geração de vínculos ou associativida-
dinâmica cultural. de cultural.
Seguindo essa linha, abordamos a Em primeira instância, foram cons-
medição da cultura sob uma perspectiva truídos dois indicadores para caracterizar
econômica, mas também incorporando a distribuição territorial da infraestrutura
52 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cultural em cada uma das cidades partici- Essa primeira experiência de medição
pantes.3 Os índices de dotação e variedade será fundamental para a etapa seguinte do
de equipamento cultural possibilitaram a programa, cuja escala deve ser ampliada para
elaboração de algumas conclusões interes- 60 cidades durante 2017.
santes em relação à quantidade e qualidade
do equipamento cultural de cada área geo- Usos e propósitos da informação
gráfica. O primeiro estabelece uma relação Quando falamos da importância de con-
entre a quantidade de infraestrutura cultu- tar com um sistema nacional que produza, de
ral e a população residente nas cidades, ao forma permanente, estatísticas e indicadores
passo que o segundo analisa a composição culturais, fazemos referência a diversos pro-
dessa infraestrutura (de quantos cinemas, pósitos complementares:
teatros, bibliotecas e galerias, entre outros
equipamentos, dispõem as cidades). • constitui uma ferramenta de informa-
Entre as principais conclusões foi pos- ção pública que permite a prestação
sível identificar que, quanto maior a escala de contas e a transparência da gestão;
urbana, maiores são os valores de dotação • representa um insumo fundamental
e variedade obtidos. Em outras palavras, a para o planejamento estratégico das
quantidade e a qualidade da infraestrutura políticas culturais, pois permite a ela-
cultural têm melhor desempenho em con- boração de diagnósticos precisos (se-
textos urbanos consolidados. toriais ou territoriais) que garantam o
Da mesma forma, a distribuição de uso adequado dos recursos públicos;
infraestrutura cultural reconhece padrões • esses indicadores, por sua vez, são a
específicos em função dos diversos tipos de base para a medição dos impactos das
gestão. Enquanto as bibliotecas populares políticas culturais implementadas;
conseguem maior cobertura territorial, es- • como se entende que o Estado não é
paços como cinemas e teatros tendem a se o único protagonista da gestão cultu-
localizar em áreas centrais. Assim, torna-se ral, e sim um coadjuvante a mais em
evidente que o âmbito comunitário costuma um ecossistema criativo diversifica-
disponibilizar determinados serviços aonde do, tal realidade pressupõe uma fer-
o Estado ou o mercado não chegam. ramenta que melhore a capacidade
Do mesmo modo, foi possível identifi- de gestão de todos os atores;
car alguns perfis específicos. No norte ar- • representa uma ferramenta para a
gentino, assumem certo protagonismo os comunicação dos avanços da gestão.
espaços e eventos de caráter patrimonial.
Por sua vez, o perfil demográfico das cidades Agenda atual
da Patagônia faz com que seu impacto sobre É claro que não basta desenvolver sis-
os níveis de dotação de infraestrutura cul- temas robustos de medição e análise para
tural seja superior ao de outras áreas mais garantir políticas culturais públicas de qua-
densamente povoadas. lidade. É preciso um compromisso explícito
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Enrique Avogadro 53

da gestão para incorporar essas medições à tanto para a gestão dos programas
formulação e avaliação de programas. Um implementados pelo ministério (ca-
incentivo adicional, poucas vezes apontado pacitações, mapeamentos, relatórios
na descrição dessas iniciativas, é o impacto específicos) quanto por outros atores
positivo da geração de dados sobre o posicio- do ecossistema.
namento das políticas culturais. A pretensão
transformadora dessas políticas no plano
social só pode se sustentar se tais puderem
ser avaliadas com base nos mesmos critérios
de impacto que as demais políticas públicas.
Nesse sentido, estamos atentos a trabalhos
que visam medir o valor da cultura de maneira
nova, tal como o Cultural Value Project, recen-
temente implantado pelo Arts & H ­ umanities
Research Council, do Reino Unido.
De nossa parte, como todo processo de
natureza incremental, nesses anos, o SInCA
teve um desenvolvimento muito importante
em vários planos, e, nesta nova etapa, firma-
mos o propósito de potencializá-lo, oferecen-
do uma ferramenta pública que fortaleça a
capacidade de gestão de todo o ecossistema
criativo da Argentina. Para tanto, trabalha-
mos fundamentalmente em quatro eixos:

• ampliar de forma permanente a in- Enrique Avogadro


formação disponível (incorporando É secretário de Cultura e Criatividade do Mi-
novas fontes, escalas, temáticas; pro- nistério da Cultura da Argentina. Anteriormente,
movendo a pesquisa acadêmica sobre exerceu os cargos de subsecretário de Economia
cultura e criatividade); Criativa da prefeitura da cidade de Buenos Aires e
• facilitar o uso dos dados existentes diretor do Centro Metropolitano de Design. É es-
através de novas ferramentas da web, pecialista em políticas culturais e na promoção das
da formulação de novos indicadores; indústrias culturais e criativas. Participa regular-
• fortalecer o enfoque territorial da mente como conferencista de encontros internacio-
informação por meio de sistemas de nais sobre tais temáticas e foi jurado de diferentes
informação geográfica, relatórios por prêmios internacionais de design. É licenciado em
província (Estado); estudos internacionais, mestre em administração e
• prestar assistência técnica para políticas públicas (tese em elaboração) e mestran-
o manejo de informação cultural do em gestão de conteúdos.
54 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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1 Disponível em: <http://www.uv.es/carrascs/PDF/medir%20la%20cultura.pdf>.


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2 Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0000/000014/


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3 Essa experiência foi realizada nas cidades de Salta, Córdoba, Neuquén


e Godoy Cruz.
56 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ilustração: André Toma


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Valiati entrevista Arjo Klamer 57

DIÁLOGOS ENTRE VALOR


E TEORIA ECONÔMICA
Entrevista com Arjo Klamer, por Leandro Valiati

P
or mais que o valor econômico seja, em geral, associado a elementos
quantitativos, há um conjunto de elementos qualitativos que se qua-
lificam e também definem esse valor para a cultura. “Uma casa não
é lar”: com essa metáfora Arjo Klamer nos traz uma abordagem conceitual
abrangente e que ultrapassa a lógica do mainstream econômico. Preço é di-
ferente de valor, assim como os elementos substantivos são essenciais para a
captura de aspectos centrais do valor cultural.
A entrevista que seguirá dá conta desses elementos. Klamer escreveu
seu nome na história da metodologia econômica ao publicar Conversations
with Economists (1984), ajudando a formar uma geração capaz de enxergar
que a teoria econômica é, por um lado, capaz de conferir grande objetividade
à análise do comportamento humano e, por outro, aberta a compreender que
muitas vezes o essencial escapa às metodologias, que reduzem a elementos
monetários o valor econômico. Sua entrada no campo da economia da cultura
por um viés de estudos metodológicos contribuiu de forma definitiva para que
esse campo pudesse modernamente se sofisticar. Para tanto, ajudou a criar
condições para avançar a lógica de mera utilização de ferramentas instrumen-
tais (cálculo do PIB, multiplicadores etc.) para a abordagem value-based, que
amplia os horizontes e limites da teoria, criando uma ponte consistente com a
interdisciplinaridade fundamental para validar de fato um campo de estudos
independente para os estudos econômicos da cultura.
58 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COMO ECONOMISTA CULTURAL, COMO VOCÊ Na minha abordagem baseada em valor,


REAGE ÀS VÁRIAS TENTATIVAS DE AVALIAR portanto, concentro-me no impacto cultural.
AS ATIVIDADES CULTURAIS? VOCÊ ACHA, POR Se as pessoas querem avaliar um museu, um
EXEMPLO, QUE AS ESTATÍSTICAS CULTURAIS grupo de teatro ou uma orquestra sinfônica,
PODEM REFLETIR A RELEVÂNCIA ECONÔMI- precisam, antes de tudo, saber qual é o im-
CA DOS SETORES CULTURAL E CRIATIVO? pacto cultural, ou seja, o impacto que cada
A tendência dos políticos ainda é mos- instituição tem sobre o que nós, economis-
trar interesse principalmente pelo impacto tas culturais, chamamos “capital cultural” de
econômico. Como se a política fosse a pro- uma cidade, uma região ou um país.
moção de empregos e o crescimento econô- Você pode achar que estou fugindo
mico. Esse enfoque, eles devem à economia de sua pergunta. E, de certa forma, estou,
convencional, assim presumo. A economia porque tenho medo que relevância econô-
convencional, contudo, é unilateral. Isso mica se refira àquilo que pode ser medido
se vê especialmente quando se trata dos em termos monetários. Prefiro pensar a
setores cultural e criativo, pois o principal economia como a disciplina que estuda
objetivo das atividades culturais e criativas a concretização de valores – como defino
é apenas isto: cultural e criativo. Quem faz em Doing the Right Thing: a Value Based
teatro quer fazer teatro, e um diretor quer ­Economy (­Ubiquity Press, 2017). Nesse caso,
criar uma grande música. Os objetivos fi- a relevância econômica também implicaria
nanceiros são secundários e, principalmen- produção de valores culturais. Se assim for,
te, instrumentais. então as estatísticas culturais podem ser
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Valiati entrevista Arjo Klamer 59

relevantes, mas não são quando nos atemos ENTÃO, COMO REALIZAR UM ESTUDO DE IM-
à definição convencional da economia. PACTO CULTURAL?
Deixe-me dar um exemplo. Pegue sua Coletar todos os tipos de estatísticas
casa e, depois, seu lar. Você não concorda que existentes não será suficiente. Os valores
tem uma casa pelo fato de ser um lar? É o lar culturais estão nos olhos de quem os vê; são
que realmente importa. Por que, então, você intersubjetivos. Da mesma forma, um estu-
focaria o valor financeiro de sua casa, como do qualitativo requer a avaliação subjetiva
é costume na economia convencional? Não das partes interessadas. Porém, tudo começa
seria mais relevante concentrar-se nos valores com o estabelecimento dos valores culturais
de seu lar, na boa interação entre as pessoas e sociais que o produtor cultural quer obter.
em seu lar, no amor e no carinho que seu lar A experiência diz que isso não é fácil; muitos
gera, no aconchego que ele representa? O fato produtores culturais tropeçam quando têm
de poder quantificar a sua casa em termos mo- de articular os valores que definiram como
netários e não poder fazer o mesmo quanto ao objetivo. O próximo passo é conseguir um
seu lar não faz com que a sua casa seja mais quadro claro de todas as partes interessadas
importante. Ela é um instrumento que você relevantes. Todos são convidados a avaliar
precisa para dar forma concreta ao seu lar. os valores que são importantes para eles e
A abordagem baseada no valor está di- equilibrá-los com a apreciação da verda-
rigida para as qualidades de lares e outras deira apresentação ou evento. Quanto mais
entidades similares, como comunidade, co- perto a apreciação real for da avaliação, me-
nhecimento, arte e sociedade. lhor será a situação.
60 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUAL É A IMPORTÂNCIA, ENTÃO, DAS ESTA- dizem o que você quer saber. Nos Países Bai-
TÍSTICAS CULTURAIS? xos, os colegas estão ocupados construindo
Queremos conhecer tudo que existe no um índice cultural como um indicador para
mundo da cultura e das artes, e esse mundo o estado das coisas no mundo cultural. A
inclui as indústrias criativas. Também que- esperança é que os resultados tenham tan-
ro saber quantos teatros existem e quantas ta atenção como, digamos, a publicação do
pessoas vão ver quais apresentações. E, sim, último PIB. Isso ainda não está acontecen-
gostaria de saber como é a experiência das do. Poderá acontecer quando as pessoas em
apresentações para as pessoas e como isso geral, e os políticos em particular, quiserem
afeta a vida delas. E, sim, é importante co- saber quais são as qualidades do mundo ao
nhecer o papel dos “produtos” culturais no redor deles. Isso exigirá que eles parem de
comércio internacional. Qual é a importân- se perguntar quanto mais ou menos foi pro-
cia, para mencionar uma questão, do fator duzido, e passem a se perguntar se as coisas
cultural para atrair turistas e visitantes? estão melhorando ou não. Uma mudança as-
O frustrante é que as estatísticas cul- sim não acontecerá facilmente. Significaria
turais, não importa sua extensão, raramente uma mudança de paradigma.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Valiati entrevista Arjo Klamer 61

ENTÃO O QUE ACHA QUE SEJA NECESSÁRIO cultural para expressar sua necessidade de
PARA ESSA MUDANÇA ACONTECER? A CON- foco no conteúdo do que fazem. Apenas ob-
FIGURAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS CULTURAIS serve a frequência com que as pessoas falam
SERIA UMA AJUDA? sobre “criatividade”, “design”, “apresentação”,
Pode ser. Quando nós, cientistas, dire- “imaginação”, “jogo” e “significados”.
cionarmos cada vez mais nossa atenção para A concretização define que os produtos
as qualidades das coisas e das atividades, e os serviços são meros instrumentos para
então os outros acabarão fazendo o mesmo. perceber algo de importância, como amizade,
A abordagem baseada no valor pretende ser lar, comunidade, solidariedade e assim por
uma contribuição para tal mudança. diante. Um carro não é apenas uma coisa que
Permita-me acrescentar que, em minhas o leva de A para B, mas representa todos os
observações, o setor cultural é líder em muitos tipos de valores, como a família (um Volvo),
aspectos. Pois é o setor que tem o foco no con- um futuro sustentável (um Tesla) ou uma
teúdo, no lar, por assim dizer, e isso significa vida boa e artificial (um Audi). Lenta, mas se-
um foco em qualidades. Vejo as pessoas no guramente, a atenção está se deslocando para
mundo dos negócios adotando uma linguagem as qualidades que realmente importam.
62 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Arjo Klamer
É professor de economia de arte e cultura na Erasmus University Rotterdam (Ho-
landa) e atual presidente da Associação Internacional de Economia da Cultura (Acei).
O pesquisador integra o corpo docente da Universidade George Washington (Estados
Unidos), ministrando cursos de economia. Obteve grande reconhecimento internacional no
campo da teoria econômica com a publicação de Conversations with Economists (1984). 
3. SISTEMAS DE INFORMAÇÕES
CULTURAIS: EXPERIÊNCIAS
INTERNACIONAIS

65. POLÍTICA DE APOIO À ECONOMIA


CRIATIVA: O PAPEL DOS DADOS NO
REINO UNIDO
George Windsor

79. SISTEMAS ESTATÍSTICOS PARA


A ECONOMIA DA CULTURA DA ESPANHA
Pau Rausell Köster, Vicente Coll-Serrano e
Cristina Pardo-Garcia

93. CONTAS-SATÉLITES DE CULTURA,


APOSTA E PROPOSTA IBERO-AMERICANA
PARA AS ESTATÍSTICAS CULTURAIS
NO MUNDO
Liliana Patricia Ortiz Ospino

ESTUDO DE CASO: URUGUAI


CONTEÚDO Diego Traverso
ON-LINE

MEDIÇÕES NA CULTURA, CONTRIBUIÇÕES


CONTEÚDO À DIVERSIDADE NA COLÔMBIA E REGIÃO
ON-LINE
Ángel Moreno
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 65

POLÍTICA DE APOIO À
ECONOMIA CRIATIVA:
O PAPEL DOS DADOS NO REINO UNIDO

George Windsor

A classificação e a mensuração rigorosas cumprem papel muito importante no desenvol-


vimento industrial, pois legitimam partes novas e emergentes da economia. Usando exemplos
do Reino Unido, este artigo se baseia no trabalho da National Endowment for Science, Techno-
logy and the Arts (Nesta)1 para ilustrar a valiosa contribuição que a mensuração da economia
criativa proporcionou ao permitir que caracterizássemos com mais exatidão a sua natureza e
para alertar os formuladores de políticas sobre sua importância econômica. No desenvolvimento
dessas ideias, exploramos a recente expansão de conjuntos de dados à disposição dos analistas
e a ampliação das ferramentas analíticas.

Introdução que as intervenções fossem direcionadas,

N
no mínimo, para as necessidades e oportu-
o nível nacional, as indústrias nidades locais.
criativas dão importantes con- O nosso trabalho sobre geografia da
tribuições econômicas ao Reino criatividade no RU nos diz que as indústrias
Unido (RU). As estatísticas oficiais situam criativas estão crescendo mais rapidamente
seu aporte ao valor agregado bruto (VAB) que os outros setores na maior parte do país.
em 81,4 bilhões de libras, ou 5,2% do total da Entre 2007 e 2014, o aumento do número de
economia. O VAB das indústrias criativas, negócios criativos foi mais rápido do que o
setor de forte crescimento, aumentou 8,9% da totalidade de negócios em mais de nove
entre 2013 e 2014, quase o dobro do conjunto em cada dez das 228 áreas metropolitanas
do Reino Unido. que compõem o RU. Em mais de dois terços
Entretanto, é importante frisar que a dessas áreas, o crescimento do emprego nas
distribuição do seu crescimento não foi uni- indústrias criativas também foi mais acele-
forme em todo o RU (MATEOS-GARCIA; rado que o crescimento do emprego global.
BAKHSHI, 2016). O trabalho de mapeamen- Quando examinamos por setor, ve-
to e mensuração da Nesta procurou lançar mos que o crescimento rápido também
luz sobre esse aspecto para informar os ocorreu em todos os subsetores das indús-
formuladores de políticas locais e permitir trias criativas no RU, mas particularmente
66 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

em atividades de serviço como design (de A abordagem do Dynamic Mapping tem


­software e digital) e publicidade. Em mais três etapas. Na primeira, elaboram-se regras
da metade das áreas metropolitanas houve para classificar alguns códigos da Ciuo (ocu-
elevação mais rápida do número de negócios, pações) como criativos. Na segunda, dados da
dos níveis de emprego e do volume de fatura- LFS2 são usados para classificar os códigos da
mento nesses subsetores do que em outros. SIC com intensidade criativa especialmente
Entretanto, o caminho que nos leva a elevada como indústrias criativas (adotan-
tais constatações úteis para os formulado- do um limiar de intensidade criativa acima
res de políticas começa com a necessidade do qual todas as indústrias são classificadas
de classificação, que é o primeiro passo para como criativas). Na terceira etapa, essas clas-
a definição e a mensuração (BAKHSHI, sificações são aplicadas aos dados da LFS para
2016). Durante a última década, a Nesta estimar o emprego nas indústrias criativas e
exerceu papel importante na configuração na economia criativa em sentido mais amplo,
desses debates, que serão discutidos no pre- que é definida como o emprego nas indústrias
sente artigo. criativas mais os trabalhadores criativos em-
pregados em indústrias não criativas.
Classificação da criatividade Como metodologia sistemática para
Há vários anos, os pesquisadores da classificar e medir o tamanho das indústrias
Europa e da Austrália têm usado dados do criativas, o Dynamic Mapping tem algumas
censo por pesquisa domiciliar e da Labour características que o tornaram atraente para
Force Survey (LFS) para medir o emprego os formuladores de políticas do Reino Unido.
nas indústrias criativas e o emprego em ocu- Primeiro, apresenta de forma transparente
pações criativas. Esses estudos se baseiam as bases para a classificação de algumas ocu-
em seleção de cima para baixo de códigos pações e setores como criativos, e de outros
da Classificação Industrial Padrão (SIC) e como não criativos, o que permite o questio-
da Classificação Internacional Uniforme de namento e a adaptação das estatísticas. Se-
Ocupações (Ciuo), padrões internacionais gundo, permite que as estatísticas relativas às
com base nos quais os governos classificam indústrias criativas sejam construídas usan-
as ocupações. Essa realidade deixou os es- do códigos e fontes de dados oficiais, o que as
tudos vulneráveis à crítica de não ter sido torna estritamente comparáveis no tempo e
utilizado um grupo coerente de setores ou com as de outros setores. Terceiro, permitiu
empregos (BAKHSHI, 2016). que o Reino Unido fosse o primeiro país do
A contribuição do Dynamic Mapping mundo a publicar estatísticas oficiais sobre a
da Nesta (BAKHSHI; FREEMAN; HIGGS, economia criativa juntamente com suas esti-
2013) está no fato de que a intensidade cria- mativas para as indústrias criativas. E, quarto,
tiva de um setor (a porcentagem de sua força o Dynamic Mapping é dinâmico, pois a inten-
de trabalho com funções criativas) pode ser sidade criativa de uma indústria pode mudar
usada para identificar os criativos de indús- no transcurso do tempo, ou seja, a princípio,
trias não criativas. as indústrias podem tornar-se mais criativas
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 67

ou menos. Por todas essas razões, o Departa- (primeira das três etapas do procedimento).
mento de Cultura, Mídia e Esporte do governo Em nossa conceituação, as ocupações cria-
do Reino Unido (DCMS) adotou o método em tivas são as “funções que recorrem às habi-
janeiro de 2014, após uma consulta pública. lidades cognitivas para gerar diferenciação
A Tabela 1 apresenta mais detalhes no intuito de criar produtos novos, ou signifi-
da metodologia por meio de um esquema cativamente aperfeiçoados, cuja forma final
destinado a identificar ocupações criativas não é totalmente especificada de antemão”.

TABELA 1:
O que constitui uma ocupação criativa?

CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAR OCUPAÇÕES CRIATIVAS EM CÓDIGOS DA CIUO

Resistente à mecanização A ocupação não tem substitutos mecânicos claros?

Processo inovador A ocupação costuma atingir objetivos de formas novas?

Função não repetitiva ou não uniforme A transformação que a ocupação efetua varia a cada vez?

Contribuição criativa para a cadeia de valor A ocupação é criativa independentemente do contexto? Por
exemplo, a atividade é criativa se for realizada tanto em um banco
quanto em um teatro?

Interpretação, não apenas transformação A ocupação faz mais do que “trocar” a forma de um serviço ou
artefato?

Fonte: BAKHSHI; FREEMAN; HIGGS (2013).

Para operacionalizar essa definição, testar a sensibilidade global dos resultados


sugeriu-se um conjunto de cinco critérios ante esse limiar, e algumas ocupações mais
intuitivos, baseados em várias publicações contestadas foram excluídas (BAKHSHI;
sobre criatividade no trabalho, e todos os có- FREEMAN; HIGGS, 2013).
digos receberam escores no nível de quatro Armados de nossa lista mais curta de
dígitos na Classificação Ocupacional Padrão ocupações criativas, na segunda etapa do
do Reino Unido a partir desses critérios. A Dynamic Mapping inspecionamos a dis-
ocupação tinha de receber um escore de pelo tribuição do emprego criativo em todas
menos 4 sobre 5 com base nesses critérios as indústrias por meio de sua intensidade
para ser classificada como criativa. Claro que criativa. Uma das principais contribuições
se trata de um exercício inerentemente sub- do ­Dynamic Mapping foi anotar a bimoda-
jetivo – era essencial e uma questão de rigor lidade dessa distribuição. A Figura 1 traz o
68 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

resultado de um mapeamento do Dynamic empregos criativos. Mostra também que um


Mapping e usa dados da Labour Force Survey grande número de trabalhadores criativos es-
2010. O gráfico mostra que um grande nú- tava empregado em indústrias com altíssima
mero de trabalhadores criativos foi empre- intensidade criativa. Assim, quase 400 mil
gado em indústrias com baixa intensidade postos de trabalho criativos e­ ncontravam-se
criativa – o lado esquerdo do gráfico aponta em indústrias com intensidade criativa en-
que mais de 300 mil empregos criativos se tre 55% e 65%. Mais de 50 mil situavam-se
encontravam em indústrias nas quais menos em indústrias em que entre 85% e 95% dos
de 5% de toda a força de trabalho estava em postos de trabalho tinham funções criativas.

FIGURA 1:
Distribuição por intensidade de postos de trabalho criativamente ocupados: criativos versus não criativos

Fonte: BAKHSHI; FREEMAN; HIGGS (2013).


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 69

Foi proposto um procedimento proba- trabalho que é a característica que define


bilístico para identificar um limiar de inten- o Dynamic ­Mapping.
sidade criativa de 30%, usado para dividir
a distribuição em duas partes. As barras A economia criativa e o futuro
­rosa-escuros representam as indústrias do emprego
classificadas como criativas, e as barras Um entendimento da atual dinâmica
rosa-claros representam as classificadas da economia criativa permite a formulação
como não criativas. Essas indústrias não de políticas a partir de mais informação e
criativas são, na verdade, enormes empre- voltadas para intervenções; portanto, pro-
gadores de talento criativo, mas o que dife- porciona investimentos mais direcionados.
rencia as indústrias criativas como grupo Quando se trata de mecanismos de políti-
coerente é que tais se especializam no em- ca menos responsivos – como o sistema de
prego de pessoas criativas. educação formal, baseado na escola –, os
Uma vantagem de estatísticas relativas formuladores de políticas precisam de um
à economia criativa, definidas a partir de prazo maior para ter a certeza de que as mu-
padrões de classificação industrial e ocupa- danças implementadas agora serão eficazes
cional, é a possibilidade de interrogar dados na preparação da economia para esse futuro.
oficiais de um modo consistente Quando se pensa nas implica-
Os empregos com
com os de outros setores e ocu- ções que têm para a educação
alta probabilidade de
pações, aumentando assim a tendências como a automação
ser criativos resistem
credibilidade das estatísticas – à automação. do trabalho provocada pela tec-
e, portanto, do setor – perante nologia, o foco no futuro surge
os formuladores de políticas. Além disso, como estratégia essencial para permitir o
como padrões internacionalmente defini- crescimento da economia criativa, à qual o
dos, abrem a perspectiva de um dia dispor talento criativo é subjacente.
de estatísticas sobre economia criativa, per- Um ponto crucial que a pesquisa da
mitindo a comparação internacional. Isso Nesta mostra é que, no futuro, os empregos
foi explorado em um artigo da Nesta, de au- criativos serão mais resistentes à automa-
toria de Max Nathan et al, usando dados da ção. Em Creativity vs. Robots (BAKHSHI;
Labour Force Survey para países europeus FREY; OSBORNE, 2015), constata-se que
(NATHAN; PRATT; ­R INCON-AZNAR, a criatividade é inversamente relacionada
2015) e dados de pesquisas de força de tra- com a computerisability – a probabilidade
balho para os Estados Unidos e o Canadá de um posto de trabalho ser substituído por
(NATHAN; KEMENY; PRATT; SPENCER, avanços tecnológicos. No caso dos trabalha-
2016). Quando se examinam as distribui- dores altamente criativos, o risco de auto-
ções das intensidades criativas por indús- mação de 87% de seus postos de trabalho é
tria nos países para os quais se dispõe de baixo ou inexistente, ante 40% no caso dos
dados, vê-se uma conhecida forma bimo- empregos da força de trabalho britânica
dal – o perfil de especialização da força de em seu conjunto.
72 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

No Reino Unido, em nível regional, lo- Ministério do Trabalho dos EUA, foram usa-
cais com proporções mais altas da força de das para treinar um classificador baseado em
trabalho em empregos criativos (com desta- aprendizagem automática que atribui a cada
que para Londres) também são mais imunes um dos códigos da Ciuo da força de trabalho
à automação. Essas constatações não devem do Reino Unido a probabilidade de que uma
nos surpreender: refletem o fato de que as função seja criativa.
máquinas podem emular com bastante su- De acordo com essa abordagem, es-
cesso os humanos quando o problema é bem timou-se que 24% da força de trabalho do
especificado de antemão – ou seja, quando o Reino Unido desempenhava funções cria-
desempenho pode ser quantificado e avalia- tivas3 – o que é quatro vezes superior ao re-
do de forma direta e clara – e sultado obtido com o Dynamic
quando o ambiente em que a As políticas de apoio Mapping e as estatísticas ofi-
tarefa é realizada é suficiente- devem tanto ser um ciais do DCMS. A lista incluía
mente simples para permitir reflexo das tendências quase todas as ocupações
o controle autônomo. A má- atuais em matéria de classificadas como criativas
quina terá dificuldade quando habilidades quanto no Dynamic Mapping, mas
as tarefas forem altamente reconhecer que a futura também um grande número
paisagem de habilidades
interpretativas, voltadas para de outras ocupações – muitas
deve ser incluída no
“produtos cuja forma final não processo de elaboração delas vinculadas à engenha-
é totalmente especificada de de políticas. ria – que seriam consideradas
antemão”, e quando os ambien- como envolvendo alto grau de
tes em que a tarefa é realizada são comple- criatividade, mesmo não figurando assim
xos. Como vimos, essa é uma boa descrição nas estatísticas do DCMS.
da maioria das ocupações criativas. Para melhor evidenciar o papel dos pos-
Subjacente a tal abordagem há um mé- tos de trabalho criativos no Reino Unido de
todo alternativo ao Dynamic Mapping que um ponto de vista não econômico, uma pes-
utiliza um algoritmo para classificar as ocu- quisa realizada pela Simetrica para a Nesta
pações criativas – usando dados detalhados mostra que as ocupações criativas tendem
relativos ao conteúdo das habilidades de di- a ser caracterizadas por níveis acima da
ferentes ocupações. Aplicando-se esse mé- média de satisfação com a vida, sensação
todo, uma classe mais vasta de ocupações é gratificante e felicidade – mas também por
identificada como criativa. níveis mais altos de ansiedade (­FUJIWARA;
A pesquisa usa dados da Labour Force DOLAN; LAWTON, 2015). Uma vez que
Survey do Reino Unido de 2013 juntamente são controlados outros fatores que afetam
com avaliações de especialistas para classifi- o bem-estar subjetivo – inclusive remune-
car as ocupações incluídas em uma amostra ração, mais alta que a média nas ocupações
como “criativas” ou “não criativas”. A seguir, criativas como programação de computado-
descrições detalhadas de habilidades de ocu- res e publicidade, porém mais baixa no caso
pações, conforme a base de dados O*NET, do de artistas plásticos, músicos e atores –, os
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 73

empregos em ocupações ligadas a artes, ar- habilidades necessárias aos criativos. Se pro-
tesanato e design geralmente são associados jetarmos para o futuro a taxa de crescimento
a níveis mais elevados de bem-estar, ao pas- acima da média dos empregos criativos des-
so que os empregos em publicidade, cinema, de 1997, teremos a geração de aproximada-
TV e rádio, editoras e TI são associados a mente 1 milhão de novos empregos criativos
níveis mais baixos de bem-estar. até 2030. Para capitalizar os nossos pontos
A tendência a usar o bem-estar subjeti- fortes criativos, e para investir no bem-estar
vo nas avaliações de políticas foi constatada da força de trabalho, nosso estudo sobre po-
no setor cultural em sentido mais amplo, em líticas conclamou o governo do Reino Unido
relação ao qual há um crescente volume de quanto ao compromisso de atingir essa meta.
pesquisas a respeito do impacto do envol-
vimento em atividades culturais e criativas O papel das evidências baseadas
sobre o bem-estar. Sua análise agora é um em dados em um período de
aspecto essencial da formulação e avalia- mudanças políticas
ção de políticas governamentais. A pesqui- No Reino Unido, como em muitos ou-
sa nesse primeiro campo ­concentrou-se no tros países do mundo, houve uma reviravol-
impacto sobre o bem-estar de diferentes ta recente no status quo político – o Reino
atividades culturais e criativas, tais como Unido em breve negociará uma mudança
tocar música, ir ao teatro, dançar e visitar na natureza de sua relação com a União
museus ou sítios do patrimônio histórico. ­Europeia. A sensação de incerteza que esse
Contudo, o impacto dos empregos criativos e outros fatos novos suscitaram fez aflorar a
é uma área de pesquisa importante, cujo de- percepção de que é urgente a necessidade de
senvolvimento foi insuficiente, e a introdu- elaborar um entendimento da composição
ção de novas perguntas sobre bem-estar em da força de trabalho criativa no contexto da
pesquisas como a Annual Population Survey nacionalidade.
[Pesquisa Anual de População] permite um Muitas partes interessadas da área das
exame detalhado desse ponto. indústrias criativas – das quais as menos im-
Essa pesquisa motiva a elaboração de portantes não são as empresas que empre-
políticas de apoio aos empregos criativos – gam trabalhadores criativos – expressaram a
são postos de trabalho para o futuro, e mui- necessidade de evidenciar a contribuição de
tos estão associados com níveis mais altos talentos não oriundos do Reino Unido e o pa-
de bem-estar. O foco na criação de empregos pel desses trabalhadores ao suprir a escassez
foi parte integrante das exigências feitas ao de habilidades da força de trabalho no país.
governo ao elaborar sua agenda de políticas A pesquisa da Nesta Skilled Migration and
destinadas a apoiar a economia criativa. the UK’s Creative Industries (WINDSOR;
Educação e habilidades constituem o cerne BAKHSHI; MATEOS-GARCIA, 2016) usa
dessas políticas nos locais onde, no Reino a Annual Population Survey do Office for
Unido, há oportunidades significativas de National Statistics e dados administrati-
reforma para melhor capturar e ensinar as vos governamentais sobre migração de fora
74 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

do Espaço Econômico Europeu (EEE) para Europa – sugerindo que os trabalhadores não
explorar essa área. oriundos do EEE têm, em média, presença
Os dados específicos por setor relativos a desproporcionalmente importante nas in-
trabalhadores que migram para o Reino Unido dústrias criativas.4
vindos tanto da Europa quanto de fora do EEE Contudo, se descermos abaixo dos nú-
são, na melhor das hipóteses, irregulares e, na meros agregados, veremos que, em alguns
pior delas, inexistentes. É essencial medir os subsetores criativos, o número de migrantes
níveis de imigração para não europeus supera o de
as indústrias criativas do A necessidade de evidências europeus – em TI, soft-
Reino Unido com vistas a baseadas em dados torna-se ware e serviços de infor-
mais urgente em tempos de
entender: 1) o panorama mática, por exemplo, 86%
incerteza política e nas políticas,
nacional das habilidades dos trabalhadores são do
como confirmamos ao realizar
e suas implicações para a nosso estudo sobre habilidades, Reino Unido, 5,5% são da
educação no Reino Unido; migração e indústrias criativas. Europa e 8,4% são de fora
e 2) o impacto da mudança da Europa. O mesmo ocor-
nas regras de migração, que pode ter efeitos re, embora de forma menos pronunciada, no
imprevistos e desproporcionais para deter- subsetor museus, galerias e bibliotecas, no
minados setores da economia. qual 4% da força de trabalho é proveniente
A Annual Population Survey nos fala da Europa, enquanto 5,8% são migrantes de
da composição da força de trabalho criati- fora do EEE. Em outros subsetores criativos,
va, especificando inclusive a proporção de como publicações e arquitetura, constata-se
trabalhadores das indústrias criativas que que o número de migrantes de fora do EEE é
são cidadãos do Reino Unido, europeus e de desproporcionalmente baixo em relação ao
fora do EEE. Sugere que a composição na- de seus colegas europeus e do Reino Unido.5
cional da força de trabalho varia conforme No caso do item música, artes cênicas e
os subsetores criativos. Por mais simples artes visuais, 3,1% da força de trabalho é de
que seja a pesquisa, suas implicações para fora do EEE, 3,9% são da Europa e 93% são
as políticas são claras. Assim, é possível ob- do Reino Unido. Em cinema, TV, vídeo, rádio
ter um entendimento mais direcionado do e fotografia, 91,2% da força de trabalho é do
impacto potencial das mudanças no sistema Reino Unido, enquanto 5,1% e 3,6% são da
de migração do Reino Unido. Europa e de fora do EEE, respectivamente.
Na totalidade das indústrias criativas, Isso é consistente com a possibilidade de que
88,5% dos postos de trabalho são ocupados haja demanda por trabalhadores criativos
por trabalhadores do Reino Unido, 6,1% por britânicos nessas áreas específicas por cau-
migrantes europeus e 5% por migrantes de sa de sua compreensão da cultura britânica
fora do EEE. Essas proporções são signifi- ou de que o Reino Unido esteja treinando me-
cativamente mais altas que nas indústrias lhor que seus concorrentes internacionais os
não criativas, em que 90,3% são do Reino talentos necessários para ocupar os postos
Unido, 5,6% da Europa e 4,2% de fora da de trabalho nesses subsetores.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 75

Conforme discutimos, a situação futu- órgãos governamentais locais e universida-


ra de talentos não britânicos em indústrias des que têm a missão de desenvolver suas
criativas do Reino Unido é incerta. Assim economias criativas.
como em relação aos migrantes de fora do
EEE, uma mudança na situação dos migran-
tes europeus no Reino Unido teria impacto
significativo sobre as indústrias criativas.
Uma mudança afetaria desproporcional-
mente atividades de serviço criativo como
publicidade, publicações e design, em todas
as quais cerca de 10% da força de trabalho é George Windsor
proveniente da Europa continental. Vemos o É pesquisador sênior na área de política na
contraste com os 5,6% do resto da economia. equipe de economia criativa da National Endow-
ment for Science, Technology and the Arts (Nesta).
Conclusões Trabalha com migração, clusters criativos e tech,
A história da mensuração da economia infraestrutura e educação e habilidades. A equipe
criativa – iniciada pelo Departamento de concentrou-se recentemente no estudo do futuro
Cultura, Mídia e Esporte no Reino Unido há dos empregos criativos. Sobre esse tema, é coau-
mais de 20 anos – tem sido de busca de legi- tor de diversos relatórios, incluindo The Creative
timação. Pelo menos no Reino Unido, já se Economy and the Future of Employment, que se
avançou muito, e é procedente argumentar baseia em uma pesquisa sobre automação e a
que o sucesso de campanhas tais como as economia do Reino Unido e ocupações criativas e
que, nos últimos anos, defendem a conces- bem-estar. Além disso, trabalhou com infraestru-
são de isenções fiscais a vários subsetores tura digital como suporte da economia criativa em
das indústrias criativas ou a reforma radical Ultra-Fast Digital Infrastructure in the UK: Are We
do ensino das tecnologias da informação e Missing a Trick? e liderou a Political Futures Trac-
comunicação (TICs) em escolas inglesas não ker, uma ferramenta analítica de texto usada para
pode ser totalmente dissociado da adoção de examinar temas-chave vinculados à campanha para
métricas mais fortes. A oportunidade agora as eleições gerais de 2015. Antes de entrar para a
está em atribuir aos dados um papel mais ati- Nesta, foi pesquisador ph.D. na Universidade de
vo no desenvolvimento da economia criativa Loughborough – com o patrocínio do escritório
local – ir além da legitimação – e algumas das de advocacia Paragon Law Ltd., especializado em
pesquisas esboçadas neste artigo apontam imigração –, onde estudou a migração altamente
maneiras como isso pode ser feito. qualificada e a promoção do empreendedorismo no
Em suma, os dados do trabalho da Nesta Reino Unido. Sua tese trata do impacto das condi-
de apoio a políticas voltadas para a econo- ções econômicas e políticas do empreendedorismo
mia criativa sugerem que há oportunidades de migrantes no Reino Unido e examina medidas
imediatas para os formuladores de políticas destinadas a promover migração altamente quali-
e agências nacionais, bem como para outros ficada e empresarial.
76 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Referências

BAKHSHI, H. Putting creativity on the map: classification, measurement and


legitimation of the creative economy. Londres: Universidade de Cardiff, Nesta,
2016. Disponível em: <http://www.nesta.org.uk/sites/default/files/putting_
creativity_on_the_map.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2017.

BAKHSHI, H.; FREEMAN, A.; HIGGS, P. A dynamic mapping of the UK’s creative
industries. Londres: Nesta, 2013.

BAKHSHI, H.; FREY, C. B.; OSBORNE, M. Creativity vs. robots: the creative economy
and the future of employment. Londres: Nesta, 2015. Disponível em:
<https://www.nesta.org.uk/sites/default/files/creativity_vs._robots_wv.pdf>.
Acesso em: 5 jun. 2017.

FUJIWARA, D.; DOLAN, P.; LAWTON, R. Creative occupations and subjective wellbeing.
Londres: Nesta, 2015.

MATEOS-GARCIA, J.; BAKHSHI, H. The geography of creativity in the UK: creative


clusters, creative people and creative networks. Londres: Nesta, 2016.

NATHAN, M.; KEMENY, T.; PRATT, A.; SPENCER, G. Creative economy employment in
the US, Canada and the UK. Londres: Nesta, 2016.

NATHAN, M.; PRATT, A.; RINCON-AZNAR, A. Creative economy employment in the EU


and the UK: a comparative analysis. Londres: Nesta, 2015.

WINDSOR, G.; BAKHSHI, H.; MATEOS-GARCIA, J. Skilled migration and the UK’s
creative industries. Londres: Nesta, 2016.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO George Windsor 77

Notas

1 Criada em 1998, a NESTA era um órgão público destinado a promover


criatividade, talento e inovação num amplo espectro de áreas e interesses.
Uma revisão governamental realizada em 2010 concluiu que a NESTA, por
causa de seu valioso trabalho no âmbito social, estaria mais adequada ao
setor de voluntariado, o que a levou a se tornar uma fundação independente
em 2012, ano em que também teve sua nomenclatura alterada de NESTA
para Nesta. Disponível em: <http://www.nesta.org.uk/about-us/our-history>.
Acesso em: 24 ago. 2017.

2 Dados do Office for National Statistics (ONS), do Reino Unido.

3 Tratando todas as ocupações com probabilidade superior a 0,7 como criativas.

4 Observe que esses resultados são experimentais e representam uma amostra


potencialmente pequena.

5 Publicações: 87% RU, 9,5% UE, 4% não EEE. Arquitetura: 87% RU, 10,5% UE,
3% não EEE.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 79

SISTEMAS ESTATÍSTICOS
PARA A ECONOMIA DA CULTURA
DA ESPANHA
Pau Rausell Köster
Vicente Coll-Serrano
Cristina Pardo-Garcia
Köster, Serrano e Garcia
Neste trabalho, apresentamos a situação atual das ferramentas de informação sobre a
realidade cultural espanhola que estão disponíveis. Partindo de uma lista de fontes potenciais de
informação, centramos nossa análise na arquitetura das estatísticas culturais e na existência
dos chamados observatórios culturais. Por fim, constatamos que, embora tenhamos avançado
muito nas últimas décadas, ainda resta muito espaço a percorrer em termos da qualidade e da
quantidade da informação que se coleta sobre a realidade cultural.

Introdução simples cidadãos, precisamos de sistemas

O
mais ou menos homogêneos de análise dos
s agentes culturais e os cidadãos fenômenos culturais que permitam a compa-
informados às vezes são um tanto rabilidade e nos sejam úteis para monitorar e
reticentes em relação a aborda- acompanhar as dinâmicas com o objetivo de
gens muito quantitativas para analisar os entendê-las, processar suas relações causais
fenômenos culturais. Por que é necessário e, por conseguinte, melhorar a eficiência dos
aplicar técnicas estatísticas à análise dos processos e a eficácia dos impactos.
fenômenos culturais? Não existe o risco de Uma aproximação estatística à rea-
tentar quantificar realidades dificilmente lidade cultural pode contribuir para tudo
quantificáveis? isso com muita eficiência. Não defendemos
Sem dúvida, um sistema de indicadores um quantitativismo extremo em relação
e estatísticas culturais deve servir à realida- à produção de bens, serviços e atividades
de social e cultural do território de que faz culturais, e consideramos que explicar não
parte e, nesse sentido, é difícil estandardi- é apenas um exercício técnico. É preciso uti-
zar a mensuração da cultura no nível global. lizar tempo e recursos para determinar o que
Contudo, essa evidência não pode nos fazer deve ser contado. E a determinação do que
ceder na convicção de que, como agentes deve ser explicado já implica posicionamen-
interessados, instituições responsáveis ou tos valorativos.
80 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Informação sobre os setores criativa. As fontes secundárias apresentam


culturais e criativos informação primária reelaborada, sintetiza-
Na Tabela 1, fazemos uma lista que, da e reorganizada, facilitando o controle e o
sem pretensão de ser exaustiva, contempla acesso às fontes primárias.
a maioria das ferramentas e fontes em que De todas essas fontes, obviamente, são
habitualmente se pode encontrar informação as estatísticas culturais que oferecem uma
quantitativa ou quantificável sobre a realida- aproximação mais rigorosa e integral da rea-
de cultural de determinado território. lidade cultural de determinado território. Por
É importante diferenciar fontes pri- outro lado, os observatórios culturais são as
márias de fontes secundárias. As fontes interfaces operacionais mais comuns para a
primárias são as que contam com a infor- difusão, visibilização e divulgação das infor-
mação original de uma pesquisa ou atividade mações relativas à cultura e à criatividade.

TABELA 1:
Setores culturais e criativos (fontes variadas de informação)

FONTES/
FERRAMENTAS DESCRIÇÃO OBJETIVO OBSERVAÇÕES

Catálogos Inventários de equipamentos Catalogação administrativa, Na maioria dos casos, trata-se


administrativos culturais, bens patrimoniais e classificação e visibilização de listas de fichas descritivas
listas de profissionais e/ou preservação de recursos sem informação excessiva,
culturais e patrimoniais elaboradas com critérios
administrativos

Estatísticas Dados coletados de maneira Ampliam a capacidade Pelo menos 138 países
culturais periódica por métodos analítica e o conhecimento da membros da Unesco firmaram
padronizados realidade dos setores culturais uma convenção para a
e dos comportamentos dos instrumentação da mensuração
cidadãos em relação ao da cultura (Paris, 20 de outubro
fato cultural de 2005)

Contas-Satélites Medem o peso da cultura na Medir as atividades São apresentadas em alguns


de Cultura (CSC) economia, o valor agregado, econômicas da cultura, países europeus e, a partir
a produção e o emprego mensuração comparável e do Convênio Andrés Bello,
compatível com a de outras realizadas em países de
atividades econômicas. outras regiões, como Uruguai,
Base para a elaboração Colômbia, EUA, Austrália,
de políticas públicas Chile, Cuba, Espanha, México,
Argentina, Brasil e Venezuela

Estudos setoriais, Análise sobre setores de Determinar as condições Experiências destes estudos
de stakeholders mercado (especialmente econômicas de um subsetor existem nos âmbitos
ou grupos de as chamadas indústrias cultural específico institucional, de governo
interesse culturais, como do livro, da e acadêmico
música e do audiovisual)
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 81

FONTES/
FERRAMENTAS DESCRIÇÃO OBJETIVO OBSERVAÇÕES

Modelos Metodologias baseadas Estabelecer correlações Este tipo de estudo se destaca


econométricos em regressão múltipla e e relações causais entre principalmente em pesquisas
modelos econométricos para variáveis pertinentes aos com fins científicos e em
a análise do setor cultural fenômenos culturais ambientes acadêmicos

Observatórios Espaços físicos e virtuais Dotar de recursos para Hoje, os observatórios culturais
culturais onde são mostradas promover análises e são muito diversificados; as
compilações sistematizadas pesquisas sobre a realidade funções que desempenham,
de informações sobre a cultural e também fomentar o sua área de atuação e os
cultura, habitualmente de desenvolvimento cultural profissionais que os compõem
origem diversificada dependem de sua natureza

Sistemas de Conjunto integral, Monitorar as dinâmicas Depois que a Unesco


indicadores coerente e sistemático de culturais de organizações, desenvolveu a bateria
operações sobre dados comunidades ou territórios de indicadores culturais,
culturais, que nos permite estes estudos – realizados
estabelecer o ponto em que por instituições tanto
se encontra determinada governamentais quanto
realidade cultural acadêmicas, e envolvendo
diferentes metodologias –
proliferaram no mundo inteiro

Mapeamentos Caracterização territorial Identificar espaços e Ferramenta utilizada para


culturais e espacial das unidades unidades no território, apresentar diagnósticos de
econômicas e dos lugares a partir de bases de territórios nacionais e regionais
onde se desenvolvem dados relacionadas com
as atividades culturais a cultura que podem
(AGUIRRE, 2015) ser geolocalizadas

Big Data e Sistemas de coleta de uma Abordagens novas para Desenvolvidos por consultorias
setores culturais grande quantidade de dados medir preferências, e agências privadas, como Arts
referentes ao setor cultural percepções e valorações Data Impact (ADI), Audience
produzidos a partir das dos públicos digitais Finder e The Audience Agency
redes digitais

Estudos de Destinados a quantificar Medir o valor dos bens Contribuem para o


impacto o efeito multiplicador de e serviços culturais a conhecimento do setor
econômico equipamentos, bens ou partir dos impactos cultural com fins acadêmicos,
serviços culturais (festivais, multiplicadores sobre o mas são principalmente
eventos culturais) território no qual se situam utilizados e necessários para
justificar e defender grandes
investimentos em eventos ou
equipamentos culturais

Estudos Visam determinar o valor Pesquisas por amostragem Proporcionam informação para
contingentes de atribuído a elementos para calcular a vontade ou a tomada de decisões relativas
avaliação culturais (patrimônio disposição de pagar por à preservação do patrimônio e
material ou imaterial) por algum objeto cultural sua avaliação
uma comunidade

Fonte: elaboração própria.


82 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A tendência à homogeneização das LEG-Cultura levou à publicação, em 2007,


estatísticas culturais na Espanha do primeiro livro de bolso Cultural Statistic
e na Europa (com segunda edição em 2011 e terceira em
Há menos de duas décadas que se in- 2016, já na série Statistical Books). Essa é a
tensificou notavelmente o interesse em primeira publicação do Eurostat relacionada
definir e considerar a importância das ati- à área da cultura que utiliza dados compará-
vidades culturais nas economias nacionais veis disponíveis no Sistema de Estatísticas
e também em harmonizar os sistemas con- Europeias e em outras fontes de informação,
tábeis para que esses cálculos permitam como a Unesco e o Eurobarômetro.
a comparabilidade. Em 2009, por iniciativa do Eurostat, é
A partir de 1995, a conscientização da criada a European Statistical System Net-
falta de estatísticas culturais na União Eu- work on Culture (ESSnet-Culture), no in-
ropeia (UE) expressou-se em diversos fóruns tuito tanto de aperfeiçoar a metodologia e
internacionais (Paris, junho de 1995; Madri, a produção de dados nos setores culturais
outubro de 1995; Urbino, maio de 1996), e quanto de facilitar sua comparabilidade
os estados membros por fim expressaram no nível europeu. Para tanto, foram criados
claramente sua solicitação às instituições quatro grupos de trabalho sob a coordenação
da UE de que começassem a trabalhar nessa do ministro da Cultura de Luxemburgo. Um
área. Como seguimento a essas reuniões de grupo foi encarregado de atualizar o marco
peritos nacionais em estatísticas culturais, conceitual relativo à cultura e às atividades
o Conselho aprovou, em 20 de novembro de econômicas culturais elaborado pelo LEG
1995, uma resolução relativa à promoção das em 2000 (lembremos que em 2009 foi pu-
estatísticas sobre cultura e sua relação com blicada a revisão do documento Marco de
o crescimento econômico. Estatísticas Culturais, da Unesco); um se-
Assim, em 1997 foi criado o Grupo de gundo grupo tinha como missão definir indi-
Liderança em Estatísticas Culturais (Lea- cadores econômicos culturais e do emprego
dership Group Culture, LEG-Cultura), que cultural; um terceiro grupo deveria realizar
redigiu um documento de síntese em 2000 um inventário de fontes de dados sobre gasto
(EUROSTAT, 2000). Após esse relatório, a com cultura, tanto público quanto dos domi-
atividade continuou em um grupo de tra- cílios, e definir indicadores de financiamento
balho do Eurostat, com o mandato de dar cultural; por fim, um quarto grupo ficou en-
prosseguimento às atividades do grupo de carregado de trabalhar o tema das práticas
peritos em estreita cooperação com os Es- culturais e participação social na cultura.
tados membros. A estrutura operacional do
LEG-Cultura foi desenhada de forma que Sistemas estatísticos culturais
uma das tarefas fosse orientada para ques- na Espanha
tões metodológicas fundamentais, ao passo O Plano Estatístico Nacional é o prin-
que outra parte do trabalho consistiu em de- cipal documento que organiza na Espa-
senvolver campos temáticos. O trabalho do nha a atividade estatística realizada pela
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 83

­ dministração Geral do Estado ou por ou-


A cronogramas anunciados. Além disso, todo
tras entidades que dela dependem. O plano esse contexto é pensado na perspectiva de
é definido para um período de quatro anos; aperfeiçoamento constante da eficiência da
atualmente está sendo trabalhado o Plano produção estatística.
Estatístico Nacional 2017-2020. Este des- O monitoramento do Plano Estatístico
creve as linhas estratégicas que regerão a Nacional é realizado por meio da avaliação
produção estatística, além de reunir todas do grau de execução dos programas anuais.
as estatísticas obrigatórias em decorrência Para tanto, o Instituto Nacional de Estatís-
de normas europeias. Esse plano plurianual é tica (INE) produz os relatórios de monitora-
detalhado em programas anuais que, por sua mento e os submete a instâncias superiores.
vez, detalham de forma mais operacional as O INE também elabora uma memória final
atuações a ser implementadas. do plano plurianual quando este expira.
O plano enfrenta o desafio de garan- A Tabela 2 detalha as operações es-
tir as estatísticas necessárias à tomada de tatísticas incluídas no Plano Estatístico
decisões do Estado, da União Europeia, das Nacional 2017-2020, que se referem expli-
instituições e dos usuários, com o alcan- citamente a estatísticas culturais ou que
ce territorial e setorial adequado, no mo- podem ser utilizadas de forma indireta para
mento preestabelecido de acordo com os obter informações ou indicadores culturais.

TABELA 2:
Estatísticas da cultura na Espanha no Plano Estatístico Nacional 2017-2020

SETOR OPERAÇÃO ESTATÍSTICA NO PLANO ORGANISMO RESPONSÁVEL


OU TEMA ESTATÍSTICO NACIONAL 2017-2020 OUTROS ORGANISMOS QUE INTERVÊM

Meio ambiente e Espaços Naturais ou de Interesse Ministério da Agricultura, Alimentação


desenvolvimento e Meio Ambiente
sustentável Conselhos das comunidades autônomas

Serviços Estatísticas de Produtos no Setor INE


(estatísticas gerais) de Serviços

Comércio interior Estatística de Comércio Extracomunitário Ministério da Fazenda e Administrações


e exterior Públicas
Agência Estatal de Administração Tributária
(Aeat)

Estatísticas de Exploração Estatística do Diretório Central INE


empresas e unidades de Empresas Aeat, Ministério do Emprego
de produção não e Seguridade Social
relacionadas a
setores em particular
84 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

SETOR OPERAÇÃO ESTATÍSTICA NO PLANO ORGANISMO RESPONSÁVEL


OU TEMA ESTATÍSTICO NACIONAL 2017-2020 OUTROS ORGANISMOS QUE INTERVÊM

Preços Índice de Preços ao Consumidor (IPC) INE


Aeat
Índice Harmonizado de Preços ao
Consumidor (IHPC)

Mercado de trabalho Pesquisa de População Ativa (EPA) INE


e salários Aeat, Eurostat

Contas econômicas Conta-Satélite de Cultura (CSC) Ministério de Educação, Cultura e Esportes


INE, Aeat

Balanço de Pagamentos, Comércio Banco da Espanha


Internacional de Serviços e Investimentos
Estrangeiros Diretos, Posição de
Investimento Internacional, Dívida Externa
e Reservas Internacionais e Liquidez em
Moeda Estrangeira

Administrações Liquidação de Orçamentos das Ministério da Fazenda e


públicas e Entidades Locais Administrações Públicas
associações

Estatística de Associações Ministério do Interior

Tecnologias da Pesquisa sobre Equipamento e Uso de INE


informação e Tecnologias da Informação e Comunicação Ministério de Indústria, Energia e Turismo
comunicação (TICs) nos Domicílios

Estatística sobre a Sociedade da Informação Ministério de Educação, Cultura e Esportes


e Comunicação nos Centros Educacionais Conselhos das comunidades autônomas
Não Universitários

Indicadores do Setor de Tecnologias INE


da Informação e Comunicação (TICs)

Hotelaria e turismo Pesquisa de Turismo de Residentes INE


(ETR/Familitur)

Estatística de Movimentos Turísticos INE


em Fronteiras (Frontur) Direção-Geral de Trânsito, Aeroportos
Espanhóis e Navegação Aérea (Aena),
Rede Nacional de Ferrovias Espanhola (Renfe),
Portos Estatais

Pesquisa de Gasto Turístico (Egatur) INE


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 85

SETOR OPERAÇÃO ESTATÍSTICA NO PLANO ORGANISMO RESPONSÁVEL


OU TEMA ESTATÍSTICO NACIONAL 2017-2020 OUTROS ORGANISMOS QUE INTERVÊM

Cultura, esporte Estatística de Edição Espanhola de Livros Ministério de Educação, Cultura e Esportes
e lazer com ISBN

Estatística de Produção Editorial de Livros INE


Ministério de Educação, Cultura e Esportes
Estatística de Bibliotecas

Estatística de Museus e Acervos Ministério de Educação, Cultura e Esportes


Museográficos Conselhos das comunidades autônomas,
Patrimônio Nacional

Estatística de Arquivos Ministério de Educação, Cultura e Esportes


Ministério da Defesa

Estatística de Edição Espanhola de Música Ministério de Educação, Cultura e Esportes


com ISBN

Estatística de Cinematografia: Produção,


Exibição, Distribuição e Incentivo

Pesquisa de Hábitos e Práticas Culturais Ministério de Educação, Cultura e Esportes


na Espanha INE

Assuntos Taurinos Ministério de Educação, Cultura e Esportes


Conselhos das comunidades autônomas
Estatística de Financiamento e Gasto
Público em Cultura

Educação Estatística de Bibliotecas Escolares Ministério de Educação, Cultura e Esportes


e formação INE, conselhos das comunidades autônomas

Estatística de Universidades, Centros Ministério de Educação, Cultura e Esportes


e Titulações Conselhos das comunidades autônomas,
universidades

Estatística da Educação Não Universitária Ministério de Educação, Cultura e Esportes


(Centros, Matrícula, Graduados e Pessoal) Conselhos das comunidades autônomas

Estatística de Formação para o Emprego Ministério do Emprego e Seguridade Social


Conselhos das comunidades autônomas

Pesquisa sobre a Participação da População INE


Adulta nas Atividades de Aprendizagem

Nível, qualidade e Pesquisa de Orçamentos Familiares INE


condições de vida Aeat

Pesquisa de Condições de Vida (ECV) INE


Aeat, Instituto Nacional de Seguridade Social

Pesquisa de Utilização do Tempo INE

Fonte: elaboração própria a partir do Plano Estatístico Nacional 2017-2020.


86 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Na Tabela 3, na primeira coluna, estão O Anuário de Estatísticas Culturais in-


detalhadas as operações estatísticas dire- clui informações provenientes de diversas
tamente vinculadas à área cultural. O res- fontes e está estruturado em quatro blocos
ponsável por sua produção temáticos: (1) magnitudes
é o Ministério de Educação, Desde 2005, os principais transversais, (2) magnitu-
Cultura e Esporte. Na segun- resultados da área cultural des setoriais, (3) estatísticas
da coluna, descreve-se o ob- são divulgados pela divisão de síntese e (4) magnitudes
jetivo principal de cada uma de estatística do Ministério internacionais. No primeiro
de Educação, Cultura e
dessas estatísticas culturais. bloco, detalham-se resulta-
Esporte por meio de uma
Desde 2005, os princi- dos sobre emprego cultural,
publicação anual, o Anuário
pais resultados da área cultu- de Estatísticas Culturais. empresas culturais, finan-
ral são divulgados pela divisão ciamento e gasto público em
de estatística do Ministério de Educação, Cul- cultura, gasto dos domicílios em consumo
tura e Esporte por meio de uma publicação cultural, propriedade industrial, comércio
anual, o Anuário de Estatísticas ­Culturais. exterior de bens culturais, turismo cultural,

TABELA 3:
Estatísticas culturais (órgão responsável: Ministério de Educação, Cultura e Esporte)

OPERAÇÃO ESTATÍSTICA OBJETIVO

Conta-Satélite de Cultura (CSC) Proporcionar um sistema de informação econômica


relacionado à cultura

Estatística de Museus e Acervos Museográficos Conhecer a situação das instituições museológicas e o


cumprimento dos requisitos internacionais

Pesquisa de Hábitos e Práticas Culturais na Espanha Conhecer e quantificar o comportamento cultural da


população e o equipamento cultural das famílias

Estatística de Financiamento e Gasto Público em Cultura Conhecer os recursos econômicos do setor público
destinados à cultura

Estatística de Edição Espanhola de Livros com ISBN Conhecer a evolução anual do mercado de oferta de
livros espanhóis e analisar os principais parâmetros da
economia editorial

Estatística de Arquivos Conhecer a situação real dos arquivos estatais

Estatística de Edição Espanhola de Música com ISMN Conhecer a situação da produção editorial da música
através do International Standard Music Number (ISMN)

Estatística de Cinematografia: Produção, Exibição, Informar sobre as áreas de produção, exibição,


Distribuição e Fomento distribuição e proteção cinematográfica

Fonte: elaboração própria a partir do Plano Estatístico Nacional 2017-2020.


88 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ensino na área cultural e hábitos e práticas sobre políticas culturais e também fomentar
culturais. No segundo bloco, dedicado aos o desenvolvimento cultural.
setores culturais, apresentam-se os prin- Um de seus principais objetivos é ob-
cipais resultados vinculados aos setores: servar a realidade cultural determinada por
patrimônio, museus e acervos museográ- um espaço concreto e um tempo concreto.
ficos, arquivos; bibliote- A partir dessa observa-
cas, livro, artes cênicas e [...] a função de um ção, analisam as infor-
musicais, cinema e vídeo observatório cultural deve mações compiladas e as
e assuntos taurinos. No (e pode) ser configurada com interpretam no intuito
terceiro bloco do anuário, base em modelos de gestão de gerar relatórios de in-
mostram-se os principais holística da informação, teresse para a sociedade
integrando disciplinas e campos
resultados provenientes da (agentes privados, cientí-
tradicionalmente antagônicos
Conta-Satélite de Cultura ficos, políticos, cidadãos,
ou isolados (por exemplo, a
(CSC) relacionados com a ecologia e a economia). indústrias ou empresas
contribuição das ativida- de setores culturais, as-
des culturais para o produto interno bruto e o sociações e organismo de que dependem)
valor agregado bruto da economia. Por fim, o (­CARRASCO-ARROYO; COLL-SERRA-
anuário conclui com um parágrafo dedicado NO, 2013).
à apresentação de indicadores harmonizados Segundo Abeledo (2013), a função de
europeus de emprego cultural e comércio ex- um observatório cultural deve (e pode) ser
terior de bens culturais. configurada com base em modelos de gestão
Grande parte da informação pro- holística da informação, integrando disci-
duzida na área cultural pelo Ministério plinas e campos tradicionalmente antagô-
de Educação, Cultura e Esporte pode ser nicos ou isolados (por exemplo, a ecologia
acessada através da CULTURABase.1 Essa e a economia).
plataforma para a difusão dos resultados Hoje, os observatórios culturais são
de estatísticas e indicadores culturais muito diversificados; as funções que reali-
está estruturada com base nos mesmos zam, sua área de atuação e os profissionais
blocos temáticos do Anuário de Estatísti- que os compõem dependem de sua natureza.
cas ­Culturais. Há diferentes classificações para caracteri-
zar os observatórios culturais. Não obstante,
Os observatórios culturais podemos distinguir três tipos de observató-
na Espanha rio, com exemplos espanhóis em cada caso
Outro tipo de instituição que estuda (PERIFÉRICA, 2013).
a cultura e que compila informações dessa
área são os observatórios culturais. Sua ori- 1. Centros de pesquisa e organismos
gem remonta aos anos 1980, quando surgem internacionais. São independen-
com o objetivo de sistematizar as fontes de tes da administração pública, e
informação, inovar nas análises e pesquisas seu objetivo é analisar e estudar a
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 89

realidade cultural. A maioria tem • Observatório da Cultura de Zara-


uma dimensão internacional em goza – Zaragoza;
sua área de estudo, e também nos • Centre d’Estudis i Recursos Cul-
componentes e membros que os turals (Cerc) – Barcelona;
compõem. Fomentam a criação de • Baròmetre de la Comunicaciò i
redes de conhecimento e a troca de la Cultura (Fundació Audiències
informações. As funções de obser- de la Comunicació i la Cultura) –
vatório cultural não costumam ser Barcelona;
as únicas que cumprem, embora • Observatório de Indústrias Cul-
normalmente também se destaque turais da Andaluzia (Associação
a divulgação da cultura. de Indústrias Culturais da Anda-
Exemplos: luzia) – Andaluzia;
• Oikós/Observatório Andaluz para
• Fundação Interarts – Observató- a Economia da Cultura e o Desen-
rio Europeu de Políticas Cultu- volvimento –Andaluzia.
rais, Regionais e Urbanas (agên-
cia privada); 3. Centros universitários. São depar-
• Observatório de Cultura e Comuni- tamentos de universidades especia-
cação (da Fundação Alternativas); lizados na pesquisa e observação de
• Observatório Ibero-Americano políticas culturais e da realidade cul-
da Ásia-Pacífico (Conferência tural. Em muitas ocasiões, acabam
Ibero-Americana, formada por por vincular-se a iniciativas regio-
22 países). nais ou nacionais de análise das po-
líticas culturais do território.
2. Organismos regionais ou nacionais. Exemplos:
Estão vinculados à análise de uma
realidade cultural territorial. Geral- • Observatório Universitário An-
mente, surgem por iniciativa de um daluz da Cultura Atalaya (Uni-
governo regional ou nacional. Ana- versidade de Cádiz: trabalho em
lisam uma área geográfica determi- rede com as demais universidades
nada e seu objetivo é contribuir para andaluzas) – Andaluzia;
a definição, o desenvolvimento e a • Monitors of Culture [grupo de
avaliação das políticas culturais reali- trabalho do Cultural Observa-
zadas pelos próprios organismos pú- tories and Cultural Informa-
blicos responsáveis por sua criação. tion and Knowledge: criado pela
Exemplos: ­European Network of Cultural
Administration and Training
• Observatório Basco da Cultura – Centres (­Encatc)] – U
­ niversidade
País Basco; de Deusto.
90 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Um observatório cultural, hoje, deve e a sensibilidade social adequada, cada uma


dispor de página na web com ferramentas dessas dimensões e, assim sendo, de onde
que permitam a análise da base de dados em obter os dados relevantes.
tempo real On-Line Analytical ­Processing A análise das estatísticas culturais ain-
(Olap). Além disso, deve dar especial aten- da tem um enorme campo a percorrer.
ção à análise das redes sociais (ARS), já
que estamos em um novo paradigma, no
qual o importante não é mais o indivíduo,
mas as relações que se estabelecem entre
indivíduos. Outro fator-chave é que o ob-
servatório deve oferecer representações
visuais que permitam comunicar a infor-
mação de maneira mais eficaz por meio do
uso das TICs. Trata-se de usar técnicas que
combinem análise estatística com gráfico, a
fim de uma visualização científica que faça
uso de métodos simples de estatísticas des-
critivas (histogramas, diagramas de caixa,
mapas de quantis, correlações etc.), com
técnicas mais complexas sobre relações
e efeitos espaciais. Pau Rausell Köster
É professor do Departamento de Economia
Conclusões Aplicada e coordenador da Unidade de Pesquisa
Nas duas últimas décadas, avançou­-se em Economia da Cultura (Econcult) da Universi-
muito na Espanha quanto à questão dos pro- dade de Valência.
cessos de sistematização e compilação da
informação sobre cultura. Porém, uma vez
superadas as questões básicas, é necessário Vicente Coll-Serrano
indagar os indicadores que tratam de novas É professor do Departamento de Economia
dimensões da cultura com perspectiva inte- Aplicada e coordenador da Unidade de Pesquisa
gral. Tais dimensões devem incluir aspectos em Métodos Quantitativos para a Mensuração da
mais difíceis de medir, como a diversidade Cultura (MCMC) da Universidade de Valência.
cultural, a vitalidade cultural, a capacidade
criativa de uma coletividade, a construção
da identidade cultural e a participação ou Cristina Pardo-Garcia
o acesso à cultura. É professora do Departamento de Economia
A questão é como construir consensos Aplicada e membro da Unidade de Pesquisa em
com certa pretensão à generalidade para Métodos Quantitativos para a Mensuração da Cul-
quantificar, com o rigor técnico necessário tura (MCMC) da Universidade de Valência.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Köster, Serrano e Garcia 91

Referências
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EUROSTAT. Cultural Statistics. Eurostat Pocketbooks. Luxemburgo: Comissão


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ad86-f6df336ed297?version=1.0>. Acesso em: 12 fev. 2017.

EUROSTAT. Cultural Statistics. Eurostat Pocketbooks. Luxemburgo:


Comissão Europeia, 2011. Disponível em: <http://ec.europa.eu/eurostat/
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MINISTERIO DE ECONOMÍA Y COMPETITIVIDAD. Real Decreto 410/2016, de 31 de


octubre por el que se aprueba el Plan Estadístico Nacional 2017-2020. Boletín
Oficial del Estado, del viernes 18 de noviembre de 2016, n. 279, p. 80830-
80995. Disponível em: <https://www.boe.es/boe/dias/2016/11/18/pdfs/
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MINISTERIO DE EDUCACIÓN, CULTURA Y DEPORTE. Anuario de Estadísticas


Culturales. Madrid: Subdirección General de Documentación y Publicaciones.
Disponível em: <http://www.mecd.gob.es/servicios-al-ciudadano-mecd/
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PERIFÉRICA–REVISTA PARA EL ANÁLISIS DE LA CULTURA Y EL TERRITORIO. Listado


de Observatorios Culturales, n. 14, p. 171-184, 2013. Disponível em: <http://revistas.
uca.es/index.php/periferica/issue/download/146/19>. Acesso em: 12 fev. 2017.

UNESCO. The 2009 Unesco framework for cultural statistics. Montreal: Unesco
Institute for Statistics, 2009. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0019/001910/191061e.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2017.

Nota

1 Disponível em <www.mcu.es/culturabase>.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 93

CONTAS-SATÉLITES DE CULTURA,
APOSTA E PROPOSTA IBERO-
AMERICANA PARA AS ESTATÍSTICAS
CULTURAIS NO MUNDO
Liliana Patricia Ortiz Ospino

O presente documento foi elaborado com o objetivo de conhecer as experiências das Con-
tas-Satélites de Cultura (CSC) na Ibero-América. Para tanto, foram geradas três matrizes
que compilaram as informações sobre aspectos metodológicos, os resultados obtidos e as
fontes de informação utilizadas para a composição das contas na região. Os resultados das
informações demonstram que, dos 21 países da região, 13 implementaram as Contas-Saté-
lites de Cultura e apresentam resultados consolidados, 5 estão em vias de implementação e,
do restante, não foi possível estabelecer seu interesse no referido tipo de medição para o setor
cultural. Além disso, ficou confirmado que as CSC como sistema precisam de ajustes que
levam forçosamente à adoção de ações para garantir sua sustentabilidade. Um dos desafios
enfrentados está relacionado às características da informação, para o qual se recomenda
um processo de planejamento estatístico. Outro desafio importante refere-se à viabilidade
das comparações internacionais no setor necessária para continuar unindo esforços entre
os países, para o qual se propõe a unificação de critérios desenvolvendo um marco conceitual
e metodológico de caráter global. O último deles tem a ver com a utilização dos dados gerados
nas CSC e, para isso, a proposta é empreender uma estratégia de divulgação e difusão efi-
caz dos resultados. Apesar da necessidade dessas melhorias, as CSC formam um sistema de
informação coerente e ordenado que gera dados relevantes de informação e, para os países
ibero-americanos, gera a aposta e a proposta de produção para que se avance na criação de
informação cultural para o mundo.

Introdução grande parte desse setor contribui de ma-

O
neira positiva para a economia em seu con-
s postulados teóricos baseados em junto e, portanto, esse campo constitui um
modelos de crescimento influen- gerador não só de bem-estar, mas também de
ciam o enfoque do setor cultural já riqueza para a economia nacional (POTTS;
há algumas décadas. Assim, assume-se que ­CUNNINGHAM, 2008).
94 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Os governos e instituições tomam suas 1. Abordagem conceitual das Contas-


decisões de políticas públicas culturais com Satélites de Cultura
base nesse tipo de modelo e, por conseguin- A expressão contas-satélites desper-
te, promovem a construção de sistemas inte- ta muita curiosidade quando mencionada
grados de informação que sustentam o setor no âmbito da estatística. No entanto, é um
na obtenção de dados verazes, oportunos e conceito utilizado há décadas no Sistema
permanentes para conhecer o contexto e li- de Contas Nacionais (SCN) para nomear
dar de maneira adequada com suas proble- as extensões do marco central das contas
máticas e necessidades. nacionais, que oferecem certa flexibilidade
Nesse contexto, surge a necessidade e aprofundamento de aspectos específicos
das Contas-­Satélites de Cultura (CSC), da vida econômica, como setores ou áreas
sistema contábil coerente e ordenado cujos de interesse, sem sobrecarregar nem dis-
métodos geram informação econômica, mo- torcer as características das contas nacio-
netária e não monetária, sobre a oferta e a nais em seu conjunto (NAÇÕES UNIDAS
procura culturais. et al, 2008).
Este documento nasce da necessidade Existem dois tipos de contas-satélites.
de conhecer as experiências de construção Um implica o reordenamento das classifica-
das CSC na Ibero-América, motivo pelo qual ções centrais e a possibilidade de introduzir
foi feita uma pesquisa elementos complemen-
descritiva e não exaustiva As Contas-Satélites de Cultura tares, e o outro se baseia
dos países da região que surgiram no mundo como no desenvolvimento de
as implementaram. ferramenta para realizar conceitos alternativos
As conclusões sobre mensurações econômicas do aos propostos no SCN
as experiências em ques- campo cultural por meio da (NAÇÕES UNIDAS et
tão confirmam que esses identificação e reorganização al, 2008).
das informações dispersas no
sistemas enfrentam três As Contas-Satélites
nível central e da agregação de
desafios importantes. O de Cultura surgiram no
elementos com vistas a gerar
primeiro diz respeito às informação relevante para o setor. mundo como ferramen-
características da infor- ta para realizar mensu-
mação básica, que é o insumo para a elabo- rações econômicas do campo cultural por
ração das contas; o segundo está relacionado meio da identificação e reorganização das
com a viabilidade das comparações interna- informações dispersas no nível central e da
cionais; e o terceiro, com a utilização dos da- agregação de elementos com vistas a gerar
dos gerados nas CSC. informação relevante para o setor. No entan-
Para esses três desafios, o documento to, a dinâmica de sua implementação exigiu
propõe três ações de política: planejamento o desenvolvimento de conceitos alternati-
estatístico estratégico para o setor, marco vos aos do SCN: a noção de campo cultural
conceitual e metodológico de caráter global e ou a definição de indicadores do emprego e
uma estratégia efetiva de divulgação e difusão. do gasto em cultura.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 95

Nesse contexto, é conveniente analisar a Culturais (MEC), da Unesco (2009), chamou


expressão campo cultural, entendida a partir esse conjunto de ciclo cultural. Tal como de-
da visão de Bourdieu (1966) como “o sistema finido, o ciclo cultural abrange o conjunto das
de relações constituído pelos agentes sociais etapas de criação, produção, difusão, exibição,
diretamente vinculados à produção, à circula- recepção, transmissão, consumo, participa-
ção, ao consumo e à apropriação das obras ar- ção e apropriação das artes e do patrimônio
tísticas” (CAB, 2015). O Marco de Estatísticas cultural (MEC, 2009).

CICLO CULTURAL

Fonte: Marco de Estatísticas Culturais (UNESCO, 2009).

Esse conceito é útil, pois sugere a exis- ajuda a compreender a taxonomia do campo
tência de interligações entre oferta e deman- cultural e sua segmentação para efeitos de
da, inclusive processos de realimentação por mensuração. Dessa maneira, o MEC propõe
meio dos quais o consumo e apropriação cul- uma taxonomia do campo cultural com pro-
tural inspiram a criação e produção de no- pósitos estatísticos, baseada em um marco de
vos produtos (MEC, 2009). Adicionalmente, domínios, como vemos no esquema a seguir:
96 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

MARCO DE DOMÍNIOS DE ESTATÍSTICAS CULTURAIS

DOMÍNIOS CULTURAIS

A. B. C. D.
PATRIMÔNIO CULTURAL APRESENTAÇÕES ARTES VISUAIS LIVROS E IMPRENSA
E NATURAL ARTÍSTICAS E E ­ARTESANATOS
CELEBRAÇÕES Livros
Museus (também virtuais) Belas-artes
Artes cênicas Periódicos e revistas
Sítios ­arqueológicos Fotografia
e históricos Música Outros materiais
Artesanatos impressos
Paisagens culturais Festivais, ­festividades
e feiras Bibliotecas
Patrimônio natural (também virtuais)

Feiras de livros

PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL


(tradições e expressões orais, rituais,
línguas, práticas sociais)

EDUCAÇÃO/CAPACITAÇÃO

ARQUIVÍSTICA E PRESERVAÇÃO

EQUIPAMENTO E MATERIAIS DE APOIO

Fonte: UNESCO, 2009.


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 97

DOMÍNIOS RELACIONADOS

E. F. G. H.
MEIOS ­AUDIOVISUAIS DESIGN E SERVIÇOS TURISMO ESPORTES E LAZER
E INTERATIVOS CRIATIVOS
Viagens contratadas Esportes
Filmes e vídeos Moda e serviços turísticos
Condicionamento
Rádio e televisão Design gráfico Hospitalidade físico e bem-estar
[também transmissão em e hospedagem
tempo real (streaming)] Design de ­interior Parques de
entretenimento
Criação de ­arquivos Paisagismo e temáticos
sonoros na internet
(podcasting) Serviços ­arquitetônicos Jogos de azar

Videogames Serviços de publicidade


(também on-line)

PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO

ARQUIVÍSTICA E PRESERVAÇÃO

EQUIPAMENTO E MATERIAIS DE APOIO


98 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Por outro lado, o Convênio Andrés ­Bello variações em relação ao MEC quanto a se-
(CAB) (2015), em seu Guia Metodológico tores e subsetores, aos quais são associados
para a Implementação das Contas-Satélites produtos (bens ou serviços) e atividades
de Cultura na Ibero-América, sugere uma características ou típicas do campo cultural
segmentação para a região com algumas para as contas-satélites.

TABELA DE SETORES E SUBSETORES DO CAMPO CULTURAL

SETOR SUBSETOR

Criação-direito de autor Literário

Musical

Audiovisual

Design Arquitetônico

Industrial ou de produtos

Gráfico

Têxtil

Moda

Joias

Publicitário

Web

Brinquedos e lojas Brinquedos e lojas de brinquedo


de brinquedo

Artes cênicas e Teatro


espetáculos artísticos
Dança

Outras formas de artes cênicas (circo, pantomima, narração, declamação etc.)

Artes plásticas e visuais Artes plásticas (inclui representações de origem mista)

Fotografia

Artes gráficas e ilustração

Música Apresentações musicais ao vivo

Edição de música

Produção fonográfica
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 99

SETOR SUBSETOR

Audiovisual e rádio Cinema e vídeo (inclui animação)

Rádio

Televisão

Jogos on-line

Videogames

Livros e publicações Livros

Publicações periódicas

Bibliotecas

Educação cultural Educação cultural informal (voltada para o lúdico)

Educação cultural formal (inclui educação superior, formação em belas-artes,


design e outras áreas)

Patrimônio material Entidades museológicas

Arquivos históricos culturais

Outros itens do patrimônio imóvel (centros históricos, monumentos históricos,


patrimônio arqueológico)

Outros itens do patrimônio móvel (antiguidades, quadros históricos etc.)

Patrimônio imaterial Festas tradicionais e pátrias

Culinárias tradicionais

Artesanatos

Línguas

Fonte: CAB, 2015.

Para definir as associações de produtos O ponto de partida para a construção


e atividades características com os setores e das Contas-Satélites de Cultura é identificar
subsetores culturais, é preciso identificá-los os produtos específicos da área, ou seja, os
utilizando as classificações e nomenclatu- característicos ou típicos e os conexos, in-
ras internacionais, exercício que ajuda a terdependentes e auxiliares (NAÇÕES UNI-
determinar uma taxonomia comum do se- DAS et al, 2008). Os produtos característicos
tor e, além disso, garante a comparabilidade ou típicos são o resultado dos processos que
entre países. se dão no campo cultural. Por exemplo: livros,
100 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

espetáculos artísticos, esculturas e exibição Para tanto, relacionam o valor da produção


de filmes e fotografias. A esses bens ou ser- de um produtor ou grupo de produtores com
viços estão associadas as atividades carac- o valor dos insumos utilizados no processo
terísticas da cultura. produtivo. O saldo obtido nessas contas se
O Guia Metodológico do CAB e o MEC chama valor agregado (CAB, 2015).
propõem a identificação dos produtos típicos Os equilíbrios oferta-utilização dos
com base na Classificação Central de Produ- produtos culturais representam a oferta e os
tos (CPC) e das atividades, na Classificação usos dos bens e serviços culturais no contex-
Internacional Industrial Uniforme (CIU) to global de uma economia, tais como consu-
das Nações Unidas, de preferência em suas mo intermediário, consumo final, formação
últimas versões ou revisões. de capital e exportações; levam em conta não
Os produtos conexos, interdependen- apenas os produtos culturais produzidos ou
tes e auxiliares, por sua vez, são de inte- consumidos por residentes, mas também os
resse porque o conceito de gasto cultural exportados ou importados (CAB, 2015).
abrange claramente seus usos, ou seja, os Por outro lado, a análise do gasto apre-
usos necessários para consumir, participar senta o que é gasto com cultura pelos agentes
ou apropriar-se do conteúdo cultural, mas residentes (inclui a aquisição de bens e ser-
também o que é preciso para desenvolver viços produzidos no exterior) ou pelos que
atividades econômicas ou práticas culturais financiam esse tipo de gasto; em particular,
(CAB, 2015). Por exemplo, câmeras fotográ- estuda a importância do gasto da autoridade
ficas, projetores de cinema, dispositivos di- pública ou de terceiros destinado a facilitar
gitais e pincéis. o acesso à cultura, os mecanismos utilizados
Segundo o Guia Metodológico do CAB, e quem se beneficia direta e indiretamente
o sistema de informação das contas-satéli- desses desembolsos.
tes abrange: A análise do emprego e do trabalho
ajuda a compreender a relação entre as ati-
• as contas de produção e de geração vidades produtivas culturais, o emprego e a
de renda; força de trabalho, e constitui uma ferramen-
• os equilíbrios oferta-utilização; ta para abordar a economia não observada
• a análise do gasto e do seu financia- (CAB, 2015). Assim, a análise proposta nas
mento; Contas-Satélites de Cultura incorpora dados
• a análise do trabalho e do emprego; sobre a economia formal e informal do setor.
• os indicadores complementares. Os indicadores complementares pro-
porcionam informação adicional, monetária
As contas de produção e de geração da e não monetária, sobre a oferta e a procura
renda das atividades características permi- de bens e serviços. Além disso, permitem
tem que se conheça o resultado dos proces- comparar e realimentar a informação gerada
sos produtivos típicos do setor cultural e o pelas contas, já que estas só se expressam em
valor que agregam ao conjunto da economia. valores monetários (CAB, 2015).
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 101

Em resumo, as contas-satélites consti- Particularidades na mensuração de


tuem um sistema contábil coerente e orga- cada país dificultaram a comparabilidade
nizado que fornece informação econômica dos resultados; uma delas são os arcabou-
relevante e apoia a tomada de decisões vol- ços conceituais e metodológicos utilizados.
tadas para a elaboração de políticas públicas A seguir descrevemos brevemente o estado
e a alocação e a distribuição do gasto público, atual das experiências internacionais fora da
assim como para as estratégias de produtores região ibero-americana.
e agentes econômicos do setor cultural.
Oceania
2. Desenvolvimento das CSC Os primeiros resultados das Contas-Sa-
no mundo télites de Cultura do continente australiano
Os primeiros países a abordar o desen- foram publicados em 2014 e correspondem
volvimento das Contas-Satélites de Cultura, à série 2008-2009. Os resultados atuais es-
nas décadas de 1970 e 1980, foram a Finlân- timam que a atividade cultural e a criativa
dia e a França; no entanto, os pioneiros em contribuem em média com 6,9% do produto
implementá-las e publicar resultados foram interno bruto australiano, mais do que os se-
a Colômbia, em 2007, e a Finlândia e a Espa- tores de agricultura, transporte, telecomuni-
nha, em 2009. cações e educação (AUSTRALIAN BUREAU
A década atual foi prolífica em desenvol- OF STATISTICS, 2014).
vimento das CSC. Aos países que fizeram suas O campo de mensuração das contas
primeiras mensurações somaram-se Estados abrange: museus, patrimônio natural, livrarias
Unidos, Reino Unido, Austrália, República e arquivos, literatura e mídia impressa, artes
Tcheca, Polônia, alguns da região Ásia-Pací- cênicas, design, multimídia e filmes, composi-
fico (CEPAL; OEI, 2015) e quase todos os da ção musical, artes visuais e artesanato, design
região ibero-americana (CAB, 2015). de moda, outros bens de manufaturas e ven-
Uma característica comum a esses paí- das, e atividades de apoio à cultura; seu alcan-
ses é que a maioria conta com parcerias de ce temático inclui a mensuração do produto
trabalho entre as instituições responsáveis interno bruto e do emprego (AUSTRALIAN
pelas políticas culturais, os institutos de es- BUREAU OF STATISTICS, 2014).
tatísticas oficiais e as organizações que rea-
lizam as contas nacionais. Essas associações América do Norte
garantem a troca de informação, conheci- Canadá e Estados Unidos dispõem de
mentos e experiência em relação a esse tipo Contas-Satélites de Cultura com resultados
de mensurações. Na Austrália, na Finlândia consolidados desde 2010 e 2013, respecti-
e nos países da região ibero-americana, as vamente. No Canadá, os setores estudados
parcerias entre o Instituto ou Ministério da são: patrimônio cultural e livrarias, artes
Cultura e a instituição de estatísticas oficiais visuais e aplicadas, artes cênicas, escrita e
permitiram avanços significativos em breves publicações, educação e treinamento, música
períodos de tempo. gravada, audiovisual e multimídia interativa,
102 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e, por fim, governo, fundações e suporte pro- Ministério da Educação e Cultura e do Ins-
fissional para a cultura. Sua contribuição à tituto Nacional de Estatísticas da Finlândia.
economia total foi de 3% no período 2010- Abrangem as seguintes áreas: atividades
2014. Destacam-se nessas contas a visão artísticas, teatrais e concertos; bibliotecas,
nacional e a territorial, pois a contribuição arquivos e museus; lojas de arte e anti-
é calculada em dois níveis (GOVERNO DO guidades; atividades de produção e distri-
CANADÁ, 2017). buição de livros; periódicos; produção e
Nos Estados Unidos, por sua vez, essas distribuição de filmes e vídeo; fabricação
contas são chamadas de Contas-Satélites das e venda de instrumentos musicais; grava-
Artes e da Produção Cultural; foram publica- ções musicais; rádio e televisão; atividades
das em 2014 e existe uma de impressão; publicida-
série de 1998 a 2012. Com- Os dados das contas em cada de, projeto arquitetônico
preendem os subsetores continente permitem evidenciar e industrial; fotografia;
de: radiodifusão, fotografia diferenças no campo de parques de diversões, jo-
e indústria do vídeo, publi- mensuração, nas classificações gos e outras atividades
e nos arcabouços conceituais e
cações, comércio varejis- recreativas; fabricação e
metodológicos adotados como
ta, artes cênicas e artistas venda de artigos eletrôni-
base para a elaboração das
independentes, e publici- contas-satélites. cos para entretenimento;
dade. Sua contribuição ao organização de eventos
produto interno bruto dos Estados Unidos é culturais; indústrias esportivas, educação
de 4,3% (NATIONAL ­ENDOWMENT FOR e administração cultural (STATISTICS
THE ARTS, 2013). FINLAND, 2016).
O Reino Unido, por sua vez, trabalhou
Europa nas primeiras abordagens das Contas-Sa-
O continente europeu é referência por télites de Cultura já em 2008, por meio de
seus trabalhos pioneiros de abordagem das um programa de pesquisa dos subsetores
Contas-Satélites de Cultura. Destaca-se culturais que trata de: financiamento pú-
nesse grupo a Finlândia, com uma série de blico, contribuição econômica do setor, em-
resultados do período 1995-2008, exercício prego, produção, crescimento, estimativas
piloto realizado em 2007, de acordo com a das contribuições indiretas como turismo.
Classificação Industrial Padrão 2002, que O encarregado desse trabalho foi o organis-
constatou a contribuição de 3% das Con- mo responsável pelas políticas culturais no
tas-Satélites de Cultura ao produto interno país, o Department of Culture, Media and
bruto. Os resultados mais recentes (série Sport (DCMS).
2008-2014) correspondem à Classificação Entre os domínios de estudo estão: an-
2008 e mostram um aporte à economia geral tiguidades, museus e galerias, exportação de
de 2,9% (STATISTICS FINLAND, 2016). objetos de interesse cultural, jogos, indús-
Nesse país, as contas foram elabo- trias criativas e telecomunicações. Como
radas graças à conjugação de esforços do domínios alternativos, temos os esportes e o
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 103

turismo (DCMS, 2016). As séries calculadas atividades de impressão, rádio e televisão, edi-
são dos anos 2008 a 2014, foram publicadas ção de programas, publicação de periódicos e
pelo DCMS em outubro de 2016 e informam de livros. Foram calculados para tais setores a
uma contribuição estimada da cultura ao produção, o valor agregado e o emprego.
produto interno bruto do Reino Unido de
13,3%. Apresentam também exportações Ásia
equivalentes a 17,2% do total de exportações O grupo de países da rede da Ásia-Pa-
do país e importações de 14,6% do total das cífico está trabalhando no desenvolvimento
importações nacionais (DCMS, 2016). de mensurações do setor cultural por meio
A República Tcheca publicou os pri- do arcabouço oferecido pelas contas-saté-
meiros resultados das contas-satélites em lites, mas ainda não se dispõe de resultados
2012, abrangendo os subsetores de patri- oficiais dessas mensurações.
mônio, artes cênicas, artes visuais, livros e
imprensa, tecnologias audiovisuais e inte- Os dados das contas em cada continente
rativas, arquitetura, publicidade e educação permitem evidenciar diferenças no campo de
cultural. Para a ocasião, foram calculadas mensuração, nas classificações e nos arca-
as séries 2009-2010, analisando emprego, bouços conceituais e metodológicos adotados
gasto público, investimento, importação, como base para a elaboração das contas-saté-
exportação, renda, consumo intermediá- lites. Além disso, os anos utilizados também
rio, consumo dos domicílios, valor agrega- variam de um país para o outro. Dessa manei-
do bruto e produto interno bruto cultural ra, e apesar da aceitação das CSC no âmbito
(CEPAL; OEI, 2015). internacional, as comparações internacio-
A Romênia é outro dos países europeus nais ainda são inviáveis porque não existe
que desenvolveram as CSC, que foram elabo- um arcabouço metodológico que permita o
radas em coordenação com o Escritório de desenvolvimento unificado das contas. O que
Direitos de Autor da Romênia, o Centro de constitui um desafio cuja superação permi-
Estudos e Pesquisas no Campo da Cultura tiria recomendar ações e estratégia para a
e o Instituto Nacional de Economia. Essas elaboração e a análise de políticas públicas
três entidades trabalharam durante 2008 culturais de caráter global e regional.
no cálculo do valor agregado das atividades
culturais, com uma contribuição de 3,8% 3. Metodologia para a pesquisa
para a economia total do país (GOVERNO de experiências das CSC na
DA ROMÊNIA, 2017). Ibero-América
Nesse país, os resultados correspondem Este documento de trabalho tem a fi-
ao período 2000-2005, e os setores contem- nalidade de conhecer a situação atual da
plados foram: produção de vídeo e filmes para implementação das CSC na Ibero-América,
cinema, criação literária e artística, artes as realizações que esse tipo de mensuração
cênicas, produtos de consultoria e softwa- propiciou e os desafios que os responsáveis
re, publicidade, edição de música gravada, por sua elaboração enfrentam.
106 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Para tanto, foi feita uma pesquisa nos classificações ou os marcos conceituais. Em
países da região por meio da coleta de infor- alguns casos, não é fácil ter acesso a dados
mação pública oficial consultada em docu- sobre os países nas instituições encarregadas
mentos, notícias e textos de páginas da web, de sua divulgação e difusão, o que implicou
relatório de imprensa ou peças de comunica- uma busca avançada para localizá-los.
ção das entidades responsáveis por sua ela-
boração ou difusão em cada país, ou seja, dos 4. Avanços na implementação
ministérios ou instituições de cultura, ins- das CSC na Ibero-América
titutos oficiais de estatísticas ou entidades Os esforços de governos ibero-ame-
multilaterais que apoiaram a elaboração das ricanos e organismos multilaterais que
contas-satélites na região, tais como Organi- intervêm na região concentraram-se no de-
zação dos Estados ­Ibero-Americanos (OEI), senvolvimento de sistemas de informação
Organização dos Estados Americanos (OEA) que gerem dados com base nos quais possam
e Convênio Andrés Bello (CAB). tomar decisões adequadas para as políticas
Com tal propósito, foram criadas três públicas do setor. Por essa razão, as iniciati-
matrizes que deram apoio à indagação de vas do Banco Interamericano de Desenvol-
características das contas-satélites, de vimento (BID), da OEA, da OEI, do CAB, da
acordo com os avanços realizados pelos Comunidade Andina de Nações (CAN), da
países da região. A primeira matriz reuniu Coordenação Educacional e Cultural Cen-
dados metodológicos das contas-satélites; tro-Americana (Cecc/Sica), do Sistema de
a segunda, informação sobre os resultados Informação Cultural do Mercosul (Sicsur)
obtidos pelos países em suas mensura- e da Comissão Econômica para a América
ções; e a terceira, dados relacionados com Latina e o Caribe (Cepal) recomendaram e
as fontes de informação utilizadas para a apoiaram o referido tipo de mensuração.
elaboração das contas e com as entidades Nesse contexto, apresentaram-se os da-
responsáveis por sua geração. dos obtidos na pesquisa sobre as experiências
A análise da informação foi meramente na Ibero-América dos 21 países que formam
descritiva, usando as ferramentas da metodo- a região. Assim, foi possível constatar que 13
logia qualitativa, motivo pelo qual uma parte deles implementaram as CSC e dispõem de
dela foi feita através do programa NVivo, que resultados consolidados, 5 estão em processo
permitiu a identificação de palavras mais fre- de implementação ou interessados em sua
quentes e de informações-­chave para a des- elaboração, e em 3 não foi possível determi-
crição das contas-satélites de cada país. nar se existe interesse nesse tipo de mensu-
A coleta de dados enfrentou certas li- ração ou se avançaram em sua elaboração.
mitações, pois alguns dos documentos não
tinham data de publicação ou os resultados 4.1. Países com implementação
foram divulgados por meio de coletivas de e resultados
imprensa e boletins informativos que não Os países que formam o referido gru-
especificam a metodologia utilizada, as po são: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 107

