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XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020

XLIV ENCONTRO
Evento on-line - 14 a DA ANPAD
16 de outubro - EnANPAD
de 2020 - 2177-2576 versão2020
online
Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020
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(Re)Pensando a participação e o seu papel na reconstrução da democracia à luz do


pragmatismo: um estudo junto ao Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis

Autoria
Cíntia Moura Mendonça - cintiamouramendonca@gmail.com
Autônoma/Autônoma

André Augusto Manoel - manoel130596@gmail.com


Prog de Pós-Grad Acadêmico em Administração/ Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas/ESAG/UDESC
- Universidade do Estado de Santa Catarina

Maria Carolina Martinez Andion - andion.esag@gmail.com


Prog de Pós-Grad em Admin/Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas - PPGA/ESAG/UDESC -
Universidade do Estado de Santa Catarina

Agradecimentos
Os autores agradecem à FAPESC e ao CNPQ pelo financiamento à pesquisa e a UDESC
pelas bolsas atribuídas aos pesquisadores que realizaram esse estudo.

Resumo
Este trabalho busca compreender a experiência do Fórum de Políticas Públicas de
Florianópolis (FPPF) enquanto lócus de ?experimentação democrática? para entender os
processos de participação e de aprendizagem coletiva produzidos e sua e incidência junto as
políticas públicas no município. Para tanto, o enfoque teórico analítico utilizado baseia-se
nos debates contemporâneos sobre a ação coletiva da sociedade civil, especialmente nos
campos da sociologia dos problemas públicos e da sociologia das transformações. Do ponto
de vista científico o trabalho pretendeu avançar na discussão sobre os desafios da
experimentação democrática e da participação no âmbito das políticas públicas municipais.
Já em termos práticos e empíricos, o trabalho permitiu retraçar a rede do FPPF e sua
trajetória, gerando reflexões e aprendizagens junto e com os atores que dele fazem parte, o
que também pode inspirar outras experiências no Brasil no mesmo formato.
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(Re)Pensando a participação e o seu papel na reconstrução da democracia à luz do


pragmatismo: um estudo junto ao Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis

Este trabalho busca compreender a experiência do Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis (FPPF) enquanto
lócus de “experimentação democrática” para entender os processos de participação e de aprendizagem coletiva
produzidos e sua e incidência junto as políticas públicas no município. Para tanto, o enfoque teórico analítico
utilizado baseia-se nos debates contemporâneos sobre a ação coletiva da sociedade civil, especialmente nos
campos da sociologia dos problemas públicos e da sociologia das transformações. Do ponto de vista científico o
trabalho pretendeu avançar na discussão sobre os desafios da experimentação democrática e da participação no
âmbito das políticas públicas municipais. Já em termos práticos e empíricos, o trabalho permitiu retraçar a rede do
FPPF e sua trajetória, gerando reflexões e aprendizagens junto e com os atores que dele fazem parte, o que também
pode inspirar outras experiências no Brasil no mesmo formato.

Palavras-chave: Experimentação Democrática. Participação. Políticas Públicas. Democracia. Fórum de Políticas


Públicas de Florianópolis.

