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O DESAFIO DA NOTAÇÃO MUSICAL PARA MÚSICAS DE

TRADIÇÃO ORAL

The challenge of music notation for songs from oral tradition.

Adriano Caçula Mendes1

adriano.mendes@ifpb.edu.br

RESUMO: A transcrição musical tem sido objeto de muito debate desde os


primórdios de seu desenvolvimento na civilização ocidental até os dias atuais. Questões
levantadas a respeito de como representar melhor a complexidade dos fenômenos musicais e
interpretativos foram responsáveis por uma verdadeira revolução que permitiu a grafia dos
sons no intuito de registrar e imortalizar grandes obras desde o renascimento até hoje. Neste
artigo, é discutida a importância de por que e para quem transcrever as músicas de tradição
oral pelo etnomusicólogo a partir de um panorama histórico do desenvolvimento dos estudos
em Etnomusicologia. Também é apresentado um estudo de caso sobre a análise
computacional, formas de representação e transcrição com auxilio de softwares da melodia de
um canto de Aboio colhido no distrito de São Gonçalo em Sousa-PB como sugestão de
procedimento para transcrição e análise a fim de minimizar o subjetivismo da percepção
humana por parte do pesquisador.

Palavras-chave  : Transcrição, Aboio, musicas de tradição oral.

Abstract: The musical transcription has been the subject of many controversies since
the beginning of its development in Western civilization to the present day. Questions have
been raised about how the best way to represent the complexity of musical and interpretative
phenomena were responsible for a revolution that enabled the writing to record and
immortalize great works from the Renaissance to today. In this article, we discuss the
importance of why and for who transcribe songs from oral tradition by ethnomusicologist.
Also a study of case by computer analysis, forms of representation and transcription with the
software’s aid to analyze a melody from Aboio’s song collected in São Gonçalo, Sousa’s
district in Paraíba – Brazil. It’s suggests a procedure for the purpose of minimize the
subjectivity of human perception of researcher.

Keywords: Transcription, Aboio, songs of oral tradition.

1
Professor de música no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba- IFPB,
Especialista em Educação à distância pela UNB e Mestre em Etnomusicologia na UFPB.
1. INTRODUÇÃO: Somos todos (Etno) musicólogos

Desde o surgimento da Etnomusicologia como campo independente de conhecimento,


a partir da segunda metade do século XX, a disciplina vem agregando as mais variadas
epistemologias para o enfoque fenomenológico da música. Esta abordagem transdisciplinar
dos fenômenos musicais; a música como cultura e na cultura (Merriam,1964), os fenômenos
sonoros entendidos como culturalmente organizados pelo Homem (Blacking, 1973), a música
enquanto fenômeno sociológico (Tia DeNora, 2004), Música e psicologia (Clarke, 2004)
dentre outras tantas possibilidades de enfoques epistemológicos da música, tem de certo modo
distanciado o interesse do etnomusicólogo da análise dos fenômenos acústicos que
caracterizam a sonoridade de uma determinada expressão musical.
Segundo Nicholas Cook:

...a possibilidade de abordagens computacionais para o estudo da música


surgiu simplesmente como a ideia de comparar grandes massas de
informação musical - o tipo de trabalho para o qual os computadores são
idealmente adequados – se tornou intelectualmente fora de moda. Como
resultado, métodos computacionais têm até agora desempenhado um papel
mais ou menos marginal no desenvolvimento da disciplina. 2 (Cook, 2004
p.103, tradução minha)

O avanço tecnológico dos meios de gravação na conjuntura atual e os diversos


softwares desenvolvidos para a análise musicológica estão entre as justificativas mais notáveis
de Nicholas Cook (2004) para sugerir uma reavaliação dos processos comparativos entre os
elementos sonoros que caracterizam as variadas formas de expressão musical. De acordo com
o mesmo, os recentes desenvolvimentos da musicologia computacional apresentam uma
significativa oportunidade para o renascimento da disciplina nos termos da análise
musicológica das manifestações musicais.
Durante o Séc. XIX predominava a necessidade de transcrever as obras de tradição
popular, em especial as, não ocidentais, tidas como exóticas no intuito de preservá-las da
extinção. Essa tendência perdurou nas primeiras décadas do Séc. XX com pesquisadores
buscando padronizar formas de notação para estes tipos de músicas. Estas transcrições eram
realizadas a partir da percepção que o copista tinha sobre a performance musical e deixava
uma larga margem de subjetividade sobre a execução real (Pegg, 2007, p.3). Podia acontecer
de uma mesma obra possuir diferentes transcrições. Os anos de 1970 e 1980 também foram