Costa Rica, Equador, Espanha, Guatemala, de Cultura: Manual Metodológico para sua
México, Peru, Portugal, República Domini- Implementação na América Latina (2009)
cana e Uruguai. A maioria desses países já e Guia Metodológico para a Implementação
publicou seus dados e notas metodológicas das Contas-Satélites de Cultura na Ibero­-
em mídias como páginas da web, notas à im- América (2015).
prensa ou peças comunicativas. No entanto, O manual do CAB em sua versão 2009
países como Equador, Bolívia e Peru publi- foi o marco mais utilizado pelos países.
caram seus dados em conjunto como Con- Neste grupo estão: Bolívia, Colômbia, Cos-
tas-Satélites da Área Andina, e por isso suas ta Rica, Equador, Guatemala, México, Peru
notas metodológicas e resultados aparecem e Uruguai. Por outro lado, o MEC é usado
em uma publicação única. como base conceitual nas mensurações de
Para esse primeiro bloco de países, co- Chile, Espanha, México, República Domi-
letou-se a informação relativa às três ma- nicana e Uruguai. Além disso, o Guia Me-
trizes propostas: todológico do CAB em sua versão 2015 foi
implementado apenas por Colômbia e Re-
4.1.1. Matriz de aspectos metodológicos pública Dominicana.
Essa matriz engloba as variáveis: fon- É importante ressaltar que os países
te de consulta, entidades responsáveis pela da região situados na Europa implemen-
elaboração das contas, bases metodológicas taram marcos diferentes. Por exemplo: a
utilizadas, objetivo, alcance temático, limi- Espanha utiliza em suas bases metodoló-
tações da mensuração e desafios. gicas o Sistema Europeu de Contas (SEC),
No que tange às entidades respon- o relatório final sobre estatísticas cultu-
sáveis pelo desenvolvimento das CSC na rais do ­Leadership Group on Culture Sta-
Ibero-­América, a situação não é muito di- tistics (LEG) e o relatório final de cultura
ferente das experiências de outros conti- do European Statistical System Network
nentes. Na maioria dos países, constatou-se on Culture (ESSnet), estes últimos divul-
que a responsabilidade por sua elaboração gados pela Comissão Europeia em 2010 e
recai nos ministérios, institutos ou secre- 2012, respectivamente. Portugal, por sua
tarias da Cultura em parceria com as insti- vez, utiliza para a mensuração das contas o
tuições oficiais de estatísticas. Países como Manual do Sistema Europeu de Contas Na-
Chile, Costa Rica e República Dominicana cionais e Regionais, SEC 2010, e o Sistema
fizeram, além disso, acordos com seu res- Estatístico Europeu para a Rede Cultural,
pectivo Banco Central, entidade que em de 2012. Também é o caso do Chile, que
algumas oportunidades é a encarregada adota as diretrizes da Organização para a
do desenvolvimento de contas nacionais e Cooperação e Desenvolvimento Econômico
­contas-satélites. (OCDE) para a implementação das CSC, e
As bases conceituais e metodológicas do México, que aplica as recomendações da
incluem o MEC e as metodologias propostas Organização Mundial da Propriedade Inte-
pelo CAB nos documentos: Contas-Satélites lectual (Ompi).
108 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Há outros países da região, como Ar- é estratégica: os países que centraram sua
gentina, Colômbia, Costa Rica, México e mensuração na produção e, por conseguin-
República Dominicana, que utilizam adi- te, no valor agregado ganharam visibilidade
cionalmente os arcabouços de suas contas perante outros setores pelo cálculo de sua
nacionais ou o Manual do SCN 2008. contribuição ao conjunto da economia. O
Além disso, as classificações e nomen- mesmo ocorre com a variável emprego; o
claturas mais utilizadas são a CIU e a CPC cálculo da contribuição à força produtiva
para atividades e produtos culturais, respec- de um país é um dado relevante na hora de
tivamente, tal como recomendam o MEC e negociar o orçamento do setor.
os documentos do CAB. No entanto, muitos As variáveis que se seguem à produ-
países não adaptaram suas mensurações às ção e ao valor agregado em importância são
revisões mais atuais. Por exemplo: Chile e emprego e comércio exterior, já que 69% e
Colômbia utilizam a CIU Rev3; Argentina, 62% dos países, respectivamente, efetuaram
Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala e mensurações sobre esse tipo de informação.
Peru, revisões anteriores à CPC Rev 2. Es- Adicionalmente, registra-se uma porcen-
panha, Portugal e México, por sua vez, usam tagem importante para a análise do gasto,
classificações diferentes das utilizadas pe- pois 54% dos países o abordaram na men-
los demais países da região, com as quais sua suração das CSC.
comparabilidade se torna inviável sem um Quanto às limitações que os países en-
trabalho estatístico adicional. frentam para elaborar as contas, as mais fre-
Em relação ao alcance temático, os da- quentes foram: escassez de informação para
dos confirmam que a maioria dos países da o setor cultural, desagregação inadequada
região avançou na mensuração da produção para obter dados dos subsetores e informa-
e do valor agregado cultural. A exceção é a lidade característica da atividade cultural, o
República Dominicana, que iniciou seu pro- que dificulta a obtenção de informação.
cesso de elaboração pela análise do consumo Por último, os países destacam como
cultural e do gasto, ao passo que todos os paí- principal desafio o uso dos dados gerados
ses contam com resultados sobre produção para a tomada de decisões na formulação e
e valor agregado, como mostra a nuvem de análise das políticas públicas e na distribui-
frequências na página ao lado. ção eficiente dos recursos.
Isso pode ser explicado por várias ra-
zões, uma das quais é que vários países da 4.1.2. Matriz de avanços em cálculos
região iniciaram recentemente os seus pro- e cobertura
cessos de mensuração; assim, a disponibili- A segunda matriz engloba as variáveis
dade de informação sobre a oferta é maior ano-base, série disponível, ano mais recente
em razão do fato de que uma proporção de publicação, contribuição do valor agregado
importante de países conta com estatísti- à economia nacional e setores cobertos.
cas econômicas que facilitam o cálculo de A análise dos dados mostra que os
indicadores por essa via. Outra das razões anos-base utilizados como referência para
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 109

NUVEM DE PALAVRAS MAIS FREQUENTES NA VARIÁVEL ALCANCE TEMÁTICO

Fonte: elaboração própria, NVivo.


110 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

os cálculos das CSC estão entre 2001 e 2011. causa da disponibilidade da informação, da
A Guatemala e a Argentina utilizam as ba- desagregação no país, o que, por sua vez, pode
ses 2001 e 2004, respectivamente. Os países levar à subestimação nos setores.
com anos-base mais recentes são Costa Rica Nesse grupo de países, os setores me-
e Portugal. O ano que aparece com maior didos com maior frequência são livros e pu-
frequência como base econômica é 2007, blicações, artes cênicas e audiovisual e rádio,
isso porque um grupo de países elaborou as preferidos pela disponibilidade de informa-
CSC em conjunto: Equador, Peru e Bolívia. ção e por serem nucleares no campo cultu-
Além disso, as séries mais longas de dados ral. Os setores que constituem um desafio de
disponíveis são as da Argentina, Colômbia mensuração para os países são patrimônio
e Espanha, que abarcam dez ou mais anos imaterial e criação, em virtude da dificuldade
de mensuração. da metodologia para sua mensuração, assun-
O ano mais recente para o qual há re- to ainda em discussão, e da disponibilidade
sultados publicados é o de 2016, no caso de de informação para abordar sua valoração.
nove dos 13 países que formam esse bloco.
O ano mais distante é o informado pelo 4.1.3. Matriz de fontes de informação
Chile, país que divulgou em 2010 um docu- A terceira matriz contém dados sobre
mento com dados abordando as Contas-Sa- os tipos de operações estatísticas utiliza-
télites de Cultura. das nas CSC, as entidades encarregadas de
As contribuições do valor agregado cul- gerá-las e os anos disponíveis. Assim, com-
tural às economias nacionais vão de 0,6% no prova-se que as fontes mais utilizadas são as
Uruguai a 3,1% na Espanha. A mediana das pesquisas e os registros administrativos. Isso
contribuições às economias é de 1,6% e a sugere aos países da região o fortalecimento
média de 1,8%, o que mostra uma distribui- da geração de dados por meio de operações
ção assimétrica dos dados do valor agregado menos onerosas e o aproveitamento dos
no momento, que pode ser explicada pelas dados gerados por diferentes motivos nas
diferentes coberturas de mensuração con- administrações públicas.
seguidas pelos países. Constatou-se também que, na maioria
Nesse sentido, evidencia-se que ne- dos casos, as entidades produtoras desse tipo
nhum dos países cobriu 100% dos setores de informação são os institutos oficiais de es-
propostos pelo Guia Metodológico do CAB tatísticas; assim sendo, é preciso que ocorra
(2015) ou pelo MEC da Unesco (2009). uma parceria fina entre os responsáveis pela
Ainda assim, destacam-se Colômbia, que elaboração das CSC e tais instituições.
atingiu 82% de cobertura, Espanha, 73%, e Em relação aos períodos disponíveis,
Argentina, Costa Rica, Portugal e República evidencia-se nos últimos anos uma produ-
Dominicana, que cobriram mais de 50% do ção continuada dos dados. Em alguns casos,
campo cultural em suas mensurações. É im- a periodicidade de produção é anual, o que
portante ressaltar que a mensuração de um asseguraria resultados permanentes; em ou-
setor, mesmo coberto, pode ser parcial por tros casos, contudo, os dados são produzidos
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 111

NUVEM DE FREQUÊNCIA DAS FONTES DE INFORMAÇÃO DAS CSC

Fonte: elaboração própria, NVivo.


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 113

a cada dois ou três anos. Nesse sentido, su- relacionadas com a atividade do campo cul-
gere-se a definição de uma periodicidade das tural objeto de pesquisa, como bibliotecas,
contas de acordo com a da produção estatís- museus, sítios arqueológicos, estações de
tica que serve de base para sua elaboração. rádio, entre outros (DIGESTYC, 2017).

4.2. Países em processo Hoje estão disponíveis os dados de


de implementação 2005-2010 relativos a bibliotecas univer-
O grupo que está em processo de im- sitárias nacionais, leitores por sexo e obras
plementação ou interessado na elaboração consultadas. Além disso, há informação
das CSC é formado por Brasil, El Salvador, sobre visitas a bibliotecas, empréstimos e
Honduras, Panamá e Paraguai. Esse grupo de obras ­consultadas.
países está realizando os trabalhos prepara- Os avanços de Honduras na mensu-
tórios para a elaboração das CSC. ração da cultura são efetuados através da
No Brasil, a institucionalidade encar- Secretaria de Cultura, Artes e Esportes e do
regada das contas é formada pelo Ministé- Banco Central de Honduras. Conseguiu-se
rio da Cultura, pelo Instituto Brasileiro de consolidar um Sistema de Informação Cul-
Geografia e Estatística (IBGE) e pela Univer- tural no país, que coleta informação sobre
sidade de São Paulo (USP). Como trabalho os agentes e as instituições culturais, que
preparatório para a elaboração das contas, pode servir de insumo para a construção de
destacam-se dois documentos técnicos. O diretórios e o levantamento de informação
primeiro contém a cartografia e a análise de básica para as CSC.
operações estatísticas que geram informa- No Panamá, o Instituto Nacional de
ção relevante para as CSC; o segundo inclui Estatística e Censo (Inec) realizou duran-
um mapeamento detalhado da informação te 2015 o marco de estatísticas culturais
complementar e dos indicadores necessários do país, por meio de uma pesquisa sobre
para a elaboração das CSC. Além disso, o país as operações e registros administrativos
conta com um caderno metodológico, bases disponíveis do setor cultural, que identifi-
de dados culturais e cadernos de consolida- cou a informação básica necessária para a
ção histórica, com métodos e dados úteis elaboração das contas. O trabalho efetua-
para a elaboração das contas. do permitiu também que fosse proposto
Em El Salvador, a Direção-Geral de Es- um arcabouço metodológico de base para a
tatística e Censo é a entidade encarregada da mensuração da cultura. As conclusões do
elaboração das CSC. Destacam-se os esfor- documento assinalam que, embora exista in-
ços realizados para gerar informação básica formação disponível que pode dar suporte ao
por meio de um sistema que cálculo das CSC, é preciso gerar informação
adicional no país. Durante 2016, a Equipe de
abrange as atividades culturais e Estatísticas Sociais do Inec iniciou os traba-
tem como principal finalidade reunir em lhos de coleta de informações sobre dados de
um quadro estatístico o conjunto de cifras cultura que serão os insumos para as contas.
114 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Espera-se que saia em 2017 a primeira pu- contas começaria pela mensuração do setor
blicação de resultados da informação cultu- audiovisual, trabalho ainda em andamento
ral básica e que comecem os trabalhos das junto com a mensuração de outros setores
CSC no Panamá. culturais (SCN, 2017).
A Secretaria Nacional de Cultura (SNC) Em resumo, o grupo de países que
é a instituição responsável pelas políticas pú- iniciaram o processo de implementação já
blicas culturais no Paraguai. Em dezembro conta com avanços na mensuração das CSC,
de 2014, foi realizada uma jornada sobre as pois foram formadas as equipes de traba-
CSC, organizada pela SNC com o apoio da lho, realizadas atividades de mapeamento
Comissão Econômica para e identificação de dados dis-
a América Latina e o Caribe [...] identificou-se que poníveis ou possíveis de ser
(Cepal), com o propósito de os países da Ibero-América gerados no curto prazo, e o
que implementaram as CSC
convocar os atores envolvi- campo cultural foi explora-
não atingiram cobertura
dos na geração da informa- do conceitualmente.
total com a mensuração em
ção necessária à elaboração razão das características da Na região há três países
das CSC, entre os quais es- informação de base [...] com relação aos quais não
tavam: Sistema Nacional foi possível definir interesse
de Cultura do Paraguai, Direção-Geral de ou avanços na mensuração das CSC: Cuba,
Sondagens, Estatísticas e Censos, Ministé- Nicarágua e Venezuela. Não obstante, Cuba
rio da Educação e Secretaria de Estado de gerou no Ministério da Cultura um sistema
Tributação (SCN, 2017). de indicadores culturais adequados para a
Nesse encontro foi apresentada a infor- economia do país (grande parte da qual não
mação cultural disponível para o trabalho e é de mercado), e a Venezuela conta com ope-
proposta a instalação de um grupo de traba- rações estatísticas culturais de procura cul-
lho técnico de caráter interinstitucional e tural que podem ser um insumo importante
intersetorial para a troca de conhecimento para seu desenvolvimento.
e informação, no intuito de iniciar o processo
de elaboração das contas (SCN, 2017). Em Conclusões e ações recomendadas
2015, também foi realizado o Seminário Re- para o desenvolvimento e a
gional de Contas-Satélites de Cultura, com sustentabilidade das CSC
o apoio da Cepal e da OEI e a participação Os resultados obtidos permitem a con-
de peritos da América Latina. Os trabalhos firmação de três desafios importantes que os
tiveram início em dezembro de 2015, sob a responsáveis pelas CSC enfrentam em rela-
liderança da SNC e com o apoio das institui- ção a seu desenvolvimento e sustentabilidade.
ções envolvidas com o setor cultural e das Em primeiro lugar, identificou-se que
que coletam informações ou produzem regis- os países da Ibero-América que imple-
tros administrativos que servem de insumos mentaram as CSC não atingiram cober-
para a elaboração das CSC. Decidiu-se, além tura total com a mensuração em razão das
disso, que o processo de mensuração das características da informação de base: não
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Liliana Patricia Ortiz Ospino 115

só sua insuficiência ou inexistência, mas Por fim, e não menos importante, men-
também sua desagregação, oportunidade e cionemos o uso da informação gerada nas
disponibilidade. Nesse sentido, como ação CSC para o objetivo em virtude do qual sua
de política pública destinada a melhorar construção recebeu apoio. O bloco ibero-a-
a informação do setor, pro- mericano constatou a impor-
põe-se a realização, junta- O bloco ibero-americano tância de contar com esse tipo
mente com a construção constatou a importância de informação, mas ainda há
das contas, de processos de de contar com esse tipo de pouquíssimos exercícios de
planejamento estatístico do informação, mas ainda há utilização desta em avanços
pouquíssimos exercícios
setor. O processo de plane- em pesquisas para o desenvol-
de utilização desta em
jamento estatístico permite: vimento do setor com vistas à
avanços em pesquisas para
eliminar as assimetrias de o desenvolvimento do tomada de decisões de políti-
informação entre produtores setor com vistas à tomada cas públicas e privadas. Por
de dados básicos, usuários de decisões de políticas isso, uma das ações consiste
da informação e decisores; públicas e privadas. em desenvolver uma estra-
atualizar de maneira perma- tégia de divulgação e difusão
nente os sistemas estatísticos; fortalecer efetivas e inteligentes da informação produ-
as estatísticas básicas; evitar duplicidade zida nas CSC e, além disso, propor as formas
de esforços na produção de dados básicos; e de articulação dos dados e sua utilidade para
aumentar a confiabilidade do setor cultural a elaboração, o monitoramento e a avaliação
e das estatísticas nacionais em geral. das políticas públicas culturais.
O segundo desafio diz respeito à viabili- As três recomendações feitas têm alta
dade das comparações internacionais, que se probabilidade de ser implementadas porque
evidencia pela utilização de diferentes bases implicam, adicionalmente, o uso eficiente
conceituais e metodológicas para a elabora- dos recursos disponíveis, o aumento da cre-
ção das Contas-Satélites de Cultura. Nesse dibilidade da cultura e a elevação da qualida-
sentido, a ação estratégica proposta é a uni- de do atendimento nas intervenções públicas
ficação conceitual e metodológica por meio e privadas no setor cultural.
de um marco conceitual e metodológico de Em conclusão, é possível afirmar que,
mensuração de caráter global que inclua um embora alguns ajustes ainda sejam neces-
núcleo básico de comparabilidade e, ao mes- sários, as CSC constituem um sistema de
mo tempo, mensurações alternativas que se informação muito completo que propicia o
adaptem às necessidades e particularidades conhecimento da situação do setor cultural
do setor cultural de cada país. Assim se con- nos países. De acordo com os resultados da
seguiriam não apenas a comparabilidade en- pesquisa, a Ibero-América é a região com
tre nações, mas também o desenvolvimento mais experiência nesse tipo de mensuração,
de iniciativas tendentes a unir esforços de que pode ser considerado como proposta e
desenvolvimento do setor cultural de países aposta para os avanços na produção de in-
com características ­similares. formação cultural no mundo.
116 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Liliana Patricia Ortiz Ospino


É engenheira industrial pela Universidad del Norte, com mestrado em políticas
públicas pela Universidad de los Andes e pós-graduação em gerência e gestão cultural
pela Universidad del Rosario. Trabalhou durante nove anos no Departamento Admi-
nistrativo Nacional de Estadística (Dane) como responsável pelas Contas-Satélites de
Cultura da Colômbia. É coautora das obras Guia Metodológico para a Implementação das
­Contas-Satélites de Cultura na Ibero-América, publicada pelo Convênio Andrés Bello, e
Metodología de las Cuentas Satélite de Cultura de Colombia. Também é autora de vários
artigos sobre os sistemas de informação do campo cultural. Foi membro do grupo de
trabalho que discutiu e elaborou a proposta do Marco de Estatísticas Culturais (MEC),
da Unesco. Participou da transferência de conhecimento para a elaboração das Contas-
-Satélites de Cultura de Cuba, Brasil, Chile, Peru, Argentina, Uruguai, Honduras, Espanha,
Costa Rica e Equador, bem como da concepção dos sistemas de informação cultural de
Equador, República Dominicana e Panamá. Atualmente é funcionária da Auditoría Gene-
ral de la República, entidade em que elabora e coordena a implementação de políticas
públicas de controle fiscal, elabora metodologias, recomendações e políticas de gestão
e vigilância fiscal dos recursos destinados a setores econômicos, como a cultura. É cate-
drática de graduação e ­pós-graduação da Facultad de Estudios de Patrimonio Cultural
da Universidad Externado de Colombia.

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120 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ESTUDO DE CASO:
URUGUAI
Diego Traverso

Em uma realidade cada vez mais em transformação pelo progresso nas áreas das comu-
nicações e das novas tecnologias, a utilização de indicadores no domínio da política pública
deveria nos levar a saber qual é a eficácia das políticas públicas. Neste artigo, faz-se uma reflexão
sobre a utilização de indicadores, o que medir, para que medir e até que ponto medir, usando
como exemplo o caso uruguaio no desenvolvimento da Conta-Satélite de Cultura (CSC).

N
a América Latina, o uso de indi- configurações. Essas instituições terão de
cadores e estatísticas culturais no pensar em objetivos nesse contexto cada vez
setor público tem relativamente mais em transformação para que sejam me-
pouco tempo. A mudança ocorrida na forma didos por indicadores objetivos.
como a esfera pública tem tratado a cultura No Uruguai, a criação do Departamento
nas últimas décadas foi radical nos países de Indústrias Criativas (Dicrea) como parte
da América do Sul; na maioria dos países do da Diretoria Nacional de Cultura (DNC), em
continente, a política pública na matéria foi 2007 – que tem entre seus objetivos a ela-
formalmente institucionalizada nos ministé- boração e a sistematização da informação
rios da Cultura. Isso implica necessariamen- relativa ao setor cultural –, institucionali-
te uma nova forma de pensar a intervenção zou no setor público um escopo de referên-
do Estado nessa área, sendo os indicadores cia para desenvolver e analisar a informação
fundamentais para saber se os esforços pú- cultural. No âmbito do Dicrea, foi criado o
blicos são ou não eficazes. Sistema de Informações Culturais (SIC),
Ao mesmo tempo, o contexto em que que sistematizou e analisou informações dos
se enquadram as novas políticas culturais é setores culturais, encerrando esse processo
complexo. A crescente globalização gera uma com o desenvolvimento da Conta-Satélite
tensão com os projetos culturais nacionais, de Cultura (CSC) do Uruguai, realizada pela
em um contexto de rápidas mudanças nas primeira vez em 2012.
formas de comunicação e na convergência Mas não só o Uruguai tem avançado na
tecnológica no âmbito das novas tecnologias. quantificação das informações relativas ao
Isso aumenta a complexidade no momento setor cultural. No Mercosul Cultural, o Sis-
de tratar de sua gestão com estruturas insti- tema de Informação Cultural do Mercosul
tucionais que não se encaixam nessas novas (Sicsur) quantificou informações sobre o
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diego Traverso 121

produto interno bruto (PIB) cultural, o orça- A ideia naquele momento foi realizar o estu-
mento público destinado à cultura e ao co- do a cada dois ou três anos; portanto, o próxi-
mércio exterior cultural, em uma tentativa mo estudo será realizado em 2018.
de gerar informações com uma metodologia
em comum entre todos os países participan- O que medir?
tes, a fim de compará-los entre si e conse- Embora a importância econômica e
guir obter uma visão regional. Vários países social das atividades culturais seja pratica-
da região têm avançado no sentido de estru- mente indiscutível, não há consenso sobre
turar Contas-Satélites de Cultura, como é a forma de defini-las, ou seja, sobre quais
o caso da Colômbia, do Chile, da Argentina atividades devem ser consideradas nesse
e do Equador. Outros países, como Brasil, setor e quais, apesar de sua afinidade, não
Peru, Bolívia e países da América Central, devem ser tratadas como indústria cultu-
estão trabalhando em sua implementação. ral ou pertencentes ao complexo cultural
No Uruguai, o Departamento de Indústrias de determinado país, para depois tentar
Criativas, em convênio com a Universidade compreendê-las por algum tipo de medi-
da República e, mais precisamente, com a ção. Consequentemente, tampouco existe
Faculdade de Ciências Econômicas e Ad- um único critério para o cálculo do valor
ministração, começou a tra- das indústrias culturais em
balhar na implementação da Embora a importância cada país e, portanto, para
econômica e social das
Conta-Satélite de Cultura em determinar sua contribuição
atividades culturais seja
2009, fornecendo estatísticas para o PIB. No entanto, é ne-
praticamente indiscutível,
sobre o setor cultural com não há consenso sobre a cessário ter uma abordagem
uma metodologia de Contas forma de defini-las. pragmática, motivo pelo qual
Nacionais (CN). Esse estu- se deve ter uma definição
do foi o primeiro realizado no Uruguai no precisa de cultura. Integrar a cultura por
campo dos indicadores culturais que podem meio de uma CSC a um sistema de contas
ser comparados nos âmbitos internacional nacionais pode posicioná-la como mais um
e intersetorial no país. O Uruguai nunca ti- setor econômico com tudo o que isso impli-
nha realizado uma série de indicadores com ca: realizar comparações com os demais se-
tais características. tores e – à medida que os países avançarem
A CSC no Uruguai não é realizada – comparar o peso dos setores culturais no
anualmente por causa dos custos em um con- âmbito nacional, visualizando também sua
texto de orçamento público bastante restrito. evolução temporal. Não há uma definição
122 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de cultura que permita inserir facilmente os setores que considera incluídos no setor
o setor no sistema de contas nacionais. No cultural para adicionar à CSC. Assim, alguns
Uruguai, utilizou-se a metodologia elabora- países inserem arquitetura, software ou te-
da pelo Convênio Andrés Bello (CAB), que lecomunicações no universo a considerar.
assume uma definição ampla de cultura, Se cada país adotar definições diferentes
não limitada às belas-artes e ao conceito sobre o que se entende por setor cultural,
clássico associado à pala- haverá um problema me-
vra cultura. O propósito aqui Não existe um indicador todológico no momento de
não é me debruçar sobre as que seja eficaz para saber fazer comparações inter-
os resultados de diferentes
definições de cultura, mas, nacionais. Por essa razão, é
objetivos; cada indicador
se utilizarmos a definição deveria ser definido com sempre conveniente explicar
adotada pela Unesco, como base em um único objetivo. a metodologia utilizada e os
um “conjunto de atividades setores considerados como
humanas e produtos cuja razão de ser con- culturais, evitando assim confusão em re-
siste em gerar um processamento simbó- lação ao que se deseja medir.
lico”, continuamos com uma definição de Para a segunda medição da CSC, em
cultura que implica um universo de ativi- 2016, a decisão foi concentrar-se nos se-
dades e produtos muito vasto. tores que eram responsáveis por mais de
É por isso que, para a primeira versão 90% da contribuição ao PIB (indústrias
da CSC no Uruguai, a decisão foi concen- culturais ou criativas), como audiovisual,
trar-se em alguns setores específicos, co- música (gravada) e setor de livros e publi-
meçando por aqueles mais industrializados cações. A esses foram adicionadas as artes
(indústrias culturais ou criativas), como o cênicas (que incluem teatro, dança e música
audiovisual, a música (gravada) e o setor de ao vivo). Tal decisão foi tomada porque era
livros e publicações. A esses foram adiciona- inútil medir certos setores do ponto de vista
dos as artes cênicas (que incluem o teatro, a da lógica econômica. Seriam feitos esforços
dança e a música ao vivo), as artes plásticas e para estudar os setores a partir de uma óp-
visuais e o setor dos museus, das bibliotecas tica incorreta de nossa realidade (como é o
e de formação cultural. Pode-se ver que esses caso do patrimônio material e imaterial, ou
setores selecionados fazem parte do setor dos museus, uma vez que quase todos são
cultural. Faltam campos importantes da rea- públicos e gratuitos), não gerando uma aná-
lidade cultural, como criação artística (com lise rica de resultados.
a associação do uso dessa criação artística Por isso, é necessário visualizar os
nos direitos de autor e a crescente impor- pontos fortes e os pontos fracos de cada in-
tância que têm no desenvolvimento dos ne- dicador usado. A CSC gera indicadores com
gócios), design (gráfico, de interiores, têxtil, um forte componente econômico, poden-
arquitetura, paisagismo, web etc.), jogos e do fornecer-nos informações importantes
brinquedos, patrimônio natural, patrimônio sobre nossa realidade. Por exemplo, para o
imaterial, artesanato etc. Cada país destaca Uruguai, verificou-se que o setor audiovisual
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diego Traverso 123

gera meio ponto porcentual do PIB de toda a Em geral, os quadros políticos fixam-se nos
economia, ou soubemos que o setor cultural objetivos políticos, pois contemplam sua
é um grande importador de conteúdo. Mas área de gestão, diferentemente dos qua-
isso não nos diz nada sobre a contribuição dros técnicos, que priorizam os objetivos
da cultura em outras áreas, sobre como é a instrumentais que têm de estar ligados aos
coesão social, sobre as contribuições para o objetivos de política pública.
desenvolvimento da identidade ou a partici- Portanto, antes de ter indicadores e
pação cidadã. Para tanto, outros indicadores estatísticas, devemos ter objetivos gerais
são necessários. Não existe um indicador que e específicos que sejam medidos por esses
seja eficaz para saber os resultados de dife- indicadores. Isso parece ser evidente no
rentes objetivos; cada indicador deveria ser campo da política pública em outros seto-
definido com base em um único objetivo. res, como a saúde e a economia. Contudo, na
área cultural, não parece ser assim. Muitas
Para que medir? vezes cai-se no raciocínio fácil de que, como
Quando pensamos na melhor maneira a cultura é uma coisa boa para a sociedade,
de medir fenômenos culturais, sempre surge qualquer ação de política nesse domínio
a pergunta: “Medir para quê?”. Às vezes, as também será algo benéfico, e isso não é
medições podem ter objetivos diferentes. No verdade. As ações do Estado em matéria
caso uruguaio, na implementação da CSC, cultural não são boas per se. Serão boas se
como cultura sempre foi concebida como ajudarem a atingir determinados resultados
sendo próxima à arte, um dos principais pautados pela política. Uma má intervenção
objetivos era visualizar esses setores como do Estado pode prejudicar mais os setores
atividades que contribuem para o desenvol- do que a falta de intervenção.
vimento econômico e não apenas por seu Parece ser clara a necessidade de ava-
valor cultural e social. Vamos chamá-lo de liar os impactos das políticas públicas na
objetivo político. A visão da cultura como ge- cultura. Historicamente, principalmente
radora de valor econômico para a sociedade do ponto de vista econômico, tem havido
faz parte desses processos, mas nunca pode acordo no que diz respeito às característi-
ser o único propósito, especialmente em cas das políticas culturais quanto ao bem
uma visão de longo prazo. O segundo obje- público e à geração de externalidades. Essa
tivo, certamente o mais importante, é saber abordagem é uma ferramenta poderosa, mas
qual é a eficácia das políticas públicas cultu- coloca-nos na medição dos efeitos indiretos
rais. As estatísticas e os indicadores devem de políticas culturais, quando ainda resta
ser colocados a serviço de objetivos claros, muito a fazer no âmbito da medição dos
contribuindo para a atribuição de um valor efeitos diretos da política.
à política, permitindo, assim, uma análise É um desafio para a política pública de-
do custo-benefício bem como uma melhor finir indicadores de desempenho da política
prestação de contas aos cidadãos. Pode- cultural no século XXI que estão mais dis-
mos chamá-lo de objetivo instrumental. tantes de demonstrar a existência de bens
124 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

públicos e externalidades e enfocar os obje- quantificados. Por exemplo, quando uma pes-
tivos concentrados nas identidades coletivas, soa assiste a um espetáculo, normalmente
na construção de valores compartilhados, na não gasta apenas o valor da entrada, mas tem
regeneração de laços sociais, no desenvolvi- despesas com transporte, alimentação etc.
mento de governanças lideradas a partir das Esses efeitos indiretos – derrames – do con-
comunidades etc. sumo de bens culturais não foram quantifica-
dos na pesquisa. O mesmo vale para os postos
Até que ponto medir? de trabalho: esses são os postos de trabalho
Será uma decisão de cada administra- produzidos diretamente pelas atividades
ção definir até que ponto medir com base nos criativas dos setores culturais pesquisados,
objetivos propostos. Não há nenhuma defi- não se levando em consideração a criação de
nição boa ou ruim do que entendemos por empregos indiretos.
cultura, mas sim definições que podem ser
mais ou menos instrumentais com base nos Atualização contínua
objetivos traçados. As mudanças acontecem cada vez
A assimilação da realidade através mais rapidamente, cada dia estamos dian-
de indicadores e estatísticas deve ser con- te de novas formas de produção e consumo
cebida como um processo em constante de cultura por meio das novas tecnologias
construção e aperfeiçoamento. No caso uru- e da internet. Hoje, o uso de novas tecnolo-
guaio, os estudos concentraram-se no que gias para quantificar os aspectos culturais
chamamos de “bens culturais característi- é essencial. Para dar um exemplo, a Netflix
cos”, sem levar em consideração os “bens desembarcou no mercado uruguaio em 2011
culturais conexos”, ou seja, aqueles bens e atualmente tem os mesmos assinantes da
necessários para a produção e o consumo televisão paga. Por essa razão, a definição dos
de bens e serviços culturais – por exemplo, setores culturais a ser levados em conta em
o equipamento de áudio, televisores, câme- tais estudos deve ir mudando, e, para tanto,
ras, rolos de filme etc. Com é necessário observar a rea-
Com o avanço tão vertiginoso
o avanço das novas tecno- lidade constantemente. De
nas comunicações, não será
logias, esses bens conexos raro ter indicadores com vida acordo com o Banco Cen-
expandiram-se enorme- útil cada vez mais curta. tral do Uruguai, o setor de
mente (computadores, te- telecomunicações foi res-
lefones celulares, tablets). Claro que nem ponsável por 2,6% do PIB em 2009. Esse
sempre são utilizados para produzir ou con- setor deve ser adicionado ao setor cultural e
sumir cultura, o que adiciona um problema somado aos outros setores? Que porcenta-
metodológico importante. Isso foi uma deci- gem das despesas realizadas pelos uruguaios
são metodológica baseada no que se queria em telecomunicações e acesso à internet faz
medir com a CSC. parte do consumo cultural? Mais pesquisa e
Efeitos indiretos que esses bens e ser- novas contribuições serão necessárias para
viços culturais produzem tampouco foram podermos responder a essas perguntas.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diego Traverso 125

No entanto, o que parece claro é que técnica, a participação das instituições de


os indicadores devem ir variando de acordo referência em matéria de estatística no país
com a mudança de objetivos corresponden- endossa o processo, conferindo-lhe um selo
te às alterações em nossa realidade. Com o de qualidade.
avanço tão vertiginoso nas comunicações,
não será raro ter indicadores com vida útil
cada vez mais curta.

Coprodução de indicadores
A participação do setor privado na
construção de dados é benéfica. Os ma-
croindicadores são formados a partir de
microindicadores, tanto no nível empresa-
rial quanto no institucional ou setorial. É
importante que o setor privado veja a cons-
trução de indicadores como uma forma de
conhecer sua realidade. Para tanto, às vezes
é bom construir indicadores que sirvam às
empresas, para que estas se sintam parte do
processo, contribuindo com seus dados, mas
também opinando na formação de micro e Diego Traverso
mesoindicadores, vendo-se incentivadas a É músico e bacharel em economia pela Uni-
colaborar com um processo que irá benefi- versidade da República do Uruguai, com especia-
ciá-las. Em razão do alto grau de informa- lização em economia da cultura. É coordenador do
lidade verificado em alguns desses setores Departamento de Indústrias Criativas da Diretoria
na América Latina, por vezes, a solicitação Nacional de Cultura, sendo responsável por dina-
de informações pode ser sentida como uma mizar o setor de música, editorial e de design, bem
exigência para que passem à formalidade como pela geração de informações estatísticas, tais
a fim de arrecadar impostos, e isso é visto como a implementação da Conta-Satélite de Cultu-
como uma ameaça. Para contornar tal si- ra (CSC) no Uruguai. Foi membro do Conselho de
tuação, a comunicação direta com as em- Direitos do Autor do Ministério da Educação e da
presas é fundamental. Cultura. Na esfera acadêmica, lecionou informação
Nesse sentido, para a construção da econômica no curso de graduação em comunica-
CSC no Uruguai foi muito importante a par- ção da Universidade de Montevidéu e atualmente é
ticipação de várias câmaras de comércio e a professor no curso de tecnólogo em gestão cultural
associação de direitos autorais. Também foi no Centro Latino-Americano de Economia Humana
muito importante a participação do Banco (Claeh). É consultor da Agência Nacional de Pes-
Central do Uruguai e do Instituto de Esta- quisa e Inovação (Anii), além de prestar consultoria
tística. Além de fornecer sua capacidade para o setor privado na área de indústrias criativas.
126 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Referências

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de evaluación. ¿Cómo evaluar el retorno social de las políticas culturales? Série
Papers, n. 96/2. Barcelona: Universidade Autônoma de Barcelona, p. 477-500, 2011.

CUENTA SATÉLITE EN CULTURA DEL URUGUAY. Medición económica sobre los


sectores artes escénicas, audiovisual, libros y publicaciones periódicas y música.
Ano 2012. Ministério da Educação e da Cultura, 2016.

HACIA LA CUENTA SATÉLITE EN CULTURA DEL URUGUAY. Una medición económica.


Ministério da Educação e da Cultura, 2012.

LOS ESTADOS DE LA CULTURA. Sistema de Informação Cultural do Mercosul (Sicsur).


Mercosul Cultural, 2012.

MEJÍA ARGANGO, J. L. Apuntes sobre las políticas culturales en América Latina, 1987-
2009. Madri: Revista Pensamiento Iberoamericano, n. 4, 2009.

TRAVERSO, D. Políticas públicas culturales en Uruguay. Montevidéu: Instituto


Humanista Cristiano Juan Pablo Terra, 2014.

UNESCO. Série de indicadores Unesco de cultura para o desenvolvimento, 2011.


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Ángel Moreno 127

MEDIÇÕES NA CULTURA,
CONTRIBUIÇÕES À DIVERSIDADE
NA COLÔMBIA E REGIÃO
Ángel Moreno

Este artigo aborda os diferentes momentos pelos quais a Colômbia passou na geração de
sistemas de informação e indicadores para a cultura que levaram à orientação das políticas
culturais para o reconhecimento e o posicionamento do setor cultural como eixo de desenvolvi-
mento do país. Da mesma forma, trata da cooperação técnica que vem sendo implementada a
fim de gerar avanço regional quanto à coleta e ao processamento das informações estatísticas de
cultura como elemento de integração e desenvolvimento cultural dos países latino-americanos.

Iniciando o terceiro milênio de elaborar metodologias e processos de

E
pesquisa para a medição do impacto das in-
u ousaria dizer, sem medo de errar, dústrias culturais sobre o desenvolvimento
que todo o boom de medições e gera- econômico do país e da região.
ção de estatísticas na Colômbia co-
meçou no final do segundo milênio, início do Este novo programa, resultado da pes-
terceiro, pelas mãos do organismo internacio- quisa sobre a contribuição das indústrias
nal do Convênio Andrés Bello (CAB), que, em culturais para o desempenho econômico
maio de 2000, correu o risco de lançar um de- do país, poderia ser considerado como vi-
bate inédito para a época, a respeito da relação veiro ou incubadora de pequenas e médias
às vezes esquiva e tensa, mas talvez cada vez empresas, com projeto de país. Empresas
mais próxima, entre a economia e a cultura. multiculturais. Empresas que saibam arti-
O seminário internacional La Tercera cular, com equilíbrio, todos os elos do ciclo de
Cara de la Moneda, realizado na cidade de vida de um bem cultural – criação, produção,
Bogotá e organizado pelo CAB, pelo Banco distribuição, consumo. Empresas que gerem
Interamericano de Desenvolvimento (BID) produtos qualificados e, portanto, competi-
e pelo Ministério da Cultura da Colômbia, tivos; que tendam a ser autossustentáveis;
permitiu que, pela primeira vez no país, que gerem emprego. Empresas que surjam da
fosse criada uma plataforma para discutir base, que representem os sonhos e as identi-
em profundidade a relação entre econo- dades das comunidades, que gerem produtos
mia e cultura, assim como a necessidade que simbolizem o que somos como nação,
128 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

que dignifiquem a oferta e a façam circular com profissionais especializados de diversos


dentro e fora do país. Empresas que inau- países da região e do mundo, assim como de
gurem novos circuitos de distribuição e co- outros organismos internacionais, que contri-
mercialização dos bens e serviços culturais buíram de maneira importante para a constru-
e que contribuam para sua democratização ção do que foi o primeiro documento de uma
(CONVENIO ANDRÉS BELLO, 2001, p. 13). metodologia concertada que procedesse a me-
dições comparáveis sobre o campo cultural e
Com este importante início de milênio, sua contribuição para a economia dos países.
o CAB e o Ministério da Cultura da Colômbia Após esse primeiro documento, que foi
também iniciaram um prolífico caminho de- dado a conhecer e submetido à apreciação de
dicado à geração de conhecimento a respeito diferentes especialistas no assunto em 2007,
da cultura e sua influência sobre a atualida- continuou-se o árduo trabalho de “aperfei-
de econômica do país. A partir daí, foram ge- çoar” e, sobretudo, construir um marco de re-
rados estudos relacionados com o impacto ferência que contribuísse para experiências
do setor cinematográfico sobre a economia de medição e cooperação cultural na região.
colombiana,1 estudos estes que foram deter- Assim, em 2009, o Convênio Andrés Bello,
minantes para a promulgação da Lei 814, de juntamente com a Agência Espanhola de
2003, a primeira lei de cinema do país. Esta Cooperação Internacional para o Desenvol-
transformou a indústria cinematográfica,2 vimento (Aecid) e o BID, publicaram o livro
pois, antes de sua promulgação, estreavam Contas-Satélites de Cultura: Manual Meto-
no país em torno de três longas por ano, e, em dológico para sua Implementação na Amé-
2016, estrearam cerca de 30 longas colombia- rica Latina,3 que até hoje continua sendo o
nos, consolidando-se ano a ano a indústria plano de voo da Conta-Satélite de Cultura
nacional no contexto próprio e internacional. da Colômbia (CSCC), que, naqueles anos, já
contava com acordos oficiais de cooperação
Conta-Satélite de Cultura da técnica entre o Ministério da Cultura e o
Colômbia e outras plataformas Dane, de tal forma que fosse possível definir
Nestes primeiros anos do novo milênio, linhas de base, séries históricas e pontos de
exatamente no começo de 2005, o CAB, o Mi- referência a partir dos quais elaborar, mo-
nistério da Cultura da Colômbia e o Departa- nitorar e avaliar políticas públicas para o
mento Administrativo Nacional de Estatística desenvolvimento cultural do país.
(Dane), com o apoio financeiro inicial do BID, Também é importante ressaltar outro
empreenderam importante cruzada para im- marco no desenrolar das políticas cultu-
plantar no país a Conta-Satélite de Cultura rais voltadas para o desenvolvimento e o
(CSC) com todos os cânones do sistema de fortalecimento das indústrias culturais na
contas nacionais do marco regulatório das Na- Colômbia: o trabalho conjunto do Conselho
ções Unidas. Para o CAB, isso significou gerar Nacional de Política Econômica e Social
para esse fim diversos espaços de debate e re- (Conpes), que, através de seu documento
flexão do contexto metodológico, trabalhando #36594 de orientação de política pública,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Ángel Moreno 129

definiu as diretrizes nacionais para o for- especialistas no assunto e postos de trabalho


talecimento do setor do ponto de vista do físicos no Ministério da Cultura da Colôm-
empreendimento cultural e da geração de bia e no Dane, foi publicado em 2015 o livro
condições de entorno favoráveis à criação Cultura a la Medida,5 a primeira produção
de um ecossistema que permitisse a conso- editorial em papel dos resultados da conta na
lidação das indústrias culturais como eixo série 2005-2012, dos quais temos a seguinte
de desenvolvimento do país e suas regiões. informação sobre 6 dos 12 setores estuda-
A partir dessa plataforma de política dos e seu valor agregado, ratificando assim a
pública, tomaram ainda mais corpo os avan- consolidação de um sistema de informação
ços da CSCC e, com uma equipe técnica de econômica da cultura:

VALOR AGREGADO DO SETOR CULTURAL*

* O valor agregado da série de 2005 a 2012 corresponde aos segmentos audiovisual, livros e publicações, artes cênicas e espetáculos artísticos,
música gravada, educação cultural, jogos e brinquedos e criação publicitária.