INTRODUÇÃO
No Brasil, o processo de participação da sociedade civil junto às políticas e às esferas
públicas materializada pela sua influência nos processos decisórios junto ao Estado, não se dá
de forma linear, mas sim, permeada por avanços e retrocessos (DAGNINO, 2002). Essas
relações entre sociedade civil e Estado – enquanto meio de fortalecimento da democracia em
suas diferentes formas – desperta interesse entre estudiosos a partir da década de 1980, com a
redemocratização, resultando em uma série de estudos sobre Estado, Sociedade Civil,
Participação e Democracia (DAGNINO, 2002 e 2004; AVRITZER, 2002; NOGUEIRA, 2004).
Passados 21 anos de supressão das liberdades democráticas pela ditadura civil-militar,
a vitória da Aliança Democrática abre possibilidades de novas formas de relação entre Estado
e sociedade civil (NOGUEIRA, 2004), sendo considerado o grande marco do período o
processo da Assembleia Nacional Constituinte e promulgação da nova constituição, a “cidadã”
(AVRITZER, 2012). Como consequência da grande mobilização, a Constituição Cidadã,
estabelece novas escalas e dispositivos de participação no processo decisório das políticas
públicas brasileiras. Com referência à participação direta, destacam-se o referendo, o plebiscito
e a iniciativa popular. Já no tocante à democracia participativa, são criados os Conselhos e
Conferências nos níveis municipal, estadual e federal, com representação do Estado e da
sociedade civil, indicando que a gestão das políticas públicas a exemplo da saúde, da seguridade
social e da garantia dos direitos da criança e do adolescente deveriam ter caráter democrático e
descentralizado (ROCHA, 2008).
Desde então houve grande ampliação e multiplicação de experiências de participação
cidadã na administração pública. Isso se deu tanto em escopo, com a inserção de novas questões
tratadas de maneira participativa, quanto em número e variedade de modalidades. Pela
experiência da constituinte e seus desdobramentos, o Brasil chegou a ser visto
internacionalmente como um celeiro de experiências participativas e uma referência na
produção de conhecimento a respeito (VENTURA, 2016).
No caso brasileiro, destaca-se a multiplicação dos conselhos de políticas públicas, das
de conferências setoriais, dos orçamentos participativos, de uma série de outros arranjos
(MORONI, 2006), a criação de diversos dispositivos que visavam dar maior segurança jurídica
e suporte legal à participação e às parcerias entre Estado e sociedade civil como a Política
Nacional de Participação Social (BRASIL, 2014a) e o Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil (BRASIL, 2014b), a criação de organismos como a Secretaria Nacional de
Articulação Social (FARIA, 2010) e, apesar da ausência de um projeto centralizado de
institucionalização das políticas participativas, um aumento da presença governamental nos
espaços de concertação (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014). É evidente, que nos 30 anos

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a que se refere essa multiplicação, a trajetória não foi linear e ascendente, tendo diversas
nuances, avanços e retrocessos.
A partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, entretanto, instalou-se no país
uma grave crise econômica, política, das instituições e da democracia. A crise se agrava com
uma intensa polarização política que resulta na eleição de Jair Bolsonaro à presidência em 2018.
Como seu primeiro ato de governo, o presidente publica a medida provisória nº 870, que dá ao
secretário de governo poderes de monitorar e supervisionar as ações de organizações não
governamentais (BRASIL, 2019a). Na sequência, publica o decreto nº 9.759 de 2019, que
extingue e limita os conselhos e colegiados da administração federal (BRASIL, 2019b) e o
Decreto nº 9.096 de 2019 que institui o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado
(BRASIL, 2019c). Tais medidas, somadas aos discursos de criminalização e deslegitimação da
sociedade civil, preocupam quanto aos rumos da participação e da democracia no país, dando
sinais que a participação nas políticas públicas e a incidência da sociedade civil na tomada de
decisão política tomarão outros rumos neste governo.
Esses aspectos se aprofundam num cenário atual de crise das democracias em todo
mundo. Com isso, pode-se afirmar que a criação dos dispositivos institucionais acima citados
não foi capaz por si só de garantir a participação e a gestão democrática das políticas públicas.
Nesse sentido, amplia-se a relevância e necessidade de se (re) discutir a participação e sua
importância para a democracia. Todos os desafios levantados nos permitem afirmar que a
questão hoje passa não apenas pela existência ou não da participação; mas de qual participação
estamos falando. Trata-se de problematizar o fenômeno da participação, sua emergência e suas
formas concretas de expressão, bem como evidenciar os dispositivos que a possibilitam e
levantar pistas para sua efetiva legitimação. Enfim, o que se busca é compreender as condições
em que a participação ocorre (ou não) e especialmente os efeitos que ela produz (ou não) para
o fortalecimento democrático.
Para tanto, faz-se necessária uma abordagem teórico-metodológica que permita olhar a
participação para além de uma perspectiva normativa ou “romântica” (FUNG, 2006). Em vista
disso, este trabalho foi construído a partir de uma abordagem pragmatista da ação coletiva da
sociedade civil em que “a ação coletiva advém da inovação e da experimentação, elementos
essenciais de uma dinâmica aberta de inclusão e de incorporação de pontos de vista capazes de
promover a transformação” (ALEXANDRE, 2018, p. 110)
Nessa toada, propõe-se a ampliação da noção de democracia, não como uma forma de
governo com um desenho institucional preestabelecido, mas como resultado da realização de u
espaço comum, no qual os indivíduos possam compartilhar interesses, experiências, signos e
símbolos (DEWEY, 1927). Por consequência, a participação é aqui compreendida, como um
processo de “experimentação democrática” (SABEL; 2012; FUNG 2006; 2015; ANSELL,
2011; 2012; FREGA, 2019), que pode dar lugar a dinâmicas de identificação, interpretação,
responsabilização e ação essenciais para que os diferentes públicos (em diálogo e interação
como os governantes) co-construam soluções para as problemáticas que enfrentam. Trata-se de
compreender os processos de “investigação pública” promovidos a partir da experiência da
participação.
É nessa perspectiva que será analisada neste artigo uma experiência de experimentação
democrática que é o Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis (FPPF). O Fórum foi criado
no ano de 2006, a partir da iniciativa de um grupo de organizações e conselheiros representantes
da sociedade civil ligados às políticas de defesa de direitos das crianças e dos adolescentes, da
assistência social e da educação infantil. Os atores da sociedade civil envolvidos com essas
políticas identificaram três principais demandas em comum: (i) garantir o funcionamento dos
conselhos municipais em Florianópolis; (ii) promover a intersetorialidade das políticas públicas
(PPs) e (iii) fortalecer as próprias políticas, visando promover a ampliação dos debates e de
ações efetivas para sua implementação e controle, conforme diretrizes nacionais (FPPF, 2004).
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Diante do exposto, este estudo foi construído a partir da seguinte problemática:


compreender se e como a experimentação democrática promovida pelo Fórum de
Políticas Públicas de Florianópolis promove investigação pública e consequências sobre
as políticas públicas do município, quais seus alcances e seus limites. Para atender esse
objetivo o desenho da pesquisa envolveu: (1) a análise da sua composição atual e mapeamento
da sua rede (análise sincrônica), buscando compreender a sua configuração, seus participantes
e formas de participação; (2) a reconstituição da trajetória do FPPF (análise diacrônica),
envolvendo a remontagem das suas cenas públicas, a compreensão do processo de investigação
pública gerado e seus desdobramentos, desde a sua origem até os dias atuais.
A seguir apresentamos e discutimos os resultados da pesquisa. Para tanto, iniciamos
com a delimitação do enfoque analítico e metodológico construído para alcançar os objetivos
do estudo. Em seguida são apresentados e discutidos os seus principais resultados, nos dois
momentos da pesquisa. Na última parte, é feita uma análise geral dos resultados e são
articuladas as considerações sobre os alcances e limites da experimentação democrática
promovida pelo FPPF.

EXPERIMENTAÇÃO DEMOCRÁTICA COMO ENFOQUE TEÓRICO E ETNOGRAFIA


POLÍTICA COMO POSTURA METODOLÓGICA
Numa perspectiva pragmatista torna-se central para o fortalecimento da democracia
compreender a ação dos públicos (FREGA, 2019). Essa ação tem origem no incômodo em
relação aos problemas públicos ou as situações problemáticas. Estas se colocam como
distúrbios, que geram cortes no fluxo regular da experiência, produzem emoções, despertam
ações e podem impulsionar respostas coletivas. Assim os atores que se mobilizam em torno dos
problemas públicos são capazes de iniciar processos investigativos para delinear os contornos
desses problemas e elaborar hipóteses sobre soluções e o futuro para serem testadas (CEFAÏ,
2017a; MENDONÇA, 2016). Por isso, a ação dos públicos tem um caráter eminentemente
experimental: percebem problemas, elaboram hipóteses, experimentam e, ao aprenderem com
erros e acertos, co-constroem conhecimento. Assim, a aprendizagem e a sua difusão têm um
papel central no experimentalismo democrático.
No entanto, a questão do “saber” ultrapassa uma dimensão simplesmente normativa e
cognitiva. O processo “de definição da situação problemática envolve um esforço de resolução:
os atores não são movidos por uma intenção de saber fazer, mas de saber na medida em que
esse saber confere um poder de ação: fazer é saber, saber é fazer”, (CEFAI, 2017a, p. 189).
Examinar como os atores se mobilizam em torno das situações problemáticas que enfrentam e
suas consequências se coloca então como uma rica oportunidade para se aumentar o
conhecimento, a aprendizagem e o sentido da ação coletiva (ANSELL, 2011).
Nesse sentido, Ansell (2012) coloca a importância da “experimentação” para os
pragmatistas clássicos trazendo à tona a noção de "experimentalismo democrático". Como
destaca o autor, é importante dar atenção ao aspecto da linguagem, ou seja, em que sentido se
compreende e aplica o conceito de “experimento” e “experimentação”, derivados do
“laboratório”, quando aplicados à realidade social. Além disso, outra questão diz respeito ao
significado de “experimentar” quando aplicamos o adjetivo “democrático”. Assim para
transcender o termo “experimento” ligado à ciência clássica e a procedimentos científicos
específicos, é preciso compreender a arena política como um laboratório. O autor argumenta,
com base em Dewey, que o experimentalismo democrático pode ser interpretado enquanto
investigação aberta, pública. Ao afastar-se de uma perspectiva verificadora, portanto, esse tipo
de experimentalismo pode ser um pilar de construção da democracia.
Nesse contínuo, a experimentação democrática, como uma forma de aprendizagem
evolucionária acontece sob três condições. A primeira delas é uma perspectiva orientada a
problemas: como já mencionado, o problema interrompe o fluxo da experiência. Isso suspende
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temporariamente o tripé conhecimento, princípios e valores e volta a nossa atenção para a ação
e suas consequências. A incerteza inerente na solução dos problemas conclama a uma ação
criativa e sujeita o tripé a uma revisão constante. A segunda condição é a reflexividade: a
suspensão temporária promovida pelos problemas permite que o sistemático exercício da
dúvida a respeito do próprio senso comum e dos hábitos seja levado adiante. Aqui vale a pena
salientar que os pragmatistas acreditam que os atores ordinários não só possuem essa
capacidade reflexiva, como também a utilizam cotidianamente quando defrontados com
situações problemáticas. Por fim, a deliberação: esta condição diz respeito à base comunitária
da democracia deweyana. Aqui se enfatiza primeiro a inclusão de todos em um processo amplo
e aberto de investigação em que diversas perspectivas diferentes a respeito da situação se
encontram, de maneira conflituosa e cooperativa; em segundo lugar, se coloca a centralidade
da comunicação para se produzir conhecimento e significado intersubjetivo (ANSELL, 2011;
FREGA, 2019).
Nessa toada, o experimentalismo democrático pode ser caracterizado como um processo
provisório, probatório, criativo e construído coletivamente, o que permite reconhecer e lidar
melhor com a natureza incerta e ambígua inerente aos problemas que as coletividades hoje
enfrentam (ANSELL, 2011). Assim, é possível reconciliar através da participação cidadã sob a
perspectiva da experimentação duas questões que são muitas vezes dicotomizadas: a
legitimidade e eficácia das instituições públicas. Tratada geralmente como elemento
legitimador das decisões públicas, a participação aqui amplia e qualifica a visão a respeito do
problema, as possibilidades vislumbradas de soluções e, consequentemente, as perspectivas de
sucesso e eficácia das ações. Dessa forma, reforçando a noção pragmatista de que as instituições
políticas servem para resolver problemas compartilhados pela coletividade, ao melhorar sua
capacidade instrumental de resolução de problemas essas ganham em legitimidade (FREGA,
2019). Por isso, o experimentalismo democrático proporciona uma base para a reconstrução da
autoridade democrática (ANSELL, 2012), tarefa urgente em meio à crise social da democracia
que se enfrenta hoje.
Mas como fazer com que a riqueza de aprendizados e produção de conhecimento gerada
pelos processos de investigação pública chegue também à institucionalidade? A resposta do
experimentalismo democrático vem em dois gestos convergentes, um social e outro
organizacional. O gesto social consiste em fortalecer e ampliar os processos de investigação
pública já existentes, expandindo as capacidades individuais e coletivas de aprendizagem e
consolidando o hábito da reflexividade, ou seja, do exercício da dúvida sistemática e coletiva a
respeito dos hábitos e instituições. O movimento organizacional, por sua vez, diz respeito à
necessidade de se projetar organizações, com ênfase ao Estado, que sejam abertas à
participação, de forma que o caldo da aprendizagem social chegue até elas. Além disso, esse
movimento exige repensar as organizações, institucionalizando também nelas o exercício da
reflexividade, possibilitando que se reinventem constantemente em relação ao conhecimento
que vem dos públicos e sejam, enfim, democráticas (FREGA, 2019; ANSELL, 2011).
O gesto social requer a compreensão da dinâmica social que se dá a partir da emergência
dos problemas públicos e do consequente processo investigativo. Ao redor das situações
problemáticas cotidianas, a partir dos diversos públicos e problemas que emergem em um
ambiente determinado, manifesta-se uma arena pública. Por meio da experiência coletiva,
surgem campos de experiência, com seus repertórios de ação e institucionalidades próprios, que
com o tempo contribuem na redefinição desses problemas públicos e na institucionalização da
forma de administrá-los. Assim, a arena pública constitui-se como “um conjunto organizado de
acomodamentos e competições, de negociações e arranjos, de protestos e consentimentos, de
promessas e engajamentos, de contratos e convenções, de concessões e compromissos, de
tensões e acordos mais ou menos simbolizados e ritualizados” (p. 208). Quando esse conjunto