2
...the possibility of computational approaches to the study of music arose just as the idea of comparing large
bodies of musical data – the kind of work to which computers are ideally suited – became intellectually
unfashionable. As a result, computational methods have up to now played a more or less marginal role in the
development of discipline” (Cook, 2004 p.103)
marcados pelo interesse na teoria e metodologia da transcrição. Porém, a partir dos anos 1990
o interesse pela transcrição nas publicações tem caído notavelmente. (Netll, 2004, p.81)
Com o desenvolvimento das tecnologias de gravação em campo, evidentemente o
objetivo da notação de preservar as manifestações musicais deixa de ser indispensável, uma
vez que qualquer gravação e/ou filmagem, independente da mídia e do processo utilizado, é
mais fiel à realidade do objeto de estudo do que uma transcrição eivada de elementos
subjetivos tais como signos e símbolos. As transcrições passaram a desempenhar um caráter
mais ilustrativo, secundário: o de anexos para acompanhar as gravações feitas em campo. Do
mesmo modo, a partir do desenvolvimento de ferramentas para transcrições como o
melógrafo de Seeger, a transcrição das músicas de tradição oral passou por uma resignificação
importante: Surge a dualidade entre transcrição prescritiva e descritiva. (ver Ellingson, 1992,
p.151 e Netll, 2004, p.89).
A multiplicidade de enfoques epistemológicos da Etnomusicologia moderna, a
dificuldade em encontrar uma representação simbólica precisa para os fenômenos musicais e
que seja satisfatória em resolver os clássicos problemas de notação, a tênue linha que
distingue notação prescritiva da descritiva, podem ser motivos para um menor interesse por
parte dos etnomusicólogos, nas publicações com enfoque nas transcrições e análises
musicológicas das músicas de tradição oral. Netll afirma que possivelmente o receio de ser
mal compreendido nas suas escolhas sobre como representar o objeto de estudo em função
destes impasses sobre o que seria a forma “correta”, ainda longe de serem resolvidos pela
disciplina, tenha desencorajado os pesquisadores a se defrontarem com este desafio.

Acusar alguém de uma transcrição incorreta ainda é equivalente a negar


competência na etnomusicologia como um todo. Possivelmente seja por esta
razão que análises de transcrições nas publicações ou revisões tenham sido
comumente evitadas.3 (Netll, 2004, p.84. Tradução minha)

Essa lacuna existente sobre questões inerentes à representação simbólica tem sido
pouco exploradas pelos pesquisadores da área desde o projeto cantométrico de Alan Lomax
1978. Nas palavras de Ellingson “o estudo dos sistemas de notação, num sentido amplo de
sistemas de representação e comunicação musical, é uma das áreas menos desenvolvidas da
pesquisa etnomusicológica” (Ellingson, 1992. p.153).4 Apesar das dificuldades e imperfeições

3
To accuse someone of incorrect transcription is still tantamount to denying competence in ethnomusicology as
a whole. Possibly it’s for this reason that examination of transcriptions in publications or reviews has usually
been avoided. (Netll, 2004 p.84)
4
The study of notation systems, in the broad sense of systems of musical representation and communication, is
one of the last-developed areas of ethnomusicological research. (Ellingson, 1992. p.153)
de quaisquer que sejam os sistemas de representação, o etnomusicólogo não deve se eximir da
responsabilidade de transcrever e analisar o fenômeno musical para não correr o risco de
afastar-se demasiadamente da musicologia no sentido estrito da palavra.