** Fonte: Conta-Satélite de Cultura, Ministério da Cultura-Dane. Valores relativos ao ano de 2005 por encadeamento.
130 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O CAB, organismo internacional com ser informação altamente qualificada para


sede na Colômbia, também não poupou es- identificar os padrões de consumo cultural
forços para manter-se líder em contribuições dos colombianos, em função da oferta e da
à construção das Contas-Satélites de Cultura procura de bens e serviços culturais.
na região, motivo pelo qual já em 2015 publi-
cou a versão atualizada6 do manual metodo- Cooperação Sul-Sul
lógico da conta, entrando em sintonia com as Esse importante caminho que a Colôm-
transformações pelas quais passaram muitos bia percorreu em matéria de pesquisa sobre
setores do campo cultural nos últimos anos. o campo cultural e sua relação com o desen-
Da mesma forma como a CSC tem se volvimento permitiu a implantação na região
consolidado, o Ministério da Cultura da andina, de cerca de três anos para cá, de um
Colômbia e seu Grupo de Empreendimento projeto de cooperação técnica9 com financia-
Cultural consolidaram o Observatório de Cul- mento da Organização dos Estados Ameri-
tura e Economia,7 concebido como platafor- canos (OEA/Femcidi) que instaurou, entre
ma tecnológica e de gestão de conhecimento Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, um inter-
sobre a cultura e sua estreita relação com a câmbio permanente de conhecimento e boas
economia. A partir desse espaço, foi desen- práticas, com vistas à transferência de meto-
volvido um número importante de pesquisas dologia e aprendizagens positivas e negativas
sobre o setor que permitem, em primeira ins- do que significou para o país a implementação
tância, identificar e caracterizar diferentes da Conta-Satélite de Cultura (CSC).
fenômenos que as indústrias culturais e cria- Nesse sentido, foram realizadas cerca de
tivas hoje experimentam. Indicam também dez oficinas presenciais nos diferentes países,
a necessidade de orientar políticas públicas e talvez o dobro de encontros virtuais, para
pertinentes e dar resposta a esses desafios, compartilhar o passo a passo da implemen-
assim como a relevância da exploração de no- tação da CSC, de forma a poder contar, nesses
vas dimensões do cultural e sua relação direta países, com marcos metodológicos unificados
com o desenvolvimento das comunidades. para a obtenção de resultados comparáveis.
Complementarmente às diferentes A Colômbia também liderou a trans-
fontes de informação construídas para gerar ferência do modelo da CSC para a América
análises do setor cultural no país, o Dane tem Central, particularmente para a República
realizado a cada dois anos, desde 2007, a Pes- Dominicana e a Costa Rica.10 Esse último
quisa de Consumo Cultural,8 cujo propósito país já conta com tal sistema de informa-
é caracterizar as formas de comportamento ção, mostrando importantes avanços no
expressas nas práticas culturais da popula- aumento da participação da cultura no de-
ção de mais de 5 anos e residente nas capitais senvolvimento econômico do país. Dessa
municipais do território colombiano. Essa maneira, a Colômbia se consolida como um
informação compilada se torna insumo fun- dos pioneiros mundiais na implementação
damental para o monitoramento e a avalia- da CSC e como o principal país fornecedor de
ção das políticas culturais do país, além de cooperação técnica para o desenvolvimento
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Ángel Moreno 131

desse sistema de informação cultural em ou- setores, mas também em relação ao territó-
tros países, assim apostando no crescimento rio. Acima da categoria mais ampla que é o
regional e no preenchimento de lacunas de olhar distrital, deve-se trabalhar para obter
nossos territórios por meio do fortalecimen- informação detalhada sobre as 20 locali-
to e da visibilização da cultura. dades que compõem a cidade. E – por que
não? –continuar fazendo uma espécie de
Capítulo Bogotá na Conta-Satélite análise, em escala de bairro e georreferen-
de Cultura (CSC) ciada, que possibilite a tomada de decisões
Em 2016, tomou posse na cidade de Bo- e a implementação de políticas diferenciais
gotá um novo governo municipal, que reuniu na medida das potencialidades ou carências
suas premissas no Plano de Desenvolvimen- dos múltiplos e assimétricos territórios que
to 2016-2020, intitulado Bogotá Melhor para constituem a grande urbe. Aposta-se então
Todos, cujo principal objetivo é a consecução em múltiplos distritos culturais na cidade
da felicidade dos mais de 8 milhões de cida- e em fomentar a criação e sustentação nos
dãos que habitam a cidade. territórios de empresas culturais e criativas
Com essa perspectiva de melhorar a qua- que deem conta da grande diversidade de que
lidade de vida e gerar condições apropriadas está composta a vida bogotana.
para o desenvolvimento das capacidades e das Em 2020, Bogotá será a primeira cida-
liberdades como garantia dos direitos cultu- de da região a ter uma CSC como sistema
rais, muito na linha do escritor de informação econômica
e economista Amartya Sen, o [...] tirar partido da riqueza da cultura chancelado pelo
plano define como uma de dos dados e processá-los Dane que permita, entre
para o fortalecimento
suas principais metas em ma- outros aspectos, o monito-
de um ecossistema de
téria cultural a formulação e ramento e a avaliação da po-
empreendimento cultural
implementação de uma polí- e criativo no país. lítica pública que o distrito
tica para o empreendimento e formular e implementar, sob
as indústrias culturais e criativas da cidade, a liderança da Secretaria de Cultura, Lazer e
11

permitindo que os cidadãos de maneira geral Esporte como entidade reitora das políticas
e as organizações da sociedade civil mani- culturais na cidade.
festem a rica diversidade de suas expressões Hoje a cidade conta com uma equi-
artísticas e culturais e tenham acesso a me- pe multidisciplinar cuja principal tarefa é
lhores condições para a produção, a circulação pôr em marcha a CSC para Bogotá, em um
e o consumo de bens e serviços culturais. percurso de trabalho marcado por avanços
Na formulação da política proposta, acumulados ano a ano, de tal forma que em
um dos principais desafios é implementar 2020 tenham sido medidos todos os setores
o capítulo de Bogotá na CSC do país, de tal do campo cultural, na série 2010-2020. Os
maneira que, em um processo pioneiro, seja primeiros setores a ser medidos e analisados
possível efetuar análises do campo cultu- já em 2017 são: audiovisual, editorial, artes
ral, delimitadas não só do ponto de vista dos cênicas e música, tanto gravada como ao vivo.
132 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Caminhos a percorrer o desenvolvimento das comunidades a par-


Um dos principais desafios que a Co- tir de suas próprias capacidades e valores
lômbia enfrenta hoje, no que diz respeito à simbólicos relacionados com o território.
tradição e capacidade já instalada de gerar O desenvolvimento humano como meio
conhecimento econômico e estatísticas so- e como fim.
bre o setor cultural, talvez seja conseguir
que as instâncias decisórias, assim como os
diversos agentes da cadeia de valor das in-
dústrias culturais e criativas, ­apropriem-se
desse saber de forma a tirar partido da
riqueza dos dados e processá-los para o
fortalecimento de um ecossistema de em-
preendimento cultural e criativo no país.
Do mesmo modo, a densa informação
hoje disponível deve permitir a definição Ángel Moreno
de diretrizes de política tendentes à defesa É comunicador social com pós-graduação em
e à promoção da diversidade cultural como ciência política pela Pontifícia Universidade Xaveria-
uma das maiores riquezas do país. Com essa na, formação em cultura latino-americana pela Uni-
finalidade, é necessário criar canais para a versidade de Rosário e em desenvolvimento focal
circulação de conteúdos culturais próprios. pela Universidade Ásia-Pacífico do Japão. Foi as-
Não basta ao Estado concentrar sua atuação sessor da área de cultura do organismo internacio-
na promoção da criação e da produção cultu- nal Convênio Andrés Bello de 1996 a 2009, fazendo
ral; ele deve também trabalhar arduamente parte da equipe técnica que liderou projetos como
para instalar estratégias e mecanismos desti- Economia e Cultura, Legislação Cultural, Somos Pa-
nados a fazer com que essa grande produção trimônio, Somos Jovens, Culturas Urbanas, Cultura
cultural permeie e aterrisse nos territórios e Desenvolvimento e Latinidades. Do final de 2009
do país e ultrapasse suas fronteiras. ao início de 2016, atuou como assessor do gabinete
Os conteúdos culturais e as plataformas da ministra da Cultura da Colômbia na orientação e
de circulação devem ter em mente o enfoque execução da política sobre empreendedorismo e in-
diferencial do nosso país, as distintas identi- dústrias culturais e criativas do país. Em fevereiro de
dades e comunidades que o habitam. Devem 2016, foi nomeado subdiretor de práticas culturais
reconhecer a diferença e tirar partido dessa da Secretaria de Cultura, Lazer e Esporte da cidade
condição como valor agregado dos produtos de Bogotá. Desde fevereiro de 2017, é diretor de
e serviços culturais que pode oferecer. assuntos locais e participação da referida secretaria,
Por último, a maior premissa talvez tendo como tarefas principais a formulação de po-
seja que todos esses sistemas de informa- líticas relativas ao Sistema Distrital de Arte, Cultura
ção cultural presentes na Colômbia, e cada e Patrimônio e a elaboração e implementação da
vez mais avançados em outros países da política de empreendedorismo cultural e indústrias
região, apontem para um objetivo comum, culturais e criativas do Distrito Capital.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Ángel Moreno 133

Referência

CONVENIO ANDRÉS BELLO. Economía y cultura: la tercera cara de la moneda. Bogotá:


Memorias, 2001.

Notas

1 Disponível em: <https://books.google.com.co/books?id=mJC85VlbxI8C&pg=


PA171&lpg=PA171&dq=impacto+del+sector+audiovisual+en+colombia&source=
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Acesso em: 26 maio 2017.

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PlanDistritalDesarrollo/Documentos/TOMO1-digital.pdf>, p. 171. Acesso em:
26 maio 2017.
4.
EXPERIÊNCIAS NACIONAIS:
CONTRIBUIÇÕES PARA UM
SISTEMA INTEGRADO DE
INFORMAÇÕES CULTURAIS

SISTEMA DE INFORMAÇÃO E INDICADORES


CONTEÚDO CULTURAIS, PERFIL DOS ESTADOS E DOS
ON-LINE
MUNICÍPIOS BRASILEIROS: HISTÓRICO
E RESULTADOS
Cristina Lins

147. O IPEA E A ECONOMIA DA CULTURA


Frederico Barbosa

160. HÁBITOS CULTURAIS NO BRASIL:


O QUE JÁ É POSSÍVEL SABER
João Leiva Filho e Ricardo Meirelles

ESPÍRITO SANTO CRIATIVO:


CONTEÚDO A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA
ON-LINE
Andrezza Rosalém, Ana Carolina Giuberti
e Ricardo Savacini Pandolfi
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 135

SISTEMA DE INFORMAÇÃO
E INDICADORES CULTURAIS,
PERFIL DOS ESTADOS E DOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS:
HISTÓRICO E RESULTADOS

Cristina Lins

Este artigo se propõe a contribuir para o registro da memória institucional, tendo como base
os estudos e pesquisas quantitativos desenvolvidos no âmbito do acordo de parceria entre o Minis-
tério da Cultura e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2004, com foco na construção
de indicadores culturais e sistemas de informações culturais que ajudem a pensar a formulação e
avaliação de políticas públicas adequadas para a gestão e valorização do setor cultural brasileiro.

O
ano de 2004 representou um mar- à produção de conhecimento sobre as especi-
co para a produção de indicadores ficidades das atividades relacionadas à cultu-
culturais no Brasil, com a assina- ra, associadas às abordagens que identificam
tura do acordo de cooperação técnica entre as enormes possibilidades que a economia da
o Ministério da Cultura (MinC) e o Insti- cultura pode gerar em termos de riquezas,
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística valor agregado, oportunidades de emprego
(IBGE),1 com o objetivo de acompanhar a e renda, produtos/serviços, padrões de con-
produção sistemática de indicadores cultu- sumo, receitas, impostos, gastos públicos e
rais, considerando as linhas estabelecidas fluxos de comércio exterior.
internacionalmente para a construção de A cultura passou a ser compreendida
informações estatísticas nessa área com vis- tanto como atividade portadora de sim-
tas a contribuir para o desenho de políticas bolismos e representações sociais quanto
e estratégias que promovam o desenvolvi- como atividade de valor econômico men-
mento do setor e atendam às necessidades surável, no que se refere às capacidades
da população brasileira. de inovação produtiva. Neste mundo de
Nessas últimas décadas, um número rápidas mutações, tornou-se um segmento
significativo de países e organizações inter- muito importante para o desenvolvimento e
nacionais vem dedicando crescente atenção crescimento econômico propriamente dito,
136 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

comparecendo nesse novo cenário como sig- internacionais de classificação de ativida-


nificativo elemento produtor e empregador des (LINS, 2016, p. 66).
nas áreas de bens e serviços, além de setor É importante observar que a atividade
capaz de qualificar a nova mão de obra re- cultural, definida como um conjunto de pro-
querida no mundo contemporâneo. dutos e atividades humanas cuja principal
Assim, com as novas tecnologias digitais finalidade seja criar, expressar, interpretar,
em curso, desde a chegada da internet, vêm conservar e transmitir conteúdos simbó-
ocorrendo mudanças na economia do setor licos, desempenha um papel importante
cultural, não só na forma de geração de conhe- nas economias; contudo, sua contribuição
cimentos, criação, organização da produção, nem sempre foi considerada pelas teo-
modelos de distribuição e padrão de consu- rias ­econômicas.
mo, mas também na própria necessidade de Não significa dizer que, anteriormen-
formulação e avaliação de políticas públicas te, a cultura não tinha sua importância. A
relacionadas a direito de autor/propriedade literatura comprova que, como campo de
intelectual, financiamento da cultura, comér- estudos, ela vem sendo considerada pelas
cio internacional, acesso da sociedade a inter- ciências sociais e humanas há bastante
net e educação,  entre outras áreas. tempo, sendo que a circulação e o consumo
Nessa perspectiva, concebemos que a de bens e serviços culturais começaram a
concepção da análise econômica da cultura ser percebidos como segmento de peso na
se faz, principalmente, a partir da mensura- economia das nações já no pós-guerra. En-
ção dos produtos (bens e serviços) consu- tretanto, foi apenas na década de 1970 que
midos e sobre a oferta desses. Vale destacar se aprofundou o interesse pelo setor e sur-
as grandes dificuldades nesse sentido, dadas giram os primeiros estudos importantes,
as características do dando o verdadeiro impulso à constituição
de um campo específico que se tornou o da
fenômeno cultural que é intrinseca- economia da cultura.2
mente dinâmico, difuso e elusivo, na medida Somente nas décadas de 1980 e 1990
em que apresenta dificuldades de delimita- surgem as reflexões sobre a relação entre
ção, encontrando-se espraiado por todas as economia e cultura, e com elas os sistemas
atividades humanas (SOUZA, 2007, p. 92). de informações culturais.

Somam-se ainda outros obstáculos A economia da cultura se torna então


para avançarmos nos estudos da economia um terreno privilegiado da verificação em-
da cultura, como a dispersão das infor- pírica dos novos avanços da microeconomia,
mações, a precariedade de dados estatís- permitindo aos gestores e formuladores de
ticos sobre as atividades econômicas de políticas a identificação de problemas, de po-
produção e serviços de bens culturais em tencialidades, de oportunidades e de riscos
nossas sociedades e dificuldades de aces- nos processos econômicos da área cultural
so e comparabilidade a diversos sistemas (BOTELHO, 2006, p. 2).
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 137

Desde então, estudos foram se de- Contexto inicial da demanda de


senvolvendo por meio de parcerias com informações estatísticas no Brasil
organizações do setor público, órgãos gover-
namentais – ministérios, secretarias, insti- [...] no ano de 2002 poucos países da
tutos oficiais de estatísticas, pesquisadores, América Latina tinham como prioridade po-
universidades – e não governamentais e, por lítica estabelecer sistemas de informação cul-
vezes, até mesmo da iniciativa privada. tural para centralizar os dados sobre a oferta
A princípio, interessam-se pela cultura e a demanda cultural, gerados pelas institui-
aquelas organizações que atuam em áreas ções nacionais e locais (REY, 2015, p. 175).
como memória e conservação patrimonial.
No entanto, à medida que foi sendo vista de No caso brasileiro, a investigação sobre
maneira mais abrangente, a cultura passou os temas culturais não é recente do ponto de
a despertar interesse por parte dos organis- vista da produção de estatísticas culturais,
mos internacionais com atuação em áreas porém ainda é modesta, irregular e não sis-
distintas, entre os quais se destacam o Con- tematizada, considerando-se a existência de
vênio Andrés Bello (CAB), a Organização dos um sistema estatístico nacional. Apesar de
Estados Ibero-Americanos (OEI), o Banco existirem estudos e alguns dados que ope-
Interamericano de Desenvolvimento (BID), ram como parâmetro para os investigadores
a Organização Internacional do Trabalho e gestores, a carência de informação e aná-
(OIT), a Organização Mundial da Proprieda- lise ainda é grande.
de Intelectual (Ompi), o Instituto Nacional Diante da ausência de informações
de Estatística e de Estudos Econômicos da sistematizadas que pudessem dar suporte à
França (Insee), o Instituto de Estatística da elaboração de uma política pública de cultura
Organização das Nações Unidas para a Educa- e dar prosseguimento aos novos projetos e
ção, a Ciência e a Cultura (Unesco) e, mais re- programas, além de responder às recomen-
centemente, o Serviço de Estatística da União dações internacionais e desenvolver estudos
Europeia (Eurostat) e o Mercosul Cultural. específicos, o Ministério da Cultura procu-
Com os avanços visíveis de estudos na rou consolidar as relações institucionais com
área da cultura, nota-se também que co- outros ministérios, fundações e instituições
meçou a mudar o cenário de insuficiência de pesquisa, principalmente do setor público,
das recomendações internacionais sobre a por meio da interlocução das novas secreta-
estruturação metodológica e conceitual de rias do MinC, criadas pelo Decreto no 4.805,
informações para o setor cultural, uma vez de 12 de agosto de 2003.
que se aprofundou a reflexão sobre o esco- Cumpre mencionar que o interesse por
po e a nomenclatura de atividades do setor essa temática foi reforçado quando o minis-
cultural, com a divulgação de “marcos refe- tro Gilberto Gil assumiu a presidência da Se-
renciais internacionais” que servem de base cretaria Pro-Tempore do Mercosul Cultural4
para a definição e a mensuração da atividade e participou, ao lado de outros ministros es-
cultural à economia.3 trangeiros, do Taller Tecnico Regional sobre
138 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Economia y Cultura, realizado no Chile em estabelecer os princípios básicos para dis-


24 de junho de 2004. ciplinar a conjunção de esforços e de apoio
Nesse seminário ficaram estabelecidas técnico, envolvendo uma equipe multidis-
recomendações aos ministros da Cultura de ciplinar com representantes do IBGE e do
diversos países latino-americanos, no sentido MinC; organizar e sistematizar informações
de trabalharem conjuntamente na criação de relacionadas ao setor cultural a partir das
indicadores capazes de responder à comple- pesquisas existentes nas bases de dados
xidade do campo cultural e, principalmente, do IBGE; formular uma estratégia para a
de assumir o compromisso de desenvolver construção de um conjunto articulado de
a Conta-Satélite de Cultura (CSC),5 tendo estatísticas e indicadores culturais; propor
como referência o estudo desenvolvido pelo o desenvolvimento de linhas de pesquisa
Convênio Andrés Bello, da Colômbia. para suprir as lacunas existentes na pro-
E, para pensar sobre a construção da dução de estatísticas nacionais; e, em longo
CSC do Brasil e reverter o quadro de lacu- prazo, expandir a capacidade específica de
na de informações relacionadas à cultura, o análise para esse setor com a construção de
MinC se aproximou do IBGE, do Instituto de uma conta-satélite para medir o peso da cul-
Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e da tura no produto interno bruto (PIB) nacional
Casa de Rui Barbosa para expressar suas de- (LINS, 2006, p. 2).
mandas por informações estatísticas e pela Os resultados do trabalho conjunto en-
necessidade de desenvolver e produzir uma tre as instituições inseriram o Brasil na con-
base consistente de informações relacionadas tínua superação das lacunas de informações
ao setor cultural, de modo a fomentar estudos, quantitativas, com a produção e divulgação
pesquisas e publicações e gerar insumos para de uma iniciativa pioneira no campo de es-
a formulação de políticas públicas adequadas tudos da cultura, o Sistema de Informações
para a gestão e valorização do setor cultural. e Indicadores Culturais (Siic), que já conta
Desde então, o IBGE,6 como principal com três edições, referentes aos anos de
produtor de estatísticas oficiais do país, 2003, 2003-2005 e 2007-2010.
passou a ser um parceiro indispensável na Esses estudos reuniram e consolida-
construção de informações e produção de ram estatísticas derivadas de diferentes
indicadores sobre a cultura no país, para pesquisas sociais e econômicas, já existen-
orientar a ação dos gestores públicos e priva- tes na base de dados do IBGE, que contêm
dos. No plano governamental, esse trabalho informações relacionadas a cultura e esta-
conjunto tem sido bastante expressivo para tísticas sobre dispêndios governamentais,
os estudos da cultura em geral. da Secretaria do Tesouro Nacional. As três
publicações em conjunto forneceram um
Parceria MinC e IBGE: diagnóstico econômico sobre as atividades
resultados obtidos da produção e a geração de valor na econo-
Essa iniciativa de grande importân- mia nacional, e um diagnóstico social sobre
cia no campo de estudos da cultura visava: o consumo de bens e serviços culturais da
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 139

população e o mercado de trabalho do setor, econômicas geradoras de bens e serviços, e


possibilitando uma aproximação com a esti- toma-se como referência inicial a definição
mativa do cálculo da participação da cultu- da Organização das Nações Unidas para a
ra no produto interno bruto do país, embora Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
esse objetivo ainda não tenha sido atingido. sobre as atividades culturais relativas
Outra iniciativa realizada a partir do
acordo entre o MinC e o IBGE diz respeito [...] à criação, produção, e comercia-
ao papel das políticas públicas no ambien- lização de conteúdos que são intangíveis e
te federativo, da Pesquisa de Informações culturais em sua natureza. Estes conteúdos
Básicas Municipais (Munic) e Estaduais estão protegidos pelo direito autoral e po-
(Estadic), com a divulgação de dois Suple- dem tomar a forma de bens e serviços. São
mentos de Cultura: um referente ao ano de indústrias em trabalho e conhecimento e
2006 e outro relativo aos dados coletados em que estimulam a criatividade e incentivam
2014. Também foi levada a campo em 2014 a inovação dos processos de produção e co-
a Estadic com um Suplemento de Cultura. mercialização (UNCTAD, 2010, p. 5).
Essas pesquisas permitem a avaliação das
informações relativas às gestões munici- No Siic, buscou-se conceituar a cultura
pais e a infraestrutura dos espaços físicos a partir das atividades econômicas relaciona-
e equipamentos da mais diversa ordem ao das à “criação e produção”, tradicionalmente
longo de quase uma década. Conforme relata ligadas às artes, como teatro, música, filme,
Alkmim, “o poder federativo da União não edição de livros, fotografia, rádio, televisão,
estará ausente, pois em boa parte se reflete bibliotecas, arquivos, museus e patrimônio
no que acontece, principalmente, na esfera histórico. Ao lado desse grupo de ativida-
municipal” (ALKMIM, 2015, p. 10). des, considerado nesse estudo como dire-
tamente relacionadas à cultura, está outro
Sistema de Informações e conjunto, mais abrangente, de ações indire-
Indicadores Culturais (Siic) tamente relacionadas à cultura, como a telefo-
O primeiro passo para alterar a lacu- nia, a internet e a fabricação de equipamentos
na de informações culturais no Brasil foi transmissores de comunicação – trata-se de
a publicação do Sistema de Informações e atividades culturais e outras que não podem
Indicadores Culturais (Siic/2003), estudo ser propriamente caracterizadas como tais.
pioneiro, divulgado ao final de 2006. A par- O ponto de partida e o instrumento
tir desse estudo, construiu-se um conjunto principal para a reflexão sobre o setor cul-
articulado de estatísticas e indicadores cul- tural foi a Classificação Nacional de Ativi-
turais, que foi sendo atualizado com mais dades Econômicas – Cnae 1.0. Hoje estamos
duas divulgações para diferentes anos, trabalhando com uma versão revisada, a
2003-2005 e 2007-2010. Cnae 2.0, com maior nível de desagregação
A concepção de cultura adotada no re- que a versão anterior e alicerçada nas mu-
ferido estudo está relacionada às atividades danças introduzidas na quarta revisão da
140 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

International Standard Industrial Classifi- de empresas, no total de pessoal ocupado


cation of All Economic Activities (Isic)7 – da (sócios, proprietários, trabalhadores assa-
divisão de estatísticas da Organização das lariados), salários e outras remunerações pa-
Nações Unidas (ONU). gas, tamanho das empresas, receita líquida,
A referência conceitual do Siic 2007- custos totais, valor adicionado das empresas,
2010 se baseou nas duas edições anteriores valor bruto da produção, custo das operações
do sistema e, mais especificamente, apro- industriais, consumo intermediário, salário
fundou a reflexão sobre o âmbito do setor médio e custo do trabalho; o levantamento de
cultural e seus limites ao revisar o estudo algumas características socioeconômicas so-
com as mais recentes metodologias inter- bre classes de rendimento, cor ou raça, sexo
nacionais do Marco de Estatísticas Cultu- e nível de escolaridade, dos gastos com bens
rais (MEC), da Unesco, de 2009 – somado e serviços culturais realizados pelas famílias
ao olhar da análise das estatísticas harmo- brasileiras, nos quais a despesa familiar com
nizadas da economia da cultura referentes cultura é comparada à despesa total familiar;
ao European Statistical System Network posse de alguns bens duráveis relacionados
on Culture (ESSnet-Culture) e da proposta com a cultura pelas famílias brasileiras;8 gas-
de medição econômica das atividades e dos tos governamentais com a cultura e o padrão
produtos do Contas-Satélites de Cultura: de alocação dessas despesas para cada uma
Manual Metodológico para sua Implementa- das esferas de governo e as características do
ção na América Latina, do Convênio Andrés trabalho e rendimento da população ocupada
Bello, divulgado em 2009. (emprego) do setor cultural.
As informações sobre a oferta de bens Por fim, vale destacar que o Sistema de
e serviços foram obtidas nas Estatísticas do Informações e Indicadores Culturais perten-
Cadastro Central de Empresas (Cempre) e ce a um tipo de publicação do IBGE, chamada
nas pesquisas estruturais econômicas Pes- Estudos e Pesquisas, cujo objetivo é divulgar
quisa Industrial Anual – Empresa (PIA-Em- “estudos descritivos e análises de resulta-
presa), Pesquisa Anual de Comércio (PAC) e dos de tabulações especiais de uma ou mais
Pesquisa Anual de Serviços (PAS). Já para os pesquisas, de autoria institucional” (SIIC,
gastos das famílias e do governo, foram utili- 2006, p. 2). Os resultados dos três estudos
zadas a Pesquisa de Orçamentos Familiares do Siic9 consolidaram informações que re-
(POF) e as Estatísticas das Administrações velam dimensões de nossa cultura, visando
Públicas (APU), respectivamente. A Pesquisa ainda contribuir para a ampliação do conhe-
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) cimento sobre as atividades econômicas re-
foi utilizada como fonte de informação sobre lacionadas com a cultura e para a melhoria
as características das pessoas ocupadas no da qualidade das estatísticas nacionais.
setor cultural (SISTEMA, 2013, p. 14). O Siic pretende avançar na conjugação
O estudo divulgou uma análise de dados de esforços na produção do conhecimento “ao
e indicadores socioeconômicos para a parti- delimitar a descrição detalhada das ativida-
cipação das atividades culturais no número des econômicas do setor cultural e articular
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 141

matricialmente as bases das pesquisas, com papel cada vez mais importante na implan-
o olhar cultural sobre elas” para a construção tação de diversas políticas setoriais.
da CSC, e acompanhar a discussão e a orien- A Munic repetiu a iniciativa de intro-
tação internacionais sobre a atual produção duzir no corpo básico da pesquisa um bloco
de informação estatística para a cultura. temático voltado para os equipamentos cul-
turais, os meios de comunicação e os con-
Pesquisa de Informações selhos municipais, pesquisando também a
Básicas Municipais (Munic) incidência de diferentes atividades artísti-
e Estaduais (Estadic) cas e artesanais presentes nos municípios, de
modo a construir um quadro mais abrangente
A Estadic e a Munic se definem como para a dimensão cultural no nível local para
pesquisas institucionais e de registros uma série de anos 2005, 2009, 2011 e 2012.
administrativos das gestões públicas es- O ano de 2006 foi determinante para
taduais e municipais, respectivamente, e a investigação do tema da cultura, pois foi
se inserem entre as demais pesquisas so- formulado por pesquisadores do IBGE e do
ciais e estudos empíricos dedicados a essa Ministério da Cultura o primeiro Suplemento
escala. São, basicamente, levantamentos de Cultura da Munic.
pormenorizados de informações sobre a Esse suplemento sistematizou informa-
estrutura, a dinâmica e o funcionamento ções estatísticas mais direcionadas para a
das instituições públicas estaduais e muni- cultura, no que se refere à organização das
cipais, compreendendo também diferentes prefeituras dos 5.564 municípios brasilei-
políticas e setores que envolvem estes go- ros, com dados sobre o quadro funcional do
vernos (PERFIL, 2015, p. 11). órgão gestor de cultura nos municípios; as
condições de infraestrutura utilizadas para
A Pesquisa de Informações Básicas o cumprimento dessa função; as caracterís-
Municipais, desde a sua primeira edição, ticas dos recursos humanos da cultura na
em 1999, manteve seu foco na produção das prefeitura; os instrumentos de gestão uti-
estatísticas censitárias da gestão pública lizados; a legislação específica; a existência
municipal, contribuindo com a coleta de e as características do Fundo Municipal de
registros administrativos relativos às pre- Cultura; os recursos financeiros; a existência
feituras, com a ampliação da gama de in- de uma Fundação Municipal de Cultura; os
formações para a construção de um amplo programas e as ações públicas locais e ativi-
perfil dos municípios brasileiros e de suas dades desenvolvidas; as atividades artísticas
administrações públicas, com subsídios e artesanais, nas suas mais diversas mani-
para o planejamento, o acompanhamento festações (apoiadas ou não pelo poder local);
e a avaliação de políticas públicas e com a bem como ofertas de serviços à população e
elaboração de um quadro geral dos aspectos infraestrutura urbana.
da gestão municipal na atualidade brasileira, As informações do suplemento, as-
no qual os municípios vêm desempenhando sim, permitiram traçar um diagnóstico da
142 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

diversidade socioeconômica e cultural das precisam ser aproveitadas para a definição


cidades brasileiras e entender como os po- do escopo da atuação e da definição de prio-
deres locais estão organizados. ridades na formulação de políticas públicas
Segunda edição de suplemento especial e para a gestão e avaliação das atividades
dedicado à cultura, o Perfil dos Estados e dos culturais em municípios, cidades e no âm-
Municípios Brasileiros 201410apresentou bito da federação.
informações da Munic e, pela primeira vez, Com a intenção de registrar que o com-
divulgou dados da Pesquisa de Informações promisso assumido entre o IBGE e o MinC
Básicas Estaduais (Estadic) realizada sobre a ultrapassa governos, vale mencionar que as
temática da cultura, em 2014, nas 5.570 mu- pesquisas quantitativas citadas neste artigo
nicipalidades brasileiras e nas 27 Unidades constituem, potencialmente, um rico instru-
da Federação, respectivamente. mento para a formulação e o planejamento
A publicação fornece informações sobre de políticas públicas para a cultura, na medi-
a evolução da infraestrutura cultural dos mu- da em que tais bases de dados disponibilizam
nicípios, abrangendo equipamentos culturais informações necessárias para o alcance de
e meios de comunicação; capacitação dos ser- estratégias, diretrizes e ações de organismos
vidores públicos; dados sobre o órgão gestor de de gestão cultural, institutos de pesquisa
cultura de cada município e suas condições de e universidades.
funcionamento (grau de autonomia, internet, Para citar um exemplo, nas metas de
telefonia, número de funcionários, regime de prioridade de execução do Plano Nacional
trabalho e grau de escolaridade, entre outros); de Cultura (PNC) No 12.343,11 a ser alcan-
informação sobre outros instrumentos de ges- çadas em dez anos, destacam-se algumas,
tão existentes (outros conselhos, legislação das 53 aprovadas, que se alimentam com os
específica, fundações); dados sobre recursos dados das pesquisas mencionadas e descri-
financeiros despendidos e sobre a existência tas de forma muito breve neste artigo, como
de fundos específicos; políticas, planos, ações a obrigatoriedade de implantação de uma
e atividades artesanais e artísticas existentes biblioteca pública em 100% dos municí-
em cada município; e legislação e articulação pios brasileiros (meta 32), de algum tipo de
institucional com a sociedade civil. Além dis- instituição ou equipamento nos municípios
so, dá visibilidade ao evento cultural na sua es- brasileiros (meta 31) e a medição da parti-
pacialidade e tempo. Esses dados certamente cipação do setor cultural brasileiro no PIB,
contribuirão para aqueles que pensam essa com a construção da CSC (meta 53).
atividade como uma forma de intervenção De todo modo, muito ainda há por ser
social ou econômica. feito no campo da cultura brasileira e na con-
tínua superação das lacunas de informações
Últimas considerações quantitativas e qualitativas; o mais impor-
Sabemos o quanto essas ações conjun- tante, porém, é que já dispomos de estudos
tas entre instituições na área de produção de e pesquisas que mensuram, quantificam e
informações e indicadores do setor cultural qualificam a produção cultural.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 143

Cristina Lins
É economista e mestra em estudos populacionais e pesquisas sociais pela Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), do Rio de Janeiro. É consultora em pesquisas e
indicadores culturais e professora de cursos de MBA em gestão cultural. Trabalhou durante
11 anos como coordenadora técnica do estudo Sistema de Informações e Indicadores
Culturais, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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PERFIL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível
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ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cristina Lins 145

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UNPD/UNCTAD. Creative economy. Report 2010. Disponível em: <http://unctad.org/


en/Docs/ditctab20103_en.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.

Notas

1 Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2004/12/16/cooperacao-


tecnica/>. Acesso em: 7 fev. 2016.

2 John Maynard Keynes – à frente do Council for the Encouragement of Music


and the Arts (Cema), atual Arts Council of England – e André Malraux – pelo
Ministério da Cultura da França – foram atores determinantes no processo de
legitimação governamental da cultura e da ideia de democratização cultural,
na segunda metade do século XX.

3 Ver LINS, 2016, p. 9.

4 Em 4/2/1996 foi assinada a Ata de Canela durante a primeira reunião dos


ministros da Cultura do Mercosul, realizada em Canela (RS, Brasil), que prevê
o aprofundamento das relações culturais, a criação do Selo Mercosul Cultural,
a realização de cursos para administradores culturais e o desenvolvimento de
redes regionais informatizadas integradas ao Sistema de Informação Cultural
da América Latina e Caribe.

5 A construção de uma Conta Satélite de Cultura (CSC) surge como um mecanismo


para identificar a participação (pública e privada) que a cultura aporta para a
economia do país. Por meio dela também podemos perceber os aspectos fortes
e fracos das distintas atividades culturais, além da diversidade na oferta e no
consumo dos seus produtos e serviços.
146 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

6 O IBGE está subordinado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e


também é responsável pela coordenação do Sistema Estatístico Nacional (SEN).

7 INTERNATIONAL STANDARD INDUSTRIAL CLASSIFICATION OF ALL


ECONOMIC ACTIVITIES (Isic), Rev. 4. Nova York: United Nations, Department
of International Economic and Social Affairs, Statistical Office, 2007. (ST/ESA/
STAT/SER.M/4/rev.4.) Disponível em: <https://unstats.un.org/unsd/cr/registry/
regcst.asp?Cl=27>. Acesso em: 8 jun. 2017.

8 O quadro de inventário de bens duráveis (quadro 14 do Questionário de Despesa


Coletiva – Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF 2) só foi divulgado na edição
do Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2003-2005.

9 Para uma leitura completa, consultar o link das publicações disponibilizado


em Referências.

10 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/


perfilmunic/cultura_2014/default.shtm>. Acesso em: 8 jun. 2017.

11 Disponível em: <http://pnc.culturadigital.br/>. Acesso em: 29 fev. 2017.


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 147

O IPEA E A ECONOMIA DA CULTURA


Frederico Barbosa

O texto trata da trajetória dos trabalhos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


(Ipea) no âmbito da economia da cultura e das pesquisas avaliativas em políticas culturais.
A compreensão da atuação da área da cultura no Ipea é a história da sua institucionalização
e dos seus desenvolvimentos na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc). A trajetória
começa a se esboçar aproximadamente em 1998 e se desdobra nos anos seguintes, sendo a
resultante de configurações institucionais específicas, especialmente relacionadas com a
função de acompanhamento dos Planos Plurianuais (PPA). O texto descreve, em linhas
gerais, como a área encontrou espaços internos, mas também resistências decorrentes da
cultura institucional e dos dispositivos hegemônicos de pesquisa econômica aplicada, mar-
cados pelo normativismo econômico e pelo quantitativismo. A atuação dos pesquisadores
junto aos processos de planejamento e acompanhamento do PPA proporcionou os espaços
para a aproximação ao Ministério da Cultura (MinC). Ainda que o instituto – e mesmo o
ministério – não dispusesse de acúmulo de pesquisas empíricas ou recursos analíticos, in-
terpretativos e empíricos para situar a cultura e a importância de suas questões, era inegável
ser a área parte de uma política setorial, com recursos próprios, com objetos específicos e com
algum grau de institucionalização. Mesmo com todo o desconhecimento e as dificuldades
de reconhecimento da área com sua densidade econômica e política específica, o conjunto
de pesquisas, avaliações e a participação intensiva dos pesquisadores nos debates do MinC
reposicionaram a cultura como campo legítimo tanto internamente quanto em campos
ampliados de estudo e pesquisa.

