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desenvolvimento sustentável
Political Ecology of the building of the Global Environmental Crisis and on the
Sustainable Development Model
Ecología política de la construcción de la crise ambiental y el modelo de desarollo
sostenibel
Écologie politique de la construction de la crise ambiental global ; développement soutenable.
Resumo: Neste trabalho discutimos o debate sobre a crise ambiental e o modelo do desenvolvimento sustentável como
campo de lutas no qual se articulam interesses políticos e econômicos. Defendemos a idéia de que as direções tomadas
pela discussão sobre as questões ambientais em nível mundial apontam para o apagamento das variáveis clássicas da
interpretação sociológica dos fenômenos sociais, tais como as de ideologia, dominação e conflito, apresentando uma
proposta de redirecionamento da discussão mencionada, a ser feita em termos da teoria da ecologia política. No final
indicamos algumas sugestões específicas para a pesquisa sobre a denominada crise hídrica mundial.
Palavras-chave: Ecologia; crise ambiental global; desenvolvimento sustentável.
Abstract: In this work we discuss the debate on the environmental crisis and on the sustainable development model as a field of
fights in which are articulated political and economic interests. We argue here that the discussion on those themes indicate the
suppression of classic sociological categories as those of ideology, domination and conflict, presenting afterwards a purpose of
reshaping of the mentioned discussion, which must be done in terms of the Political Ecology Theory. We finalize the article
indicating some points to a research agenda on the global water resources crisis.
Key words: Ecology; global environmental crisis; sustainable development.
Résumé: Em ce travail nous discutons le debat sûr la crise ambiental et le modele de développement soutenabel
comment plaine de luttes dans lequel s´articulent intérêts plitiques e t économiques. Nous défendons l´idée de que
les directions prises por la discution sûr les questions ambientaux en niveau mondial indiquent pour l´extinction
des variales clássiques de l´interprétation socilogique des phénoménes sociaux tels comment les d´ideologie,
domination et conflit, avec la présentation d´une propose de reprise de la discution menttionée, pour éter fait em
termes de la théorie de l´écologie politique. Au final nous avons indique quelques suggestions specífiques por la
recheche sur la nommée crise hydrique mondiale.
Mots-clé: Écologie; crise ambiental; développement soutenable.
Resumen: Defendemos la idea de que las decisiónes tomadas por la dscusíon sobre las cuestiónes ambientales em
nível mundial apuntan para el apagamineto de las variábles clásicas de la interpretación sociológica de los fenômenos
sociales. como los que están relacionados à la ideología, dominación y conflicto, presentando uma propuesta de
redireccionamineto de la discusión mencionada a ser hecha em termos de la teoria de la ecología política. Em el final
indicamos algunas sugeréncias específcas para la búsqueda sonre la denominada crise hídrica mundial.
Palabras clave: Ecología; crise ambiental global; desarrollo sotenible.
*
Professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Campina Grande-PB.
(lenksguerra@yahoo.com.br).
**
Professor do CESAC (Centro de Ensino Superior de Santa Cruz do Capibaribe-PE) e bolsista do CEDRUS (Curso
de Especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável), com trabalhos publicados na área da Sociologia dos
recursos hídricos. (jairrobezerra@bol.com.br ou nel.nunsiilva@bol.com.br).
***
Professor do Departamento de Ciências Básicas e Sociais, da Universidade Federal da Paraíba, na área de Gestão Ambiental.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. V. 8, N. 1, p. 09-25, Mar. 2007.
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Cláudio Ruy Portela de Vasconcelos
dominando o debate, de um lado, as pro- vai do final da II Guerra Mundial até mea-
postas socialistas/comunistas e, do outro, o dos da década de 70 do século passado –,
modelo capitalista. Com a crise da maioria com o fim de experiências de socialismo real
das experiências de socialismo na Europa, a no Leste europeu e a derrocada a União So-
hegemonização do capitalismo em quase viética, o discurso e a prática de “ajuda” aos
todas as economias mundiais, a polarização países do Terceiro Mundo, os quais tinham
mencionada deixa de existir, abrindo-se es- como um dos principais objetivos implícitos
paço para que novos eixos de preocupação a luta ideológica contra um possível opositor
sócio-político-cultural emirjam. ao sistema econômico dominante, perdem a
É nessa conjuntura que assistimos, des- força. É justamente na década de 80, que é
de o último quartel do século passado, a uma formulada a proposição do “ajuste estrutu-
significativa hipertrofia do debate sobre vi- ral”, já um reflexo da perda de espaço da
sões de iminentes catástrofes ecológicas, que discussão sobre o “desenvolvimento” para
colocariam em risco a vida do homem no a temática da globalização, que passa a ser
planeta. É nesse contexto que surgem as pro- o mote para uma série de articulações no
postas de salvação da Terra, as quais inclu- sentido do estabelecimento definitivo de uma
em, entre outros pontos, a necessidade de economia mundial de rede, agora com to-
implementar, mundialmente, um modelo de das as condições objetivas a ela necessárias,
Desenvolvimento Sustentável. em termos de tecnologia da informação.
Sem pretender fazer uma abordagem Todavia, a história do “desenvolvimen-
aprofundada do conceito mais geral de desen- to”, intimamente ligada ao desenrolar do sis-
volvimento, defendemos neste artigo: (1) a tema capitalista ocidental, não seria tão facil-
idéia de que o modelo de Desenvolvimento mente descartada. Depois de passar por um
Sustentável, de certa maneira, é um retorno período de “esquecimento”, a temática da
de práticas “desenvolvimentistas” semelhan- ecologia, anteriormente lateral, cria as condi-
tes ao que na sociologia do desenvolvimento ções objetivas para a volta da reflexão a res-
ficou conhecido como o “terceiro-mundis- peito das questões ligadas ao desenvolvimen-
mo”, um modelo assumido por países do capi- to. A ligação dos problemas ecológicos com
talismo central, basicamente, pelos Estados os níveis de pobreza dos países do Sul, con-
Unidos, que consistia no oferecimento de duziu rapidamente ao reconhecimento de
“ajuda” aos países subdesenvolvidos e “em que, apesar das políticas desenvolvimentistas
desenvolvimento”, na direção da promoção baseadas na “ajuda” dos países capitalistas
das condições necessárias à chegada dos paí- centrais, especialmente aquela fornecida pe-
ses do Sul ao modelo dos países industrializa- los Estados Unidos – e mesmo em decorrên-
dos do Norte; (2) a necessidade da construção cia delas – os problemas enfrentados por pa-
de uma abordagem propriamente sociológi- íses desta área tinham crescido e piorado. Era
ca das questões ambientais, informada pelos necessário, por conseguinte, e agora possível,
autores da corrente denominada de Ecologia que o “desenvolvimento” retornasse firme
Política, de forma a interpretar a construção através da moda ocidental da ecologia.
social dos fenômenos relativos aos moldes de A retomada começou na década de 80,
apropriação humana dos recursos naturais com a realização de conferências mundiais
do planeta e das propostas apresentadas sobre o tema do Meio Ambiente, e teve como
como alternativas à Crise Ambiental, à luz de momento marcante o ano de 1983, quando a
categorias clássicas da análise sociológica, tais Assembléia Geral das Nações Unidas pediu ao
como poder, ideologia, exploração, sistemas seu secretário geral que indicasse uma “Co-
de hierarquia e outras dessa natureza. missão Mundial do Meio Ambiente e do De-
senvolvimento” para realizar um relatório a
Desenvolvimento Sustentável ou respeito do desenvolvimento e do Meio Ambi-
crescimento sem fronteiras? ente, em termos mundiais, cuja presidência foi
confiada à senhora Gro Harlem Brundtland,
Depois do período em que o “desenvol- então Primeira Ministra da Noruega.
vimento” se constituiu num tema de grande As condições eram bastante favoráveis
importância no cenário internacional – que para a realização de um relatório original e
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bem informado, já que havia uma previsão governos, o que se encontra é um texto sin-
de consulta internacional aos grupos gularmente dúbio em seu conteúdo. Sem
ambientalistas e ONGs envolvidas com o pretender fazer uma análise completa, men-
tema, no sentido de construir uma visão o cionaremos alguns aspectos críticos essenci-
mais abrangente possível e, acima de tudo, ais a respeito da passagem da página 29 da
antenada com as expectativas dos países do versão espanhola e na página 8 da versão
Norte e do Sul. O trabalho foi concluído em em inglês, que, por questão de espaço não
março de 1987, e foi publicado no ano se- citamos na íntegra:
guinte, sob o título de Nosso Futuro Comum, a) No texto há uma pressuposição implíci-
contendo, entre outras coisas, uma exaustiva ta da existência de um sujeito coletivo (a
lista de ameaças ao equilíbrio do meio ambi- humanidade) dotado de reflexão e de
ente planetário: o desflorestamento; a erosão vontade1, que não pode, todavia, ser cla-
do solo; o efeito-estufa; o buraco na camada ramente definido. Como colocado, o De-
de ozônio; a questão da demografia; a cadeia senvolvimento Sustentável depende de
alimentar; os recursos hídricos; a energia; todos, o que pode significar que não de-
aspectos ligados aos processos de urbaniza- pende de ninguém;
ção; a extinção de espécies animais; o arma- b) O relatório também defende que é preci-
zenamento de armas; a proteção dos oceanos so atender as necessidades presentes sem
e do espaço. Em vistas do apresentado, os prejudicar o atendimento das necessida-
governos não poderiam mais ignorar os mui- des das gerações futuras. A questão que
tos perigos ecológicos que deveriam ser, se não se coloca é a respeito da maneira pela
eliminados, pelo menos controlados, através qual as necessidades serão identificadas
de uma legislação ambiental rigorosa. e quem estabelece quais são “básicas” e
Uma diferença básica no que se refere quais são “supérfluas”. Outra dificulda-
à discussão ambiental anterior e o tema a ser de é aquela ligada à impossibilidade con-
enfrentado pela Comissão Brundtland, foi o creta de definir as necessidades corren-
fato de que esta teve que considerar de ma- tes da humanidade, e muito mais aque-
neira conjunta o Meio Ambiente e o “desen- las das gerações futuras2;
volvimento”. Esse foi uma ponto crucial, c) A “atividade humana”, que, obviamente,
porque produziu uma ênfase nas maneiras tem efeitos sobre a biosfera, é citada, mas
pelas quais tanto as sociedades ricas quanto os prejuízos decorrentes do modelo in-
as pobres destruíram o meio ambiente, claro dustrial – ue são mostrados como sendo
que considerando sua diferentes razões. Isso o principal problema na maior seção do
também significou a reconciliação de dois relatório – não recebe nenhuma menção
conceitos opostos: de um lado, estava preci- neste ponto, como se a presença huma-
samente a atividade humana – especialmente na na terra não fosse condicionada pe-
aquela baseada no modo de produção indus- los modos de produção adotados.
trial, sinônimo de “desenvolvimento” – que d) Na visão da Comissão, “a pobreza não é
estava por trás da deterioração do meio am- mais inevitável”. Uma abordagem mais
biente; do outro lado, a concepção de que interessante seria uma que considerasse
era impossível não pensar na necessidade de os mecanismos pelas quais a pobreza tem
acelerar o desenvolvimento de povos que não sido socialmente construída nas últimas
tinham tido ainda acesso a condições decen- décadas no nível internacional. Sem dú-
tes de vida. vida isto levaria a denunciar os mecanis-
Para dar uma resposta que integrasse mos de exclusão praticados pelos moldes
esses dois pólos da questão, a Comissão pro- do crescimento econômico adotados;
pôs o modelo do Desenvolvimento Susten- e) “A Pobreza é um mal em si mesmo”. Em
tável. Embora parecesse ser um dos pontos um quadro de referência baseado em
centrais do relatório, sobre o qual se espera- uma dicotomia moral, o desenvolvimen-
va que fossem apresentadas propostas de to é visto como um bem nele mesmo.
operacionalização capazes de funcionar Outras leituras têm conduzido a conclu-
como um guia o mais claro possível para as sões diametralmente opostas, segundo as
políticas a serem adotadas pelos diversos quais, do ponto de vista da proteção do
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planetários, começou a emergir o debate so- ligadas à consideração dos aspectos da rela-
bre a crise ecológica mundial e um conjunto ções sociais tradicionalmente associados à
de políticas ambientais internacionalizadas, atividade de análise da interação social hu-
no âmbito das quais se destaca o modelo de mana7. Como dissemos, é como se a ascen-
Desenvolvimento Sustentável. são da importância de satisfazer as deman-
Para entender a plausibilização da dis- das do mercado em termos de produção in-
cussão ecológica como um problema mun- telectual produzisse o silêncio da teoria a
dial, com seus tons ao mesmo tempo catas- respeito de uma realidade sócio-econômica
tróficos e utópico-românticos, bem como das que demanda, talvez mais urgentemente do
propostas para o seu enfrentamento, é pre- que nunca, uma atividade capaz de desven-
ciso adicionar à descrição do cenário econô- dar os mecanismos de funcionamento e de
mico e político alguns dados referentes à estruturação dos arranjos sociais nos quais
prática dos cientistas. Lyotard (1982) já men- se inscrevem as relações sociais.
ciona, em seu relatório sobre o estado do Num momento histórico como esse, em
conhecimento científico no mundo, elabora- que as sociedades são marcadas pela
do no final da década de 70 do século pas- reflexividade8, a construção da idéia de uma
sado, o aprofundamento das relações entre situação limite do ecossistema mundial so-
a ciência e as demandas do mercado. É em mente tem sido possível graças ao forneci-
referência a essa descrição que podemos en- mento de uma base de caráter científico. A
tender como são mobilizados conceitos, teo- plausibilização da catástrofe ecológica imi-
rias e discursos de intelectuais no sentido de nente, mediatizada pelo aporte dos relatóri-
dar suporte a uma preocupação coletiva a os “científicos”, portanto, dá suporte à for-
respeito do meio ambiente, bem como à disse- mulação de duas estratégias, diferentes, mas
minação, em termos de mídia de massa, mas interrelacionadas, no sentido do enfrenta-
também no nível acadêmico, da alternativa mento da crise ambiental planetária: uma, a
do Desenvolvimento Sustentável. Divisão Ecológica Internacional9, que prevê,
Em termos da contribuição da ciência inclusive, um mapeamento mundial, em ter-
para a emergência da questão ecológica, cabe mos de recursos naturais, e uma conseqüen-
ressaltar uma marca fundamental, a saber, te atribuição de responsabilidades, no que
o resgate, no nível teórico/metodológico, dos se refere a uma divisão do “trabalho ecoló-
pressupostos do paradigma sistêmico. Estes gico” necessário ao equilíbrio do ecossistema
compõem a matriz principal da formulação da Terra entre as diversas áreas geo-políti-
do debate sobre a crise ecológica, desdobran- cas do planeta; a outra, o modelo de Desen-
do-se na noção de interdisciplinaridade, ser- volvimento Sustentável, que traz, como prin-
vindo de fundamento para a mobilização de cipal trunfo teórico, a proposta de que cres-
várias metáforas inclusivistas, utilizadas cimento econômico e a preservação dos
para a formulação de uma mística do pla- ecossistemas podem existir simultaneamente.
neta, descrito como, por exemplo, a “nave A Divisão Ecológica Internacional
Terra”. O sistemismo também fundamenta apresenta uma série de contradições, e inte-
a “invenção” de uma responsabilidade “de resses não confessados, que uma análise so-
todos” pelo enfrentamento dos problemas ciológica conseqüente pode facilmente detec-
atuais do ecossistema planetário e dos pre- tar. Essa proposta de divisão internacional
vistos para um futuro próximo, se não forem do “trabalho ecológico”, associa uma maior
tomadas as providências propostas e acorda- responsabilidade, na atuação no sentido da
das nos pactos ambientalistas internacionais. resolução da crise ambiental global, às áreas
Em termos de prática científica, parti- e países que consomem volumes menores e
cularmente no que se refere às ciências soci- também poluem menos do que aqueles que
ais, a intensificação das ligações entre pro- são os maiores consumidores de capital na-
dução intelectual e as demandas do merca- tural e mais poluentes10. O que observamos
do se reflete, basicamente, na redução é que essa Divisão Ecológica Internacional
progressiva do espaço da reflexão crítica, que (DEI) prevê, na prática, a manutenção dos
dá lugar à hipertrofia das categorias padrões de produção e de consumo
“limpas”6, nas quais se apagam as variáveis exercidos nos países capitalistas desenvolvi-
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dos, enquanto propõe, aos países pobres e da eficiência econômica, não sendo as
em Desenvolvimento, o modelo de Desen- mesmas avaliadas em termos das conse-
volvimento Sustentável, que implica, em qüências que têm sobre a vida de milhões
grande medida, na revisão dos modelos de de pessoas para as quais o meio ambien-
produção e de consumo de recursos naturais te é menos uma questão de qualidade de
nas áreas definidas como nichos ecológicos vida, do que de sobrevivência. Para as
mundiais11. populações pobres, as noções de conser-
Sendo a proposta da Divisão Ecológi- vação e proteção ambiental, completa-
ca Internacional uma formulação originada mente aceitáveis em países desenvolvi-
nos países do Norte, e estando o modelo de dos, são altamente contestáveis. Nossa
Desenvolvimento Sustentável a ela associa- análise da literatura sobre sustentabili-
do, não admira que seja construído no sen- dade e crise ecológica, mesmo a produ-
tido de garantir o privilegiamento dos inte- zida pelos cientistas sociais, tem revela-
resses desses países, em detrimento dos da- do que enquanto a pobreza e a degrada-
queles incluídos nas áreas das quais se exi- ção ambiental são amplamente relacio-
gem modificações mais significativas, no que nadas, o papel das políticas ambientalis-
se refere às estratégias e ritmos de apropria- tas para a construção do Desenvolvimen-
ção dos recursos naturais, necessários à ma- to Sustentável na diminuição do acesso
nutenção dos padrões de produção e consu- das populações pobres aos recursos na-
mo neles existentes. turais é muito raramente discutido.;
Essa proposta de Divisão Ecológica • O privilegiamento dos aspectos ligados ao
Internacional articula-se com o modelo de ecossistema, corresponde a dois elemen-
Desenvolvimento Sustentável, na medida em tos presentes na formulação original do
que este tem destinatários específicos, a sa- modelo e também recorrentes em grande
ber as áreas geográficas consideradas como parte da produção a respeito da crise eco-
reservatórios de biodiversidade e de recur- lógica mundial, a saber: o primeiro deles,
sos naturais não-renováveis, localizáveis a o biocentrismo, que produz o apagamen-
partir da nova cartografia mundial, formu- to das relações sociais e das preocupações
lada através dos critérios da distribuição dos a elas referentes; o segundo, a intenção
“trabalhos ecológicos” a serem desempenha- de formular, na verdade, uma política
dos no sentido de evitar – de acordo com os racional de gestão de recursos naturais em
formuladores das políticas ambientais inter- áreas consideradas ecologicamente privi-
nacionais – a exaustão iminente do ecossis- legiadas, visando, inclusive sua disponi-
tema do planeta. bilização para uso internacional, possibi-
Nossa análise da Divisão Ecológica litado, por sua vez, pela disponibilização
Internacional, bem como de muitas das ex- de estoques biogenéticos e de recursos não-
periências anunciadas como de construção renováveis para a compra e venda no
do Desenvolvimento Sustentável, apresenta- mercado de capitais naturais.
das, inclusive como exemplos para repli- Argumentamos, com Banerjee (2001),
cação, indicou algumas pontos principais que, a despeito de ser anunciado como uma
para eventuais questionamentos, que podem mudança de paradigma, o modelo do Desen-
ser, sinteticamente, assim apresentados: volvimento Sustentável baseia-se efetiva-
• Os eixos nos quais se baseia o conceito mente numa racionalidade econômica e não
de Desenvolvimento Sustentável não são ecológica. O discurso do Desenvolvimento
igualmente enfatizados nas experiênci- Sustentável reforça uma visão da natureza
as de implementação do modelo em vá- como apresentada pelo pensamento econô-
rias áreas do Brasil e especificamente na mico moderno, sendo uma das suas conse-
Amazônia brasileira. O que observamos qüências a transformação da “natureza” em
na análise de várias propostas atuais de “meio ambiente”, o que tem importantes im-
políticas ambientalistas, é a hipertrofia plicações sobre as noções de como o desen-
dos aspectos ligados à preservação volvimento deve ser promovido e realizado.
ambiental e a secundarização daqueles A gestão “racional” dos recursos, em-
ligados à produção da eqüidade social e butida nos documentos em que o discurso
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cificamente, da sociologia, que vai, então, as- vendo e disseminando o(s) modelo(s) de
sumindo um papel periférico nos processos. Desenvolvimento Sustentável, que passa a
O privilegiamento das variáveis ligadas ser tanto hiper-citado quanto transformado
ao mundo bio-químico-físico é, ele mesmo, um numa linha de pesquisa “quente”, principal-
resultado da maneira pela qual o debate sobre mente em termos de capacidade de capta-
a crise ambiental emerge historicamente. ção de recursos financeiros.
Como veremos posteriormente, as linhas ge- Uma outra tendência observada na
rais da discussão a respeito da problemática produção dos cientistas sociais sobre a ques-
ambiental são marcadas pela luta de interes- tão ambiental e especificamente sobre o De-
ses e pela intenção de proteger privilégios e senvolvimento Sustentável é o enfoque
determinadas maneiras de estruturação das micro-localizado. Muitas coletâneas lança-
relações de poder ao nível internacional, o que, das no Brasil, referentes ao estudo do mode-
ao nível da teoria, tem se traduzido na secun- lo de desenvolvimento acima citado e das
darização da reflexão a respeito das relações alternativas de enfrentamento da crise
sociais e dos modelos de sociedade nas quais ambiental, dedicam-se à apresentação de
as mesmas se estabelecem. É significativo o resultados de ações interventivas implemen-
abandono de categorias sociológicas clássicas tadas em pequenas comunidades rurais,
usadas pelo menos até o fim do terceiro quar- secundarizando a perspectiva macrossocial
tel do século XX. – o que resulta na desatenção dada a pro-
O problema aqui é justamente o assen- blemas que somente um visão mais
timento de antropólogos e sociólogos em totalizadora permite–, em favor da demons-
participar desses processos dessa maneira, tração dos resultados dos projetos locais es-
aceitando o papel de figuração no cenário pecíficos, em tentativas desesperadas de pro-
da discussão teórica e da implementação de var a efetividade da proposta, em termos da
propostas visando ao equacionamento do produção dos três eixos do conceito, quais
que se tem definido como o problema da sejam: o da eqüidade social; o do preserva-
exaustão dos recursos naturais no planeta, cionismo e o da eficiência econômica.
o que tem significado a perda do status das Vistas essas tendências do debate a
ciências sociais enquanto aquela que dá sen- respeito do Meio Ambiente em geral, e da
tido à história, a partir de uma prática ca- sustentabilidade especificamente, realizado
racterizada pelo seu caráter crítico. O que no âmbito das ciências sociais no Brasil, pro-
podemos encontrar como tendência da pro- pomos na próxima seção um conjunto de
dução dos cientistas sociais a respeito da crise pontos a serem considerados num projeto de
ambiental em geral e do Desenvolvimento construção de uma abordagem mais ade-
Sustentável é a aceitação acrítica do concei- quada às ciências da sociedade a respeito da
to – que tem, inclusive, criado as condições temática da Crise Ecológica em suas relações
para seu estabelecimento como um discurso com a questão do desenvolvimento.
único –, corroborada por toda uma política
de financiamentos executada pelos organis- Pontos sugeridos para uma agenda de
mos internacionais e ratificada na prolifera- pesquisa da sociologia e da ecologia
ção reflexiva de institutos, grupos de pesqui- política de questões ambientais
sa, cursos de pós-graduação e de órgãos go-
vernamentais dedicados ao estudo dessa No sentido da construção de uma
temática. abordagem mais genuinamente sociológica
Isso aponta para o surgimento e esta- da crise ambiental e do Desenvolvimento
belecimento de um conjunto de especialistas Sustentável, sugerimos algumas estratégias
no assunto, que vão, gradualmente, aban- fundamentais que precisam ser adotadas na
donando as questões ligadas aos conflitos de análise das temáticas mencionadas, e cujo
terra, à análise dos problemas causados pela negligenciamento tem determinado, inclusi-
estrutura agrária nacional, marcada pelas ve, uma contribuição tímida e pouco
distorções da preponderância de minifúndios preocupada com os aspectos estritamente
e latifúndios, dentre outros temas tradicio- sociológicos, a saber:
nais em termos de sociologia rural, promo- (1) Encarar o modelo do Desenvolvimento
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como um discurso com funções ideológi- mente respaldada num discurso científi-
cas, capaz de articular conceitos e sím- co de avaliação da iminente exaustão dos
bolos com o objetivo de mascarar o privi- recursos naturais e dos níveis de polui-
legiamento de interesses particulares a ção produzidos pelos modelos de produ-
partir de uma retórica marcada pelas ção e de consumo praticados mais inten-
metáforas da inclusão de todos; samente por países desenvolvidos capi-
(2) Analisar o modelo de Desenvolvimento talistas, estabelece uma relação inversa
Sustentável como uma proposta de ges- entre a responsabilização pela produção
tão racional dos recursos hídricos, que da crise e a responsabilidade de pagar
implica numa abordagem que permita a por ela, contribuindo para sua solução;
visualização clara dos grupos em favor (8) Discutir a intocabilidade dos modelos de
dos quais um determinado modelo de produção e de consumo praticados nos
acessibilidade e de uso dos mesmos re- países do Norte, aliada à proposta de in-
cursos funciona; tervenção e de conservadorismo, feita às
(3) Focalizar as contradições dos modelos de regiões eleitas como significativas para a
“participação” propostos nos projetos de preservação do planeta.