2. TRANSCREVER PARA PRESCREVER OU DESCREVER?

O objetivo da transcrição para um sistema de signos numa notação musical, a priori,


era o de registrar os elementos sonoros que compõem as músicas para que pudessem ser
compreendidos por um intérprete e reproduzidos de acordo com as ideias do compositor. Um
planejamento, análogo a uma receita, sobre como o intérprete deveria executar determinada
obra. Mas, em consequência à visualização no papel dos elementos musicais em função do
tempo, a notação também pôde ser utilizada como uma importante ferramenta para a
compreensão dos eventos sonoros de uma determinada composição. Como bem lembra
Charles Seeger (1958), dois objetivos poderiam ser apontados para a notação: o de fornecer
um plano de execução para o executante e o de registrar na escrita o que acontece com o som.
Segundo Netll, “A diferença entre notação prescritiva e descritiva era a terminologia de
Seeger para música para performance e análise.” (Netll, 2004. p.78).5 Ideia corroborada por
Ellingson:

Notação musical, a representação da música através de significados outros


que não o som musical, é central para duas áreas maiores da
etnomusicologia: para transcrição e para o estudo, num contexto mais
abrangente, de sistemas musicais culturais e simbólicos. (Ellingson, 1992.
p.153. Tradução minha)6

Tomando como pressuposto a definição de Ellingson para notação como


“representação da música através de significados outros que não o som musical”, haverá um
sem número de possibilidades de representação verbal, gestual ou escrita, a serem utilizadas
nas músicas de tradição oral entre os executantes, de modo a comunicar prescritivamente ou
descritivamente as características peculiares à execução musical. Dentre as possíveis, já
bastante conhecidas, podemos citar partituras, tablaturas, sistemas com algarismos arábicos
para indicar digitação e “casas” ou “trastes” de instrumentos temperados, comunicação

5
The distinction between prescriptive and descriptive notation was Seeger’s terminology for music for
performance and analysis. (Netll, 2004 p.78)
6
Musical notation, the representation of music through means other than the sound of music, is central to two
major areas of ethnomusicology: for transcription and for study, in a wider context, of musical cultural symbolic
and communication systems. (Ellingson, 1992. p.153)
através de símbolos com as mãos para comunicar tonalidades em cima do palco, manosolfa
para fins didáticos dentre outros.
É muito frágil e tênue a linha que separa a classificação das notações transcritivas em
prescritivas ou descritivas de Seeger, uma vez que o que de fato define a função de uma ou
outra representação é o objetivo a que a mesma se propõe. Qualquer notação é uma
representação e, assim sendo, será um recorte do objeto de estudo que para fazer sentido
necessita de uma série de convenções e significados aprendidos e retransmitidos
culturalmente. Desse modo, uma notação, ainda que tenha uma intenção prescritiva, ou seja,
objetive comunicar como a música deverá soar, poderá ser utilizada para fins descritivos a
partir do momento em que um pesquisador intencione analisar o discurso musical e/ou
elementos quaisquer que caracterizem a obra. Numa via de mão dupla, a notação que possua
uma intenção primária de descrever, ou seja, evidenciar características num sentido analítico,
poderá ser reproduzida de maneira a almejar a execução mais fidedigna possível à realidade
da obra. Desde que seja interpretada por um pesquisador munido de conhecimento prévio
sobre estas convenções e simbolismos.
Se levarmos em consideração que as possibilidades que o conhecimento sobre os
elementos sonoros que caracterizam as manifestações culturais e estimulam a percepção dos
ouvintes poderá também estimular o imaginário de compositores “outsiders”, a análise
musicológica destas formas de fazer música serve também para a obtenção de material
composicional para fusão de estilos e sincretismos culturais. Vimos isso acontecer
demasiadamente durante o período nacionalista em fins do Século XVIII e início do Século
XIX. Além do mais, “embora se suponha que a transcrição seja uma notação descritiva, no
entanto, no canto da mente do pesquisador, é potencialmente prescritiva.” (Netll, 2004. p.87)7.
Netll (p.81) também nos chama atenção para ainda outra importante forma de
transcrição descritiva: o que a cultura em questão considera como performance ideal. Ou seja,
que elementos sonoros são de fato importantes para determinado tipo de manifestação cultural
e que merecem uma atenção especial do pesquisador.
Diante do acima exposto, podemos concluir que a notação deve ser escolhida a partir
da finalidade prática a que se propõe e não ser a finalidade em si.

7
Although transcription is supposed to be descriptive notation, it nevertheless, in the corner of scholar's mind, is
potentially prescriptive. (Netll, 2004.p.87)
3. O PAPEL DO COMPUTADOR NA ANÁLISE E TRANSCRIÇÃO DAS
MÚSICAS DE TRADIÇÃO ORAL.

Desde o início do século XX, muitos etnomusicólogos se engajaram na árdua tarefa de


desenvolver aparelhos que permitissem uma análise das músicas de tradição oral e das não
ocidentais, tidas como exóticas à época, por meio de equipamentos que mensurassem as
propriedades físicas do som. Assim, buscavam-se os elementos universais das músicas e
desenvolviam-se representações alternativas a serem interpretadas pelo pesquisador, tais
como espectrogramas, gráficos e outras representações simbólicas dos parâmetros do som. A
data que marca o início desta empreitada é 1928, quando com um estreboscópio, Metfessel
fotografa as oscilações sonoras e superpõe um gráfico sobre a fotografia produzindo uma
publicação com notações gráficas (Netll, 2004, p.85). Depois surgiu o já mencionado
melógrafo com Seeger (1953) e suas inúmeras transcrições que desencadearam um
entusiasmo para as pesquisas com este tipo de enfoque. Sobre a importância destes avanços,
seguem as palavras de Netll:

uma importante contribuição do melógrafo, então, é ajudar-nos a ouvir


objetivamente. Tendo certas coisas apontadas mediante inspeção de uma
notação melográfica, o pesquisador pode, então, seguir na confiança do
ouvido. Quase parece que os etnomusicólogos são vítimas de um análogo da
hipótese whorfiana, segundo a qual o pensamento é regulado pela estrutura
da linguagem; audição musical e cognição por parte dos musicólogos podem
ser profundamente afetados pelas características da notação ocidental. Pode
ser o maior papel do melógrafo nos libertar dessa restrição. (Netll de 2004.
P.88. tradução minha)8

Com o surgimento dos modernos computadores e softwares existentes no mercado,


hoje, o pesquisador da etnomusicologia pode analisar e transcrever músicas de culturas não
ocidentais ou que não se adequam bem a uma redução para a notação tradicional ocidental
com uma boa margem de objetividade. Ainda que sempre parta do observador a escolha de
como e porque representar determinado som com uma ou outra forma de notação, o auxílio da
máquina além de permitir múltiplas visualizações do que se ouve e, portanto, distintas
análises e interpretações a respeito do som, permitirá a produção de variadas formas
representativas. Netll segue ainda enfatizando a importância do auxílio de computadores para
análise e transcrição musical:

8
An important contribution of the melograph, then, is to help us to hear objectively. having had certain things
pointed out by inspection of a melographic notation, the scholar can then go on the trust the ear. it almost seems
that ethonumisologists are the victims of an analogue of the whorfian hypothesis, according to which thought is
regulated by the structure of language; musical hearing and cognition on the part of musicologists may be
profoundly affected by the characteristics of western notation. it may be a major role of the melograph to liberate
us from this constraint. (Netll, 2004. p.88)
Além de serem poupadores de trabalho e mais precisos e eficientes que o
ouvido, eles de modo geral permitiram expor menos o viés ocidental e assim
serem mais condutores tanto para a eliminação do etnocentrismo como o
desenvolvimento do método comparativo. (Netll, 2004. p.87. Tradução
minha)9

O conhecimento das propriedades físicas do som (altura, duração intensidade e timbre)


e seus respectivos parâmetros aliados ao conhecimento básico da psicoacústica, ou seja, como
estes elementos são percebidos e representados pela nossa cognição enquanto seres humanos
e as relações de valores agregados da cultura em foco, tanto por parte dos pesquisados quanto
do pesquisador, auxiliam num melhor entendimento dos fenômenos musicais.

4. ESTUDO DE CASO: análise de um canto de aboio colhido em São Gonçalo


distrito da cidade de Sousa-PB

Com o auxílio de dois softwares específicos: o sonic visualizer® desenvolvido pela


universidade Queen’s university - Londres, e o Finale® desenvolvido pela Coda Music and
Technology, o primeiro para análise e representações gráficas dos sons e o segundo para a
edição de notação, será exemplificado a seguir uma análise de um canto popular, no caso o
aboio, e as múltiplas possibilidades de representações simbólicas.

No dia 20 de outubro de 2013, no distrito de São Gonçalo na cidade de Sousa-Pb, foi


colhido o aboio cantado pelo aboiador chamado de Soró aboiador na ocasião do 1º festival de
aboio da região. O aboio é uma prática de canto de trabalho dos vaqueiros nordestinos
entoada para a condução do gado. O equipamento utilizado para a captação do áudio foi um
microfone gravador multifocal da marca Zoom® modelo H2N posicionado a
aproximadamente 2 metros de distância do cantor. Uma vez de posse do áudio deste aboio, o
mesmo foi exportado para o programa soundforge® para que fosse possível separar uma
única estrofe das demais para análise e transcrição. O objetivo da pesquisa é perceber o
material sonoro que caracteriza a criação das melodias do aboiador ao longo da improvisação
de suas rimas. O aboiador improvisa o texto durante sua apresentação em uma melodia
idêntica com uma sonoridade peculiar que caracteriza o estilo.

Como em toda investigação de estruturas, a busca por elementos musicais


construídos e culturalmente significantes vai levar às menores unidades
classificáveis do sistema, que servem de referência para a percepção do todo,
o “som organizado humanamente”. Dentro da cultura musical estes
elementos menores estarão ligados uns aos outros de maneira relativamente
estável, estabelecendo assim a ordem musical vigente. Decifrar a
9
Aside from being labor-saving and more precise and efficient than ear, they generally conceded to exhibit less
western bias and thus be more conductive to both the elimination of ethocentrism and the development of
comparative method. (Netll, 2004. p.87)
organização interna destes fatores interdependentes significa reconhecer a
estrutura musical mais ampla nos seus múltiplos detalhes. (Pinto, 2001
p.236)

Essas estruturas poderão ser bem entendidas se associarmos o fenômeno físico,


visualizado pelo computador, à nossa percepção humana, e assim tecer dessa forma um estudo
comparativo entre a cultura pesquisada e as impressões do pesquisador.

4.1 - Representação gráfica e análise de intensidade

Na figura abaixo podemos observar a representação gráfica do som do aboio


considerando a intensidade, medida em decibéis, (y) em função do tempo (x).

Fig.
1
Na parte inferior da tela temos a representação em formas de onda na cor verde e no
canto superior direito está o tempo marcado em milissegundos e a variação de dB (decibéis).
Com esta representação é possível demonstrar a variação de dinâmica em função do tempo na
forma de cantar aboio. Os bruscos declives no gráfico mostram o momento exato em que o
executante deixa de emitir o som para tomar novo fôlego.

Fig. 2

4.2 - Outras visualizações

Espectrogramas são visualizações dos espectros sonoros gerados a partir da série


harmônica. Podem servir para representar o comportamento das notas musicais (frequências
perceptíveis cognitivamente e culturalmente identificadas) e seus espectros sonoros.
Fig.3

