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Considerações iniciais
Neste capítulo, temos por objetivo discutir o processo de escrita e reescrita que deve
orientar a produção textual no ensino médio, ressaltando a importância de aspectos
teóricos na proposição de metodologias que permitam ao professor trabalhar com esta
questão de forma a priorizar a coerência estabelecida pelo aluno para a redação de
textos críticos e completos.
O estudo tem origem em um problema que tem se agravado nos últimos anos: o
estudante do ensino médio ainda tem extrema dificuldade para escrever e, então, na
maioria das vezes, ele reproduz, em sua escrita, frases, clichês ou trechos de textos
lidos, escrevendo um texto que não revela um fio condutor orientador de sua escrita.
Segundo nossa análise, a causa deste problema reside na ausência de um trabalho que
oportunize, ao estudante/escritor, vivenciar a escrita e a reescrita de seu texto.
1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Universidade Cruzeiro do Sul.
Pensando em facilitar a compreensão dos princípios teóricos aqui discutidos e,
principalmente, de como eles podem contribuir para que o professor avance em suas
práticas pedagógicas, organizamos este capítulo em duas partes: na primeira,
discutimos aspectos teóricos que possam fundamentar o tratamento da escrita/reescrita
no ensino; na segunda, com base nos aspectos teóricos discutidos, apresentamos uma
sugestão para o trabalho em sala de aula, trazendo um exemplo de reescrita orientada
pelo processo de retextualização.
Aspectos teóricos:
Sobre a retextualização
Os estudos teóricos sobre retextualização - termo introduzido por Travaglia (2003
[1992]), na área da Tradução, - têm em Marcuschi (1993) uma referência fundamental,
e ainda que o autor tenha, em seus estudos, visado à relação entre as modalidades oral e
escrita da língua, detendo-se na retextualização da fala para a escrita, adotamos seus
fundamentos, pois acreditamos que as operações por ele propostas podem ser
empregadas na retextualização da escrita para a escrita, como veremos a seguir,
relacionando-as aos princípios da coerência textual e à referenciação.
Pensar essas estratégias é pensar um trabalho que contemple a leitura que integra texto
e contexto; é, também, pensar um trabalho que contemple a escrita que ultrapassa o
nível da reprodução do “já lido”.
Quaisquer estratégias que possamos pensar para realizar uma leitura focada na
construção de sentidos nos remete, seguramente, à interação entre leitor e texto,
orientada pela relação que este estabelece entre texto e contexto.
Trata-se de um processo complexo, que exige um leitor atento a algumas condições que
garantem a compreensão. Essas condições foram assim definidas por Marcuschi (1988,
p. 51):
Se refletirmos sobre essas condições propostas por Marcuschi, podemos ressaltar que o
leitor que realiza a compreensão do(s) texto(s) lido(s) a partir desse conjunto de
atividades interativas e cognitivas, ao cumprir as operações de inferência, inversão e
eliminação, prepara-se para escrever seu texto de acordo com a linha de coerência
traçada pela leitura que faz do tema proposto.
Estratégias para a escrita
Dentre as escolhas que pode fazer para desenvolver o processo de referenciação de seu
texto com criatividade e criticidade, há que se destacar a possibilidade de uso de
anáforas indiretas que, por meio da ativação de referentes novos no texto, possibilitam a
expansão de um texto criativo e inovador.
As anáforas indiretas, segundo Marcuschi (2005) não estão, como sempre estiveram,
restritas ao campo dos pronomes e da referência em sentido restrito, deixando, pois, de
ser apenas repetição de uma expressão ou sintagma, para constituir-se, no texto, em
expressões que se reportam a outras expressões, enunciados, conteúdos ou contextos
textuais, contribuindo, assim, para a continuidade tópica referencial.
Esta reflexão nos permite apresentar uma sugestão para o trabalho em sala de aula,
focada no processo de retextualização, que, ao ser subsidiada pelos princípios teóricos
aqui discutidos, possibilita ao professor trabalhar a escrita no ensino médio como um
processo de auto-aprendizagem contínua, em que as etapas se complementam.
Esta sugestão contempla a realização de quatro etapas de trabalho e, para facilitar sua
compreensão, arrolaremos dois textos (a) e (b), respectivamente, de escrita e de reescrita
orientada pelo processo de retextualização. Indicamos como (a) uma redação escrita por
estudante concluinte do ensino fundamental, para o exame do SARESP, que obteve
conceito 1 (Insuficiente) nos três critérios adotados pelo referido sistema de avaliação:
tema, gênero e coerência; e como (b) uma reescrita da mesma redação feita por um
estudante do primeiro ano do ensino médio, realizada após trabalho do professor
orientado pelo processo de retextualização e pelas estratégias dele decorrentes, aqui
discutidos2.
2
Ambos os textos compõem corpus de pesquisa em desenvolvimento pelo Núcleo Extensionista Ensino
de Língua Portuguesa, do Instituto de Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae IP-PUCSP.
- discute a existência da justaposição de frases e a transposição de clichês ou de
trechos de textos lidos.
Após concluir a escrita de seu texto, o estudante é orientado, ainda, a ler o novo texto,
analisando se a retextualização solucionou os problemas do texto (a)3.
3
Por motivo de delimitação, não discutimos nesta proposta aspectos relativos às auto-correções
gramaticais.
Redação (a)
Redação (b)
Comparando as redações (a) e (b), observamos que a redação (a) não revela um fio
condutor em seu desenvolvimento; nela, há apenas a justaposição de algumas ideias
que não se relacionam entre si, comprometendo a expansão adequada do texto. Já a
redação (b) revela um fio condutor e, em seu desenvolvimento, coerência entre o título
e as ideias indicadas na introdução, por meio de um processo de referenciação que vai
além de nominalizações ou pronominalizações, uma vez que revela o uso de outros
elementos ou expressões linguísticas, para referir-se à “escola boa”.
Considerações Finais
Poder trabalhar as aulas de redação no ensino médio por meio da escrita e da reescrita
de textos, levando em conta o processo de retextualização, abre perspectivas para
integrar as atividades de leitura e escrita e propiciar ao estudante a auto-aprendizagem:
ele lê, escreve, reflete, analisa e reescreve seu texto, em atividades integradas.
Nestas considerações finais, queremos destacar que, quaisquer práticas pensadas para
aulas de redação devem pressupor um embasamento teórico que permita ao professor
libertar-se de modelos pré-estabelecidos e construir, para cada situação, estratégias que
estejam em consonância com procedimentos metodológicos adequados.
Podemos concluir este capítulo, ressaltando, por fim, a importância de o professor, para
o desenvolvimento de suas aulas de redação, buscar estratégias fundamentadas em
princípios teóricos que lhe permitam ver o texto como fenômeno sócio-cognitivo-
interacional, e tratá-lo, sempre, no contexto de interesse do estudante, por meio de
atividades práticas que dispensam, para este último, a abordagem teórica.
Referências