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Antes de mais, cabe ter uma noção do que se trata a discricionariedade, sendo esta considerada
como a margem de liberdade para decidir entre atuar ou não e, se enveredarmos pelo caminho da
atuação, esta terá de ser baseada numa conduta mais profunda perante cada circunstância
concreta. Ou seja, a discricionariedade é uma margem de autonomia, um espaço de juridicidade
criado pelo legislador para que a Administração exerça a sua atividade através da realização de
ponderações próprias.
De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA, sendo a função administrativa uma função
secundária do Estado, o que se traduz na sua subordinação ao princípio da legalidade, não cabe à
Administração qualquer papel na escolha concreta dos interesses públicos a prosseguir; aquela
está antes vinculada a prosseguir o interesse público tal como primariamente definido pela
Constituição e o objeto de concretização pela lei; isto através da identificação dos contornos das
necessidades coletivas a satisfazer, da decisão da sua satisfação por processos coletivos e da
definição dos termos mediante os quais tal satisfação deve processar-se.
Assim, o princípio da prossecução do interesse público constitui então um dos mais importantes
limites da margem de livre decisão administrativa, assumindo um duplo alcance.
Já segundo VIEIRA DE ANDRADE, os interesses públicos são valores que justificam e dão
fundamento à atividade da Administração Pública, adaptando os fins às tarefas que lhe cabe
realizar na divisão constitucional dos poderes; eles dependem da matriz pública de cada governo.
A Administração Pública está habilitada a desenvolver as suas atividades nas diversas áreas da
vida social, tendo como finalidade a pacificação das necessidades coletivas eleitas como tarefa
de gestão dos meios institucionais, humanos e materiais adequados à prossecução do objetivo.
Não merecem ser considerados conceitos jurídicos indeterminados todos aqueles conceitos cujo
a natureza vaga ou imprecisa suscite ao intérprete uma dificuldade de entendimento ou de
aplicação (SÉRVULO CORREIA). Na verdade, se é só uma questão de entendimento, ela
resolve-se através da interpretação.
Por outro lado, o Prof. GOMES CANOTILHO reconhece que a tese da imprecisão de conceitos
indeterminados não deriva apenas dos enunciados linguísticos, mas também de indeterminações
fácticas subjacentes à norma. Tal como afirma o Autor, quando estes dois tipos de
indeterminações se juntam, estar-se-á perante aquilo que se chama “conceitos indeterminados de
prognose” (conceitos que apenas podem ser concretizados com base numa prerrogativa de
avaliação). Isto porque a incerteza das situações futuras e a especificidade das regras de
experiência a que deve recorrer o órgão que decide para formular o ato administrativo
correspondente, não se interligam com o panorama típico do dito poder vinculado; antes
pressupõem a realização de juízos de prognosis que conferem substrato a um espaço de livre
apreciação da Administração.
A norma jurídica
Para o Prof. SÉRVULO CORREIA, desde que não se ultrapasse os limites que a lei levanta, o
particular escolhe com inteira liberdade os pressupostos e o conteúdo das suas condutas.
Percebe-se, então, que a discricionariedade é uma delegação do legislador ao Executivo, sendo
este apenas competente para executar a sua vontade
De acordo com o Prof. SÉRVULO CORREIA, sendo que essa discricionariedade é limitada, ela
só existe nos espaços deixados pela ausência de normas injuntivas: caso o procedimento não
esteja predeterminado legalmente, a Administração tem poder para criar situações jurídicas
subjetivas e passivas para os particulares na relação jurídica procedimental, tendo por objeto atos
e formalidades procedimentais.
O próprio art 267º/5 da CRP impõe a existência de normas procedimentais para a globalidade do
exercício da função administrativa, tendo em conta a criação de normas que assegurem a
racionalização dos meios e garantam a participação dos cidadãos na formação de decisões que
lhes disserem respeito (DAVID DUARTE).
Assim, o responsável pelo procedimento deverá escolher soluções que se mostrem adequadas
pela sua funcionalidade relativamente aos interesses públicos da participação, eficiência, da
economicidade e da celeridade. Contudo, o art 56º CPA exige que, na estruturação discricionária
do procedimento, se respeitem os princípios gerais da atividade administrativa.
Quanto ao atual art 8º do CPA: corresponde ao antigo artigo 6º, que consagrava apenas o
princípio da justiça, complementando com o art 266º/2 da CRP e relacionando com o princípio
da imparcialidade (enunciado agora no art 9º, sendo que ainda lhe foi dada uma secção no novo
CPA, “as garantias de imparcialidade” (69º e ss)). Exposto agora de outra perspetiva, este art 8º
apresenta-nos o princípio da justiça mais fortalecido; expõe a ideia de razoabilidade (que,
segundo o Prof. FAUSTO QUADROS, constitui mais uma forma de proporcionalidade) e a ideia
de juridicidade, sob a forma de compatibilidade com a ideia de “Direito”.
A justiça, prevista na Constituição (266º/2), é um valor a ter em conta pela Administração, com
autonomia em relação ao valor da legalidade; compreendemos, então, que ambos venham
expostos como princípios autónomos nos arts 3º e 8º do novo CPA e, consequentemente,
entende-se, e exige-se, que as decisões da Administração sejam em separado, contudo,
simultaneamente “legais e justas”.
Muitos entendem que este princípio da razoabilidade se trata de um limite expresso ao exercício
do poder discricionário. Então, a questão que a Prof. SUZANA TAVARES SILVA levanta é se
estamos perante um novo limite ou apenas perante a explicitação textual de um limite já
existente; a qual ela nos responde que se trata de um novo limite ao exercício do poder
discricionário, especialmente vocacionado para a atividade administrativa de implementação de
políticas públicas (função esta que vem suscitando novos problemas e desafios em matéria de
separação de poderes). Isto porque hoje persistem manifestações de perda de racionalidade
sistémica fundada na lei, em razão de fenómenos como a europeização ou a globalização dessas
políticas, que geram inúmeros casos de discriminações involuntárias (por exemplo: proibição de
automóveis mais antigos nos centros das cidades, cuja obrigação decorre de cumprir metas
europeias em matéria de ambiente e que acabam por prejudicar a população com menor poder de
compra limitando o seu direito de circulação …).
Ponto fulcral, então, será saber se, em sede de controlo judicial de todas as possíveis medidas
implementáveis, o tribunal há-de socorrer-se do princípio da proporcionalidade e, assim, avaliar
em função do critério de adequação, necessidade e justa medida, ou se há-de limitar-se a um
controlo de mera razoabilidade, para não frustrar nem interferir com a prossecução das políticas
públicas pela Administração. Tal como a Prof. SUZANA TAVARES SILVA defende,
seguiremos o segundo caminho, razão pela qual se entende que se tenha acrescentado ao novo
CPA um novo reconhecimento de autonomia.
Bibliografia: