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As Dissemelhanças entre o Poder Teocrático Egípcio e Mesopotâmico

Fabio Alberto de Matos1

O Egito e a Mesopotâmia foram os precursores em questão de sociedades complexas e


formas de poderes teocráticos, algo que correu de maneira singular em ambos os territórios,
por suas circunstâncias variáveis de terrenos, povos e culturas. Neste trabalho iremos
discorrer, em caráter conciso, sobre a trajetória lógica de cada uma, bem como sobre suas
origens, meios e fins de unir o governo ao sagrado.

Em torno dos anos 12.000 A.E.C., o aspecto geoclimático do norte da África era
próximo ao atual. Este processo de desertificação nessa área, fez com que muitos povos se
congregassem à beira das águas. Isso se deu de forma oposta na Mesopotâmia, entre os rios
Tigre2 e Eufrates3 em comparação ao Egito, ao redor do rio Nilo 4. Mesmo assim, seus motivos
eram símeis: a busca por alimentos, abrigos e meios de produção.

A povoação do Egito Antigo ocorreu de maneira gradual, grupos seminômades


começaram a unir-se em volta das margens do Nilo, esses povos sobreviviam praticando a
caça, a pesca e a coleta de frutos e cereais nativos dessa região. Com o passar do tempo, eles
vão transformando os cereais nativos em “artificiais” germinando-os em lavouras previamente
preparadas, mediante as adaptações tecnológicas na exploração das enchentes, permitindo,
pela primeira vez na história, um nível de produção excedente constante, para além do que é
necessário à vida cotidiana. Esse acúmulo de fabricação e produto, permite com que nem
todos os indivíduos precisem trabalhar nas lavouras, com isso em vista, temos esse povo,
agora unificado, e sedentário, compondo a sociedade entre a elite e a classe trabalhadora.

A princípio, as regulações das águas se davam através do sagrado, os sacerdotes – ou


profetas – recebiam as mensagens cósmicas e faziam o Nilo seguir ao seu fluxo normal,
mantendo as enchentes nos níveis possíveis para o plantio. Se falhassem, os sacerdotes seriam
jogados ao rio, mas era uma função tão importante quanto a dos trabalhadores normais, pois o

1
Estudante do curso Bacharelado em História na Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Sob o nº de
matrícula: 138972.
2
Tendo como nome original: Tígris (do árabe, Dijla), tem entre de 1.900 e 1.850 km de extensão, ele passa entre
o território da Turquia e do Iraque, está localizado a leste do rio Eufrates, formando a Mesopotâmia.
3
O rio Eufrates é o mais longo rio da Ásia Ocidental, tendo 2.800 km de curso d’água, flui entre a Síria e o
Iraque.
4
O Nilo é o rio com maior extensão no mundo, com 6650 km de extensão, se localiza no nordeste da África e
nasce ao sul da linha do Equador, sua foz chega ao mar Mediterrâneo.
medo do desconhecido precisava ser apaziguado, para que a sociedade conseguisse construir
uma vida pacífica. Tornando-os seres diferentes dos demais, a partir de um processo cultural,
pois faziam um trabalho ímpar nesse coletivo. Dessa forma, essa classe social ascende,
criando para si um lugar específico de controle das abundâncias, estabelecendo-se e
perpetuando-se, de maneira legítima, no controle da sociedade mediante o sagrado. Esse
trabalho religioso, juntamente com a produção regular excedente, permite com que o poder
teocrático se torne a maior forma de autoridade, pois, nessa época, governo nenhum se
sustentaria sem um vínculo com o místico, porque, para eles, a própria vida se torna possível
– apenas – através do divino.

Com o decorrer dos anos, após o momento de unificação, vemos que o Faraó não era
compreendido simplesmente como um líder, ou um regente, ele estava além disso, sua figura
representava a divindade, e a própria possibilidade de existência humana na terra, pois ela era
dada aos homens pelos deuses, para que ele, a frente dos seres mortais, governasse, sendo o
único capaz de levar adiante os desígnios do sagrado no plano terreno. Mediada pelos
sacerdotes, que compunham a elite nessa sociedade, a escrita e a mumificação foram armas
poderosas de concretização e manuseio da fé, pois eram manifestações físicas da crença
espiritual dos homens, consolidando ainda mais essa forma de pensar. Sendo assim, a cada
novo reinado do Faraó, iniciava-se novamente o “ano um”, inaugurando, mais uma vez, o
mundo, como um próprio “homem-deus”.

