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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE INTERDISCIPLINAR DE HUMANIDADES


CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS
LITERATURA AFRICANA
DOCENTE: Gustavo Henrique Rückert
DISCENTE: Marcos Vinícius Silva

A importância da trajetória heroica no romance “A vida verdadeira de


Domingos Xavier” , para a criação da identidade angolana.

Neste ensaio, a análise de elementos presentes no romance “A vida verdadeira de


Domingos Xavier” do escritor angolano Luandino Vieira, expõe a relação existente entre a
criação de uma identidade angolana e o sequestro e morte do protagonista. A partir da
história de Domingos Xavier, um tractorista que tem dois companheiros colegas de profissão
(Silvestre o engenheiro branco e Sousinha o também tractorista preto) que chama de
“manos”, Luandino Vieira denuncia a forma com que o povo de Angola era coisificado pelos
brancos colonizadores, e de forma poética direciona a obra á um viés de resistência pautado
no estabelecimento de uma identidade nacional angolana , na valorizaçao da cultura e dos
costumes dos musseques.

Por ter sido reconhecida como a marca da resistência no período de luta contra o
poder colonizador em Angola, a literatura desenvolveu um importantíssimo papel na
construção de uma identidade angolana. No romance Luandino Vieira conta a história o
protagonista Domingos Xavier que era um tractorista morador de um musseque, que assim
como qualquer outro angolano da época, convivia com o iminente risco de ser sequestrado e
morto pelos agentes da PIDE (Polícia internacional de defesa do estado) caso fizesse
oposição às forças do domínio colonizador.
Do mesmo modo a obra é pautada na representação de fatos que exprimem o
silenciamento do povo angolano. No romance, a forma com que os personagens discutem
sobre o sumiço de um conhecido no começo do texto, trazem à tona a insatisfação dos
personagens com administração branca e colonizadora, evidenciando na narrativa a
necessidade da valorização da vida e dos costumes angolanos.
Eu sei você conheces bem Silvestre. Esse engenheiro te dá muita confiança,
eu te posso contar. Onde ele vai, eu vou também. Onde ele vai, arranja
sempre lugar para mim. Ele diz eu sou bom tractorista. Cheguei nesta hora,
me puseram logo no turno da noite. Um mês o turno não andou para mim, os
brancos só que faziam turno de dia, eu e o Carlitos, nada! (VIEIRA, 1979, 23
e 24)
Por outro lado, o personagem Domingos Xavier tinha como companheiro o
engenheiro Silvestre, que, apesar de branco e possuir maior posição hierárquica, também era
Angolano. A forma com que Domingos descreve o engenheiro, explicita um sentimento de
afeição ao companheiro, desta forma, percebe-se que o protagonista só admirava Silvestre
porque ele não compartilhava dos hábitos de seus semelhantes brancos. A fala do personagem
confirma esta percepção.
Não é daqueles brancos que te faz bem para você gostar dele, para ficar
satisfeito porque o coração dele manda. Não! Esses eu conheço bem
mano Sousa! Esses eu conheço muito bem... Se você conhece um dia
nao comprimenta de tirar o chapéu, dizem logo és um ingrato, todos os
negros são assim, acabam te mandando no porto. Este não! Amigo
Sousa! Este, quem manda é a cabeça dele...(Vieira, 1979, -.22)

Dessa forma, a conduta diferenciada e as falas de Silvestre para Domingos, serviram


como precursores para a elucidação da necessidade do estabelecimento de uma identidade
nacional angolana no romance, uma vez que ao dizer “Sabe, Domingos também sou
angolano”, (VIEIRA, 1979, -24), o personagem Silvestre cria a possibilidade de que ambos
possam lutar contra o colonialismo, independente da cor, já que também nasciam/nascem
brancos angolanos. Sendo assim, simbioticamente conectava os dois ao mesmo sentimento de
angolanidade. Deste modo o companheiro desconstrói o pensamento de Domingos Xavier os
colocando no mesmo patamar. A passagem a seguir reforça este argumento.
Domingos, você é um bom homem, um bom angolano. Palavra, mano Sousa,
palavra! Meu coração ficou pequenino, pequenino com essa palavra! Nunca
tinha-lhe ouvido falar assim na boca dum branco. Depois, já estava ir embora,
me disse baixinho: sabe, Domingos tamém sou angolano. Estuda! Se você
pode, estuda. Você vai ser um grande engenheiro. E saiu com depressa,
aquele jeito dele. Não posso esquecer mano Sousa, não posso! (VIEIRA,
1979, -24, 25)

Logo depois que foi violentamente capturado e morto, Domingos Xavier se torna
símbolo da luta contra as forças colonizadoras, pois todos de Angola acreditam que a
liberdade vem através da resistência. No romance “A vida verdadeira de Domingos Xavier”
Luandino Vieira descreve uma situação que poderia acontecer a qualquer cidadão Angolano
daquela época que se opusesse ao regime colonizador. Na obra a presença das escolas e
clubes também servem como objetos de afirmação da identidade, propondo ao angolano
novas formas de lutar contra o sistema colonial, e a cultivar suas manifestações culturais e
preservar suas tradições.
Junto ao fato de que toda revolução precisa de um herói, é importante ressaltar que, a
forma com que Luandino usa de elementos da natureza para ilustrar o sofrimento de
Domingos que estava em cárcere, intensifica a presença da necessidade do estabelecimento
de uma identidade nacional angolana, uma vez que associa os sentimentos do personagem as
águas do Kwanza. No trecho abaixo podemos ver essa associação.
Mas o sono era como o KWANZA, nada lhe resistia. Deitado, se
deixou boiar no seu rio de criança, do planalto, que lhe tinha visto
nascer.(VIEIRA, 1979, -28)

Simultaneamente alinhados ao conteúdo do romance, é importante ressaltar a relação


da obra com a Revolução Angola, uma vez que o autor esteve presente nos movimentos de
libertação que queriam a independência. É imprescindível o fato de que a trajetória de
Luandino Vieira esteja presente na obra. Em sua monografia Luciane Oliveira Ribeiro
constatou que em “A vida verdadeira de Domingos Xavier”, o autor traz um “narrador
onisciente-intruso, por assim dizer, esse narrador não é um narrador onisciente tradicional,
aquele que está distanciado dos fatos apesar de ter conhecimento absoluto deles. Por isso, ele
pode ser considerado um ilusionista, pois é um narrador que se apresenta a priori em
distanciamento, mas ele comporta-se na realidade, mudando a perspectiva narrativa como um
narrador em primeira pessoa, homodiegético, totalmente comprometido com os fatos
narrados, é um cúmplice” (Ribeiro, 2011, -17)

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