O campo institucional: seus jogos em torno de 1998 e é necessário descrever

A
a situação na qual e contra a qual se reali-
compreensão da atuação da área zou, ou seja, a configuração institucional da
da cultura no Instituto de Pesqui- qual é expressão e os acontecimentos que
sa Econômica Aplicada (Ipea) é, a potencializaram, inclusive para respon-
especialmente, a história da sua institucio- der aos seus contínuos e atuais desafios de
nalização ou dos seus desenvolvimentos institucionalização. A área encontrou es-
ziguezagueantes na Diretoria de Estudos e paços internos, mas também resistências,
Políticas Sociais (Disoc). Os primeiros pas- que decorrem da cultura institucional e
sos dessa trajetória começam a se esboçar dos dispositivos hegemônicos de pesquisa
148 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

econômica aplicada, marcados pelo norma- como descrição do espaço institucional


tivismo econômico e pelo quantitativismo. do Ipea, com suas disputas internas e suas
Evidentemente, outros elementos objetivos pesquisas sobre macroeconomia, indústria,
também marcaram a institucionalização da inovação, meio ambiente etc., mas também
área, como descreveremos brevemente. na evolução de temas e questões de pesquisa
As estruturas institucionais polarizam em cada uma das áreas.
e enfatizam demandas, também as posicio- Esses considerandos iniciais localizam
nam em sistemas hierarquizados e as dis- as estratégias de produção de conhecimen-
tribuem em contínuos de maior ou menor to da área cultural. Essa produção deveria
legitimidade. Nada diferente acontece no dialogar com as finanças públicas, com as
Ipea. Entre aquelas áreas consideradas es- bases de dados disponíveis, com o campo
truturantes da ação pública estão políticas argumentativo dos direitos e, finalmente,
com forte componente financeiro na atuação com os modelos de reflexão sobre a ação
governamental, tais quais previdência e ou- pública, formas dominantes do capital sim-
tras que têm simultaneamente importante bólico na instituição. As transições entre
componente simbólico na argumentação da essas dimensões são uma constante. Ins-
proteção de direitos, como as áreas de tra- titucionalmente, a internalização de pes-
balho, saúde, educação, assistência social quisas no campo da cultura foi estimulada
e demografia. Essas políticas, então, são por todos esses elementos, mas também por
acompanhadas de destacado componente outra questão, ou um conjunto de aconteci-
financeiro na estrutura das finanças públi- mentos, como os processos de formulação e
cas, de recorrente interpelação pela estru- acompanhamento dos programas do Plano
tura argumentativa dos direitos e, portanto, Plurianual (PPA). Essa singularidade das
são passíveis de argumentação normativa, atividades da Disoc/Ipea abriu janelas de
sendo ainda organizadas em torno de bases oportunidade e permitiu a construção das
de dados que permitem descrever compor- políticas culturais como objeto de aten-
tamentos agregados do objeto de cada uma ção da instituição.
das políticas. Nem todas as perguntas dessas
áreas podem ser respondidas pelas estatísti- Os acontecimentos e a agenda
cas públicas gerais ou administrativas, mas cultural no Ipea
os pesquisadores podem se debruçar siste- Em um primeiro momento, dois mo-
maticamente sobre achados delas decorren- vimentos simultâneos, e nem sempre con-
tes, sem a necessidade do entendimento da vergentes, se fizeram sentir. O primeiro
movimentação dos atores em campos de relacionava-se com a demanda por acompa-
ação política e simbólica específicos, com nhamento do PPA por parte do Ministério do
seus dilemas, motivações, ideologias e in- Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
teresses singulares. As controvérsias internas ao Ipea, no início
É possível que essas considerações dos anos 2000, eram imensas e se referiam
devam ser contextualizadas e relativizadas à qualidade e metodologia do PPA. Dúvidas
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 149

eram levantadas a respeito da sua consistên- Ministério da Cultura (MinC). Mesmo sem
cia como peça de planejamento efetivo. Entre- dispor de recursos analíticos, interpreta-
tanto, as controvérsias diziam algo a respeito tivos e empíricos para situar a cultura e a
dos conflitos que dividiam as opiniões em tor- importância de suas questões, era inegável
no do caráter e da missão do Ipea em relação ser a cultura parte de uma política setorial,
ao planejamento. A questão era saber se o Ipea com recursos próprios, com objetos especí-
seria um órgão de pesquisa – e de que tipo – ou ficos e com algum grau de institucionaliza-
de planejamento – em que modelo. O dilema ção. Com toda a dosagem de preconceitos e
vai e vem na história recente. desconhecimentos sobre a área que carac-
Evidentemente, diferentes posições terizava – e, diga-se, ainda caracteriza – o
institucionais indicavam serem aquelas ati- instituto, a pesquisa e o acompanhamento
vidades complementares ou simplesmente do PPA legitimava o investimento prático e
estratégicas no contexto de fortalecimento cognitivo na área.
institucional. As lutas simbólicas não são A partir daí, a área das políticas cultu-
sempre claras. Elas movimentam projetos rais começou a ganhar espaço institucio-
particulares e socialmente posicionados, nal, processo fortalecido, como já se disse,
visões de mundo, interes- nos “acompanhamentos
ses materiais, ideológicos A área da cultura encontrou de política e programas”,
e institucionais, não po- espaços internos no Ipea, realizados para o boletim
dendo ser descritas como mas também resistências, Análise e Acompanhamen-
posições intelectuais e que decorrem da cultura to – Políticas Sociais. O
institucional e dos dispositivos
teóricas sistemáticas e caráter descritivo e experi-
hegemônicos de pesquisa
transparentes. Ser parte mental daquela publicação
econômica aplicada, marcados
de uma instituição de pes- pelo normativismo econômico nos seus números iniciais
quisa que participa do ci- e pelo quantitativismo. acolheu plenamente as
clo de planejamento e está primeiras aproximações às
no âmbito das carreiras de Estado recoloca políticas setoriais de cultura. A analiticidade
questões existenciais e situacionais tanto e a configuração de quadros interpretativos
para os indivíduos quanto para a própria mais complexos não eram a tônica daquela
instituição. Além disso, posicionar-se no publicação, mas essas características permi-
campo envolve demarcar projetos alterna- tiram a abertura de um espaço de trabalho
tivos interna e externamente. sistemático e contribuíram para a consoli-
No âmbito da cultura e na consolidação dação gradual da área.
de posições de pesquisa e acompanhamento O segundo movimento se deu a partir da
das suas políticas e programas, deve-se di- aproximação possível ao MinC naquele mo-
zer que as ambiguidades internas propor- mento, quando o ministério passou a estabe-
cionaram os espaços para a aproximação lecer diálogos cada vez mais estreitos para a
dos “pesquisadores” do Ipea aos processos produção de informações estatísticas e a ela-
de elaboração do PPA e, especialmente, do boração de acompanhamentos de programas.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 151

As primeiras conversas giravam em indicadores, uso de técnicas de grupo focal,


torno de um observatório da cultura ou entrevistas, questionários, painel de espe-
algo desse gênero. A elaboração de inúme- cialistas, análise de discurso e conteúdos,
ras pesquisas de caráter exploratório aca- uso de narrativas etc. mesclavam-se com
bou por se constituir em referência na área. processos avaliativos e de planejamento.
Mesmo assim, continuava-se enfrentando Nesses casos, a orientação teórica de base
as dificuldades da administração pública, nem sempre foi apresentada de modo ex-
da sociedade e de pesquisadores na apro- plícito nem os resultados foram apresenta-
priação dos resultados e na contextualiza- dos em toda a sua extensão. A sensibilidade
ção das pesquisas empíricas com caráter aos efeitos políticos dos textos e relatórios
estatístico para expressar políticas e pro- produzidos sempre foi considerada e exer-
blemas envolvidos nos dinamismos do fe- citada. Por essa razão, as descobertas de
nômeno cultural. Também se deve ressaltar pesquisa foram recorrentemente discutidas
que a pesquisa na área cultural, em geral, in totum. Diga-se em reforço às parcerias
se caracteriza, ainda hoje, pelo ensaísmo com o Minc, suas secretarias e institui-
teórico-filosófico, pela revisão bibliográfi- ções vinculadas que, raras vezes, embora
ca, pela paráfrase de ideias gerais e oficiais, o desconforto tenha surgido em diversas
pela dificuldade congênita para a pesquisa ocasiões, os gestores que demandaram ava-
empírica não normativa. É nesse espaço que liações e pesquisas foram reticentes a ser
as pesquisas do Ipea foram se configurando. criticados. As estratégias para a produção
Não se trata de um espaço de recusa, mas textual pressupunham sempre sua leitura
de crítica e diálogo. Em alguns momentos, por parte dos gestores e, depois, por públi-
inclusive, evitou-se, na área de cultura do cos mais amplos. Poucas vezes, pelo menos
Ipea, o excedente discursivo da pesquisa de maneira explícita, a produção textual de
normativa, do teoricismo e da boa conversa relatórios de pesquisas ou avaliações pre-
do ensaísmo. Nesses momentos, as trocas de tendeu ter como interlocutores os departa-
bastidores, as conversas sobre achados de mentos de ciências sociais, administrativas
pesquisa e as opiniões sobre as políticas se e econômicas das universidades.
constituíam em reservas simbólicas, mais
importantes do que os resultados textuais. Alguns resultados
Os bastidores aconteciam especialmente Os primeiros trabalhos do Ipea reper-
com o MinC, sempre receptivo às inúme- cutiram de forma positiva e passaram a ser
ras opiniões decorrentes da reflexão e da referidos nas discussões ministeriais, embo-
experiência de pesquisa, mesmo que delas ra nem sempre tenham sido apropriados de
discordasse ou não fizesse uso na ação. forma devida na discussão política. Talvez
Em outros momentos, entretanto, a ex- nem tenha sido esse o objetivo. Seja como
ploração de métodos de análise de políticas for, foram elaborados indicadores e pes-
entrava em cena: triangulação de métodos quisas de apoio, além do acompanhamento
(quantitativos e qualitativos), produção de das ações quase sem descontinuidade nos
152 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

últimos dez anos. Nessa linha, foram reali- da ação pública. A área de cultura realizou
zados trabalhos a respeito de financiamento possivelmente um dos primeiros trabalhos
cultural nas três esferas de governo, merca- de campo em grande escala no Ipea, quando
do de trabalho na cultura, consumo cultural, visitou mais de 360 associações culturais
ensino das artes, impactos das propostas de espalhadas pelo país e quando foram apli-
emenda constitucional de vinculação orça- cados questionários, elaborados cadernos
mentária nas contas públicas, distribuição de campo, observação e grupos focais, tudo
de equipamentos culturais no território e em parceria com a Fundação Joaquim Na-
desafios da implementação do Vale Cultura, buco (Fundaj), que visitou as instituições
além de inúmeras notas técnicas para subsi- culturais no Norte e Nordeste, enquanto
diar as discussões nas políticas museológi- o Ipea o fazia no Centro-Oeste, Sudeste e
cas, na economia da cultura e criativa e nos Sul. A pesquisa articulou métodos variados,
pontos de cultura, entre outros. tanto quantitativos quanto qualitativos, na
Dois trabalhos passaram a ser referi- interpretação final. Naquele momento, a
dos nos documentos do Plano Nacional de associação entre pesquisadores da própria
Cultura (PNC). Interessante dizer que os Disoc proporcionou o desenrolar de uma
textos ali compilados destinavam-se origi- ampla logística de viagens, mas, antes dis-
nalmente não à publicação, mas, em primei- so, a elaboração participativa de um vasto
ro lugar, aos boletins de acompanhamento e minucioso questionário – quando foram
do Ipea, que tinham um perfil descritivo e convidados professores e intelectuais ati-
quase que apenas davam notícias do que vos na área cultural –, e depois, também, o
acontecia nas políticas e nos programas, processamento de dados estatísticos e da
e à produção exploratória das estatísticas elaboração do planejamento por meio do
disponíveis. Esse conjunto de trabalhos modelo lógico do Programa Arte, Cultura e
acabou em forma de livros que espelham Cidadania, o que permitia que o programa
certo estágio da construção da cultura, por se tornasse avaliável.2
um lado, como objeto de pesquisa econômi- Simultaneamente a essa pesquisa,
ca aplicada no instituto e, por outro, como foi realizado amplo rol de entrevistas com
objeto de reflexão no modelo das análises gestores icônicos da história do MinC e da
de políticas públicas.1 sua história oral do presente. Essa pesquisa
Posteriormente, em um segundo mo- resultou na publicação de Políticas Públicas
mento (que certeiramente se mistura tem- Culturais – a Voz dos Gestores (BARBOSA
poralmente com o primeiro), como já se DA SILVA; MIDLEY, 2011), livro fartamen-
apontou, enfrentou-se o ensaísmo caracte- te utilizado nos cursos de administração e
rístico da área cultural. Para tal, a área de políticas públicas.3
cultura do Ipea enveredou no caminho das No meio de tudo isso, foi elaborado já
pesquisas empíricas aplicadas, tomando a em 2007-2008 um indicador sintético, o
cultura como objeto a partir dos modelos de Indicador de Desenvolvimento da Econo-
análise de políticas públicas e da sociologia mia da Cultura (Idecult), de grande fama,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 153

largamente discutido com a Unesco e publi- os indicadores são bons não apenas para
cado em 2010, mas prematuramente aban- medir, mas também para refletir sobre os
donado (ARAÚJO; BARBOSA DA SILVA, fenômenos capturados.
2010). Os desdobramentos esperados não As pesquisas e avaliações foram ga-
aconteceram, isto é, discutia-se sobre a uti- nhando formas diferenciadas, não apenas
lização do indicador como parte de conjunto pelo método, mas, especialmente, pela pre-
de critérios alocativos. Pessoalmente, nun- sença e difícil coordenação de pesquisado-
ca acreditei em tal possibilidade e sempre res-bolsistas. Estes tinham, em geral, perfil
considerava que um indicador interessante acadêmico consolidado, mas, na maior parte
deveria ser intuitivo, e não constituído de dos casos, formações de difícil compatibili-
excessivo conjunto de pressupostos e de- zação com a pesquisa empírica e aplicada. A
cisões metodológicas. Considero que a dis- primeira pesquisa de porte visou estruturar
cussão conceitual, apesar da forma sintética o Programa Cultura Viva para torná-lo ava-
na qual foi apresentada, é consistente e que liável e para produzir indicadores – o tom
indicadores de trabalho municipalizados era dado pela necessidade de dialogar com
ainda representam forte potencial descri- outros órgãos da administração, especial-
tivo e político. Em todo caso, a descrição do mente os de controle. A segunda pesquisa
desenvolvimento da cultura não totaliza tinha como objetivo elaborar pesquisa etno-
nem toma a cultura como objeto, mas leva gráfica que visava responder a questões le-
em consideração as formas heterogêneas de vantadas pelo MinC (BARBOSA DA SILVA;
regulação dos fenômenos culturais (Estado, ZIVIANI, 2011), mas também aprofundar e
mercado, comunidades e sociedade civil) e qualificar as características das associações
considera que a cultura é composta de múl- e redes culturais fomentadas pelo ministério
tiplos circuitos culturais com naturezas e (oficinas situacionais) (BARBOSA; MEDEI-
dinamismos muito diversos entre si. ROS; LYRA, 2011); também aqui aconteceu
Desenvolvimento cultural não é ape- a triangulação de métodos variados. Dessa
nas um conceito normativo, mas descritivo. pesquisa resultaram inúmeros relatórios
Implica reconhecer as múltiplas estraté- que serviram de aporte para a ampla re-
gias de preservação e enriquecimento da flexão do grupo de trabalho (GT) Cultura
diversidade cultural, pressupõe o respeito Viva, que se desenrolou durante todo o ano
aos valores da dignidade humana e o res- de 2012 e teve como resultado um relatório
peito igual pelas escolhas (tácitas ou não) parcial e outro mais amplo com delimitação
que os grupos e indivíduos fazem por serem de desafios a ser enfrentados. Nessa terceira
diferentes. Todos esses trabalhos foram onda de atividades junto ao Programa Cul-
apresentados e discutidos no MinC, espe- tura Viva foram elaborados e reorientados o
cialmente por proporem instrumentos de modelo lógico (ML) da Secretaria da Cida-
medida para o desenvolvimento cultural dania e da Diversidade Cultural (SCDC), o
em diferentes escalas territoriais, o que po- ML do próprio programa e um mapeamento
deria ser útil para pensar políticas. Enfim, limitado de problemas de gestão e questões
154 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

jurídicas, além de formuladas tentativas de ensaístico e acadêmico. Tais qualidades po-


formatar as diretrizes estratégicas para a derão caracterizar a área cultural do Ipea no
federalização do programa (BARBOSA DA futuro próximo. A reversão dessa tendência
SILVA; LABREA, 2014). envolve recolocação e realinhamento das
No mesmo período, o Programa Mais pesquisas às necessidades da ação pública.
Cultura (BARBOSA DA SILVA; ABREU, Simultaneamente às análises que
2011) foi avaliado pela então coordenação acabamos de relatar, foram elaboradas
de cultura da Disoc/Ipea. Nesse caso, a et- pesquisas da economia dos museus, publi-
nografia aplicada à administração pública cadas pelo Instituto Brasileiro de Museus
era a orientação, embora tenha ganhado (Ibram) e tomadas como modelo para ou-
parceiros metodológicos de outras tradições tras realizadas por aquela instituição. Tam-
teóricas, quando se usou na pesquisa avalia- bém foi elaborado um amplo questionário
tiva as ideias das “redes ao estilo dos painéis de
do direito” e de “seguir Desenvolvimento cultural não é especialistas (método
as narrativas dos ato- apenas um conceito normativo, mas Delphi) para prospec-
res”, conceitos levados descritivo. Implica reconhecer as tar o futuro do campo
parcialmente a sério no múltiplas estratégias de preservação museal brasileiro. A
processo avaliativo – na e enriquecimento da diversidade presença de pesqui-
cultural, pressupõe o respeito aos
linha do institucionalis- sadores do Ibram e do
valores da dignidade humana e o
mo discursivo e da teo- Ipea foi, nesse caso,
respeito igual pelas escolhas (tácitas
ria do ator-rede –, tendo ou não) que os grupos e indivíduos extremamente salu-
como resultante apon- fazem por serem diferentes. tar e proveitosa, o que
tar para as dificuldades permitiu verticalizar a
dos processos de coordenação e planeja- reflexão a respeito dos museus brasileiros,
mento (processo de agência) das ações mi- seus desafios e questões a ser enfrentadas.
nisteriais, pelo menos na forma tal qual se A mobilização do setor para responder ao
apresentavam no caso em foco, que era o de questionário foi intensa e os resultados es-
uma estranhíssima relação entre Mais Cul- tão no livro Encontros com o Futuro: Pros-
tura e Sistema Nacional de Cultura. Nesse pecções do Campo Museal Brasileiro no
caso, não apenas estranhas eram as relações Início do Século XXI (BARBOSA DA SILVA;
internas ao MinC, mas o inusitado relatório ZIVIANI; ­VIEIRA et al, 2014).
final gerou um livro coeso, de certa forma,
com interpretações fortes, mas, ainda as- Perspectivas
sim, com partes estranhamente ensaísticas É sabido que o Ipea tem larga trajetó-
e de rasa densidade empírica. Como desdo- ria de produção de pesquisas, avaliações e
bramento, foi realizado um conjunto de re- organização de dados estatísticos a partir
flexões a respeito do Conselho Nacional de das bases de dados amostrais e administra-
Políticas Culturais (CNPC), que ganhou a tivos. Faz análises a partir da construção de
forma de textos reflexivos, com caráter mais pesquisas e avaliações em diferentes escalas,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 155

mas privilegia as pesquisas nacionais e ma- e contextuais, nada está fora do alcance da
croterritoriais. A sociedade como categoria, ação concreta e das opções dos atores. E eles
dizem os cientistas sociais contemporanea- devem ser criticados quando não respeitam
mente, delineia a imagem do Estado nacio- os limites éticos propostos pelos múltiplos
nal. A cultura também carrega a imagem atores no quadro da democracia.
dos processos e das ideologias de formação As políticas culturais no Brasil são an-
nacional e de seus Estados. Entretanto, o teriores à década de 1930, convergiram e se
uso da cultura para a conformação de he- desenvolveram gradualmente, embora de
gemonias é bastante controvertido e traz forma contraditória, ao longo do século XX e
questões teóricas e políticas que não cabe do início do XXI para proporcionarem recur-
aqui discutir. Diga-se ape- sos de enriquecimento de
nas que a cultura já serviu [...] as diversas áreas das sentidos para a existência
a muitos senhores, como políticas culturais adotaram cotidiana. É verdade que
modelo de autoformação diferentes paradigmas de as diversas áreas das po-
dos indivíduos, como peça políticas e foram capacitadas líticas culturais adotaram
do colonialismo e também com diferentes níveis de diferentes paradigmas de
recurso. Rádio, televisão,
como arma de ataque às políticas e foram capacita-
cinema, audiovisual e o mundo
elites nos processos de for- das com diferentes níveis
digital ganharam formas e
mação do Estado nacional-­ impactaram no cotidiano. de recurso. Rádio, televi-
popular. Esse imaginário são, cinema, audiovisual
ainda pontua a reflexão e o trabalho analíti- e o mundo digital ganharam formas e im-
co, mas tem limites, especialmente quando pactaram no cotidiano. Políticas para artes,
os atores da sociedade civil se multiplicam e patrimônio, bibliotecas, museus, economia
querem ver suas demandas e seus interesses criativa etc., além das habituais camadas de
representados como perspectiva analítica. ação, passaram a dialogar com as questões
Estes nem sempre são coincidentes com a étnicas, de gênero e com a diversidade.
perspectiva governamental. Artes, patrimônio, modos de viver e sa-
A mudança de escala ou a pesquisa em- beres, e até mesmo o entretenimento, dizem
pírica teoricamente orientada faz do vai e algo sobre os valores básicos escolhidos nos
vem constante entre teoria e empiria uma de diferentes contextos. Não são trivialidades
suas características. E faz outras exigências. de artistas, proposições dos mercados sim-
A grande variedade de situações da produção bólicos direcionados ao lucro ou da ética da
econômica, do desenvolvimento cultural, do preguiça, como nos foi insinuado em dife-
consumo e da proteção social não permite rentes momentos. Ao contrário, enriquecem
a manutenção das grandes narrativas ou de a estrutura básica de valores, oferecem cri-
narrativas hegemônicas. Ou, pelo menos, exi- térios éticos e estéticos a ser deixados como
ge a indexação da análise a contextos na for- patrimônio para as gerações futuras e, como
ma do pragmatismo, isto é, na consideração consequência, mobilizam os recursos criati-
de que nada está fora dos limites históricos vos de um sem-número de pessoas.
156 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Como se vê, as possibilidades normati- Nacional de Cultura, passando pelos levan-


vas são inúmeras. Aqui, entretanto, prefere-­ tamentos empíricos (estatísticas), pelas
se assinalar que as possibilidades analíticas pesquisas avaliativas de políticas públicas
também são muitas e que o mais importante também de caráter empírico, até os boletins
é poder investigá-las, ampliando as interpre- temáticos, textos para discussão e artigos.
tações, explorando e criticando descrições e As dificuldades e os desafios de institu-
hipóteses. Talvez a estratégia mais interes- cionalização da área de cultura, entretanto,
sante seja a de configurar redes de pesquisa permanecem. Muito do que foi realizado
nas quais as contribuições dialoguem. A ação contou com a convergência de interesses
é sempre local. As políticas públicas acon- de pesquisadores do próprio Ipea – pou-
tecem e mobilizam atores diferenciais nos cos, é verdade, mas engajados na pesquisa e
territórios e nos campos singulares. Obvia- no acompanhamento.
mente, há momentos em que as decisões se Outras pesquisas encontraram apoio
dão na referencialidade do geral, tanto nacio- nas capacidades externas, especialmente
nal quanto das regiões, dos serviços públicos por meio de um sistema de bolsas, mas,
e dos direitos. Mas nada há de mais impor- evidentemente, envolveram longos e con-
tante que mobilizar capacidades analíticas flitivos ajustamentos de expectativas, de
e reflexivas diversas. interesses, de orientação teórica e meto-
As iniciativas de construção de redes de dológica, processos mais difíceis em casos
pesquisadores são relativamente recorrentes nos quais as pesquisas envolvem métodos
e se desdobraram em inúmeros momentos. A qualitativos e escolhas entre tradições teó-
partir de meados dos anos 2010, a iniciativa ricas diferenciadas.
foi revitalizada e contou com a presença de As redes de pesquisa envolvem pro-
universidades federais, mas as demandas co- blemas similares, pois dependem de com-
tidianas e a lógica atual da produtividade das plexas negociações entre pesquisadores
universidades muitas vezes as impedem de provenientes de diferentes matrizes teóri-
realizar pesquisas empíricas mais focadas e cas, portadores de interesses e capacidades
direcionadas. Ademais, o tempo da pesquisa diferenciadas. Dar resposta a essas questões
universitária e as questões colocadas a elas está no atual horizonte da atuação institu-
são distintos daqueles demandados por ór- cional do Ipea.
gãos públicos, embora não se possa, eviden- A qualidade das respostas dirá se a área
temente, generalizar. de cultura se voltará, como no seu início, para
Enfim, a consolidação e o amadureci- realizar descrições aproximativas e quase
mento das análises da área cultural do Ipea jornalísticas da política, se desenvolverá
foram graduais e podem ser evidenciados na repertórios teórico-metodológicos para a
mudança qualitativa das análises, desde os análise de políticas, se atuará no mercado
primeiros textos de acompanhamento pu- instável do ensaísmo acadêmico ou dos in-
blicados nos boletins de políticas sociais e teresses das redes de pesquisadores em po-
depois publicados nos cadernos do Plano líticas culturais.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Frederico Barbosa 157

Frederico Barbosa
É antropólogo, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisa-
dor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor de políticas públicas
do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Coordenou diversas pesquisas e avaliações
sobre economia da cultura e políticas públicas culturais. É autor ou coautor dos livros
Economia e Política Cultural – Acesso, Emprego e Financiamento (2007), Política Cultural
no Brasil 2002-2006 – Acompanhamento e Análise (2007), Indicador de Desenvolvimento
da Economia da Cultura (2010), Cultura Viva – Avaliação do Programa Arte Cultura e
Cidadania (2010), Políticas Culturais – a Voz dos Gestores (2011) e As Políticas Públicas
e Suas Narrativas (2011).

Referências

ARAÚJO, H. E.; BARBOSA DA SILVA, F. A. (Coord.). Indicador de desenvolvimento da


economia da cultura. Brasília: Ipea, 2010.

BARBOSA, C. L.; MEDEIROS, R. C. F.; LYRA, V. M. G. Avaliação dos pontões de cultura


do Programa Cultura Viva. O olhar dos gestores do Programa Cultura Viva.
Relatório da Pesquisa Avaliativa do Programa Cultura Viva. (Coordenação de
Cultura, Ipea.) Brasília: Ipea, 2011.

BARBOSA DA SILVA, F. A.; ABREU, L. E. As políticas públicas e suas narrativas –


o estranho caso entre o Mais Cultura e o Sistema Nacional de Cultura. Brasília:
Ipea, 2011.

BARBOSA DA SILVA, F. A.; LABREA, V. Linhas gerais de um planejamento participativo


para o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2014.

BARBOSA DA SILVA, F. A.; MIDLEY, S. Políticas públicas culturais – a voz dos gestores.
Brasília: Ipea, 2011.

BARBOSA DA SILVA, F. A.; ZIVIANI, P. Cultura Viva – as práticas de pontos e pontões.


Brasília: Ipea, 2011.

BARBOSA DA SILVA, F. A.; ZIVIANI, P.; VIEIRA, M. E. et al. Encontros com o futuro:
prospecções do campo museal brasileiro no início do século XXI. Brasília: MinC-
Ibram, 2014.
158 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Notas

1 Ver BARBOSA DA SILVA, F. A. A economia e política cultural – acesso, emprego


e financiamento. Cadernos de Políticas Culturais, v. I, PNC. Brasília: Ipea-Minc,
2007; e BARBOSA DA SILVA, F. A. Política cultural no Brasil 2002-2006:
acompanhamento e análise. Cadernos de Políticas Culturais, v. II, PNC. Brasília:
Ipea-Minc, 2007.

2 O primeiro livro com perfil analítico e avaliativo foi BARBOSA DA SILVA, F. A.;
ARAÚJO, H. E. Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania.
Brasília: Ipea, 2010.

3 Ver também a coletânea de artigos sobre o Programa Cultura Viva:


BARBOSA DA SILVA, F. A.; CALABRE, L. Pontos de cultura – olhares sobre
o Programa Cultura Viva.
160 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

HÁBITOS CULTURAIS NO BRASIL:


O QUE JÁ É POSSÍVEL SABER

João Leiva Filho


Ricardo Meirelles
Leiva e Meirelles
As pesquisas de hábitos culturais no Brasil – que basicamente começaram a ser feitas neste
século – usam metodologias diversas e abordam espaços geográficos também diversos. A partir de
alguns trabalhos que têm foco em municípios, este artigo indica pontos sobre os quais já se podem
fazer afirmações mais embasadas: a importância da escolaridade na frequência a atividades
culturais, a relação entre gênero e prática cultural e o público potencial para algumas áreas.

O
s esforços para entender a forma Quais aspectos da relação da população
como a população se relaciona com com as atividades culturais gostaríamos
a cultura são recentes, e o caminho de entender? Quais atividades e práticas
para avançar nessa direção é repleto de obs- devem ser consideradas? Como as per-
táculos. Dos primeiros estudos franceses, em guntas devem ser feitas? Com quais recor-
meados da década de 1960, às recentes pes- tes ­trabalhar?
quisas de hábitos culturais disseminadas em No Brasil, a maior parte das institui-
vários países, passando por estudos acadêmi- ções que se lançaram em empreitadas desse
cos sobre o tema, as dificuldades começam tipo – como 3D3,1 Centro Brasileiro de Aná-
já na definição do objeto a ser estudado. O lise e Planejamento (Cebrap),2 Fecomér-
que exatamente se quer dizer com cultura? cio-RJ,3 Instituto de Pesquisa Econômica
Como distinguir hábito, consumo e acesso? É Aplicada (Ipea),4 Observatório da Cultura
possível estabelecer limites claros para cada de Porto Alegre,5 Observatório de Favelas
uma dessas palavras? do Rio de Janeiro,6 Sesc7 e a própria JLeiva
Tais questões ganham maior comple- Cultura & Esporte8 – só o fez a partir deste
xidade com as transformações tecnológicas, século e, infelizmente, de maneira descon-
que desde o advento do livro impresso – e de- tínua. Como nem a abrangência geográfica
pois o da fotografia, do cinema, da televisão nem as metodologias são iguais, os resulta-
e, mais recentemente, das mídias digitais – dos não são diretamente comparáveis, mas
exigem redefinições constantes. trazem pontos em comum e ajudam a com-
A complexidade e o dinamismo desse por um primeiro conjunto de informações
cenário são um desafio paras as ditas pes- sobre a relação da população com a produção
quisas quantitativas de hábitos culturais. exibida no país.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 161

Abrangência geográfica e temática Por que centrar o foco em municípios e


Na JLeiva, o trabalho com pesquisas de não em abordagens mais tradicionais (país
hábitos culturais começou em 2010, num le- inteiro, unidades da Federação, capital ver-
vantamento que ouviu 2.400 moradores do sus interior)? A opção foi determinada pela
estado de São Paulo, distribuídos por mais de importância que as cidades vêm ganhando
80 cidades. O estudo permitia como eixo de articulação da
a leitura dos resultados para a Quais aspectos da relação vida cultural. E, de fato, a ex-
capital, a região metropolita- da população com as periência em São Paulo e no
na e o interior do estado – po- atividades culturais Rio de Janeiro deixou claro
rém, não para o que acontecia gostaríamos de entender? que os dados das localidades
Quais atividades e práticas
em cada um dos municípios traduzem melhor a experiên-
devem ser consideradas?
da amostra. Depois disso, fi- cia cultural dos cidadãos e,
Como as perguntas devem
zemos mais três pesquisas, ser feitas? Com quais principalmente, geram sub-
com uma diferença funda- recortes trabalhar? sídios mais úteis para os
mental: o foco passou a ser as agentes do setor, sejam eles
cidades. Foi assim no Rio de Janeiro, onde, públicos ou privados. Determinada informa-
em 2013 e, numa segunda rodada, em 2015, ção sobre o interior de São Paulo, por exem-
ouvimos cerca de 1.500 pessoas – número plo, não pode ser lida da mesma maneira por
suficiente para dar uma visão mais robusta um secretário de Cultura de duas pequenas
dos dados não apenas na capital fluminen- ou médias cidades se uma delas estiver pró-
se, mas também nas suas macrorregiões. Em xima de um grande centro e a outra não.11
2014, em nosso principal estudo até então,9 Como não existem muitas pesquisas
mapeamos os hábitos culturais em 21 mu- no Brasil de caráter quantitativo na área,
nicípios paulistas, além de Belo Horizonte outra característica dos levantamentos da
(MG), Salvador (BA), Niterói, Barra Mansa, JLeiva é que recorrem a um espectro temá-
Nova Iguaçu, Duque de Caxias (RJ) e Ponta tico amplo, explorando diversos segmentos
Grossa (PR). Foram cerca de 10 mil entrevis- da cultura, sem colocar foco em um setor
tas, 8 mil no estado de São Paulo. Em todas as específico. Abrangem questões pontuais
oportunidades,10 o trabalho de campo foi rea- de audiovisual, artes cênicas, artes visuais
lizado pelo instituto de pesquisa Datafolha e e música, entre outras atividades. Além de
envolveu questionários aplicados a pessoas indagações mais tradicionais – para iden-
com 12 anos de idade ou mais. tificar as principais barreiras e o acesso ou
162 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

não a algumas práticas –, exploramos ques- casos, indagamos aos entrevistados se ha-
tões como forma de escolha da programação, viam tido acesso àquelas atividades no mês
de compra do ingresso, o estímulo recebido anterior à pesquisa, nos 12 meses anteriores,
para a vida cultural na escola e em casa e os mais de um ano antes ou nunca.
espaços mais frequentados. Os resultados principais, que somam os
Os questionários incluem variáveis so- que realizaram cada uma dessas atividades
cioeconômicas que podem de alguma forma no último mês ou no último ano, podem ser
influenciar maior ou menor contato com a vistos na Figura 1.
produção cultural, como gênero, idade, es- Fica evidente a disparidade de resulta-
colaridade, tempo de estudo em escola pú- dos entre o que pode ser feito dentro de casa e
blica ou privada, renda, cor da pele, tempo aquilo que exige algum tipo de deslocamento.
de deslocamento até o trabalho e hábitos de Os porcentuais relacionados a ouvir música
mídia – fundamentais em tempos de internet e assistir a filmes superam os 90%, e a leitura
e redes sociais. chega a 71%. Em contrapartida, a atividade
O conjunto de estudos que já empreen- cultural mais praticada fora de casa, cinema,
demos, ainda que envolva cidades e períodos fica em 60%. As pesquisas no Rio de Janeiro e
diferentes, deixa claro alguns pontos relevan- nas demais cidades indicaram quadro similar.
tes para a compreensão dos hábitos culturais A liderança de cinema no grupo de ações
no Brasil. Neste texto, vamos concentrar a feitas fora de casa pode ser explicada por dois
análise nas questões ligadas a educação, fatores principais: oferta maior e mais bem
idade e gênero, e também a estimativas de distribuída geograficamente de salas e ses-
público potencial. sões e maior capacidade de absorver avanços
tecnológicos, por meio de efeitos especiais e
O acesso à cultura da modernização de equipamentos. É possí-
Para avaliarmos o acesso da população a vel ir ao cinema de segunda a domingo, das
uma série de atividades que podem, em maior 14h às 22h, mas os teatros em geral funcio-
ou menor grau, ser consideradas culturais, ti- nam apenas a partir de quinta, com uma ou
vemos de fazer escolhas que sempre deixam duas sessões por dia; os museus e as bibliote-
algo de fora. Na pesquisa em 21 municípios cas estão limitados por sua localização geo-
paulistas, em 2014, debruçamo-nos sobre 15 gráfica. Evidentemente, há outros fatores que
práticas: cinema; circo; bibliotecas; teatros; contribuem para esse cenário, mas a oferta é
museus; exposições de arte; espetáculos de claramente uma variável importante.
dança ou balé; feiras de arte, artesanato ou A pesquisa paulista mostrou que as dife-
antiguidades; concertos de música clássica; renças entre a capital e o resultado agregado
shows musicais; festas populares; saraus; lei- para as cidades do interior e para as cidades
tura de livros não didáticos; ouvir música; e da região metropolitana não são tão signifi-
ver filmes na TV, DVD ou internet. Fizemos cativas quanto se poderia imaginar. Elas exis-
as mesmas perguntas para idas a shopping tem, mas aparecem com mais força em casos
e à praia e sobre videogame. Em todos esses específicos. Na comparação entre os totais,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 163

FIGURA 1:
Atividades culturais praticadas no último ano
Em 21 cidades paulistas com mais de 100 mil habitantes

*Em TV, DVD ou internet

**Feiras de arte, artesanato ou antiguidades

as discrepâncias são pequenas. No caso do sete), a proporção foi menor que 53% (abaixo
cinema, a variação é mínima: 61% dos mo- da média estadual, de 60%).
radores da capital foram ao cinema um ano Para teatros e museus, as diferenças são
antes da pesquisa; tanto na região metropoli- ligeiramente superiores. No agregado, 28%
tana quanto no interior, o resultado ficou em dos entrevistados viram uma peça nos últi-
59%. O número de salas por habitante parece mos 12 meses. O número foi um pouco maior
ser relevante. Na cidade com melhor oferta à na capital (30%) e um pouco menor no inte-
época, Campinas, o porcentual chegou a 69%, rior (25%) e na região metropolitana (26%).
mas, em praticamente todos os municípios Algo similar ocorre em museus: 26% na mé-
com menos de 350 mil habitantes (seis de dia, 29% na capital e 23% nas demais regiões.
164 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Espaços e eventos emblemáticos, por entrevistados. Ou seja, haveria um poten-


outro lado, podem criar ambientes propícios cial para mais que o dobro do público dos
a uma maior participação. São José do Rio museus nessas localidades – mais precisa-
Preto, que conta com um tradicional festival mente, haveria potencial para que o dobro
de teatro, e Tatuí, que abriga um importante de pessoas visitassem ao menos uma vez no
conservatório musical, foram as cidades que ano tais espaços.
registraram maior porcentual para acesso Estimativas mais ou menos similares
ao teatro e a concertos de música clássica, a essa foram registradas em praticamente
respectivamente. Aliás, Tatuí, cidade com todos os segmentos pesquisados, tanto no
menor Índice de Desenvolvimento Huma- Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Ou
no (IDH) de toda a amostra, destaca-se não seja, há um interesse, um desejo não satis-
apenas na frequência a concertos (21%, ante feito da população de acessar mais atividades
12% na capital, por exemplo), mas também culturais. Evidentemente, esse potencial de
em várias outras atividades.12 crescimento tende a ser um pouco menor nas
atividades que já são mais praticadas.
Público potencial Pode-se ressalvar que há uma distân-
Tanto a pesquisa paulista quanto a ca- cia entre alguém dizer que tem interesse e
rioca permitem mais do que registrar o acesso de fato mobilizar-se para uma atividade –
ou não a alguma atividade cultural: é possí- particularmente quando estão envolvidas
vel também ter uma referência inicial sobre atrações culturais em relação às quais, su-
o potencial de crescimento de algumas áreas. põe-se, as pessoas teriam constrangimento
Para isso, cruzam-se duas respostas dos em assumir que não gostam. É provável que
questionários: sobre o acesso às atividades o argumento seja válido, mas cabe frisar que
(mencionado nos parágrafos anteriores) e 51% dos paulistas entrevistados deram nota
sobre o interesse por essas mesmas práti- igual ou menor que 5 para seu interesse em
cas. Pede-se que os entrevistados indiquem, ir a museus. Ou seja, não se incomodaram
numa escala de zero a 10, qual o seu interes- em mostrar baixo ou total desinteresse pela
se por cada uma delas. Na metodologia que atividade. Assim, pode-se dizer que os 29%
adotamos, classifica-se de público potencial mencionados anteriormente seriam uma es-
quem não realizou a atividade no ano ante- pécie de potencial máximo de crescimento.
rior da pesquisa, mas atribuiu nota superior Nas duas capitais, e em quase todas as
a 5 (entre 6 e 10) para o seu interesse. práticas pesquisadas, o perfil desse nicho a ser
Nos 21 municípios paulistas, por exem- explorado é semelhante: predominam mulhe-
plo, 26% das pessoas disseram ter ido e 74% res, pessoas com filhos e pessoas da classe C.13
disseram não ter ido a museus no ano ante-
rior ao levantamento. Se desse último grupo A importância da educação
separarmos os que deram nota 6 ou maior Para além das diferenças entre as cida-
para o interesse em ir a esse tipo de insti- des, os trabalhos da JLeiva em conjunto com
tuição cultural, chega-se a 29% do total de o Datafolha evidenciam a importância de
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 165

aspectos socioeconômicos no acesso a ativi- O recorte inverso – o foco em quem nun-


dades culturais. Educação e renda, por exem- ca praticou determinadas atividades – tam-
plo, são decisivos para garantir contato mais bém sublinha o peso da escola. No conjunto
amplo e frequente da população com a cultura. dos 21 municípios paulistas pesquisados, só
Não se trata, por certo, de uma cons- 1% dos moradores com curso superior nun-
tatação nova – aparece desde as primeiras ca foram ao cinema; entre os que pararam
pesquisas de hábitos culturais e vale mesmo no fundamental, a proporção é de 20%. Em
para países desenvolvidos. Contudo, é impor- museus, os níveis de exclusão são inferiores
tante compreender todas as consequências a 10% entre quem foi à universidade, mas
em lugares onde grandes contingentes de chegam a cerca da metade da população no
pessoas não têm ensino superior completo, grupo que não ultrapassou o ensino funda-
como o Brasil, e ter uma noção quantitativa mental. Na exclusão, a educação parece ser
mais clara dos impactos da educação. até mais decisiva do que a renda.
Os resultados mostram diferenças sig- Essa constatação traz inúmeras impli-
nificativas de acesso à cultura de acordo com cações. Uma delas é o impacto em um grupo
a escolaridade. Mesmo na atividade cultural que esteve mais distante das escolas nos úl-
mais realizada fora de casa. A pesquisa pau- timos anos: o grupo das pessoas mais velhas.
lista aponta que o porcentual de pessoas que O déficit educacional do passado fez com que
foram ao cinema no ano anterior ao levanta- mais de uma geração de brasileiros crescesse
mento foi de, em média, 60%. O número che- com acesso escasso aos estudos. Nas duas
ga a 83% entre os moradores que têm ensino últimas décadas é que esse problema come-
superior completo, cai para 39% na faixa dos çou a ser atacado de maneira mais signifi-
que têm ensino médio e despenca para 35% cativa, com ampliação do número de jovens
entre os que cursaram só até o fundamental. em escolas e faculdades. Entre 1994 e 2014,
A situação é ainda mais crítica quanto o número de matrículas nas universidades
ao item teatro. A prática restringe-se a 12% saltou de 1,6 milhão para 6,5 milhões.
no grupo com ensino fundamental, sobe para Os avanços dos últimos anos, porém, al-
27% entre a população que cursou o ensino cançaram mais os jovens: a proporção de pes-
médio e dobra para 54% entre o grupo que soas sem ensino superior aumenta conforme
tem um diploma. Estamos falando, portan- a idade. Como o acesso a práticas culturais
to, de um aumento de mais de quatro vezes está relacionado à educação, o porcentual
quando se compara a faixa de menor escola- dos que vão a cinema, teatros e museus, por
ridade com a de maior. exemplo, declina nas faixas etárias mais altas.
Essa tendência acentuada pode ser vista A discrepância é especialmente ele-
para praticamente todas as atividades cul- vada no item cinema, frequentado por 85%
turais, independentemente do preço do in- dos jovens de 12 a 24 anos e por apenas 29%
gresso. A variação entre o ensino superior e o daqueles com 60 anos ou mais (mesmo na
fundamental só não é superior a 100% no caso faixa anterior, de 45 a 59 anos, o porcentual
do circo,14 das festas populares e da leitura. recua para 44%), segundo nossa pesquisa
166 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

FIGURA 2:
Baixa escolaridade determina exclusão
Porcentual de pessoas que nunca realizaram atividade cultural
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 167

paulista. Em teatros, museus e outras ativi- O caso da dança mostra com clareza a
dades, a queda é menos acentuada, mas ainda discrepância entre desejo e prática: 36% das
significativa (em torno de 50%). mulheres deram nota de 8 a 10 para o interes-
Obviamente, outros fatores também são se em ver apresentações nessa área, ante 16%
importantes15 – não é todo idoso que conse- entre os homens. Ou seja, a mulher declara
gue encontrar atração que lhe agrade, quando interesse duas vezes maior, mas na hora da
filmes de super-heróis dominam boa parte prática efetiva a diferença é pequena (21% e
das salas –, mas a educação é determinante. 16%, respectivamente). No caso dos homens,
Isso salta aos olhos nos recortes os porcentuais de interesse e
feitos no mesmo grupo de escola- Outra conclusão das prática são idênticos.
pesquisas de hábitos
ridade: a diferença entre jovens e O item teatro é semelhante.
culturais que traz
idosos com curso superior é me- desafios às políticas No Rio de Janeiro, por exemplo,
nos intensa do que entre jovens públicas envolve as quase metade (48%) das cario-
e idosos com apenas ensino fun- diferenças de gênero. cas mostra alto interesse, ante
damental. Os problemas de edu- 35% dos cariocas. A prática (foi
cação do passado, portanto, pesam hoje mais no último ano), porém, apresenta resultados
que fatores especificamente ligados à idade. quase iguais: 32% e 31%.
Independentemente do motivo, a cons- Parecem pesar aqui questões econômi-
tatação preocupa, pois boa parte das políticas cas (a renda feminina costuma ser inferior
culturais e de inclusão tem como foco os jo- à masculina) e a dupla jornada a que muitas
vens, justamente a faixa etária que hoje mais mulheres são submetidas, tendo de trabalhar
tem contato com a produção cultural. Além e cuidar da casa e dos filhos.16
disso, as novas tecnologias costumam chegar Esses são apenas alguns exemplos de
com maior velocidade a esse grupo, enquanto como as pesquisas podem ajudar a entender
para os mais velhos podem ser, ao contrário, melhor a dinâmica de acesso da população
fator de ­distanciamento. às diferentes formas de produção cultural.
E, ainda que não sejam capazes de revelar
Gênero e acesso à cultura todos os detalhes das diversas e complexas
Outra conclusão das pesquisas de há- relações que as atividades culturais e artís-
bitos culturais que traz desafios às políticas ticas possibilitam, elas iluminam uma série
públicas envolve as diferenças de gênero. As de pontos que por vezes escapam às leitu-
mulheres geralmente declaram maior interes- ras mais intuitivas.
se por cultura, mas o seu acesso é ou inferior, Assim, por mais fluido que seja o concei-
se comparado ao dos homens, ou despropor- to de cultura, por mais que existam limitações
cional ao desejo declarado. Em São Paulo, as nesse tipo de estudo, é fundamental que eles
exceções foram os espetáculos de dança (fre- se multipliquem e que seja possível construir
quência de 21% no público feminino, 16% no séries históricas que nos ajudem a entender,
masculino), a leitura de livros (74% e 67%) e no mínimo, se estamos conseguindo democra-
as feiras de arte e antiguidades (38% e 33%). tizar o acesso à produção cultural no país.
168 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Por mais fluido


que seja o conceito de
cultura, por mais que
existam limitações
nesse tipo de estudo,
é fundamental que
eles se multipliquem
e que seja possível
construir séries
históricas que nos
ajudem a entender,
no mínimo, se
estamos conseguindo
democratizar o
acesso à produção
cultural no país.”
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 169
170 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

João Leiva Filho


É bacharel em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Univer-
sidade de São Paulo (FEA/USP) e mestre em cinema pela Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP. Trabalhou por quase dez anos no jornal Folha de S.Paulo. Também
atuou na agência de comunicação CDN, no jornal Valor Econômico e como assessor de
comunicação na Secretaria de Estado da Cultura. Desde 2004, administra a JLeiva Cultura
& Esporte, na qual presta consultoria para empresas, institutos e fundações, desenvolve
projetos culturais e realiza pesquisas e estudos sobre a área.

Ricardo Meirelles
É jornalista com 20 anos de experiência, mestre em teoria e história literária pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor da produtora de conteúdo Pri-
maPagina. Foi professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-Campinas), editou por seis anos os sites brasileiros da ONU e do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), assim como relatórios do Pnud e do Ins-
tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre outros. Pela Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji), ministrou cursos sobre indicadores sociais e educacionais
para jornalistas, em parceria com instituições como Instituto Ayrton Senna, Knight Center
for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin) e Fundação Lemann.

Notas

1 Disponível em: <http://panoramadacultura.com.br/>. Acesso em: 9 jun. 2017.

2 Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/antigo/v1/pdf/


relatorio_etapa1.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2017.

3 Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/guias-de-contribuicao/>.


Acesso em 9 jun. 2017.

4 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/


SIPS/101117_sips_cultura.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2017.

5 Disponível em: <http://culturadesenvolvimentopoa.blogspot.com.br/2015/08/


usos-do-tempo-livre-e-praticas.html>. Acesso em: 9 jun. 2017.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Leiva e Meirelles 171

6 Disponível em: <http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/


uploads/2013/05/SolosCulturais_ISSUU-2.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2017.

7 Disponível em: <http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura/inicio/>.


Acesso em: 9 jun. 2017.

8 Disponível em: <http://www.jleiva.com.br>. Acesso em: 9 jun. 2017.

9 Em 2017, a JLeiva está conduzindo uma pesquisa maior, envolvendo 12 capitais


brasileiras e alguns municípios da Grande São Paulo. Mais de 10 mil pessoas
serão ouvidas.

10 Todos os trabalhos da JLeiva nessa área foram feitos via lei de incentivo.
Não dispomos de financiamento permanente que viabilize estudos em
intervalos regulares.

11 A escolha, claro, também tem suas limitações. A principal delas é que os resultados
ficam restritos às localidades pesquisadas – que podem servir apenas de referência
para municípios com perfis geográficos ou socioeconômicos similares.

12 Para mais detalhes sobre Tatuí, ver o texto A Lição da Pequena Notável.
Disponível em: <http://www.culturaemercado.com.br/site/panoramadacultura/
licao-da-pequena-notavel/>. Acesso em: 9 jun. 2017.

13 Para mais informações sobre o tema, ver o texto O Desafio de Atrair a Classe C.
Disponível em: <http://www.culturaemercado.com.br/site/panoramadacultura/o-
desafio-de-atrair-classe-c/>. Acesso em: 9 jun. 2017.

14 As cifras colhidas nas sondagens reforçam a ideia do circo como uma atividade
mais popular. Entre todas as pesquisadas em São Paulo, essa é a que registra
menor fosso entre o grupo com nível superior e a média dos entrevistados.

15 Para outras abordagens ligadas a acesso à cultura entre idosos, ver Em Busca
do Tempo Perdido. Disponível em: <http://www.culturaemercado.com.br/site/
gestao/em-busca-tempo-perdido/>. Acesso em: 9 jun. 2017.

16 Sobre o acesso das mulheres a atividades culturais, ver Cultura, Substantivo...


Masculino? Disponível em: <http://www.culturaemercado.com.br/site/
panoramadacultura/cultura-substantivo-masculino/>. Acesso em: 9 jun. 2017.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Rosalém, Giuberti e Pandolfi 173

ESPÍRITO SANTO CRIATIVO:


A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

Andrezza Rosalém
Ana Carolina Giuberti
Ricardo Savacini Pandolfi
Rosalém, Giuberti e Pandolfi
Nos últimos anos, o tema da economia criativa tem sido foco de debate de organismos e
comunidades internacionais, e o Espírito Santo, com sua riqueza cultural, possui grande po-
tencial de desenvolvimento do setor. Nesse cenário, o debate ganhou espaço no estado, gerando
estudos e políticas. O presente artigo apresenta o conceito de economia criativa e a metodologia
de mensuração definidos em estudo realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves, que, em
parceria com a Secretaria de Estado da Cultura, discute os principais indicadores calculados
e expõe a política pública em construção no Espírito Santo.