intervenção localizada com o objetivo da
produção da sustentabilidade; Especificamente em relação à ecologia
(4) Estudar a articulação entre os interesses política dos Recursos Hídricos
locais e os dos países e grupos financia-
dores dos projetos, que inclui, inclusive A reflexão inspirada nas contribuições
a necessidade de analisar a constituição teóricas da análise sociológica e da Ecologia
de uma rede de projetos e de ações que Política sobre as questões ambientais referi-
desmobilizam uma fala da comunidade das especificamente ao campo dos recursos
local – inclusive através de ONGs apa- hídricos precisa focalizar o que chamarei
rentemente “populares” –, dificultando aqui do irresistível encanto das micro-ações e
a articulação e a interlocução da socie- da participação popular. Assim como em ou-
dade civil com o Estado, dificultando o tros setores, os discursos de sustentabilidade
levantamento da discussão dos proble- ambiental hídrica mobilizam símbolos e ima-
mas sociais e a adoção de estratégias po- ginários referidos ao micro-espaço, sendo de
líticas de defesa dos interesses das popu- fundamental importância pesquisar as trans-
lações locais; formações no cenários, nos atores, nas ações
(5) Abordar os eventuais efeitos do discurso relativas ao enfrentamento de problemas
que defende o globalismo ecológico, ou relativos ao acesso e uso de água nas socie-
da constituição da crise ambiental en- dades contemporâneas.
quanto um fenômeno planetário, em ter- Questões importantes a serem enfren-
mos da construção da licença política tadas podem ser, dentre outras, as que apon-
para a intervenção de países capitalistas tamos a seguir:
desenvolvidos em áreas internas de paí- • Como é possível a atual configuração das
ses subdesenvolvidos e “em desenvolvi- políticas para o enfrentamento de questões
mento”, desde que classificadas como ligadas ao abastecimento de água?
patrimônio mundial, devido à atribuição • Quais os significados ideológicos da Pro-
que lhes é feita de uma papel significati- posta de Gestão Racional de Recursos
vo na “salvação do planeta”; Hídricos, atualmente em discussão em
(6) Focalizar a questão dos interesses relacio- muitos países?
nados com a biodiversidade de áreas • Como se dá a evolução das políticas públi-
como a da Amazônia, que envolve a ava- cas, da ação coletiva e dos atores envolvi-
liação dos interesses econômicos interna- dos nas ações de enfrentamento das ques-
cionais embutidos no discurso da tões relativas à escassez de água?
“ecologização” da região; • De que maneira elementos relacionados à
(7) Trabalhar para tornar explícita a in- construção histórica das políticas públicas
coerência de uma Divisão Ecológica e da ação coletiva relacionadas com o
Internacional 18 que, embora aparente- enfrentamento da escassez de água – tais
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Revista Internacional de Desenvolvimento Local. V. 8, N. 1, Mar. 2007.
Ecologia política da construção da crise ambiental global e do modelo do 23
desenvolvimento sustentável
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. V. 8, N. 1, Mar. 2007.
24 Lemuel Dourado Guerra; Deolinda de Sousa Ramalho; Jairo Bezerra Silva;
Cláudio Ruy Portela de Vasconcelos
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. V. 8, N. 1, Mar. 2007.
Ecologia política da construção da crise ambiental global e do modelo do 25
desenvolvimento sustentável
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. V. 8, N. 1, Mar. 2007.