Para a análise e identificação das notas musicais que compõem a melodia foi utilizado
o seguinte procedimento: A partir do espectrograma, foi aplicado o pluggin Salience
Function: Colour 3D Plot desenvolvido pelo Music Technology Group- universitat Pompeu
Fabra, para termos um contorno melódico desenvolvido a partir das frequências sonoras.
Depois foi adicionado um layer (camada) chamado MIDI note, ou seja, uma nova camada de
visualização para sobrepor ao espectrograma com contornos melódicos mais definidos que
permitiram marcar em protocolo MIDI as frequências medidas em Hertz das notas cantadas
para as notas temperadas predefinidas. Somando a percepção auditiva à visual, foram
marcadas as notas, uma a uma. Para isso, foi utilizado um recurso do programa que permite
diminuir a velocidade da reprodução sem alterar as frequências. Dessa forma, foi possível
marcar sílaba a sílaba dos versos as notas cantadas, observando a frequência das mesmas.
Fig.4

Observando esta representação, percebemos que existe uma nota alvo (ver a linha que
marca A# = 469.168Hz) de entrada e saída no canto que polariza as demais.

4.3 - Transcrição
Depois de demarcarmos a notas do aboio em protocolo MIDI, exportamos para o
®Finale para elaborarmos a transcrição. Como a rítmica do aboio “tradicional” está vinculada
aos versos da poesia e ao tempo de raciocínio do aboiador, optamos por registrar apenas as
alturas na partitura sobre as sílabas do verso. Assim, a transcrição respeita a execução livre de
“pulso” do cantor.

O objetivo da transcrição da partitura dessa melodia é tornar visível o conjunto das


notas da composição. Desse modo, o pesquisador poderá produzir material com finalidade
prescritiva da sonoridade para composição e ainda ter um registro descritivo de como foi
cantada a melodia. O objetivo da análise é que define as melhores metodologias e escolhas de
representações. Segundo Ulhôa:
O padrão de referência da notação vai depender do propósito do seu uso.
Mais do que isto, a partir do século XX temos a tendência a achar que as
partituras são o próprio ícone da obra. A nova ênfase na performance nos
estudos musicológicos abre um novo caminho para a avaliação de material
escrito. (ULHÔA, 2008. pag.19)

A figura 6 mostra no pentagrama as notas do canto do Soró aboiador.

Fig. 6

4.4 - Estudo comparativo

A partir de uma análise comparativa é possível interpretar as características de como


percebemos a sonoridade deste aboio da seguinte forma: As notas cantadas neste aboio, na
ordem da mais grave para a mais aguda, foram: sol bemol, si bemol, dó bemol, ré bemol, mi
bemol, fá bemol. Neste caso, as notas estão contidas no que seria o modo mixolídio, partindo
de sol bemol (sem o segundo grau Láb).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Este trabalho não pretende encerrar as discussões acerca da importância de transcrever


ou não uma manifestação musical e muito menos estabelecer uma maneira “correta” de
transcrevê-las. As discussões aqui apresentadas e o estudo de caso apenas reafirmam a
importância do pesquisador de música em estar atento às transformações e avanços
tecnológicos pelo qual vem passando a disciplina. Com um conhecimento básico sobre estas
novas tecnologias, muitas observações poderão ser feitas em laboratório a respeito das
músicas de tradição oral e permitirão direcionar um debate junto aos mestres de cultura sobre
pontos específicos que as caracterizam.

Mediar o conhecimento de como o fenômeno se apresenta do ponto de vista físico,


como o pesquisador o percebe e a forma como os agentes destas músicas pesquisadas a
percebem do seu próprio ponto de vista teórico-cultural, por meio de depoimentos e
observações conjuntas pode enriquecer a pesquisa e o trabalho de campo. A soma de variadas
formas de representação pode ajudar a se ter uma melhor compreensão do fazer musical.

Por fim, sendo a etnomusicologia um campo de conhecimento de amplos enfoques


epistemológicos, podemos utilizar mais estas ferramentas para uma análise aprofundada das
músicas de tradição oral como um todo. Somando a percepção auditiva à visual o pesquisador
pode investigar as minúcias que por vezes passam despercebidas além de diminuir o índice de
subjetividade do mesmo. A utilização de ferramentas computacionais para a análise de
músicas de tradição oral traz, como subproduto, diversas formas de representação do
fenômeno sonoro, podendo trazer ganhos para esta área do conhecimento.

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_________________________ A pesquisa e análise da música popular gravada UNIRIO, 2006.

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