Apresentação ativo intelectual e o conhecimento como

A
principais recursos produtivos. Caracteri-
temática da economia criativa tem za-se por atividades econômicas derivadas
estado no foco das discussões de da combinação de criatividade com técnicas
organismos e comunidades inter- e/ou tecnologias, agregando valor ao ativo
nacionais1 nos últimos anos, destacando-se intelectual. Dessa forma, associa o talento
como estratégica para o crescimento e o de- a objetivos econômicos, pois é, ao mesmo
senvolvimento econômico e social de países tempo, ativo cultural e produto ou serviço
desenvolvidos2e em desenvolvimento. Essa comercializável e incorpora elementos tan-
nova economia tem potencial para assumir gíveis e intangíveis dotados de valor simbó-
um papel significativo na geração de opor- lico (MORANDI et al, 2016, p. 1).
tunidades para novos empreendimentos e
negócios, capazes de integrar tecnologias O documento Creative Nation, lançado
digitais e sociais a conteúdos de base cultu- na Austrália em 1994, foi o estudo pioneiro
ral, a partir de processos inovadores, gerando sobre a economia criativa e inovou ao expan-
emprego e renda. dir o conceito de cultura para além da con-
cepção tradicional, focando a contribuição do
A Economia Criativa representa a trabalho criativo para a economia do país e o
criação, produção e distribuição de produ- papel das tecnologias para a política cultural.
tos e serviços que usam a criatividade, o Ao pioneirismo da Austrália na conceituação
174 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

da criatividade como recurso econômico se- econômicas são criativas, seja entre estudio-
guiu-se o pioneirismo do Reino Unido na im- sos do tema, seja entre os organismos voltados
plementação de políticas públicas específicas para a formulação de políticas para o setor, va-
para o setor, em 1997, originando o conceito riando conforme o objetivo da pesquisa e as
de indústria criativa e, posteriormente, in- características locais da economia analisada.
corporando o conceito de economia cria- O Espírito Santo, com sua rica identida-
tiva. Com a ampliação do debate em torno de cultural, possui grande potencial de desen-
da economia criativa e da sua importância volvimento do setor. Com esse foco, o governo
econômica, instituições ligadas à ONU de- está construindo uma política pública ligada
dicaram-se a essa temática. Destaca-se, em à economia criativa pautada por informação
particular, a Conferência das Nações Unidas e aspectos culturais, sociais e econômicos da
sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), sociedade capixaba. O debate em torno desse
que inovou ao classificar as atividades em tema no estado bem como a configuração des-
setores afins3 e divulgar a economia criativa sa política pública são os objetos deste artigo.
como alternativa de diversificação econômica
para os países em qualquer estágio de desen- Falando sobre Espírito Santo
volvimento (­UNCTAD, 2010). e economia criativa
No Brasil, diversas instituições e estudio- A partir do debate citado e, em particular,
sos analisaram o tema, estabelecendo crité- tendo por base o trabalho da Unctad (2010),
rios próprios e referentes aos seus objetivos de o estudo realizado pelo Instituto Jones dos
pesquisa para a definição das atividades eco- Santos Neves (IJSN) em parceria com a Se-
nômicas que compõem a economia criativa. cretaria de Estado da Cultura (Secult) definiu
Em particular, citam-se a Fundação de Eco- os seguintes setores como componentes da
nomia e Estatística Siegfried Emanuel Heu- economia criativa capixaba: design, teatro
ser (FEE), do Rio Grande do Sul (VALIATI, (artes cênicas), artesanato, música, audiovi-
2013); a Fundação do Desenvolvimento Ad- sual, tecnologias da informação e comunica-
ministrativo (Fundap), de São Paulo (COSTA ção (TICs), festas e celebrações, gastronomia,
CAIADO, 2011); e a Federação das Indústrias publicidade, patrimônio e arte, editorial e pes-
do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), do Rio de quisa e desenvolvimento.4 Cabe destacar que
Janeiro (FIRJAN, 2014). No Espírito Santo, a o referido estudo inova ao incluir na econo-
Federação das Indústrias do Estado do Espí- mia criativa o setor de gastronomia, não con-
rito Santo (Findes), por meio do Instituto de templado em outros trabalhos. Tal inclusão é
Desenvolvimento Industrial do Espírito Santo intrinsecamente ligada à importância da gas-
(Ideies), desenvolveu uma metodologia espe- tronomia na cultura capixaba, exemplificada
cificamente voltada para as indústrias criati- pela tradicional moqueca na panela de barro,
vas, entendidas aqui como um subgrupo no constituindo-se, assim, em uma expressão
conceito mais amplo de economia criativa. cultural tradicional para o Espírito Santo e,
No entanto, observa-se que não há portanto, em um setor criativo, seguindo as
uma definição única de quais atividades grandes áreas definidas pela Unctad.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Rosalém, Giuberti e Pandolfi 175

Estabelecido o conceito para a economia Independentemente da fonte utilizada,


criativa no Espírito Santo, a sua mensuração cabe destacar que, sob a óptica do mercado de
pode ser realizada a partir de duas perspecti- trabalho, a economia criativa pode ainda ser
vas distintas, porém complementares: a óptica analisada segundo dois enfoques distintos: o
da produção e a óptica do mercado de traba- de setor criativo e o de ocupações criativas.
lho. Sob a óptica da produção, mensura-se o Enquanto o primeiro define os setores que
valor adicionado bruto (VAB) das atividades desenvolvem atividades econômicas eminen-
que compõem o setor. A metodologia proposta temente criativas, o segundo tem por foco o
pelo IJSN/Secult tem por base as Contas Re- grupo de profissionais cuja característica
gionais do Instituto Brasileiro de Geografia e principal da ocupação é utilizar a criativida-
Estatística (IBGE) e faz o cálculo a partir da de e o simbólico em suas atividades produti-
agregação do VAB das atividades classificadas vas. Considerando essas duas perspectivas,
como criativas.5 No Espírito Santo, em 2014, a têm-se quatro situações distintas: os traba-
economia criativa representou em média6 6% lhadores criativos nos setores criativos, de-
do VAB, o equivalente a 5,9 bilhões de reais. nominados por Florida (2002) de “criativos
Na óptica do mercado de trabalho, por especializados”, como o caso de um radialista
sua vez, a economia criativa é dimensionada em uma emissora de rádio; os trabalhadores
a partir da quantidade de pessoas ocupadas, criativos ocupados em setores não criativos
do rendimento médio e da massa salarial, (“criativos embutidos”), como o arquiteto no
além de traçar o perfil dos ocupados a partir setor de construção civil; as ocupações não
de faixa etária, sexo, cor, grau de escolaridade criativas em setores criativos (“ocupações de
e condição na ocupação. A principal fonte de apoio”), como o contador em uma empresa
dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de que desenvolve games; e as demais ocupações
Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do não criativas em setores não criativos.
IBGE, que permite analisar todo o mercado Para o mercado de trabalho, o enfoque
de trabalho, incluindo o emprego informal, adotado nos estudos do IJSN é o setorial, que
importante espaço de atuação para ativida- envolve ocupações criativas e de apoio, em
des artísticas e criativas; possui periodicida- congruência com a mensuração da economia
de trimestral, com defasagens de dois meses; criativa sob a óptica da produção.
e apresenta dados para estados, regiões Analisando os dados da Pnad Contínua,
metropolitanas e capitais. Outra fonte im- ao longo de 2016 observa-se que, no Espírito
portante é a Relação Anual de Informações Santo, a economia criativa representa 8%
Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e das pessoas ocupadas, o equivalente a 142
Emprego (MTE). Embora a Rais contenha mil pessoas. Essa participação é um pouco
informações relativas apenas ao mercado inferior à média brasileira (8,4%) e coloca o
de trabalho formal, divulgadas com uma de- estado na sétima posição entre as Unidades
fasagem de quase dez meses, possui maior da Federação (UF) com maior participação
abrangência geográfica, disponibilizando do setor. A massa de rendimentos real do se-
dados para estados e municípios. tor, considerando apenas o trabalho principal,
176 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

foi em média de 227,43 milhões de reais ao 1. O levantamento, a sistematização e


mês, ou 7% da massa de rendimentos da eco- o monitoramento de informações e
nomia capixaba. O rendimento médio mensal dados sobre a economia criativa para
real do trabalho principal, por sua vez, foi de a formulação de políticas públicas
1.652,82 reais, inferior ao do Brasil (2.055,86 ajustadas às realidades locais e re-
reais). Ressalta-se que, no Espírito Santo, o gionais do estado.
rendimento médio no setor criativo é inferior 2. O fomento à sustentabilidade de em-
ao rendimento médio nos demais setores, si- preendimentos dos setores culturais
tuação encontrada em todos os demais esta- e criativos, fortalecendo a sua com-
dos, com exceção de São Paulo e Pernambuco. petitividade e a geração de trabalho
Os ocupados nesse setor na economia e renda.
capixaba são em maior parte (28,2%) jovens 3. A oferta de formação adequada para
entre 18 e 29 anos, com ensino médio com- o preparo de gestores e profissio-
pleto (35,5%) e empregados no setor privado nais atuantes nos setores culturais
(50,8%). Cabe destacar ainda que parcela sig- e criativos.
nificativa dessas pessoas desenvolve suas ati- 4. A institucionalização de políticas pú-
vidades na condição de conta própria (36,1%). blicas de economia criativa efetivas.
Fica estabelecida, assim, a relevância da O desenvolvimento local e regional
economia criativa para a economia capixaba. dos territórios exige uma concertação
A participação média de 6% do VAB é quase o entre organizações públicas, empre-
dobro da participação do setor agrícola (3,3%), sas e instituições representantes da
importante setor para o Espírito Santo, em sociedade civil, com modelos de go-
razão do emprego e da renda gerados nas cida- vernanças democráticos e eficientes.
des do interior do estado. Ademais, o potencial 5. A criação e a adequação de marcos
de inovação da economia criativa a torna um legais e infralegais necessários para
forte caminho para o desenvolvimento e a di- o fortalecimento dos setores cria-
versificação da economia capixaba. tivos, em aspectos associados ao
direito trabalhista, tributário, ad-
Espírito Santo Criativo: ministrativo etc.
a construção da política pública
Nesse sentido, o governo do estado do O Espírito Santo Criativo tem a finali-
Espírito Santo definiu a economia criativa dade de formular, desenvolver e implemen-
como uma das diretrizes do seu planeja- tar políticas públicas no campo da economia
mento estratégico, dadas sua importância criativa consistentes para o desenvolvimen-
e sua relevância. Os desafios fundamentais to do estado e de suas potencialidades cultu-
que estruturam o programa do governo, ca- rais e econômicas por meio da integração de
pitaneado pela Secult e denominado Espíri- políticas, agendas e programas de múltiplos
to Santo Criativo, para a potencialização e o órgãos governamentais, institutos, agências
desenvolvimento dessa economia são cinco. de fomento e demais parceiros. O programa
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Rosalém, Giuberti e Pandolfi 177

se articula com vários órgãos: Instituto Jo- tecnologias da informação e comunicação.


nes dos Santos Neves, Secretaria da Ciência, O desenvolvimento da pesquisa aplicada, me-
Tecnologia, Inovação e Educação Profis- diante diagnóstico profundo, tem o objetivo
sional, Fundação de Amparo à Pesquisa e de prover informações mais detalhadas e au-
Inovação do Espírito Santo, Secretaria de xiliar na formulação da política pública para
Estado da Educação através da Faculdade esses setores. Para que as ações realizadas
de Música, Secretaria de Estado de Desen- possam de fato alcançar o objetivo estabele-
volvimento, Banco de Desenvolvimento do cido, as proposições das políticas devem estar
Espírito Santo, Sebrae e Federação das In- embasadas em um profundo diagnóstico se-
dústrias, entre outros. torial, incluindo, entre outros temas, o levan-
O primeiro passo estruturante na cons- tamento, a sistematização e o monitoramento
trução dessa política foi compilar dados e das informações setoriais; a análise de melho-
prover os decisores de análises qualitativas res práticas para o setor; o mapeamento da
e quantitativas sobre a economia criativa no governança em cada território significante;
Espírito Santo. Os resultados da primeira o detalhamento dos marcos legais relativos
etapa, que debateu conceitualmente a eco- ao setor; a adequação da infraestrutura; e o
nomia criativa e definiu os procedimentos desenho de toda a cadeia produtiva.
metodológicos para o acompanhamento de
sua dinâmica, bem como os indicadores da Considerações finais
economia criativa no Espírito Santo, foram A economia criativa reúne um conjunto
apresentados, de forma breve, na seção ante- de características que a torna uma economia
rior. No entanto, para além de uma pesquisa de futuro. Ao associar a criatividade, o ativo
estanque, com dados datados, essa primeira intelectual e o conhecimento a técnicas e tec-
etapa resultou em dois produtos de acompa- nologias para a produção de bens e serviços,
nhamento contínuo e trimestral desse setor a economia criativa tem alto potencial de ge-
econômico, sob a óptica do mercado de tra- ração de emprego, de renda e de apropriação
balho e a partir dos dados da Pnad Contínua: dessa renda. Ao ter como insumo básico o ta-
o Boletim da Economia Criativa, que apre- lento, propicia a diversificação da economia e
senta a conjuntura para a economia criati- potencializa as micro e pequenas empresas.
va capixaba, incluindo comparações com as É uma economia que congrega às atividades
médias do Sudeste e do Brasil, e o Painel da os aspectos sociais e culturais de uma socie-
Economia Criativa, que acompanha esses dade. E, no Espírito Santo, possui importante
dados para todos os estados brasileiros, além representatividade econômica. Por causa de
do Brasil, permitindo diversas comparações.7 tais características, o estado trabalha para
O segundo passo estruturante, por sua colocar a economia criativa na pauta dos de-
vez, tem como ponto de partida os resulta- bates econômicos e desenvolve uma política
dos da primeira etapa e avança para o estu- pública focada na formação e estruturação
do mais aprofundado das cadeias produtivas de suas cadeias produtivas, conectada com
de artesanato, gastronomia, audiovisual e os aspectos sociais e culturais do estado.
178 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Andrezza Rosalém
É diretora-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), no estado do
Espírito Santo.

Ana Carolina Giuberti


É diretora de estudos e pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), no
estado do Espírito Santo.

Ricardo Savacini Pandolfi


É subsecretário de Estado do Espírito Santo na Secretaria da Cultura (Secult).

Referências

COSTA CAIADO, A. S. (Coord.). Economia criativa na cidade de São Paulo: diagnóstico


e potencialidades. São Paulo: Fundap, 2011.

FIRJAN. Mapeamento da indústria criativa do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


FIRJAN, 2014.

FLORIDA, R. The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure,
community and everyday life. Nova York: Basic Books, 2002.

IJSN. Economia criativa no Espírito Santo: painel de indicadores (TD 57), 2016.
Disponível em: <http://www.ijsn.es.gov.br/artigos/4675-td-57-economia-criativa-
no-espirito-santo>. Acesso em: 7 jun. 2017.

MINC. Plano da Secretaria da Economia Criativa. Políticas, diretrizes e ações. Brasília:


Ministério da Cultura, 2011.

MORANDI, A. M.; GIUBERTI, A. C.; VIEIRA, A. R.; TOSCANO, V. N. Economia criativa


capixaba: uma proposta de metodologia para o seu dimensionamento. Atlas
Econômico da Cultura Brasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Cegov, 2017.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/obec/pubs/CEGOV%20-%202017%20-%20
Atlas%20volume%201%20digital.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2017.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Rosalém, Giuberti e Pandolfi 179

UNCTAD. Creative economy report 2010. Creative economy: a feasible development


option. UNDP/Unctad, 2010.

VALIATI, L. (Org.). Indústria criativa no Rio Grande do Sul: síntese teórica e evidências
empíricas. Porto Alegre: FEE, 2013 [e-book].

Notas

1 A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad),


o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

2 Unctad (2010).

3 Para a Unctad (2010), fazem parte das indústrias criativas: artes visuais, locais
culturais, expressões culturais tradicionais, artes performáticas, audiovisual,
novas mídias (como softwares e jogos), serviços criativos (como arquitetura e
propaganda), design e editoração.

4 Para a lista completa de atividades econômicas que compõem esses setores,


segundo a classificação Cnae 2.0, consultar IJSN (2016).

5 Foram consideradas as seguintes atividades no cálculo do VAB: artes, cultura,


esporte e recreação e outras atividades de serviços das famílias produtoras;
atividade cinematográfica/vídeo/gravação de som; atividades artísticas, culturais
e ambientais; atividades dos serviços de tecnologia da informação e dos serviços
de informação; atividades profissionais, científicas e técnicas; administração
e serviços complementares das famílias produtoras; edição de livros, jornais,
revistas; serviços de alimentação; serviços de alimentação das famílias
produtoras; e serviços de rádio e televisão.

6 Média para o período 2010-2014. Fonte: Contas Regionais/IBGE. Elaboração:


CEE/IJSN.

7 As publicações derivadas dessa primeira etapa encontram-se disponíveis em:


<http://www.ijsn.es.gov.br/assuntos/economia-criativa> e em <http://www.ijsn.
es.gov.br/indicadores/>. Ver item Relatórios Interativos – Economia Criativa.
Acesso em: 7 jun. 2017.
5.
SISTEMA NACIONAL
DE CULTURA E CONTA-
SATÉLITE: PERSPECTIVAS
E DESAFIOS

181. O SISTEMA DE CONTAS


NACIONAIS – NÚCLEO CENTRAL,
CONTAS-SATÉLITES E A MENSURAÇÃO
DAS ATIVIDADES CULTURAIS
João Hallak Neto, Rebeca de La Rocque Palis
e Hugo Saramago

192. O DESAFIO DE VISIBILIZAR


OS EFEITOS ECONÔMICOS DA CULTURA:
AS CONTAS-SATÉLITES DE CULTURA
Diana Marcela Rey

202. NA ERA DO BIG DATA:


OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO CULTURAL
Cissi Montilla

213. INFORMAÇÕES, MERCADOS


CULTURAIS E INVESTIMENTO NO BRASIL:
PERSPECTIVAS DE AÇÃO PRIVADA E
CAMINHO DA POLICY
Elder Patrick Maia Alves
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Hallak, Palis e Saramago 181

O SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS –


NÚCLEO CENTRAL, CONTAS-SATÉLITES E A
MENSURAÇÃO DAS ATIVIDADES CULTURAIS

João Hallak Neto


Rebeca de La Rocque Palis
Hugo Saramago
Hallak, Palis e Saramago
O Sistema de Contas Nacionais fornece a síntese do desempenho econômico do país por
meio de metodologia internacionalmente padronizada. As contas-satélites são elaboradas
para expandir a capacidade analítica em setores específicos, o que permite uma atuação mais
precisa do poder público visando à sua dinamização. O convênio firmado entre o Ministério
da Cultura e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística possibilita o avanço para a com-
pilação da desejada Conta-Satélite de Cultura (CSC), muito embora sua concretização exija
a superação de diferentes desafios, como a obtenção de informações específicas para o setor
cultural. O mapeamento e a crítica das diferentes bases de dados são o passo inicial para o
avanço de tal conta-satélite.

Introdução: fins de análise econômica e de formulação


o Sistema de Contas Nacionais de políticas públicas.

O
A elaboração de um SCN se realiza a
Sistema de Contas Nacionais (SCN) partir de registros contábeis que são obti-
traz a síntese do desempenho eco- dos das diversas bases de dados que consti-
nômico de um país em determi- tuem o sistema estatístico nacional, como
nado período, por meio de um conjunto as pesquisas empresariais, domiciliares ou
padronizado de recomendações contábeis, os registros administrativos. A partir de tais
acordadas entre organismos internacionais informações, o SCN mostra como os agentes
e representantes dos produtores de contas econômicos se relacionam em determinado
nacionais pelo mundo. O SCN estabelece período de tempo. Essa representação sis-
um marco conceitual padrão que possibi- têmica se inicia com a geração do produto
lita apresentar uma descrição da economia e da renda, passando pelos mecanismos de
coerente e comparável ao longo do tempo e distribuição e de apropriação da renda na-
internacionalmente. Seus quadros apresen- cional, chegando posteriormente à identi-
tam resultados em formatos projetados para ficação dos fluxos relativos ao uso da renda
182 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

em consumo e poupança e às consequentes capital e o trabalho, em produtos destinados


alterações patrimoniais da nação e dos va- à venda, no caso da produção mercantil; ou
riados conjuntos de agentes que atuam na destinados ao consumo próprio e à coletivi-
economia.1 De acordo com o relatório meto- dade a preços não significativos, no caso da
dológico do Instituto Brasileiro de Geografia produção não mercantil. As unidades pro-
e Estatística (IBGE): dutivas englobam a totalidade das empresas
(financeiras e não financeiras), as famílias
A atividade econômica se traduz por produtoras, as administrações públicas e as
inúmeras transações realizadas por uma instituições sem fins lucrativos.
infinidade de agentes (unidades econômi- Assim, a partir da produção, as ren-
cas elementares). Classificar essa imensa das geradas são distribuídas pelos agentes
variedade de agentes, os fluxos econômicos produtores para remunerar aqueles que
e os estoques de ativos e passivos em um participam da atividade produtiva. Após a
número limitado de categorias essenciais, e primeira etapa de distribuição, em que ocor-
integrar essas informações em um esquema re o pagamento de remunerações ao traba-
contábil de forma a obter uma representa- lho e ao capital, diversas transações entre
ção completa e clara, ainda que simplificada, os agentes resultam em uma redistribuição
do funcionamento da economia constituem das rendas, de maneira que o recurso à dis-
tarefas fundamentais das Contas Nacionais. posição de cada um seja modificado. Como
Seu esquema contábil tem uma lógica cen- exemplo dessa distribuição secundária de
trada na ideia de reproduzir os fenômenos renda, tem-se os impostos correntes sobre
essenciais da vida econômica de um país: renda e patrimônio auferidos pelo governo
produção de bens e serviços; geração, alo- ou as diversas redistribuições sociais (auxí-
cação e distribuição da renda; consumo e lio-doença, aposentadorias, assistência so-
acumulação (IBGE, 2016, p. 15). cial etc.). O saldo resultante das transações
de redistribuição dos agentes econômicos é a
A lógica contábil utilizada para orga- renda disponível, que poderá ser dedicada ao
nizar o SCN torna possível a representação consumo de produtos ou à poupança.
da atividade econômica em um circuito cuja O produto interno bruto (PIB) consti-
origem é a produção de bens e serviços. A ati- tui-se o indicador-síntese da renda gerada
vidade produtiva é responsável pela geração na economia nacional, sendo assim a medida
da renda e por viabilizar as etapas de distri- de desempenho econômico mais conhecida
buição e de acumulação que a sucedem no de- do SCN. Entretanto, não só seu valor e sua
correr do ciclo econômico. Uma vez que toda variação em volume – a taxa de crescimento
renda é gerada tão somente na produção, esse real – são informações de grande destaque
conceito tem função essencial no sistema. do SCN, mas também outros importantes
O conceito de produção consiste na indicadores dele derivados. Nesse rol, en-
ação de transformar insumos, a partir da contram-se, por exemplo, a renda per capita,
utilização de fatores produtivos como o o peso das atividades econômicas no valor
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Hallak, Palis e Saramago 183

adicionado total, a taxa de investimento e O enfoque na atuação das unidades


a de poupança (ambas como proporção do institucionais – entidades autônomas, que
PIB), a repartição dos gastos públicos e pri- possuem ativos, subscrevem contratos e
vados e a carga tributária. realizam transações com outras entida-
A estrutura do SCN possui um núcleo des – é adequado para o estudo das rendas,
central formado pelas Tabelas de Recursos e dos fluxos financeiros e de variação patri-
Usos (TRU) e pelo quadro das Contas Econô- monial. O agrupamento de unidades ins-
micas Integradas (CEI). Esses dois conjuntos titucionais semelhantes do ponto de vista
de dados sistematizam todas as transações de sua natureza jurídica, objetivos econô-
econômicas efetuadas entre os agentes em micos e formas de financiamento origina
determinado período. Nesse es- os setores institucionais. Nas
quema, três processos distintos O Sistema de Contas CEI são apresentados cinco
são identificados: a) o processo Nacionais (SCN) setores institucionais: empre-
de produção de bens e serviços estabelece um marco sas não financeiras; empresas
conceitual padrão que
e a consequente geração de ren- financeiras; governo; famílias;
possibilita descrever a
da; b) o processo de apropriação, e instituições sem fins lucrati-
economia e compará-
distribuição e uso da renda ge- la ao longo do tempo vos a serviço das famílias. As
rada; c) a posterior variação e internacionalmente. unidades institucionais resi-
patrimonial. Enquanto as TRU dentes de um país compõem
retratam as transações de bens e serviços pe- a economia nacional. Por outro lado, todas
las atividades econômicas – agropecuária, as unidades institucionais não residentes
indústria e serviços –, as CEI apresentam a no país formam uma única conta no SCN,
totalidade das contas do sistema, enfatizan- denominada resto do mundo.
do as transações de distribuição pelo conjun- As CEI são apresentadas em três gran-
to das unidades institucionais. des conjuntos de contas (contas-correntes;
As unidades que participam do pro- contas de acumulação e contas de patrimô-
cesso de produção são agrupadas de acordo nio), pelas quais, por meio de uma sequência
com sua produção predominante, seguin- de transações e saldos, é possível explicitar
do a Classificação Nacional de Atividades todo o processo de geração, distribuição e
Econômicas (Cnae). Nas TRU são apresen- acumulação de renda (fluxo e estoque). Nas
tadas as operações de fluxos de produção, CEI, além do PIB, outros importantes agre-
importação e usos (consumo intermediário, gados econômicos são publicados, como a
consumo final, investimento e exportação), renda nacional, a renda nacional disponível,
além da decomposição do valor adiciona- a poupança e o investimento.
do pelos componentes da renda e o valor
do PIB. Nesse processo, o recorte analítico As contas-satélites no Sistema
recai sobre a produção de bens e serviços e de Contas Nacionais
a remuneração dos fatores produtivos das No contexto do SCN acima referido, as
atividades econômicas. contas-satélites (CS) são uma extensão de
184 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

seu marco central, criadas para expandir a núcleo central sendo, porém, distinta des-
capacidade de análise sobre determinadas ta. São possíveis muitas contas-satélites e,
áreas. As CS, que podem ser formadas por embora sejam consistentes com o núcleo
partes e agregações de atividades econômi- central, elas podem nem sempre apresentar
cas afins, permitem aumentar o detalhamen- consistência entre si. [...] O principal moti-
to e o escopo dos segmentos estudados por vo de desenvolver uma conta-satélite como
causa da maior liberdade para sua elaboração essa é para englobar todo o detalhamento de
no esquema do SCN. todos os setores de interesse, uma vez que
As CS devem ser entendidas como uma parte do sistema padrão simplesmente a
forma de flexibilização das contas nacionais, sobrecarregaria, possivelmente tirando a
pois, apesar de sua consistência com o siste- atenção dos principais recursos das con-
ma central, podem apresentar quadros com- tas como um todo (United Nations, 2009,
plementares e rearranjos da classificação, § 29.4. 29.5).
que trazem informações relevantes para o
estudo de determinado tema. Embora haja Na elaboração das CS realiza-se um re-
flexibilidade, em sua grande maioria, as CS corte específico nas TRU de modo a formar
não devem modificar os conceitos das contas um conjunto de interesse originalmente não
nacionais de forma significativa. Não existe previsto na classificação de atividades eco-
a intenção de mostrar um retrato distinto nômicas ou de setores institucionais. Um dos
do processo econômico glo- primeiros passos da CS é, por-
bal, sendo a principal razão A Conta-Satélite de tanto, a identificação do setor
para seu desenvolvimento o Cultura (CSC) é o analisado dentro da classifi-
aumento do detalhamento, do instrumento que permite cação nacional das atividades
escopo e da visibilidade do se- aumentar o detalhamento econômicas e dos produtos
e o escopo de segmentos
tor em estudo. A mais recente que farão parte de seu esco-
selecionados, por conta
revisão do manual de contas da maior liberdade em po. Para fins de comparações
nacionais, que compila as sua elaboração. internacionais, é desejável
recomendações internacio- que a classificação nacional
nais para sua elaboração e é publicado por de atividades tenha correspondência com
um conjunto de organismos multilaterais a classificação internacional, como ocorre
capitaneados pela Organização das Nações no caso brasileiro com a Cnae versão 2.0 e a
Unidas (ONU), traz um capítulo exclusiva- International Standard Industrial Classifica-
mente dedicado à compreensão das CS. Se- tion of All Economic Activities (Isic, Rev.4),
gundo o capítulo 29 do Manual Internacional que tem como gestor a divisão de estatísticas
de Contas Nacionais: das Nações Unidas.
Os produtos específicos de uma CS em
outra forma mais extensa de flexi- geral podem ser divididos em produtos ca-
bilidade é a de uma conta-satélite. Como racterísticos e produtos conexos. Os primei-
o próprio nome indica, ela se conecta ao ros são típicos do setor em estudo e os outros
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Hallak, Palis e Saramago 185

são de interesse na medida em que fazem requer a superação de desafios variados, por
parte dos gastos do setor mesmo não sendo exemplo, coordenar a interação de técnicos
típicos. A CS apresenta o processo produti- de diferentes instituições com formações
vo, os componentes dos gastos nacionais de profissionais distintas.
consumo e investimentos, e os dados sobre No Brasil existem esforços para a cons-
trabalho e rendas geradas de determinada trução e o desenvolvimento de algumas CS,
produção. Fornece também informações tais como turismo, saúde, meio ambiente
sobre os usuários e beneficiários dos bens e e cultura. A mais desenvolvida, com publi-
serviços relativos ao setor, podendo trazer cações regulares, e cujo modelo de arranjo
o detalhamento do financiamento e alguns interinstitucional foi seguido por outras, é
dados físicos da área ­analisada. a de saúde. Esta foi elaborada pelo IBGE em
Embora com menos destaque, o concei- conjunto com as seguintes instituições: Mi-
to das contas-satélites já estava presente no nistério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz
manual internacional anterior, publicado em (Fiocruz), Instituto de Pesquisa Econômica
1993. A partir de então, houve uma demanda Aplicada (Ipea) e Agência Nacional de Saúde
crescente, tanto dos organismos internacio- Suplementar (ANS).2
nais como também de instituições nacionais,
pelo desenvolvimento desse tipo de estudo. O O setor cultural no âmbito do SCN
Instituto de Estatística do Canadá, por exem- A cultura é um conceito tradicional-
plo, iniciou nos anos 1990 a compilação da mente estudado na antropologia, mas que
CS de turismo e da CS do meio ambiente e exige a confluência de diversas áreas do co-
recurso natural. Outros países, ao longo das nhecimento para sua melhor apreciação. A
décadas de 2000 e 2010, dedicaram esfor- definição de um conceito preciso de cultu-
ços nesse sentido. Por exemplo, atualmente, ra foge ao escopo deste trabalho, mas é su-
o Instituto de Estatística (INE) de Portugal ficiente mencionar que envolve diferentes
possui a publicação das contas-satélites de dimensões, desde o plano social e político até
saúde, ambiente, cultura, desporto, mar e a dimensão econômica. A cultura – por meio
economia social. tanto de objetos quanto de manifestações
Para desenvolver uma CS, é funda- artísticas ou de representações simbóli-
mental, além do instituto responsável pelas cas – cria e mantém mercados consumido-
contas nacionais do país, o envolvimento de res e empregos diretos e indiretos, exigindo
instituições ligadas ao setor em estudo. Essa estudos que permitam a atuação do poder
colaboração é primordial, pois as competên- público nessa área.
cias e informações estatísticas específicas O desenho de políticas públicas para
da área complementam-se com a metodo- a cultura, por sua vez, deve ser embasado
logia e o rigor técnico de contas nacionais, em estudos e pesquisas capazes de forne-
para a elaboração de resultados consistentes cer insumos para a melhor compreensão
e confiáveis. Entretanto, por vezes, a coo- do fenômeno. No âmbito do SCN, uma das
peração interinstitucional não é simples e principais contribuições para as políticas
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Hallak, Palis e Saramago 187

públicas em cultura é a construção da Con- quesito, publicando regularmente uma CSC


ta-Satélite de Cultura (CSC), cujo objetivo que cobre uma série de atividades culturais
é evidenciar a importância das atividades e inclui as Contas de Produção, uma TRU e
definidas como culturais – o setor cultural – as despesas desagregadas por categoria de
na economia brasileira. Essa mensuração produto cultural.4
considera o peso do setor na economia em No Brasil, os primeiros passos para a
termos de valor adicionado, emprego e ren- implantação da CSC foram dados por in-
dimentos, e também as trocas e as relações termédio de uma parceria entre o IBGE
entre este e os demais conjuntos de agentes e o Ministério da Cultura (MinC). A par-
econômicos. Tal instrumen- ceria rendeu produtos como
to fornece um marco para o O setor cultural cria o Sistema de Informações e
acompanhamento, o moni- e mantém mercados Indicadores Culturais, cuja
toramento e a proposição de consumidores, emprego mais recente publicação trou-
e renda, o que exige
novas políticas culturais. xe resultados consolidados
estudos por parte do
Esforços para uma uni- nacionalmente da oferta e da
poder público para sua
formização metodológica das dinamização plena. demanda de bens e serviços
CSC em termos mundiais já culturais, além de dados pre-
são realizados pela Organização das Na- liminares sobre os gastos privados e públicos
ções Unidas para a Educação, a Ciência e a com cultura para o período de 2007 a 2010.
Cultura (Unesco), que publicou um primeiro As características da população ocupada
guia para a medição do valor adicionado pe- em atividades culturais, também conside-
las indústrias culturais, em 2012 (UNESCO, radas na publicação, foram investigadas até
2012). A partir de estudos das experiências o ano de 2012.5
na construção das CSC em diversos países, Entretanto, apesar desse levantamen-
planejou-se o desenvolvimento de um ma- to inicial, o desenvolvimento da CSC ainda
nual internacional consolidado para servir encontra-se em fase preliminar. A partir de
de referência aos países interessados em uma série de reuniões do grupo de trabalho,
desenvolver a CSC (UNESCO, 2015). que reuniu técnicos do IBGE, do MinC, de
Nos países de língua espanhola, o Con- instituições vinculadas ao MinC e consul-
vênio Andrés Bello, órgão intergovernamen- tores externos, foram definidos os ramos de
tal formado pela Espanha e um conjunto de atividades que serão considerados nas CSC.
países latino-americanos,3 desenvolve uma Nesse grupo de atividades-chaves, o IBGE
série de iniciativas que visam à implantação considera como prioritários os setores de au-
da CSC nesses países. Entre tais iniciativas, diovisual, editoração, música e patrimônio.6
salienta-se o desenvolvimento de referen- A compilação da CSC deve ser realizada
ciais metodológicos, inclusive com um ma- a partir das mesmas bases de dados utiliza-
nual com vistas à implantação da CSC no das no SCN, complementadas com séries
caso específico da América Latina. A Co- específicas das atividades econômicas se-
lômbia é um dos países mais avançados nesse lecionadas. No âmbito das atividades que
188 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

abarcam as definidas pelo grupo de traba- possibilidades de seu desenvolvimento, uma


lho, as principais fontes são a Pesquisa Anual vez que sua importância é indiscutível.
de Serviços (PAS), a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) e o Cadastro
Central de Empresas (Cempre) – a cargo
do IBGE –; e a Declaração de Informações
Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica
(DIPJ) – da Secretaria da Receita Federal
do Ministério da Fazenda.
Nessa primeira etapa de definição do
âmbito do setor cultural, tornam-se eviden-
tes algumas dificuldades inerentes ao desen-
volvimento das contas-satélites. A primeira
delas é a dificuldade de obter dados represen-
tativos por meio de pesquisas amostrais para
algumas atividades que possuem um peso
muito pequeno na economia nacional. Ou-
tro exemplo é a necessidade de separação de
algumas atividades que aparecem agregadas João Hallak Neto
a outras que não são relacionadas ao setor É gerente de investimento da coordenação de
cultural no SCN. Por exemplo, a produção contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia
de instrumentos musicais faz parte, no SCN, e Estatística (IBGE); doutor em economia e pro-
da mesma atividade econômica que fabrica fessor colaborador da Escola Nacional de Ciências
artigos diversos, que incluem materiais mé- Estatísticas (Ence).
dicos e odontológicos, que não são objetos
considerados culturais.
Realizar esse tipo de desagregação para Rebeca de La Rocque Palis
apurar o resultado do setor cultural consiste É chefe da coordenação de contas nacionais
em um grande desafio que torna patente a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
necessidade de trabalhar as bases que ali- (IBGE); mestra em economia pela Pontifícia Uni-
mentam o SCN e fontes externas que sejam versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
capazes de permitir a identificação da fração
do valor das atividades selecionadas. O ma-
peamento de fontes externas ao IBGE, bem Hugo Saramago
com a crítica a esses dados, faz parte dos pla- É analista da coordenação de contas nacio-
nos futuros da parceria entre MinC e IBGE. nais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
A partir daí, será possível avançar nos traba- (IBGE); doutorando em economia no Instituto de
lhos para a compilação da CSC, bem como Economia da Universidade Federal do Rio de Ja-
obter uma avaliação mais aprofundada das neiro (IE/UFRJ).
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Hallak, Palis e Saramago 189

Referências

CEGOV. Relatório workshop I: atlas econômico da cultura brasileira. Produto II.


Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro de Estudos Internacionais
sobre Governo, 2016.

CONVENIO ANDRES BELLO. Cuentas satélites de cultura en Latinoamérica.


Consolidación de un manual metodológico para la implementación. Bogotá:
Convenio Andrés Bello, 2008.

DANE. Cuenta Satélite de Cultura (CSC). Boletín Técnico. Bogotá, 25 nov. 2016.
Disponível em: <http://www.dane.gov.co/index.php/estadisticas-por-tema/
cuentas-nacionales/cuentas-satelite/cuenta-satelite-de-cultura-en-colombia>.
Acesso em: 9 jun. 2017.

FEIJÓ, C.; RAMOS, R. Contabilidade social – a nova referência das contas nacionais do
Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

IBGE. Economia da saúde: uma perspectiva macroeconômica 2000-2005. Rio de


Janeiro: IBGE, Ministério da Saúde, Fiocruz, Ipea e ANS, 2008.

______. Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2007-2010. Estudos e


pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica, n. 31. Rio de Janeiro:
IBGE, 2013.

______. Sistema de Contas Nacionais Brasil ano de referência 2010. Séries relatórios
metodológicos, v. 24, 3. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.

PAULANI, L. M.; BRAGA, M. B. A nova contabilidade social – uma introdução à


macroeconomia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

UNESCO. Measuring the economic contribution of cultural industries: a review and


assessment of current methodological approaches. Montreal: Unesco, Institute
for Statistics, 2012.

______. Culture satellite account: an examination of current methodologies and


country experiences. Montreal: Unesco, Institute for Statistics, 2015.

UNITED NATIONS. System of National Accounts 2008 [SNA/2008]. Nova York: UN,
2009. Disponível em: <http://unstats.un.org/unsd/nationalaccount/docs/
SNA2008.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2017.
190 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Notas

1 As metodologias do SCN internacional e brasileiro encontram-se,


respectivamente, em United Nations (2009) e IBGE (2016). Feijó (2013) e Paulani
(2013) são exemplos de livros-textos que abordam apropriadamente o tema.

2 O IBGE iniciou a série de publicações em 2008, ao divulgar preliminarmente o


estudo Economia da Saúde: uma Perspectiva Macroeconômica 2000-2005 (IBGE,
2008), que trazia dados sobre a participação da saúde no valor adicionado da
economia. Posteriormente, esse estudo foi desenvolvido para formar a conta-
satélite de saúde, que em três edições cobre o período de 2005 a 2013.

3 Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, México, Panamá, Paraguai,


Peru, República Dominicana e Venezuela.

4 DANE, 2016.

5 IBGE, 2013, p. 7.

6 A relação de atividades culturais e sua compatibilização com a Cnae 2.0 são


encontradas em Cegov (2016, p. 70).
192 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O DESAFIO DE VISIBILIZAR
OS EFEITOS ECONÔMICOS
DA CULTURA:
AS CONTAS-SATÉLITES DE CULTURA

Diana Marcela Rey

O que se pode medir da cultura? Como se definem os bens e serviços culturais objetos de
medição? Quem é um trabalhador cultural? Quais são os limites da medição cultural? Essas são
algumas das perguntas iniciais que teve de enfrentar a equipe do Convênio Andrés Bello (CAB)
para publicar o Guia Metodológico para a Implementação das Contas-Satélites de Cultura na
Ibero-América. Este artigo esclarece o contexto que permitiu o seu desenvolvimento, apresenta
as vicissitudes para a sua implementação e fornece recomendações para sua adoção no Brasil.

M
aio do ano 2000 foi um ponto de debates epistemológicos das ciências sociais
encontro e ruptura nos estudos nesse final do século XX e começo do XXI.
latino-americanos da economia Não em vão intelectuais como Carlos
da cultura. O seminário internacional A Ter- Monsiváis, Guillermo Sunkel e Salomón Kal-
ceira Cara da Moeda, promovido pelo Con- manovitz, que participaram do seminário,
vênio Andrés Bello (CAB) em Bogotá, fez o perguntaram-se por três eixos fundamen-
primeiro balanço regional das pesquisas de tais. Primeiro, os efeitos econômicos do
medição econômica da cultura e estabeleceu crescimento e da recessão no gasto público e
os desafios dessa disciplina. privado cultural, numa época em que a insta-
Numa época marcada pelas ânsias de bilidade econômica e a frequência das crises
consolidação do modelo democrático na financeiras faziam o setor vulnerável à dinâ-
América Latina e constante disjuntiva en- mica macroeconômica.1 Segundo, como se
tre ampliar a função do Estado para garantir poderia fortalecer o comércio inter-regional
os direitos culturais e avançar os recortes de de bens e serviços culturais para visibilizar,
orçamento propostos pelas políticas neolibe- como disse Hopenhayn, as vozes da periferia
rais, as perguntas sobre a oferta e a deman- cultural latino-americana na globalização.
da dos produtos culturais ultrapassavam Terceiro, que informação traziam os estudos
os objetivos pensados inicialmente para as de consumo cultural inspirados no pensa-
estatísticas culturais e se articulavam aos mento de García Canclini e como poderiam
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diana Marcela Rey 193

fornecer mais dados para atores culturais No longo prazo, provar que a cultura podia
específicos (por exemplo, os membros da gerar efeitos positivos no capital humano e
Sociedade Geral de Autores e Editores da no desenvolvimento, sendo este entendido
Espanha) ou sobre setores culturais de in- além do crescimento econômico.
teresse estratégico (CAB, 2001). Com esse roteiro, nos primeiros anos do
Nove anos depois desse diálogo entre século XXI, o CAB publicou a série de pesqui-
pesquisadores, ministros da Fazenda e da sas sobre os aportes da cultura às economias
Cultura, Contas-Satélites de Cultura: Ma- da Bolívia, do Chile, da Colômbia, do Peru e da
nual Metodológico para sua Implementação Venezuela. Tratou-se de uma primeira apro-
na América Latina constituiu-se no seu ximação para gerar um modelo comum para o
principal resultado. Principalmente porque, setor cultural da região, porém rapidamente
apesar da amplitude temática do seminário, percebeu-se que o desafio era maior e impli-
esse espaço permitiu gerar uma claridade cava gerar comparabilidade e compatibilidade
relevante: a região não podia continuar se com a medição de outras atividades econô-
comparando internacionalmente a partir de micas, como a agricultura e o turismo, que
linguagens, variáveis, fontes de informação tinham também o desafio de procurar inves-
e metodologias diferentes. timentos estratégicos no orçamento público.
Maio de 2000 representa, assim, uma Em 2005, pensando em utilizar a meto-
ruptura com as práticas de dispersão de es- dologia de contas-satélites, proposta em 1993
forços de investigação da economia da cul- pela Comissão de Estatísticas da ONU para
tura latino-americana e abre uma nova fase “ampliar a capacidade analítica da contabi-
de diálogo direto entre acadêmicos, agentes lidade nacional a outras áreas de interesse
e instituições culturais da região. Nesse sen- social [...] de maneira flexível” (SCN, 1993,
tido, o CAB fortaleceu o projeto Economia e p. 930), o CAB começou a analisar a viabi-
Cultura e a partir dali estabeleceu, no curto lidade de propor uma metodologia regional
prazo, o objetivo de gerar uma metodologia para pensar as Contas-Satélites de Cultura
para dar conta dos efeitos econômicos da (CSC). Dessa maneira, o setor poderia for-
cultura em função dos grandes desafios colo- necer informação sobre os efeitos econô-
cados pelos intelectuais latino-americanos. micos da oferta e da demanda dos produtos
194 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

culturais utilizando a mesma linguagem e o (CAB, 2009). Porém, para a definição do


mesmo sistema de cálculo que já eram reco- campo de estudos era preciso ir além.
nhecidos pelos institutos nacionais de esta- Em 2006, o CAB integrou à sua equipe
dística e bancos centrais da América Latina. de trabalho a estatística Marion Libreros, que
tinha participado do desenho metodológico
O desafio de concretizar da Conta-Satélite de Turismo, para que a par-
o campo de estudo tir dali se pensasse um processo similar para
Se desde o Sistema de Contas Nacionais a cultura. Inspirada na sociologia da cultura
(SCN) se estabeleciam as regras básicas, as de Pierre Bourdieu e no marco conceitual da
definições das atividades de produção, sua Convenção sobre Diversidade Cultural da
valoração e a identificação dos produtos, não Unesco, essa equipe de trabalho apresentou
existia clareza sobre o que incluir e excluir a noção de campo cultural – objeto de estu-
do âmbito de estudo nem uma discussão de do da CSC – como “o conjunto de atividades
fundo sobre as diferenças entre as atividades humanas e produtos cuja razão de ser é criar,
produtivas da cultura e as práticas culturais. expressar, interpretar, conservar e transmitir
Até esse momento, os incipientes es- conteúdos simbólicos” (CAB, 2009, p. 33).
tudos da medição econômica da cultura na Essa definição permitiu adaptar a lin-
América Latina adotaram os conceitos de guagem cultural ao marco estadístico e defi-
indústrias culturais, indústrias criativas ou nir os produtos e as atividades a ser avaliadas
indústrias protegidas pelo direito do autor pelas Contas-Satélites de Cultura; a partir da
(IPDA). Cada um deles definia caracterís- identificação de 12 setores culturais, entre
ticas diferentes para determinar os bens e os quais se incluíam indústrias tradicionais,
serviços culturais e estabelecia, ao mesmo como editorial e audiovisual, e outras que es-
tempo, critérios dissimilares sobre as frontei- tavam ganhando importância, como design
ras do setor cultural com as da publicidade, do e games, e os setores de criação literária,
turismo, do esporte e das telecomunicações. musical e teatral, adicionados estrategica-
Considerando esse panorama comple- mente para visibilizar os aportes econômicos
xo, o CAB promoveu o diálogo entre especia- gerados pelos direitos de autor dos autores,
listas da América Latina que conheciam a intérpretes e executantes.
fundo essas aproximações epistemológicas Essa segmentação por setores e sub-
da cultura – Jesús Martín-Barbero, Luis Sto- setores forneceu a possibilidade de que
lovich, Paulina Soto, Germán Rey e Ernesto cada país, de acordo com seus interesses,
Piedras – e estudiosos das contas nacionais, escolhesse os códigos das atividades e dos
como José Venegas, do Chile, e Marion Pinot, produtos a ser medidos segundo os dois
Magdalena Cortés e Enrique Pinzón, da Co- sistemas de segmentação utilizados pelas
lômbia, para definir o campo de estudo das contas nacionais: a International Standard
CSC. Depois de três encontros internacio- Industrial Classification of All Economic
nais, apresentou-se em janeiro de 2006 a Activities (Isic) e a Classificação Central
versão preliminar do Manual Metodológico de Produtos (CPC).
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diana Marcela Rey 195

Sem dúvida, essa aproximação permitia Desafortunadamente, o processo de


aos institutos nacionais de estatística utili- adoção da metodologia demonstrou que exis-
zar as classificações para identificar o que tiam diferenças na implementação de cada
medir no âmbito cultural e explicava a ampla país e na interpretação do conceito metodo-
acolhida da metodologia em diferentes es- lógico central: o campo cultural. A maioria
paços políticos da região. Era a primeira vez dos países tinha se concentrado em fornecer
que se podia valorar ao mesmo tempo e com a dados sobre o aporte da cultura ao agregado
mesma linguagem da contabilidade nacional macroeconômico do PIB e ao emprego, es-
a oferta e a demanda cultural. quecendo-se de que, para gerar a comparabi-
Em menos de quatro anos, Argenti- lidade e compatibilidade, era preciso incluir
na, Costa Rica, México, Uruguai, Espanha uma análise das atividades de produção, do
e Colômbia já tinham adotado o conjunto ingresso primário gerado por meio dessas
de quadros propostos pela CSC, que lhes atividades, do balanço oferta-utilização dos
permitiu conhecer sua oferta cultural por produtos culturais e do gasto cultural, tal
meio de uma análise das inter-relações como o permitia a CSC.
entre as atividades produtivas da cultura e
outras atividades econômicas não culturais, Do Manual ao Guia de Implementação
estimar os aportes gerados entre as ativi- Em 2013, para analisar em detalhe como
dades culturais de mercado das empresas tinha se aplicado a metodologia e quais eram
privadas e as atividades não mercadológicas as necessidades de adaptação, o CAB gestou
empreendidas pelo Estado e pelas entidades um processo de revisão documental e entre-
privadas sem fins lucrativos (EPSFL); assim vistas com técnicos dos ministérios da Cul-
como conhecer melhor a demanda de pro- tura e institutos nacionais de estatística da
dutos culturais mediante uma estimação da região. Um ano depois, na Reunião Internacio-
quantidade de produtos vendidos, identifi- nal para a Atualização das Contas-Satélites de
cação dos seus usos (venda direta, consumo Cultura na Costa Rica, o grupo de especialis-
para a produção de outros produtos não cul- tas consultados definiu os temas que se deve-
turais, formação de capital etc.), origem (im- ria revisar a partir da experiência dos países.
portados, consumo interno ou exportações) Durante esse processo de revisão, o CAB
e o total do investimento público e privado percebeu que, por um lado, existiam proble-
em cultura. Durante a mesma época, outros mas relativos às condições básicas para que
países da região, como Chile, Equador, Bo- os países iniciassem a implementação das
lívia e Brasil, concentraram-se na consoli- CSC e, por outro, os países tinham proble-
dação de suas fontes de informação cultural mas na interpretação do modelo. Diante
como passo prévio para implementar o mar- do primeiro ponto, foi identificado que, se
co conceitual da CSC, diligenciar os quadros alguns países tinham interesse em aplicar
e calcular assim todas as variáveis, os indi- as CSC (República Dominicana, Equador
cadores e os agregados macroeconômicos e Bolívia), enfrentavam problemas estru-
que essa metodologia exige. turais dos seus sistemas de informação
196 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cultural (inexistência, descontinuidade e acolhido pela Cúpula de Chefes de Estado e


incompatibilidade de dados, por exemplo) de Governo da Ibero-América de 2015, tam-
e deficiências nos seus Sistemas de Contas bém incluiu duas recomendações técnicas
Nacionais: bases de medição muito antigas para a adoção da metodologia (CAB, 2015).
(esses sistemas não eram representativos de Primeiramente, gerar uma seleção cla-
todos os setores econômicos) e a necessidade ra do universo de medição das contas e, em
de melhorar a adaptação da CPC e a Isic nos seguida, promover uma aplicação de todos
seus marcos centrais. os quadros e validação da informação com
Adicionalmente, percebeu-se que agentes do setor. Essa recomendação era feita
durante a execução das CSC vários países considerando-se que alguns países optaram
careciam de capital humano para avançar; por medir apenas três ou cinco setores cul-
suas instituições culturais alteravam cons- turais, dos 12 propostos pela metodologia,
tantemente sua agenda de prioridades ou não e por incluir, ao mesmo tempo, setores não
tinham recursos para garantir que as CSC culturais, como publicidade (Costa Rica) e
não fossem exercícios esporádicos. cultura digital (Argentina), tergiversando os
Precisamente, para evitar a dispersão limites do campo de estudo das CSC. Outros
de esforços ao interior dos países, foi gera- países faziam apenas cálculos para a produ-
do, com a participação da Unesco e da Co- ção cultural; outros não incluíam fontes de
missão Econômica para a América Latina informações adicionais ao marco central do
e o Caribe (Cepal), o documento Condições SCN, limitando a representação dos peque-
Mínimas e Ações Recomendadas, que iden- nos e médios estabelecimentos culturais, que
tifica claramente os passos prévios às CSC, normalmente estão excluídos dos instrumen-
entre os quais se destacam a consolidação tos de medição dos institutos nacionais de
das contas nacionais, o desenvolvimento de estatística; a maioria dos países não promovia
estudos de caracterização do setor cultural, a identificação da economia cultural infor-
o intercâmbio de informação, o acompanha- mal, e nenhum país tinha aplicado a medição
mento de equipes técnicas involucradas em do emprego, segundo os quadros propostos.
outras contas-satélites e a inclusão da conta Em consideração a tais dificulda-
nos planos estatísticos dos países.2 des, em outubro de 2015 foi apresentado o
Nessa mesma linha, para os países que Guia para a Implementação das CSC. Esse
estão de fato aplicando o modelo, o CAB pro- documento tanto incluiu o documento de
moveu a elaboração da Folha de Rota para a recomendações mínimas realizado com
Execução das Contas-Satélites de Cultura. a Unesco e o Cepal, o Roteiro de dez reco-
Um roteiro de dez recomendações políticas mendações, como fez várias precisões con-
e técnicas que proporciona, entre outros ceituais para facilitar a interpretação dos
pontos, a promoção de alianças interinsti- conceitos-chaves da economia da cultura e
tucionais; a conformação de equipes inter- das contas nacionais por parte dos encarre-
disciplinares; a socialização dos resultados; e gados de implementar as CSC. Além disso,
a continuidade da medição. Esse documento, propôs dois métodos de medição do emprego
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diana Marcela Rey 197

cultural para que, dependendo da disponi- para a CSC desse país um marco de defini-
bilidade de informação, o país escolhesse ções e regras claras sobre como medir os
qual se adapta melhor às suas necessidades; efeitos econômicos dos produtos culturais,
deu ênfase à importância do gasto cultural; garantindo a comparabilidade dos resulta-
forneceu uma bateria de indicadores não dos com outros estudos culturais. No caso
monetários que permite analisar melhor as do Brasil, um Marco Nacional de Estatísti-
relações entre a oferta e a demanda cultural; cas Culturais, além de promover articulação
e apresentou um novo capítulo que facilita a da CSC com outras pesquisas do setor cul-
identificação das fontes de informação. tural, facilitaria o trabalho da equipe técnica
responsável por sua implementação, pois a
O caso brasileiro: definição dos setores culturais a ser medidos
recomendações práticas e a identificação das fontes de informação se-
Em 2006, o Brasil teve interesse em ser riam estabelecidas pelo marco e não apenas
um dos países pioneiros em implementar pela Conta-Satélite de Cultura.
a metodologia. Porém, ante a necessidade Como o Sniic fornece uma base para a
de atualizar o ano-base do seu Sistema de criação do marco nacional de estatísticas
Contas Nacionais, o Instituto Brasileiro de culturais, o seu alcance deveria ser ampliado,
Geografia e Estatística (IBGE) recomendou articulado aos dados de todos os provedores
adiar o processo. Após os ajustes no marco públicos de informação (Ministério da Fa-
central das contas, o Ministério da Cultura zenda, IBGE, Receita Federal etc.) e pensado
tem tentado dar início à medição. Em 2011, como uma política de Estado de longo prazo.
criou o grupo executivo para a implementa- Considere-se que os esforços para ter uma
ção da metodologia; entre 2013 e 2015, rea- CSC não podem ser fruto de um exercício
lizou uma revisão de modelos existentes de único; é preciso construir séries anuais coe-
CSC com o apoio da Universidade Federal rentes por meio de um trabalho articulado e
do Rio Grande do Sul; em 2015, apresentou constante com todos os provedores públicos
o Sistema Nacional de Informações e Indi- e privados de estatísticas.
cadores Culturais (Sniic), porém ainda não Nesse sentido, é recomendável retroa-
existem resultados da avaliação. limentar os instrumentos de medição que
Para avançar, é recomendável que, além geram informação primária, para que, por
de seguir os dez passos indicados na Folha de exemplo, os questionários aplicados por
Rota para a Execução das CSC, o país conside- instituições culturais nacionais, estaduais e
re a aprendizagem oferecida fora da América municipais e os registros administrativos dis-
Latina. Por exemplo, no Canadá, a Conta-Sa- poníveis possam fornecer informação sobre
télite de Cultura começou a ser calculada a as mesmas unidades de valoração. O uso das
partir dos parâmetros estabelecidos por um mesmas definições e dos mesmos princípios
Marco Nacional de Estatísticas Culturais. de valoração permitirá gerar dados estandar-
Essa ferramenta, proposta para gerar coe- dizados e normalizados; contrastar dados
rência entre as pesquisas culturais, forneceu monetários com não monetários; melhorar as
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diana Marcela Rey 199

estimações monetárias quando, para certos esquema de estimativa do emprego cultural


produtos, só se tem dados de produção e con- voluntário, que permita dimensionar melhor
sumo em unidades físicas ou cópias digitais; e o gasto privado em cultura. Entre os anos
inclusive promoverá a racionalização do uso 2014 e 2015, o CAB tentou avançar na defi-
de recursos públicos técnicos e econômicos nição de um modelo regional para valorizar
para o levantamento de informação primária. o patrimônio, com o estudo Caracterización
Igualmente, é recomendável que antes e Metodológica para una Valoración Econó-
durante a medição se trabalhe com os agen- mica del Patrimonio Cultural en Colombia,
tes culturais para melhorar a caracterização financiado pelo Ministério da Cultura da
das cadeias de valor dos setores culturais a Colômbia; porém, seus resultados ainda são
ser avaliados. Especialmente nas áreas do preliminares, e a metodologia precisa ser
desenho e das artes visuais, que carecem de aplicada em outros países antes de ser pos-
estudos específicos, assim como de pesqui- ta como proposta regional. O único estudo
sas que analisem as constantes transforma- nacional sobre o emprego cultural voluntá-
ções dos esquemas do comércio e consumo rio tem sido realizado na Austrália, e ainda é
cultural. Dessa maneira, os técnicos da CSC necessário, para o debate latino-americano
podem ter clareza sobre os diferentes papéis da economia da cultura, que se desenvolvam
dos estabelecimentos culturais ou não cul- análises regionais na matéria.
turais na cadeia de valor (provedor ou bene- Finalmente, desde o plano técnico, é re-
ficiário do gasto público ou privado) e sobre comendável que se faça a gestão do conhe-
os tipos de produtos e seus usos ao longo do cimento do processo e que estejam claros
processo de produção e do consumo. aos interessados (agentes do setor, agentes
Para esse objetivo, também é impor- externos e a população) os alcances reais da
tante que o país melhore a representação avaliação da CSC. A conta não mede exter-
estatística dos pequenos e médios estabe- nalidades do consumo cultural e é melhor
lecimentos, por meio de instrumentos es- orientar os interessados em valorações mais
pecializados que incluam no universo de abrangentes quanto aos efeitos sociais ou
medição pequenos estabelecimentos for- culturais sobre o uso de outras metodologias
mais e informais e permitam conhecer me- que podem estar contempladas no marco na-
lhor as problemáticas do emprego cultural cional, assim como denominar os primeiros
no país (fatores de informalidade, precarie- resultados da conta como prova piloto.
dade, volatilidade etc.). No plano político, é fundamental que,
Adicionalmente, outros desafios en- independentemente das mudanças nas
frentados não só pelo Brasil, mas pela me- instituições envolvidas, faça-se um esfor-
todologia das Contas-Satélites de Cultura ço para garantir a continuidade do capital
na região, são: (i) a formulação de um modelo humano investido no processo administra-
para a valoração econômica do consumo de tivo e técnico da conta e para incluir as CSC
serviços fornecidos pelo patrimônio mate- como fonte de informação para a avaliação
rial, imaterial e natural; (ii) o desenho de um de políticas culturais.
200 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Diana Marcela Rey


É cientista política, ph.D. em estudos da América Latina. Foi diretora da área da
cultura do Convênio Andrés Bello entre os anos 2013 e 2015. É consultora do Instituto
de Estatística da Unesco para a formulação das Recomendações Internacionais para as
Contas-Satélites de Cultura. Tem mais de 13 anos de experiência em projetos de desen-
volvimento cultural na América Latina, perita em direitos culturais, indústrias criativas
e patrimônio cultural. É conferencista, professora e autora e editora de vários livros e
artigos acadêmicos.

Referências

COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL,


ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO,
DAS NAÇÕES UNIDAS E DO BANCO MUNDIAL. Sistema de contas nacionais.
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CONVENIO ANDRÉS BELLO. Economía y cultura: la tercera cara de la moneda:


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cuentasatelitecultura.go.cr/wp-content/uploads/ManualCAB.pdf>. Acesso em:
23 ago. 2017.

______. Guía metodológica para la implementación de las cuentas satélite de


cultura en Iberoamérica. Bogotá: Editorial Panamericana, 2015. Disponível em:
<http://convenioandresbello.org/inicio/wp-content/uploads/2015/10/guia_
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UNESCO. Convenção sobre diversidade cultural. Paris: Unesco, 2004.

UNESCO. Framework for Cultural Statistics (FCS). Montreal: Institute for Statistics, 2009.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Diana Marcela Rey 201

Notas

1 Desde este ponto de debate se definia também a importância dos indicadores


culturais para determinar se a incipiente institucionalidade cultural conseguia
regular o mercado financeiro, promover práticas competitivas no setor e
aumentar o consumo dos bens culturais. Pois, como o definiu Jorge Orlando
Melo, era prioritário introduzir elementos de racionalidade na discussão,
porque, sem “informação adequada sobre os custos das atividades e os
usos que se poderiam dar aos recursos públicos” (CAB, 2001, p. 132), seria
difícil determinar como privilegiar o uso de recursos públicos escassos para
estabelecer subsídios entre atividades tão dissimilares como a literatura, o
cinema, o teatro ou outras expressões.

2 O documento estabelece três ações mínimas e quatro recomendadas, com


exemplos para cada uma. As mínimas são: contar com um Sistema de Contas
Nacionais consolidado e segundo o Sistema de Contas Nacionais 2008; fazer
uma caracterização dos setores culturais que são objeto da medição e gerar
o intercâmbio de informação entre os agentes e as instituições. As ações
recomendadas identificadas são: definir uma instituição líder; desenhar um
plano de trabalho; retroalimentar a proposta da CSC com outras contas;
e integrar as contas nos planos estatísticos de cada país. O texto completo
pode ser consultado no Guia Metodológico para a Implementação das Contas-
Satélites de Cultura na Ibero-América, p. 229-234.
202 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

NA ERA DO BIG DATA:


OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO CULTURAL

Cissi Montilla

Trinta anos atrás, quando quebrávamos a cabeça pensando em sistemas de informação,


não imaginávamos o desenvolvimento tecnológico e a avalanche de dados circulando, quase que
ao alcance de qualquer um, no século XXI. Naquela época, queríamos organizar a informação
cultural que nos parecia mais relevante e ter acesso a ela de maneira simples… Hoje, podemos
saber inclusive se as pessoas apreciaram ou não uma oferta cultural sem fazer nenhuma pes-
quisa, e as bases de dados são administradas por milhões de usuários no mundo todo a partir
de pequenos dispositivos que cabem na palma da mão!

No princípio… Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib)

D
chamam para si a tarefa de criar os Sistemas
urante os últimos 30 anos, no mí- Nacionais de Cultura:
nimo, a necessidade de contar com
informação especializada, precisa, A criação dos Sistemas Nacionais de
oportuna e pertinente foi o gatilho para a cria- Informação Cultural é e foi uma respon-
ção de todo tipo de bases de dados, sistemas e sabilidade de cada país membro. Sua mis-
estruturas bem ou medianamente organiza- são é consolidar a informação relativa a
das que permitissem o acesso à informação instituições, patrimônio cultural, recursos
veraz de maneira mais expedita e eficiente. humanos, projetos e pesquisas e material
Ao examinar os antecedentes dessa bibliográfico e documental; tem, ademais, a
questão, nas diversas reuniões e encontros obrigação de garantir o fluxo adequado dessa
de autoridades da cultura da América Lati- informação através dos canais de mobiliza-
na e Caribe e do mundo, constatamos que, ção necessários (SICLAC, 1997-2000, p. 4).
no VIII Encontro de Ministros da Cultura
e Responsáveis de Políticas Culturais na Essa iniciativa também está incluída
América Latina e no Caribe, realizado na em um dos temas prioritários da Declaração
Nicarágua em março de 1996, já se falava de Lima (V Conferência Ibero-Americana de
do Sistema de Informação Cultural Latino-­ Cultura, 2001), que visa definir uma agenda
Americano e do Caribe (Siclac) e, posterior- de cooperação cultural ibero-americana.
mente, entre 1998 e 2005, a Organização Simultaneamente, surgem outras
dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e a iniciativas tendentes, em sua essência, a
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cissi Montilla 203

melhor compreender o fenômeno cultural O uso e o aproveitamento dessa infor-


latino-americano, como o Observatório In- mação podem ser constatados em diversos
teramericano de Políticas Culturais (Oipc), relatórios mundiais, como os de 1999 e 2000,
promovido entre 2002 e 2003 pela Organi- assim como no Relatório do Desenvolvimen-
zação dos Estados Americanos (OEA), com to Humano (2002) e no Relatório Mundial do
patrocínio do Convênio Andrés Bello (CAB). Desenvolvimento Humano: Liberdade Cul-
Mais tarde, em maio de 2008, surge na tural em um Mundo Diversificado (2004). O
XI Conferência Ibero-Americana de Cultura que, ao mesmo tempo, nos permite confirmar
o Observatório Ibero-Americano da Cultura a pertinência dessas iniciativas.
(Obic), e no mesmo ano, entre junho e setem- Em ações de continuidade e coerência,
bro, nasce o Sistema de Informação Cultural a Unesco consolida esse esforço reafirman-
do Mercosul (Sicsur), na Reunião de Minis- do seu interesse e sua preocupação por meio
tros da Cultura do Mercosul em Buenos Aires. de vários seminários, tais como o Seminá-
Esses esforços não brotam por geração rio Internacional de Estatísticas Culturais
espontânea, é claro, mas correspondem a (Montreal, 2002) e o Seminário Interna-
uma preocupação mundial que se refletia em cional de Indicadores Culturais (México,
diversos documentos desde a 2003). A partir da reflexão
criação, em 1945, da Unesco, O valor da sistematização acerca da necessidade de
já era vislumbrado desde
organismo que nasce com formular políticas alicerça-
a criação da Unesco,
cinco funções substantivas, das em informação consis-
em 1945; uma função
uma das quais é “a troca de substantiva é “a troca de tente, que permitam medir
informação especializada”. informação especializada”. e avaliar, evidencia-se que o
Um resultado importante marco estatístico existente
dessa função específica se evidencia em 1986, já não reflete mais a realidade dinâmica da
quando a Unesco dá a conhecer o Marco de cultura nem outros fenômenos que surgem
Estatísticas Culturais e, com o mesmo teor e da diversidade de enfoques dos países mem-
visando à excelência na geração de informa- bros da Unesco, motivo pelo qual se define a
ção, é criado em 1999 o Instituto de Estatísti- necessidade de atualizar esse marco de es-
cas (UIS), escritório de estatísticas da Unesco tatísticas culturais de 1986.
que também é o lugar onde a ONU armazena A partir de 2004, a Unesco dedica qua-
informação em matéria de estatísticas mun- tro anos a uma intensa consulta mundial,
diais nos campos da educação, da ciência e da qual participam especialistas de todos
tecnologia, da cultura e da comunicação. os Estados membros, em diversos fóruns
204 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

realizados em países do mundo inteiro, o que Nessa mesma época…


por fim se traduz no Marco de Estatísticas Em meados dos anos 1980, surge no
Culturais (MEC) 2009: México uma importante iniciativa da aca-
demia: um grupo de pesquisadores funda na
concebido como metodologia de apli- Universidade de Colima o Programa Cultura,
cação tanto em nível nacional como inter- que vem a ser uma espécie de observatório da
nacional, o alvo primordial do MEC 2009 é cultura no país. Esse programa vai perfilando
facilitar as comparações internacionais com a necessidade de produzir conhecimento a
base em uma concepção comum de cultura, partir de um enfoque transdisciplinar e, em
na utilização de definições padronizadas e de 1993, desemboca em um projeto extraordiná-
classificações econômicas e sociais de cará- rio denominado La Formación de las Ofertas
ter internacional (UNESCO, 2009, prólogo). Culturales y Sus Públicos en México [A For-
mação das Ofertas Culturais e Seus Públicos
Essa ação vai tomando forma em uma no México] (Focyp), liderado por grandes
ferramenta de grande potência para a com- pesquisadores, do porte de Jorge González,
preensão do cultural não só em termos do Jesus Galindo e José Amozurrútia, entre ou-
registro de certos componentes do patri- tros. Jorge González explica:
mônio material ou bens imóveis, mas tam-
bém quanto aos enfoques relacionados com [...] o projeto tem três áreas de trabalho
a recuperação, sistematização e exploração que giram em torno de oito campos cultu-
da informação e a adoção de sistemas inter- rais que foram determinantes no desenvol-
nacionais de classificação de estatísticas que vimento cultural do México neste século: a
servem de guia para medir atividades, bens religião, a educação, a saúde, a arte, a edi-
e serviços culturais utilizando a informação ção (a “mídia”) e o lazer. Completam a lista
recuperada a partir de pesquisas de domicí- a cultura alimentar e a cultura do consumo
lios, censos populacionais e pesquisas sobre de mercadorias que, embora não tenham o
práticas e hábitos culturais. mesmo grau de especialização que os an-
O MEC 2009 foi concebido com grande teriores, são vitais para compreender os
flexibilidade, pensando-se nos países onde processos de mudança da sociedade mexi-
as possibilidades de medir ou contar os ras- cana. Estes oito “campos” formam a coluna
tros do setor cultural não são muitas nem vertebral da pesquisa em suas três áreas
fáceis, e também onde é possível adaptá-las (GONZÁLEZ, 1998, item 3).
a qualquer circunstância. Não propõe indi-
cadores em si. Antes, como seu nome indica, A aproximação a essas três áreas recor-
é um marco a partir do qual se pode desen- re a diversas metodologias. Antes de tudo,
volver esse importante trabalho de coletar e uma abordagem dos equipamentos e ofertas
organizar informações, de modo a permitir culturais existentes, utilizando mapeamen-
inclusive a comparação de práticas culturais tos que permitam a sua localização física; a
no âmbito mundial. seguir, a abordagem da formação de públicos
206 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e de sua relação com tais equipamentos época, que, com base na informação siste-
através de histórias de vida e histórias de matizada, permitia a representação em ve-
famílias; por fim, a pesquisa sobre práticas tores, a partir de uma simples base de dados
e hábitos dos mexicanos, aplicada em todo o relacional, que oferecia a possibilidade de
país nos últimos meses de 1993, a primeira cruzar alguns dados e mapear de maneira
desse caráter realizada no México. gráfica equipamentos culturais nos períme-
A quantidade e a qualidade da informa- tros mais importantes do país.
ção obtidas com extraordinária pesquisa não Na introdução do livro é mencionado o
se comparam ao que hoje é feito em relação Sistema Nacional de Informação Cultural,
à produção de informação e conhecimento que entrou em funcionamento em 1990, no
no setor cultural no México. Aquele foi um contexto do Consejo Nacional para la Cultura
trabalho científico cuidadoso, y las Artes [Conselho Nacional
realizado com o mais profun- As práticas culturais para a Cultura e as Artes] (Co-
do interesse em saber, palpar produzem informação naculta), criado também por
e tirar partido de um conhe- para a elaboração de iniciativa do ministro Guil-
políticas públicas. É
cimento real e inédito sobre lermo Bonfil e do Seminário
nossa responsabilidade
a enormidade que significava de Estudos da Cultura.
aplicá-la assertivamente
o fenômeno cultural no país. e gerar impactos reais Como vemos, o México
Trabalho impulsionado pelo sobre o desenvolvimento. assume com seriedade a mis-
visionário Guillermo Bonfil são de construir informação
Batalla cujo fim último era elaborar políticas sobre a cultura. Nesses anos de 1990 tam-
públicas sobre bases sólidas e não a partir de bém é criado o Sistema de Informação para
pressupostos e boas intenções. o Planejamento e a Avaliação das Políticas
Como produto dessa magna pesquisa, é Culturais (Sipec), a cargo de Saúl Juárez e
publicado o livro La Cultura en México I: Ci- Lucina Jiménez.
fras Clave, de Jorge González com o apoio de Com essa experiência significativa em
María Guadalupe Chávez. O volume se anun- matéria de bases de dados e de organização
cia como o início de uma série de publicações de informações, surge no próprio Conaculta,
em 1995, o Sistema de Informação Cultural
nas quais se colocará em circulação (SIC), a cargo de Alfonso Castellanos Ribot,
uma parte dos materiais do estudo nacional conjugando em uma proposta de produzir in-
La Formación de las Ofertas Culturales y formação sistematizada que possa ser gerada
sus Públicos en México, Siglo XX, Genea- com periodicidade, que tenha acesso aberto
logías, Cartografías y Prácticas Culturales, ao público e aumente as possibilidades de
de agora em diante Focyp (GONZÁLEZ; elaborar diagnósticos, orientar a tomada de
CHAVES, s.d., p. 9). decisões e avaliar as políticas culturais.
Tal esforço se concentra em situar a
Também é criado um protótipo de sis- informação antes dispersa pelas diferentes
tema informático muito avançado para a instâncias do setor cultural, que operavam
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cissi Montilla 207

com critérios distintos umas das outras e funcionários e principais usuários do meio,
sem processos definidos, nem para atuali- seguindo a pista traçada pelas solicitações
zação periódica da informação nem para sua mais frequentes de informação; c) desen-
organização e sistematização, motivo pelo volver uma base de dados potente por meio
qual adquirir alguma informação no setor da internet, de maneira a garantir o acesso
cultural tornava-se uma espécie de odisseia a partir de qualquer ponto do território na-
tortuosa, lenta e muitas vezes infrutífera. cional; d) contribuir para a criação de um
Como visto nessa primeira etapa, os vínculo de informação entre as instâncias
responsáveis pelo SIC concentram seus da cultura em todos os níveis. Tal desenvol-
esforços na localização da informação nas vimento informático, novo e com potência
distintas instâncias, unidades administra- inaudita, é criado pelo físico Alfonso Flores
tivas e instituições da área cultural, assim Reyes, apoiado por Federico Ramirez Co-
como em todos os organismos relacionados rona e, mais tarde, por Eduardo González,
a ela nos diferentes estados mexicanos. É ambos também físicos.
um processo de negociação paciente e de- O sistema se consolida com o apoio da
morado, já que envolve diversos atores, Unesco por meio da criação da Rede Nacio-
organismos e formas de pensar, além das nal de Informação Cultural (Renic), com a
limitações vinculadas ao pouco conheci- participação das entidades federativas de
mento sobre programação informática, todo o país, do governo federal e da mencio-
sistematização de informação, bem como nada instância internacional para constituir
o prurido em compartilhar informações um fundo – este com a finalidade de entre-
com as diferentes instâncias e, sobretudo, a gar a cada estado excelente equipamento de
recusa em torná-las públicas em muitos ca- computação para que, a partir das capitais,
sos. Há ainda os problemas conhecidos por um profissional especialmente contratado
todos, como a escassez dos mais variados para a função comece a capturar informa-
recursos, a obsolescência de equipamentos ção de primeira mão sobre a infraestrutura
de computação e a falta de especialistas em cultural, suas principais características e sua
informática dispostos a trabalhar em uma localização geográfica.
perspectiva mais humanista, que se dedi- A partir desse momento, são incessantes
cassem à criação de um sistema de informa- as inovações, mudanças e, sobretudo, os ajus-
ção cultural que possibilitasse a reunião de tes à mutável e dinâmica realidade cultural,
todas as informações do país em uma base principalmente para dar resposta à demanda
de dados inter-relacional, de acesso remo- cada vez mais especializada de informação.
to, geolocalizada e organizada de maneira No início de 2006, passo a dirigir o SIC
lógica e acessível ao público. e proponho aprofundamento e ampliação
Naquele primeiro momento, deci- da forma de recuperação de informação por
de-se: a) incorporar campos claramente meio de processos de capacitação de promo-
identificados como sendo de ordem cul- tores culturais em todo o território nacional,
tural; b) incluir informação relevante para objetivando que o trabalho de atualização da
208 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

informação no sistema não dependesse ape- Desde o início de 2010, com o apoio do
nas da fonte oficial, mas também fosse reali- Centro Cultural da Espanha no México, foi
zado por meio de uma rede social que, a partir realizada na América Central uma série de
dos níveis locais, pudesse contribuir com in- oficinas e reuniões de trabalho para criar
formação atualizada, incluir novos registros, Ecossistemas de Informação Cultural Com-
abrir novos módulos de informação e enfocar plexa a partir de uma proposta que nasce de
outros aspectos do fenômeno cultural. meus anos de experiência no SIC do México.
Abrimos um programa especial para Nosso objetivo é contar com sistemas de in-
estudos de público, abordamos a criação formação que interajam com programas de
da Conta-Satélite de Cultura (CSC) com estudos de público e com informações sobre
a assessoria do Convênio Andrés Bello e economia da cultura, assim como sustentar
apoiamos o fortalecimento de um sistema a criação de sistemas de indicadores e esta-
de indicadores para o setor alicerçado na tísticas culturais.
informação coletada em todas as instâncias Esse trabalho de dois anos permite
relacionadas ao Conaculta e, obviamente, ao a abertura desses ecossistemas na Costa
mundo da cultura no México. Rica, em Honduras, El Salvador, Guatemala
Certos de que a descentralização é a e Panamá, que chegam a ser ativos na web,
melhor forma de fortalecer qualquer ação fazendo com que a informação cultural seja
na cultura, deixamos a cargo de cada esta- pública e esteja ao alcance de pesquisadores,
do a responsabilidade por sua informação. gestores culturais e funcionários públicos.
Também conseguimos viabilizar um acordo Esses sistemas permanecem em vi-
destinado ao armazenamento da informa- gor e, em alguns casos, são utilizados para
ção em servidores da Universidade Nacio- produzir informações, orientar decisões de
nal Autônoma do México e consolidamos políticas públicas e gerar conhecimento. No
as parcerias com outros organismos para entanto, os tempos mudam aceleradamente
continuar construindo informação em co- e não sabemos se os tais sistemas sofreram
laboração com todos. modificações na mesma velocidade, adaptan-
O SIC do México torna-se um exem- do-se às novas necessidades, introduzindo
plo. Prestamos assessoria na Colômbia, no alterações em seus processos de atualização
Equador, no Chile e na Argentina, entre ou- e validação ou em suas formas de sistemati-
tros países do sul da América; propiciamos zar ou e­ xplorar a informação.
reuniões para a troca de experiências; com- Sabemos que, quando este artigo for pu-
partilhamos a necessidade da produção de blicado, o formato do SIC do México já terá
informação sistematizada, que permita sua mudado para se adaptar às necessidades e
exploração e seja útil para a elaboração de aos novos fatos no campo da programação
novas políticas públicas, diagnósticos e ma- informática, pois se manteve em dia nesse
peamentos relativos a essa realidade diversa, aspecto – o que não ocorreu quanto à vali-
complexa e dinâmica do cultural em tempos dade e atualização das informações, já que as
de profundas mudanças no mundo. equipes de trabalho minguaram e o interesse
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cissi Montilla 209

pelo sistema diminuiu, bem como as possi- posicionamento de marcas nas redes sociais
bilidades de mantê-lo. na internet e a serviço das maiores empre-
Nesse sentido, aprendemos que, nos sas do mundo. Entretanto, há também usos
nossos países, onde não há planos de cultu- relacionados à ciência, que permitem, por
ra que garantam sua continuidade, muitos exemplo, prever tempestades, terremotos,
desses esforços se diluíram, ou se perderam, mudanças climáticas; monitorar o compor-
como ocorreu na Guatemala. tamento de certos elementos do patrimônio
imaterial, como os idiomas, quanto a riscos
A assombrosa realidade de hoje no de extinção, assim como as espécies animais
âmbito da informação: o Big Data que também sofrem do mesmo problema; ver
O acelerado avanço tecnológico e cien- as tendências dos leitores; conhecer as incli-
tífico propiciou novas formas de associa- nações da juventude em relação a música,
ção, produção e criação relacionadas aos moda, movimentos políticos. Ou seja, todas
ambientes virtuais surgidos a partir do uso essas informações têm múltiplas aplicações,
da internet. Esses ambientes, cada vez mais para o bem ou para mal.
utilizados e explorados por todo tipo de pes- Estamos falando de processos capazes
soas e organizações, geram necessidades de registrar e analisar as informações que
mais exigentes de informação, motivo pelo qualquer indivíduo, grupo ou instituição vai
qual também surgiram novas maneiras de deixando cada vez que acessa a internet.
identificar, processar e aproveitar a enor- São rastros, sinais e pegadas que deixamos
me produção de informação hoje conhecida quando consultamos, interagimos ou pes-
como Big Data. quisamos na web, ou simplesmente quando
Mayer-Schönberger e Cukier definem o compartilhamos fotografias, comentários,
Big Data como “a capacidade que a sociedade indicações de músicas, livros, exposições
tem de assimilar a informação por novas vias em nossas redes sociais, ou quando via-
com o objetivo de produzir conhecimentos, jamos utilizando o GPS, ou ainda quando
bens e serviços de valor significativo” (MA- compramos em um supermercado e paga-
YER-SCHÖNBERGER; CUKIER, 2015). mos com cartão bancário, quando deposi-
Esse fenômeno provocou uma avalan- tam nosso salário… Ou seja, como João e
che de dados utilizados para diversos fins. Maria, vamos deixando migalhas que ser-
É difícil imaginar a forma como tais dados vem para informar mais sobre nós através
são medidos, daí o surgimento de profis- dos nossos comportamentos nesse cenário
sões especializadas em prospecção de da- inefável da realidade virtual.
dos, análise e criação de novos softwares Hoje em dia, as grandes empresas de
para registro, aproveitamento e exploração desenvolvimento tecnológico têm de traba-
dessa informação. Alguns dos usos mais lhar para gerir em alta velocidade um volume
conhecidos e compreensíveis para o grande de dados que é desmesurado e complexo, se
público são os destinados principalmente a também levarmos em conta sua extraordi-
questões relacionadas a marketing, vendas e nária variedade.
210 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O que estamos fazendo no setor cultu- a informação a fim de elaborar planos de de-
ral para tirar partido dessa explosão de in- senvolvimento cultural com políticas públi-
formação, desses novos sistemas de análise cas mais direcionadas e eficazes, inclusivas
de dados, desses novos mecanismos usados e diversas, que verdadeiramente se enlacem
para compreender o comportamento dos com a realidade e sejam capazes de estimu-
públicos? O que estamos fazendo para uti- lar a criação, a participação, a produção e a
lizar tais informações de tal maneira que a fruição de todos os aspectos da cultura.
cultura possa elaborar uma oferta específica
para atender mais e melhor o nosso público?
O que estamos fazendo para aproveitar este
momento e potencializar processos criativos
com novos horizontes colaborativos, comple-
mentares e enriquecedores?
Estamos diante de um desafio magnífi-
co que implica uma mudança de paradigmas Ana Cecilia (Cissi) Montilla
no âmbito cultural, não apenas por causa das É assessora do secretário de Cultura de San
plataformas que hoje utilizamos para intera- Luis Potosí. Possui vasta formação e trajetória pro-
gir com arte, cultura, informação, formação fissional em gestão cultural. Somam-se ao seu ba-
e processos criativos, mas também porque charelado em linguística geral aplicada obtido pela
fomos deixando de ser usuários passivos Université de Franche-Comté, em Besançon (Fran-
(web 1.0) e nos tornamos usuários sociais ou ça), vários estudos no campo cultural e artístico, bem
interconectados (web 2.0), e, depois, “pro- como diversos trabalhos na área de gestão cultural,
dusuários” ou “prossumidores”, imersos na desenvolvidos em seminários e cursos de nível tec-
web 3.0, web semântica ou internet das coi- nólogo, como: planejamento cultural e indicadores
sas. E, nesta, ao mesmo tempo que consu- culturais, patrimônio, desenvolvimento e turismo.
mimos conteúdo, também o produzimos e Conta com a certificação internacional IQS-Cono-
distribuímos com facilidade, cruzando com cer-SEP, Competências Trabalhistas na Concepção e
processos colaborativos de todo tipo, imer- Execução de Cursos. Em sua vida profissional, atuou
sos na geração da inteligência artificial e da como diretora de educação artística na Secretaria de
aprendizagem automática, entre outros fe- Cultura de Querétaro, secretária-executiva de Polí-
nômenos do mundo atual. ticas Públicas Culturais do Consejo Nacional para la
Cada vez mais, devemos criar espaços Cultura y las Artes [Conselho Nacional para a Cultura
de troca entre ciência, tecnologia e cultura. e as Artes] (Conaculta) e subdiretora de Capacitação
Cada vez mais, devemos utilizar essas novas Cultural do Conaculta, bem como coordenadora e
maneiras de compreender o comportamento professora de cursos de nível tecnólogo e seminá-
humano e nos associar a elas. Cada vez mais, rios, além de produtora de espetáculos teatrais,
devemos aproveitar essas novas metodolo- musicais e audiovisuais. Foi convidada para dar pa-
gias para conhecer mais e melhor o nosso lestras em diversas universidades ibero-americanas
público, para que então possamos explorar e é autora de várias obras publicadas.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Cissi Montilla 211

Referências

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RUGELES, A. C. M. Ecossistemas de informação complexa – porque tomar decisões em


política pública é uma questão de informação de qualidade. In: ITAÚ CULTURAL.
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Webgrafia

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estão disponíveis em: <http://www.oei.es/historico/SistemaInfoCultural/>.
Acesso em: 24 ago. 2017.

Reunión Preparatoria de la IX Conferencia Ibero-Americana de Ministros de Cultura


Reunión Preparatoria de la VI Conferencia Ibero-Americana de Ministros de Cultura
VI Conferencia Ibero-Americana de Ministros de Cultura

Todos os documentos da Unesco estão disponíveis nos seguintes sites


(acesso em: 24 ago. 2017):

<http://www.unesco.org/new/es/unesco/about-us/who-we-are/history/>
<http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002263/226337s.pdf>
<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001419/141908s.pdf>
<http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr_2004_es.pdf>
<http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001878/187828s.pdf>
<http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001036/103628s.pdf>
<http://www.cinu.org.mx/onu/estructura/organismos/unesco.htm>
<http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001910/191063s.pdf>
212 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 213

INFORMAÇÕES, MERCADOS
CULTURAIS E INVESTIMENTO
NO BRASIL:
PERSPECTIVAS DE AÇÃO PRIVADA
E CAMINHO DA POLICY
Elder Patrick Maia Alves

Este trabalho busca demonstrar como a orientação para as tomadas de decisão envol-
vendo as políticas culturais e os investimentos privados, no Brasil e no mundo, reclama cada
vez mais a produção de dados, informações e indicadores precisos. Somente a feitura de tais
conteúdos, balizadores quantitativos e qualitativos, pode nortear os governos e as organizações
privadas diante da consolidação de estruturas globais demasiado complexas, como o capita-
lismo cultural-digital.

T
ornou-se imperioso para os gover- e a diferenciação tecnológica e econômica
nos e para as perspectivas da ação dos mercados culturais nas últimas duas
empresarial a construção de dados décadas exigem estudos e a organização de
quantitativos e qualitativos acerca dos mer- dados que lhes permitam atuar de manei-
cados culturais contemporâneos. À medida ra coordenada, com vistas a dinamizar as
que as redes informacionais se multiplica- empresas que atuam nos diversos segmen-
ram, que o acesso aos conteúdos artístico-­ tos de mercados e nas cadeias dos negócios
culturais e digitais se diferenciaram e se culturais globais.
expandiram, e que uma ramificada cadeia As elites técnicas e governamentais
de negócios envolvendo arte, tecnologia, das principais potências econômicas já
cultura, inovação e entretenimento se for- identificaram que, no interior da gigantesca
mou em âmbito global, as informações sobre e transnacional economia pós-industrial de
tais fenômenos tornaram-se imprescindí- serviços, os bens e serviços culturais-digitais
veis e valiosas. Desse modo, a produção de figuram no centro do processo de monetiza-
informações minuciosas e dados fidedignos ção do capitalismo contemporâneo. A certe-
acerca dos mercados culturais tem se torna- za dessa centralidade e a sua contundência
do mecanismo estratégico da ação política. têm exigido dos governos nacionais e das or-
Os governos já identificaram que a expansão ganizações transnacionais a sistematização
214 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de informações e a divulgação de dados qua- que ampare a construção de políticas e norteie


lificados que permitam a formulação e exe- as tomadas de decisões públicas e privadas.
cução de novas políticas públicas de cultura, Organizações como Unesco, União Europeia
arte, tecnologia, inovação e entretenimento. (UE) e Conferência das Nações Unidas sobre
Diante desses aspectos, é preciso situar Comércio e Desenvolvimento (Unctad) lide-
alguns avanços e acentuar algumas distin- ram o processo global de coleta, tratamento,
ções. A transformação de um conjunto de sistematização, interpretação e divulgação
informações em um dado quantitativo e qua- de dados que têm balizado a ação política de
litativo qualificado é um processo complexo, diversos governos (nacionais, regionais e lo-
que exige planejamento, rigor e investimento. cais) acerca dos mercados culturais. Alguns
Uma informação sem tratamento, sem coteja- desses materiais merecem destaque, uma vez
mento com séries histórico-estatísticas e des- incorporados como artefatos e subsídios para
tituída de refinamento conceitual é apenas a construção de políticas e a tomada de deci-
uma informação, não é um dado qualificado sões públicas e privadas mundo afora.

TABELA 1:
Acervo recente de publicação contendo dados sobre os mercados culturais no mundo

DESCRIÇÃO INSTITUIÇÃO ANO ESCOPO

Special Cultural Access Comissão Europeia 2013 Evidencia as práticas de consumo cultural dos
and Participation Report – 27 países membros da União Europeia, como a
Eurobaroter 399 frequência aos equipamentos culturais, tais como
cinemas, livrarias, teatros e museus

Cultural Statistics – Eurostat Comissão Europeia 2011 Material de estatística descritiva sobre as diversas
dimensões dos mercados culturais europeus:
trabalho, empresas, subsídios governamentais,
financiamento, exportação e importação

Cultural Times – The First Unesco 2015 Mapeamento global dos setores econômicos e
Global Map of Cultural and culturais da indústria criativa no mundo
Creative Industries (2015)

Institute for Statistics – Unesco 2016 Material minucioso acerca do fluxo de comércio
The Globalisation of global entre diversos países do mundo, envolvendo
Cultural Trade: a Shift in os bens e serviços culturais. Traz uma metodologia
Consumption nova acerca do fluxo de exportação e importação,
diferenciando bens culturais de serviços culturais

IFPI Digital Music Report Deezer 2015 Apresenta a expansão dos serviços de streaming,
especialmente dos serviços musicais, e o panorama
global da digitalização da música

Fonte: elaboração própria.


ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 215

Nos últimos cinco anos, as institui- O capitalismo cultural-digital diz res-


ções brasileiras vinculadas à elaboração e peito a um fenômeno planetário composto de
execução das políticas culturais públicas múltiplos processos conjugados, tais como:
avançaram com vistas a um conhecimen- interfaces tecnológicas; consumo cultural
to mais fidedigno dos mercados culturais. ampliado; linguagens artísticas; redes de
Nessa seara, chamam atenção as recentes empresas; processos criativos; bancos de
publicações da Agência Nacional do Cine- desenvolvimento estatais; instituições fi-
ma (Ancine) acerca do mercado de conteú- nanceiras privadas; investidores de risco e
dos audiovisuais brasileiros, assim como a investidores-anjos; equipamentos culturais
recente publicação dos primeiros volumes públicos e privados; ações nas principais bol-
da coleção Atlas Econômico da Cultura Bra- sas de valores do mundo; agências estatais de
sileira (2017), capitaneados pelo Ministério desenvolvimento e regulação; organizações
da Cultura (MinC). Também nessa frente, de pesquisa e inovação (públicas e privadas);
destaca-se a publicação de dados coorde- redes de incubação de empresa e bilhões de
nados e financiados por instituições que dólares circulando em ativos financeiros. Em
desempenham papel decisivo no processo conjunto, esses aspectos compõem os merca-
de estímulo à competitividade das empresas dos culturais globais e nacionais. No interior
brasileiras, a exemplo da obra Mapeamento dos mercados culturais predomina a atuação
e Impacto Econômico do Setor Audiovisual de seis agentes estruturais: 1) as empresas
no Brasil, publicada pelo Serviço Brasilei- culturais especializadas; 2) os consumido-
ro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas res; 3) os trabalhadores e profissionais da
(Sebrae) em 2016. No entanto, muito pouco criação cultural, artística e tecnológica; 4)
se avançou na sistematização de informa- as instituições estatais (bancos, agências de
ções e construção de dados acerca das no- desenvolvimento e redes de pesquisa e inova-
vas interfaces envolvendo tecnologia, arte, ção); 5) as instituições financeiras privadas
cultura, inovação e entretenimento. As (bancos, investidores de risco e investidores-­
perspectivas da ação privada e o caminho anjos); 6) as empresas não culturais.
das políticas públicas no Brasil devem ser O capitalismo cultural-digital não seria
apontados tendo em vista essa nova interde- possível sem o recrudescimento do processo
pendência contemporânea entre arte, tec- de digitalização do simbólico. Esse processo
nologia e inovação. Esse é um dos maiores não tem mais do que duas décadas e se con-
desafios para a formulação, o planejamento funde com o advento comercial e a profusão
e a execução das novas políticas de cultura mundial da rede global de computadores, a
no Brasil. Para enfrentar tal desafio, é pre- internet. A digitalização do simbólico corres-
ciso compreender a trama de organização ponde a um intenso processo de integração,
e estruturação do fenômeno que mais tem distribuição, produção e consumo de conteú-
impactado e reorganizado os mercados cul- dos artístico-culturais e de entretenimento no
turais, qual seja, a consolidação do capita- ambiente virtual-digital. Significa que cente-
lismo cultural-digital. nas de milhares de acervos de conteúdos já
216 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

existentes (fotografias, áudios, imagens, sons, armazenamento de uma infinita quantidade


músicas, poesias, romances e jogos, entre tan- de dados e conteúdos. Esse avanço tecnológi-
tos outros) passaram a ser disponibilizados co teve como um dos seus desdobramentos a
gratuitamente ou por meio de serviços pagos, possibilidade do uso ampliado, para fins co-
como os serviços de assinatura via streaming. merciais diretos ou não, do streaming (fluxo
Para que o processo de digitalização do sim- de mídia). Por meio do streaming, um grande
bólico assumisse relevância e definisse os volume de conteúdos audiovisuais pode ser
contornos do capitalismo cultural-digital, foi transmitido e distribuído em pacotes para os
necessário, todavia, que qua- usuários. Os conteúdos recebi-
tro processos ocorressem si- Para enfrentar tal desafio, dos e consumidos pelos usuá-
multaneamente nos últimos é preciso compreender a rios não ficam armazenados
dez anos: a) a aceleração sem trama de organização e no computador (no seu disco
precedente da velocidade da estruturação do fenômeno rígido ou HD), ou seja, não se
que mais tem impactado
internet; b) o surgimento de tornam uma propriedade pes-
e reorganizado os
uma geração de dispositivos soal, sendo acessados a partir
mercados culturais, qual
digitais móveis multifuncio- seja, a consolidação do dos servidores corporativos de
nais; c) a materialização da capitalismo cultural-digital. alta velocidade, que integram a
convergência digital, ligando chamada computação em nu-
e conectando os dispositivos digitais móveis vem. A disponibilização e a oferta dos conteú-
e fixos entre si; d) o advento e a expansão da dos audiovisuais de streaming assemelham-se
chamada web 2.0, estágio da internet no qual a à oferta feita pela televisão aberta e pelo rádio.
maioria dos conteúdos é produzida, transmi- A possibilidade de transmissão e con-
tida e consumida pelos próprios usuários. No sumo de grandes volumes de conteúdos de-
decurso do processo de digitalização do sim- sencadeou a criação de diversos modelos de
bólico, as maiores corporações mundiais de negócios, como a dos serviços de assinatura
tecnologia passaram a se interessar também on demand. Com efeito, surgiram diversas
pela produção e pelo controle dos conteúdos empresas ancoradas na tecnologia strea-
de arte, cultura, mídia e entretenimento, as- ming, que passaram a ofertar conteúdos
sim como das companhias de telefonia móvel. musicais, cinematográficos, editoriais e de
Para que o processo de industrializa- games por meio ou do pagamento de assi-
ção do simbólico fique devidamente claro, é naturas mensais ou de um esquema misto,
necessário descrever cada um dos quatro fe- com contas gratuitas e contas premium,
nômenos que, em conjunto, deram vida a tal como Netflix, Hulu, Amazon Prime, Spotify,
processo. O primeiro concerne à expansão Deezer, Apple Music, Google Play, GameFly,
do fluxo de informações e conteúdos que a OnLive, Globo Play e HBO Now.
internet passou a abrigar nos últimos cinco A formulação das novas políticas cul-
anos. A velocidade da internet aumentou de turais no Brasil exige a criação de mapas de
maneira exponencial, permitindo, por meio da perfis das novas empresas e organizações de
ampliação da banda larga, a transmissão e o tecnologia, arte, cultura e entretenimento,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 217

contendo dados acerca do número de assi- Thompson (2012), até o lançamento do iPad
nantes e usuários, da tecnologia utilizada, 2, em março de 2011, cerca de 15 milhões de
dos investimentos, planos de expansão, unidades já haviam sido comercializadas
aquisição de conteúdos e licenciamentos de em todo o globo. Ainda segundo esse autor,
obras. O domínio dessas informações é im- somente nos EUA, até meados de 2011, a
prescindível para nortear as políticas públi- venda de e-books ultrapassou a quantia de
cas direcionadas à criação de novas cadeias 450 milhões de dólares, duas vezes e meia
de negócios culturais-digitais, permitindo o total obtido durante o mesmo período do
que as empresas brasileiras desenvolvedoras ano anterior e 20 vezes mais do que o total
de conteúdos se posicionem mais e melhor de vendas contabilizadas durante a primeira
no interior dessas cadeias. metade de 2008 (THOMPSON, 2012).
O segundo fenômeno diz respeito à O faturamento total da Apple, em 2011,
criação e comercialização, em larga escala, superou o do Google e da Microsoft juntos,
do primeiro telefone celular integrado com alcançando a soma de 33 bilhões de dólares. A
múltiplas funções e acesso à internet, o pri- companhia possuía, ainda no fim de 2011, cer-
meiro smartphone, o iPhone, da Apple, lan- ca de 100 bilhões de dólares em ativos finan-
çado em 2007. Nos anos seguintes, a Apple ceiros. O iPad, principalmente nos Estados
desenvolveu e lançou sucessivos modelos de Unidos, modificou o modelo de negócio das
iPhone e de novos suportes digitais móveis principais empresas do mercado editorial, as-
multifuncionais, como o iPad, o primeiro ta- sim como impactou o mercado audiovisual,
blet comercializado em larga escala. Juntas, principalmente os vetores cinematográficos,
até meados de 2016, as diversas versões do televisivos e de games. Em 2012, juntos, esses
iPhone venderam 1 bilhão de unidades em mercados culturais movimentaram aproxi-
todo o mundo. O sucesso comercial, tecnoló- madamente 250 bilhões de dólares, cerca de
gico e estético das linhas de iPhones e iPads 2% do produto interno bruto (PIB) dos EUA
fez da Apple a empresa mais valiosa do mun- (VOGELSTEIN, 2013, p. 86).
do entre 2010 e 2013. O ingresso da Apple, Por sua vez, o Google, que até então ti-
fabricante de equipamentos de informática e nha como centro de sua atuação comercial
computação, no mercado de aparelhos celu- o seu site de busca, desenvolveu entre 2006
lares transformou por inteiro esse mercado. e 2007 um software aberto, o Android, que
Os smartphones da Apple, acompanhados passou a funcionar como o sistema operacio-
do iPad, logo se tornaram suportes para o nal das principais fabricantes de smartpho-
consumo de conteúdos simbólico-digitais. nes do mundo. O iOS, sistema operacional
Até 2013, por meio da sua loja no iTunes, a criado pela Apple, funciona somente nos
Apple já controlava 25% de toda a música aparelhos desenvolvidos pela empresa, ten-
comprada e consumida no mundo. O lan- do assim o código fechado.
çamento do iPad, em 2010, e do iPad 2, em Durante o desenvolvimento do iPhone,
2011, impulsionou a venda de e-books nos entre 2005 e 2007, o Google também desen-
Estados Unidos e na Europa. De acordo com volveu, em absoluto segredo, o projeto de criar
220 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

um aparelho celular próprio, cujo lançamento No final de 2011, o Google comprou uma
também estava previsto para 2007. O apare- das maiores fabricantes de celulares do mun-
lho, de codinome Sooner, pretendia possuir do, a Motorola, por 12,5 bilhões de dólares. De
um navegador próprio de internet, além de acordo com o ranking BrandZ, entre 2015 e
conter os aplicativos para a web criados pelo 2016, o Google obteve uma valorização de
Google, como o Google Maps, ou adquiridos, mercado de 32%, alcançando o valor de 229
como o YouTube. No entanto, diante do rui- bilhões de dólares, ficando a Apple na segunda
doso sucesso do iPhone, o Google abortou o posição, com uma avaliação de 228 bilhões de
projeto de lançar o seu próprio smartphone. dólares (uma queda de 8% em relação a 2015),
A resposta do Google veio na profusão seguida pela Microsoft, com valor de 121 bi-
global do sistema operacional desenvolvido lhões de dólares. As interfaces entre tecnolo-
pela empresa, o Android. Ainda de acordo gia, arte, cultura e entretenimento impõem
com Vogelstein, no final de 2010, havia no desafios próprios à sistematização de dados
mundo cerca de 200 modelos de aparelhos quantitativos rigorosos e precisos acerca do
de smartphones que utilizavam o sistema consumo dos conteúdos por meio dos dispo-
operacional Android. Em 2013, o Android já sitivos digitais móveis. Por exemplo, falta no
abarcava 75% de todos os smartphones em Brasil o cruzamento sistemático das infor-
uso e 50% dos tablets. Tal pujança vicejou mações e dos dados acerca da ampliação da
parcerias entre o Google, as operadoras de internet e da profusão dos dispositivos digitais
telefonia móvel e as fabricantes de smart- móveis com as pesquisas de menor escala e fo-
phones. Uma das parcerias mais exitosas foi cais (etnografias, grupos de referência e casos
entre o Google e a sul-coreana Samsung. A regionais) acerca dos hábitos, das práticas e
partir de 2010, a Samsung passou a fabricar do consumo dos conteúdos artístico-culturais
uma linha arrojada e inovadora (e com preço por meio dos suportes digitais móveis.
inferior aos aparelhos da Apple) de smart- De acordo com o Instituto Brasileiro de
phones e tablets, que, além de funcionar com Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, o
o sistema operacional Android, já vinha com Brasil possuía 68 milhões de domicílios par-
o pacote de aplicativos do Google desenvolvi- ticulares permanentes. Desses, 57,8% (39,3
dos nos últimos anos, como o seu aplicativo milhões de domicílios) possuíam acesso per-
de busca mundialmente conhecido, o seu manente à internet. Em 2013, esse porcentual
navegador para internet (Google Chrome), era de 48% dos domicílios permanentes que
o YouTube (maior plataforma de vídeos do possuíam acesso regular à internet, o que
planeta), o e-mail do Google (Gmail), o Goo- significou um crescimento bastante expres-
gle Maps, o Google Play Filmes (plataforma sivo em apenas dois anos. Em 2015, do total
de streaming), o Google Drive (serviço de de domicílios com acesso regular à internet,
armazenamento de dados e arquivos na nu- 92,1% (36,2 milhões de domicílios) realizaram
vem do Google) e o Google Fotos (serviço que o acesso à internet por meio do telefone móvel
permite o armazenamento de fotos e vídeos celular (smartphones), ao passo que dois anos
pessoais na nuvem mantida pelo Google). antes, em 2013, esse porcentual foi de 53,6%.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 221

GRÁFICO 1:
Porcentual de domicílios com utilização da internet, segundo o tipo de equipamento para acessar a
internet – Brasil 2013/2015

Fonte: IBGE, Pnad. Acesso à Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal – 2015. Rio de Janeiro, 2016.

O terceiro aspecto inscrito no processo com as principais empresas desenvolvedoras


de digitalização do simbólico corresponde ao de conteúdos musicais, audiovisuais, edito-
fenômeno da convergência. A convergência riais e de jogos digitais.
é um processo de integração tecnológica, O último fenômeno inscrito no rastro do
comunicacional, comercial e cultural que processo de digitalização do simbólico con-
consiste em integrar todos os dispositivos cerne ao advento e à consolidação da internet
digitais (móveis e fixos) em um único supor- 2.0. A internet 2.0 corresponde a uma etapa
te. Nos últimos dez anos, os suportes que têm em que a maior parte do fluxo de informa-
assumido a liderança da convergência são os ção, comunicação e conteúdos é criada pelos
smartphones e os tablets. Para tanto, as prin- próprios usuários, que se engajam em comu-
cipais empresas globais de tecnologia neces- nidades temáticas por meio das principais
sitaram desenvolver plataformas comerciais redes sociais, como Facebook, Instagram,
on-line, canais específicos de distribuição Twitter, WhatsApp e YouTube (embora as
de conteúdos, compra de direitos autorais últimas duas não sejam propriamente redes
e, finalmente, uma aproximação paulatina sociais, mas, de toda sorte, propagam o fluxo
222 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de conteúdos), abastecendo-os e fornecendo usuários – 46,7 milhões nos EUA e os outros


as condições para o que Jenkins chamou de 34,53 milhões espalhados pelo mundo. De
mídia propagável. A web 2.0 foi dinamizada acordo com o Wall Street Journal, em 2015, as
por empresas, organizações, sites e redes ações da Netflix obtiveram uma alta acumula-
sociais que transformam a atuação, o enga- da de 142%. Em 2016, de acordo com o jornal
jamento e o trabalho dos usuários em com- Folha de S.Paulo, a empresa obteve um lucro
modities e modelos de negócios. de 2,8 bilhões de dólares. Um dos concorren-
Os quatro fenômenos que compõem o tes diretos da Netflix, a Amazon Vídeo, com
processo de digitalização do simbólico cria- aproximadamente 60 milhões de assinantes,
ram as condições para o aparecimento do tem se destacado por sua expansão recente.
Gafa e, ao mesmo tempo, foram resultado Em 2014, a Amazon comprou (por cerca de
da atuação deste. O Gafa é uma sigla forma- 1 bilhão de dólares) um serviço de streaming
da pelas maiores companhias de internet do especializado em games, o Twitch, que já man-
planeta: Google, Apple, Facebook e Amazon. tém 10 milhões de usuários diários. O ecossis-
Essas corporações não somente são empre- tema digital de games movimenta por ano 100
sas de tecnologia, mas também se tornaram bilhões de dólares. Em 2016, a Amazon obteve
produtoras e distribuidoras da maior parte um lucro total de 6,4 bilhões de dólares com os
dos serviços culturais-digitais. Junto com a serviços de assinatura via streaming, nos quais
Microsoft e a Netflix, são os principais artí- estão inseridos livros e músicas.
fices do processo de expansão e consolida- Os demais serviços culturais-digitais
ção dos serviços simbólico-culturais, que se de assinatura, como Spotify, também con-
tornaram, como assinala a Unesco (2015), o tinuam em expansão. No início de 2017, o
principal segmento de exportação dos mer- Spotify anunciou que chegara à marca de
cados culturais em todo o globo. 50 milhões de assinantes, mais do que duas
Em 2015, o YouTube alcançou a marca vezes o número do seu principal concorrente,
de 1,5 bilhão de usuários em todo o mun- o Apple Music, com 20 milhões de assinantes
do, sendo que mais da metade do total de (FOLHA DE S.PAULO).
visualizações é feita por meio de dispositi- De acordo com a Unesco, em 2012, o
vos móveis, estando presente em 88 países fluxo total de bens culturais chegou a 212,8
e abrigando milhares de canais. Segundo o bilhões de dólares, bastante superior ao vo-
Wall Street Journal, no final de 2015, o You- lume registrado em 2004, de 108,4 bilhões de
Tube – comprado, em 2006, pelo Google por dólares. Juntas, América do Norte e Europa
1,65 bilhão de dólares – cresceu 60%, alcan- responderam por 49,1% do total. Já o total
çando, caso fosse uma empresa separada e importado, também em 2012, alcançou a ci-
com ações negociadas na bolsa, o valor de fra de 168,3 bilhões de dólares. Novamente,
aproximadamente 100 bilhões de dólares, América do Norte e Europa, juntas, importa-
cerca do dobro do valor de mercado da Netflix. ram 61,7% do total do volume. No que tange
Em 2016, a empresa norte-americana aos serviços culturais, os Estados Unidos
Netflix alcançou a marca de 81 milhões de despontaram como o maior exportador,
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 223

respondendo por um total de 68,6 bilhões de Por exemplo, um livro físico comprado numa
dólares. Tanto no que se refere aos bens cul- livraria é um bem cultural. Já a compra do
turais quanto no que toca aos serviços cul- mesmo conteúdo realizada como um e-book,
turais, o Brasil se mostrou deficitário, sendo e lido por meio de um suporte especializa-
esse déficit, no primeiro caso, de 4,54 bilhões do, como o Kindle da Amazon ou o iPad da
de dólares e, no segundo, de 4,59 bilhões. Apple, constitui um serviço cultural. Um
Conforme a Unesco, os bens culturais show musical ou uma apresentação teatral
podem ser classificados de acordo com a fruídos de forma presencial constituem um
tangibilidade dos suportes – obras de arte, bem cultural. Já o seu consumo feito por meio
artesanatos, design, arquitetura, celebra- de serviços especializados (como o YouTube)
ções, shows e espetáculos ao vivo, livros, CDs corresponde a um serviço cultural.
e DVDs, entre outros. Já os serviços culturais A maioria dos serviços culturais é geren-
estão integrados aos fluxos digitais, compõem ciada e controlada, direta ou indiretamente,
toda sorte de formas de produção, distribuição pelas grandes corporações de tecnologia e
e consumo cultural realizados por meio das conteúdo culturais-digitais, o Gafa, sediadas
plataformas digitais, fenômeno que a Unes- nos Estados Unidos. Não por acaso, os EUA li-
co nomeou de processo de desmaterialização. deram o comércio global de serviços culturais.

GRÁFICO 2:
Balança comercial de serviços culturais para países selecionados – 2012

Fonte: Unesco, 2015.


224 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O que a Unesco nomeia de processo de são mercados situados em outra posição da


desmaterialização não é outra coisa senão o figuração do capitalismo ­cultural-digital. No
processo de digitalização do simbólico, acom- entanto, os aspectos mais relevantes apresen-
panhado dos quatro fenômenos descritos tados na Figura 2 concernem às interfaces
anteriormente. entre os fenômenos que compõem o processo
A Figura 2 complementa a Figura 1, e de digitalização do simbólico e os mercados
tenciona decompor as relações entre os mer- culturais. A figura evidencia que os mercados
cados culturais e o processo de digitalização do audiovisual, musical, editorial e publicitário
simbólico. A maioria dos mercados apresen- são os que possuem o maior grau de digitaliza-
tados na Figura 2 mantém estreitas relações ção. São exatamente nesses mercados que os
entre si. Por exemplo, o mercado museal e de serviços culturais-digitais de assinatura por
equipamentos culturais está umbilicalmente meio do streaming estão mais consolidados.
ligado ao mercado do patrimônio histórico-­ São também nesses mercados que ocorreram
cultural, que, por sua vez, está diretamente os principais processos de inovação tecnológi-
ligado ao mercado da gastronomia. Esses mer- ca, assim como o maior grau de convergência.
cados dinamizam o fluxo do turismo cultural e Por exemplo, os suportes de leitura de e-books,
das práticas de consumo fora do lar. São mer- como iPad (Apple) e Kindle (Amazon), são, ao
cados que, em conjunto, integram a economia mesmo tempo, inovações tecnológicas, dispo-
cultural urbana dos principais centros metro- sitivos de convergência e fonte de digitaliza-
politanos globais. Significa, pois, assinalar que ção de conteúdos.

FIGURA 1:
Corpus conceitual-empírico acerca do capitalismo cultural-digital

Capitalismo cultural-digital

Digitalização do simbólico

Streaming Dispositivos móveis Convergência Internet 2.0

Gafa

Serviços culturais
Fonte: elaboração própria.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 225

FIGURA 2:
Composição do capitalismo cultural-digital

CRIATIVIDADE

Mercado Mercado
Mercado musical Mercado editorial
audiovisual publicitário
GRAU DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Mercado de artes Mercado de


Mercado de

GRAU DE CONVERGÊNCIA
GRAU DE DIGITALIZAÇÃO

visuais, fotografia arquitetura


shows ao vivo
e escultura e design

Mercado museal e
Mercado de artes Mercado de moda
de equipamentos
cênicas e artesanato
culturais

Mercado do patrimônio
Mercado de
histórico-cultural
gastronomia
(material e imaterial)

SUPORTES DIGITAIS MÓVEIS E INTERNET 2.0

Fonte: elaboração própria.

A Figura 2 permite ainda cruzar o situados na parte superior da figura, ainda


grau de digitalização e de convergência assim eles participam diretamente dos flu-
com o uso ampliado dos suportes digitais xos digitais. Um consumidor que, com seu
móveis. Embora, por exemplo, os mercados smartphone, fotografa uma escultura ou
de gastronomia, patrimônio histórico-cul- qualquer outra obra de arte e, ato contínuo,
tural, museal e de equipamentos culturais compartilha esse conteúdo nas redes sociais
possuam um grau de digitalização e de está dinamizando a internet 2.0. Por isso, os
convergência menor do que os mercados suportes digitais móveis e a internet 2.0 são
226 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

transversais, participam de todos os mer- digitais móveis; e a disponibilização de sé-


cados culturais. De outro lado, se esse mes- ries estatísticas acerca das principais ca-
mo consumidor é um turista e faz um vídeo, racterísticas dos usuários dos dispositivos
com seu smartphone, de um show musical, digitais móveis.
de pratos de uma culinária típica, dos obje-
tos de um museu, das peças de artesanato e
de sítios históricos e, do mesmo modo, com-
partilha nas redes sociais e esses conteúdos
passam a circular e, na outra ponta, são con-
sumidos pelos milhões de usuários de sites
especializados, esse primeiro consumidor
está dinamizando a web 2.0.
Como sugere a Unesco, o primeiro con-
sumidor participou da fruição de um bem
cultural, já o segundo consumidor praticou
a fruição de um serviço cultural. Por esse
aspecto, em decorrência do elevado grau de
digitalização, inovação tecnológica e con-
vergência, os mercados audiovisual, musi-
cal, editorial e publicitário estão situados na
parte superior da Figura 2.
Sem a compreensão das especificida-
des do capitalismo cultural-digital e das suas
formas de estruturação e expansão no Brasil,
dificilmente a ação pública e as estratégias
privadas lograrão os objetivos pretendidos.
Este é o primeiro desafio: compreender as
especificidades desse fenômeno no Brasil Elder Patrick Maia Alves
contemporâneo. Para enfrentar tal desafio é É graduado em ciências sociais pela Univer-
preciso integrar as informações sobre cria- sidade Federal da Bahia (UFBA), mestre e doutor
ção, financiamento e funcionamento dos em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e
parques tecnológicos regionais; o processo realizou pós-doutorado em sociologia pelo Instituto
de criação e incubação das novas empresas de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do
de tecnologia e desenvolvedoras de conteú- Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj). É professor
dos artístico-culturais; as linhas de financia- do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
mento público para os projetos de inovação; Federal de Alagoas (ICS/Ufal) e do Programa de
os inquéritos quantitativos e os relatórios Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/ICS/Ufal).
qualitativos acerca das práticas de consu- Pesquisa os mercados culturais no Brasil, a econo-
mo popular dos conteúdos via dispositivos mia da cultura e a economia do turismo.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO Elder Patrick Maia Alves 227

Referências

ALVES, E. P. M. A expansão do mercado de conteúdos audiovisuais brasileiros: a


centralidade dos agentes estatais de mercado – o FSA, a Ancine e o BNDES.
Caderno CRH (UFBA), v. 30. Salvador, 2016.

ANCINE. Informe de acompanhamento de mercado. Rio de Janeiro, 2016.

______. Informe anual preliminar 2016. Rio de Janeiro, 2017.

LEVY, S. Google: a biografia. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.

JENKINS, H.; GREEN, J.; FORD, S. Cultura da conexão: gerando valor e significado por
meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

MARTEL, F. Smart: o que você não sabe sobre a internet. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2015.

SEBRAE. Mapeamento e impacto econômico do setor audiovisual no Brasil. Brasília, 2016.

THOMPSON, J. B. Mercadores de cultura. São Paulo: Unesp, 2011.

VALIATI, L.; FIALHO, A. L. (Org.). Atlas econômico da cultura brasileira. MinC/UFRGS,


v. I e II, 2017.

VOGELSTEIN, F. Briga de cachorro grande. Como a Apple e o Google foram à guerra e


começaram uma revolução. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
230 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COLEÇÃO OS LIVROS
DO OBSERVATÓRIO
Com o Cérebro na Mão
Teixeira Coelho
As inovações tecnológicas estão alterando em alta velocidade a ideia de
cultura e o próprio sentido de vida humana. A produção de bens culturais
nunca foi tão intensa, o consumo de cultura assume novas formas, e pro-
fissões aparentemente estáveis, como as de analista financeiro e crítico de
arte, são hoje substituídas por programas de computador – cuja metáfora
mais aguda é o cérebro na mão. O ser humano começa a ter uma vida mais
longa num ambiente cada vez menos amigável, enquanto a humanidade,
anotou Walter Benjamin há um bom tempo, se prepara para sobreviver à
civilização. Neste texto breve e intenso, Teixeira Coelho traça um quadro
da cultura contemporânea e das forças que a tensionam.

A Economia Artisticamente Criativa


Xavier Greffe
Neste livro, Greffe redesenha o surgimento da economia criativa e ilustra
as ligações entre cultura e criatividade do ponto de vista individual e
comunitário. Além disso, trata das especificidades das empresas artis-
ticamente criativas, das relações entre bens econômicos, bens artísticos
e produtos culturais e das articulações dos produtores criativos na orga-
nização de territórios culturais ou de redes criativas.

O Lugar do Público
Com a organização de Jacqueline Eidelman, Mélanie Roustan e
­Bernardette Goldstein, a publicação tem como foco conhecer efetivamen-
te o público. Acompanhar a visitação, identificar e compreender os tipos
de público tornou-se um desafio para a política de desenvolvimento dos
museus e monumentos. A partir de estudos de caso, O Lugar do Público
apresenta uma visão em perspectiva, lança luz sobre o jogo dos agentes
(quem encomenda e quem executa, os que decidem e os eleitos) e ilustra
o diálogo entre os setores de atividade e o campo acadêmico.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  231

Identidade e Violência: a Ilusão do Destino


Amartya Sen
Nesta obra, Amartya Sen trata da violência relacionada à ilusão
identitária e às confusões conceituais. Ele problematiza a identida-
de apontando que, ao mesmo tempo que ela pode trazer conforto ao
indivíduo que se sente representado em uma cultura, pode impedir
a identificação das pessoas com a humanidade, abordando para isso
as questões relacionadas à divisão dos indivíduos por raça, classe,
religião ou partido a que pertencem.

As Metrópoles Regionais e a Cultura:


o Caso Francês, 1945-2000
Françoise Taliano-des Garets
Esta obra traça pela primeira vez a história das políticas culturais de
grandes cidades francesas na segunda metade do século XX. Seis delas,
Bordeaux, Lille, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse, são objeto
de uma história comparada que examina a articulação entre políticas
culturais nacionais e locais na França desde o fim da Segunda Guerra
Mundial. É um estudo que contribui para a revisão de certas ideias co-
muns sobre política cultural para as cidades e sobre as articulações entre
as diretivas e os discursos do poder central nacional e a realidade local.
Além disso, mostra como a cultura se impôs em lugares distintos, em
ritmos diferentes, como um campo legítimo da ação pública e fator de
fortalecimento da imagem e de desenvolvimento de cidades que buscam
um lugar de destaque nacional e internacionalmente. Abordando uma
realidade francesa, este livro serve de poderoso instrumento de reflexão
sobre a política cultural para as cidades, onde quer que se situem.
232 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Afirmar os Direitos Culturais – Comentário à Declaração


de Friburgo
Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault
A publicação organizada por Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault
aborda a Declaração de Friburgo, que reúne e explicita os direitos cul-
turais reconhecidos de maneira dispersa em muitos instrumentos.
Levando o subtítulo Comentário à Declaração de Friburgo, o livro analisa
detalhadamente e comenta os considerandos e os artigos da declaração,
tendo como objetivo contribuir para a discussão e o desenvolvimento do
tema. Percebendo que a universalidade e a indivisibilidade dos direitos
humanos padecem sempre com a marginalização dos direitos culturais,
o Grupo de Friburgo – um grupo de trabalho internacional organizado
a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da
Universidade de Friburgo, na Suíça – preparou um guia para a reflexão e
a implementação dos direitos relacionados à cultura previstos no Acor-
do Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Arte e Mercado
Xavier Greffe
Este título discute as relações da arte com a economia de mercado e
a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e
econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo
e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que de
suas questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro
passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direi-
tos culturais, que hoje se reconhecem como seus.

Cultura e Estado. A Política Cultural na França, 1955-2005


Teixeira Coelho
Neste livro, Teixeira Coelho faz uma seleção dos textos presentes na
coletânea La Politique Culturelle en Débat: Anthologie, 1955-2005, da
Documentation Française, que reflete sobre a relação entre Estado e
cultura na França. A cultura francesa se associa intimamente à iden-
tidade da nação e do Estado, e os autores desta obra, de diversas áreas,
analisam os aspectos dessa proximidade.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  233

Cultura e Educação
Teixeira Coelho (Org.)
Esta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e Cul-
tura realizado no Itaú Cultural em setembro de 2009. Os participantes
­latino-americanos (inclusive brasileiros) e espanhóis refletem sobre
práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas admi-
nistrativas e curriculares e de ações cotidianas em sala de aula.

Saturação
Michel Maffesoli
O título reúne os textos “Matrimonium” e “Apocalipse”, de Michel
­Maffesoli. Neles, o autor estende a discussão sobre a pós-modernidade
para além do domínio das artes e analisa os fatos e os efeitos pós-mo-
dernos na vida social. A partir desse debate, Maffesoli questiona valores
como indivíduo, razão, economia e progresso – pedras fundamentais da
sociedade ocidental moderna, que está em crise, saturada.

O Medo ao Pequeno Número


Arjun Appadurai
“Arjun Appadurai é conhecido como autor de novas formulações notáveis
que esclareceram os desenvolvimentos globais contemporâneos, espe-
cialmente em Modernity at Large. Neste livro, ele aborda os problemas
mais cruciais e intrigantes da violência coletiva que hoje nos cerca. Um
livro repleto de ideias novas e originais, alimento essencial para o espírito
dos especialistas e de todos os que se preocupam com essas questões”, diz
Charles Taylor, autor de Modern Social Imaginaries. As transformações
na economia mundial desde a década de 1970 produziram efeitos con-
sideráveis nas relações entre as nações e as pessoas. Multiplicaram-se
as disputas e as preocupações sobre soberania nacional, indigenismo,
imigração, liberdade, mercado, democracia e direitos humanos. Algumas
ditaduras sumiram, outras permaneceram ativas e uma ou outra mais
insiste em afirmar-se no palco mundial, como se as mudanças no mundo
ao longo do último meio século não tivessem existido.
234 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A Cultura e Seu Contrário


Teixeira Coelho
As duas últimas décadas do século XX viram a ascensão da ideia de cul-
tura a um duplo primeiro plano: o das políticas públicas e o do mercado,
neste caso de um modo ainda mais intenso que antes. O papel de cimento
social antes exercido pela ideologia e pela religião, corroídas em parti-
cular na chamada civilização ocidental, embora não neutralizadas, foi
gradualmente assumido pela cultura, tanto nos Estados pós-coloniais
quanto, em seguida, nas nações subdesenvolvidas às voltas com os de-
safios da globalização e decididas ou resignadas a encontrar, na identi-
dade cultural, uma válvula de escape. Do lado do mercado, o vertiginoso
crescimento do audiovisual (cinema, vídeo, música) colocou a cultura
numa situação sem precedentes no elenco das fontes de riqueza nacional.

A Cultura pela Cidade


Teixeira Coelho (Org.)
Qual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação, 12 autores,
nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os
artigos abordam questões como Agenda 21 da Cultura, espaço público
e cultura, política cultural urbana e imaginários culturais.

Leitores, Espectadores e Internautas


Néstor García Canclini
A publicação contém artigos dispostos em ordem alfabética, podendo
o leitor transitar livremente por eles sem interferir na compreensão do
texto. Seu tema são os novos hábitos culturais surgidos com o avanço
das tecnologias de comunicação e entretenimento, e nossas respostas a
eles como leitores, espectadores e internautas. Por meio de provocações,
o autor nos incentiva a pensar sobre nossos “novos hábitos culturais”,
colocando mais questões a ser respondidas do que conceitos estabeleci-
dos, como num fragmento em que questiona as campanhas de incentivo
à leitura: “Por que as campanhas de incentivo à leitura são feitas só
com livros e tantas bibliotecas incluem somente impressos em papel?”
(p. 56), abrindo assim a discussão da necessidade de reformulação das
políticas culturais públicas, uma vez que, atualmente, somos leitores
de revistas, quadrinhos, jornais, legendas, cartazes, blogs.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  235

A República dos Bons Sentimentos


Michel Maffesoli
Como observou Chateaubriand, é comum chamar de conspiração po-
lítica aquilo que na verdade é “o mal-estar de todos ou a luta da antiga
sociedade contra a nova, o combate das velhas instituições decrépitas
contra a energia das jovens gerações”. O momento atual é um desses em
que jornalistas, universitários e políticos, em suma, a intelligentsia, se
mostram em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para en-
tender melhor em que isso consiste, é preciso pôr em evidência a lógica
do conformismo intelectual reinante. Só quando não mais imperar o
ronronar do “moralmente correto” é que será possível prestar atenção
na verdadeira “voz do mundo”.

Este é um Maffesoli diferente, polêmico e que não receia ser até mesmo
panfletário. Seu alvo é o pensamento conformado com as conquistas
teóricas dos séculos passados que não mais servem para entender a
época contemporânea. Discutindo com o pensamento oficial, o autor
investe contra o politicamente correto, o moralmente correto e todas as
formas do bem pensar, isto é, contra as ideias feitas que se transmitem
e se repetem acriticamente.

Cultura e Economia
Paul Tolila
Durante muito tempo, os economistas negligenciaram a cultura e por
muito tempo o setor cultural também se desinteressou da reflexão eco-
nômica. Vivemos o fim dessa época. Para os atores do setor cultural, as
ferramentas econômicas podem se tornar uma base sólida de desenvol-
vimento; para os tomadores de decisões, a contribuição da cultura para
a economia do conhecimento abre oportunidades originais de ação; para
os cidadãos, trata-se de ter os meios para compreender e defender um
setor cujo valor simbólico e potencial de riqueza humana e econômica
não podem mais ser ignorados.
236 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

SÉRIE RUMOS PESQUISA


Os Cardeais da Cultura Nacional: o Conselho Federal
de Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975
Tatyana de Amaral Maia
Neste livro, Tatyana de Amaral Maia discorre sobre a criação e a
atuação do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao antigo
Ministério da Educação e Cultura, no campo das políticas culturais.
A autora analisa a relação entre seus principais atores, relevantes in-
telectuais brasileiros, e as questões políticas e sociais do período da
ditadura, bem como os conceitos relativos à cultura brasileira, como
patrimônio e identidade nacional.

Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização


do Campo Cinematográfico Brasileiro
Lia Bahia
O tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no
Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico
brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do
cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desco-
nexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para
o audiovisual nacional.

Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips


e a Gestão Pública Não Estatal na Área da Cultura
Elizabeth Ponte
A autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada
com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OS) e organi-
zações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando
analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos
públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São
Paulo, que emprega a gestão por meio de OS, e de Minas Gerais, que
possui parcerias com Oscips.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  237

A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos


Indígenas na Indústria Cultural
Victor Lúcio Pimenta de Faria
A proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas
de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as
perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões cultu-
rais, a partir do conceito adotado pela Unesco.

AS REVISTAS DO
OBSERVATÓRIO

Revista Observatório Itaú Cultural


No 22 – Memórias, Resistências e Políticas Culturais
na América Latina
Os apagamentos das línguas, histórias e memórias e as diferentes for-
mas de resistências presentes no Brasil e na América Latina permeiam
as discussões da Revista Observatório: Memórias, Resistências e Po-
líticas Culturais na América Latina. Processos artísticos, urbanos e
pedagógicos reconstroem narrativas, criam novos diálogos de saberes
e abrigam uma multiplicidade de sujeitos, desafiando a incorporação
dessa subjetividade nas políticas culturais para o patrimônio.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 21 – Política, Transformações Econômicas
e Identidades Culturais
Esta edição se propõe a discutir cultura e política, relacionando temas
como estética, gênero e raça com as tensões e os conflitos decorrentes
das grandes transformações econômicas e sociais vivenciadas na con-
temporaneidade. Os autores e autoras que colaboraram neste número
nos convidam a refletir sobre o campo da cultura a partir do nexo entre
as identidades emergentes e as estruturas sociais que dão forma à eco-
nomia, à política e ao direito.
238 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


No 20 – Políticas Culturais para a Diversidade:
Lacunas Inquietantes
Sob a óptica da diversidade cultural e das políticas públicas, esta edição
discute a questão das minorias, do novo cenário midiático, da cultura
“plebeia” e do patrimônio. Traz ainda questionamentos que indicam
outros rumos para a diversidade.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 19 – Tecnologia e Cultura: uma Sociedade em Redes
O mundo passa por um momento de crise: política, econômica e iden-
titária. E parte das causas e das possíveis soluções parece vir de nossa
complexa relação com as tecnologias digitais. Afinal, a tecnologia muda
a cultura? Qual é o papel da arte num contexto de multiplicidade de
atores? Como a política institucional deve enfrentar esse novo cenário?
Esses são os questionamentos da edição 19 da Revista Observatório.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 18 – Perspectivas sobre Política e Gestão Cultural
na América Latina
Esta edição traz análises comparativas da política e da gestão cultural
da América Latina e aborda o seminário internacional sobre o tema
realizado em março de 2015. Autores do Brasil, da Argentina, do Chi-
le, do Paraguai, do Uruguai, da Colômbia e do México nos convidam a
pensar sobre nossos modelos políticos e sobre a importância do papel
da cultura na integração dos povos latino-americanos.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 17 – Livro e Leitura: das Políticas Públicas
ao Mercado Editorial
Esta edição reflete sobre livro e leitura no século XXI, levando em conta
novos aspectos e dimensões que vão além das publicações em papel,
das bibliotecas e das livrarias físicas. A revista contempla abordagens
históricas, discussões contemporâneas e contribuições de pesquisa-
dores acadêmicos e de profissionais do mercado.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  239

Revista Observatório Itaú Cultural


No 16 – Direito, Tecnologia e Sociedade:
uma Conversa Indisciplinar
Esta edição mistura autores provenientes de campos diversos do co-
nhecimento para tratar de temas que se tornam cada vez mais centrais
em nossos agitados tempos, em que as ruas e as redes se misturam, em
que o real e o virtual se fundem. Privacidade, direitos autorais, liberdade
de expressão, limites e possibilidades do “faça você mesmo”, conflitos
envolvendo mídias sociais e tradicionais, os sucessos e as falhas da
promessa da aldeia global. Temas que estão hoje no centro do palco e
despertam ao mesmo tempo esperança e preocupação.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 15 – Cultura e Formação
Esta edição destaca o Seminário Internacional de Cultura e Formação,
realizado no Itaú Cultural em novembro de 2012. O seminário é fruto
de dois processos relacionados: primeiro, uma grande reflexão sobre
os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos
de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o ter-
ceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de
formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário. Para a
revista, selecionamos contribuições de natureza diversificada derivadas
desse encontro: discussão de conceitos, debates de políticas, análise
de situações ou simplesmente narrativas de experiências, compondo,
assim, um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre
cultura e formação na contemporaneidade.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 14 – A Festa em Múltiplas Dimensões
Os muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas
públicas e patrimônio cultural. Essas e outras questões acerca das fes-
tividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais como
ponto de partida.
240 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


No 13 – A Arte como Objeto de Políticas Públicas
Nesta edição são apresentadas reflexões sobre alguns setores artísticos
no Brasil a partir de pesquisas, informações e percepções de pesquisa-
dores e instituições, vislumbrando-se contribuir para que a arte seja
pensada como objeto de políticas públicas.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios Contemporâneos
Esta edição se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas,
a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural
e o público da cultura com base na experiência francesa, a revista põe o
leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como
preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos
“públicos da cultura”.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 11 – Direitos Culturais: um Novo Papel
Este número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos:
relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos hu-
manos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento
jurídico dado ao assunto.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando
Políticas Públicas e Mercado
Esta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por
temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos auto-
rais, gestão cultural e novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio
­Da-Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos é de ganhadores
do Prêmio SAV e do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão
Cultural 2007-2008.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  241

Revista Observatório Itaú Cultural


No 9 – Novos Desafios da Cultura Digital
As novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas
as suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos
produtos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que
a era digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam po-
líticas públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos
autorais e como trabalhar a cultura na era digital. Traz também uma
entrevista com ­Rosalía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério
Cruz Brittos, professor e pesquisador da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos), sobre convergência das mídias e televisão
digital, respectivamente.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 8 – Diversidade Cultural: Contextos e Sentidos
Esta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explorados
vários aspectos culturais do país – aspectos que estão à margem da
vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de ges-
tão cultural trabalham para a assimilação e a preservação deles, de
modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda
parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em
cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da
diversidade cultural em um mundo globalizado.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre
o Incentivo Fiscal para a Cultura
A Lei Rouanet é o tema do sétimo número da revista. Aqui os autores
discutem diversos aspectos e consequências dessa lei: a concentração
de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel das empresas estatais e
privadas e o incentivo fiscal. O então ministro da Cultura, Juca Fer-
reira, comenta em entrevista a lei e as falhas do atual modelo. O pro-
pósito desta edição é apresentar ao leitor as diversas opiniões sobre
o assunto para que, ao final, a conclusão não seja categórica. O setor
cultural é tecido por nuances; há, portanto, que pensá-lo como tal.
242 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


No 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para
o Setor Cultural
O gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu
seu pleno reconhecimento. A sexta edição da revista é dedicada a
expor e a debater esse tema. Há uma extensa indicação bibliográfica
em português, além de artigos e entrevistas com professores espe-
cializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto da
deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a se
transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados
para a formação do gestor.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 5 – Como a Cultura Pode Mudar a Cidade
A quinta edição da revista é resultado do seminário internacional A
Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, organizado
pelo Observatório Itaú Cultural. Sua proposta foi promover a troca de
experiências entre pesquisadores e gestores do Brasil, da Espanha, do
México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia que utilizaram a cultura
como principal elemento revitalizador de suas cidades. Nesta edição,
além dos textos especialmente escritos para o seminário, estão duas
entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura no desenvolvimento
social: uma com Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade
de Girona (Espanha), e outra com a professora Maria Christina Barbosa
de Almeida, então diretora da biblioteca da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). A revista núme-
ro 5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri
­Lefebvre e algumas indicações bibliográficas. Encerrando a edição, um
texto sobre a implantação da Agenda 21 da Cultura.
ESTATÍSTICAS E INDICADORES PARA O DESENVOLVIMENTO  243

Revista Observatório Itaú Cultural


No 4 – Reflexões sobre Indicadores Culturais
O que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa,
como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? Esta quarta edi-
ção da revista trata desses assuntos por meio da exposição de vários
pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realizados
pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU) sobre patrimônio cultural imaterial.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 3 – Valores para uma Política Cultural
A terceira edição da revista discute políticas para a cultura e relata a expe-
riência do programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural e dos
seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país para a divulgação
do edital do programa. A segunda parte desta edição traz artigos que co-
mentam casos específicos de cidades onde a política cultural transformou a
realidade da população, fala sobre o Observatório de Indústrias Culturais de
Buenos Aires e apresenta uma breve discussão sobre economia da cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor Cultural
O segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata
das atividades desenvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas
no campo cultural e o programa Rumos, e traz uma resenha do livro
Cultura e Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A
segunda é composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos
por especialistas brasileiros e estrangeiros.

Revista Observatório Itaú Cultural


No 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a Cultura
Esta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural. Criado
em 2006 para pensar e promover a cultura no Brasil, o Observatório reali-
zou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número é resultado
desses encontros. Os artigos discutem o que é um observatório cultural,
qual sua função e como formular e usar dados para a cultura e as indústrias
culturais. A edição também comenta experiências de outros observatórios.
244 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Esta revista utiliza as fontes Sentinel e Gotham


sobre o papel Pólen Bold 90g/m2. Os pantones 433
e 239 foram os escolhidos para esta edição. Duas
mil unidades foram impressas pela gráfica Ipsis
em São Paulo, no mês de dezembro do ano de 2017.
Realização

/itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 atendimento@itaucultural.org.br


avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

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