Em contrapartida, o poder na Mesopotâmia se dava de forma díspar, apesar de ser,


também, uma forma de governar com princípios sagrados. O início de seu povo se teve entre
as margens do rio Tigre e Eufrates, menores que o Nilo, portanto, mais violentos. As
enchentes de ambos quase se encostavam, mas, durante esse evento, ocasionavam o
espalhamento de terras aráveis, fertilizando a terra com a água da chuva e viabilizando a
execução das plantações que lá surgiram. Essa agricultura acabou possibilitando o
estabelecimento de centros “urbanos”, com uma complexa classe social, a partir, também, das
ondas de migração, pois, seu terreno é composto por planícies, e extremamente aberto em
comparação ao Egito, que tem a sua única entrada via terrestre pelo Sinai.

Os povos mesopotâmicos são compostos por diversas etnias heterogênicas, com


aldeias isoladas umas das outras, sendo pontos de encontros comerciais. Eram comunidades
devotadas aos deuses, que, para não haver guerra durante seus comércios, utilizavam-se de
um grupo de homens para defender esses locais em nome do sagrado, e, devotos aos totens,
que representavam animais com características que aquela aldeia gostaria de possuir. Estes
homens ficaram conhecidos como Sumérios, passando, inúmeros anos antes da escrita, de um
centro comercial, para cidades construtoras de canais nos rios. Sua agricultura se expande,
dividida entre o grupo que trabalha, formado por aldeões e camponeses, e pelo grupo que
administra, composto por sacerdotes e aristocratas que acessavam a divindade, mediando,
entre os deuses e os humanos, regras e acordos, permitindo a pacificação desses locais.

Conforme as invasões ocorriam, as cidades foram se unificando, para poder resistir e


manter alimentos para o seu meio, dessa forma, criou-se a necessidade de um rei guerreiro,
aquele que, através do sagrado, fortalece-se para proteger a sociedade. À medida que vence
batalhas e conquista cidades, seu deus ganha força no meio social, demonstrando que o líder
foi escolhido por ele. Assim surge, Hammurabi, rei descendente dos povos amoritas, seu
reinado se deu na Babilônia (e muitos outros locais de sua conquista), onde ele, através do
recebimento do sagrado, (e junto dos sacerdotes), legislou leis para o cotidiano da sociedade,
sendo uma forma de pacificação em uma época de constantes guerras. Estas leis ficaram
conhecidas como “O Código de Hammurabi”, foram talhadas no idioma cuneiforme, em
pedras negras, – diferentemente das faraônicas, que eram gravadas em hieróglifo no barro
endurecido – e colocadas em encruzilhadas, para espalhar a palavra do deus do monarca.

O imperador governava junto dos sacerdotes, que o legitimavam, pois, também tinham
contato com o sagrado, e, como consequência disso, – semelhante ao Egito – compunham
parte da elite nessa sociedade. Mesmo assim, o líder supremo, ainda estava um palmo acima
dos homens, recebia tributos das burguesias de cidades conquistadas através da derrota
militar. Juntamente com as alianças (opostamente ao Faraó), fazendo com que o comércio
mesopotâmico tivesse um grande fluxo com outros locais. O pós-morte nessa cultura era visto
como algo banal e sem valor, diferentemente dos egípcios, que o cultuavam a ponto de gravar
inúmeras escrituras sobre, posto que, a morte era uma abertura para outra vida deveras
desejada.

Tanto no Egito, quanto na Mesopotâmia, tinham suas bases de governo ancoradas no


sagrado, juntamente da necessidade dos povos, que, ou precisavam de proteção contra os
perigos da época, ou mediações contra enchentes. Apesar disso, suas figuras de poder maior
se distinguem de diversas formas, o rei mesopotâmico é um guerreiro que faz a mediação
entre cosmo e a matéria, de maneira oposta ao Faraó, que é a própria figura de deus na terra,
não sendo escolhido como um líder por vencer combates e provar o poder de seu deus
(militar), e sim por ser colocado na terra por ele, para cumprir a missão sagrada de guiar a
humanidade. Ambos os governos se utilizaram do santificado como uma forma de controle,
ou controlaram como uma forma de santificar (e pacificar), pois, apenas um poder – e
pensamento – teocrático governaria uma sociedade naquela época.

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