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de elementos são arranjados em vista de alcançar um bem público ou impedir um mal público
se está diante de arenas públicas (CEFAÏ, 2017a).
O gesto organizacional, por sua vez, diz respeito à um aprofundamento democrático no
Estado e em sua gestão. Primeiro, em tornar as instituições políticas de unívocas a abertas e
porosas, realizar o seu caráter democrático (DEWEY, 1927), pois é pela participação que se
pode fazer o conhecimento, experiência e anseios dos públicos chegar à tomada de decisão
(STOUT; LOVE, 2017; MORE, 2006). Isso requer o fortalecimento e ampliação das ações da
sociedade civil que promove um exercício descentralizado de investigação pública, não só sob
a forma de debate, como em algumas abordagens deliberativas, mas pela exploração de formas
inovadoras de resolução dos problemas (FREGA, 2019).
Por outro lado, é preciso reconhecer e afirmar a importância democrática de inovação
institucional. É por meio da institucionalização do exercício sistemático da dúvida, ou seja, da
reflexividade, a respeito dos hábitos, processos e estruturas dentro da organização que se pode
evitar o perigo de engessamento, que tem consequências na resolução de problemas e, como
efeito, na eficácia e legitimidade das organizações. Isso requer uma conjugação de
descentralização e coordenação. Por um lado, conceder autonomia às unidades para
experimentarem soluções, já que conhecem o problema em profundidade; por outro promover
a coordenação das experiências locais a fim de gerar aprendizados mais amplos e permitir o
avanço da ação pública (FREGA, 2019). Essa é a discussão que se tem construído em torno das
chamadas organizações pragmatistas, uma teoria das organizações que dê conta do fenômeno
da inovação, fundamentalmente dada a sua importância democrática (ANSELL, 2011; SABEL,
2012).
Assim, pode-se afirmar que perspectiva da experimentação democrática pode
contribuir para focalizar as atividades práticas de participação em situação, pois visa
acompanhar in vivo a experiência processual de múltiplos atores em diferentes escalas
temporais e espaciais e em diferentes situações vivenciadas. Além de levar em conta os efeitos
(consequências) das ações coletivas que abrem (ou não) novas oportunidades de ação e/ou
resolução dos problemas públicos (CHATEAURAYNAUD, 2011a e 2011b; CEFAI, TERZI,
2012). Trata-se de uma abordagem que prioriza a descrição da vida política cotidiana dos atores
que compartilham temas comuns, permitindo interpretar como as práticas e as experiências
individuais e coletivas reconfiguram os problemas públicos e encontram respostas e meios para
solucioná-los (CEFAÏ, 2011; 2012). Neste processo, os atores buscam conciliar suas diferentes
visões de mundo para articular respostas efetivas ao problema em comum. Além disso,
diferentes fatores resultam na redefinição do problema ao longo do tempo e ainda na medida
em que respostas vão sendo encontradas surgem novas situações problemáticas (CEFAI, 2012).
Mas como acessar as dinâmicas de experimentação democrática que acontecem no
cotidiano das cidades e sues desafios? A fim de compreender a experiência de experimentação
democrática do FPPF, o trabalho foi construído em dois momentos. O primeiro buscou esboçar
a configuração do Fórum no momento da pesquisa, reconstituindo e analisando a rede de
participantes que o compõe e as formas de participação. Em um segundo momento, dada a
importância da trajetória da ação pública ao longo do tempo para a configuração dos campos
de experiência, foi reconstituída a trajetória do FPPF, tratando-se de remontar as suas cenas
públicas, a compreensão do processo de investigação pública gerado e seus desdobramentos,
desde a sua origem até os dias atuais. Isso permitiu compreender a construção de uma forma
experimental de participação, assim como seus alcances, desafios e dilemas enfrentados. A
A perspectiva metodológica que foi escolhida para esse estudo foi a etnografia, aqui
entendida como uma postura de pesquisa, em que se busca compreender os significados
atribuídos pelos sujeitos às suas experiências, levando em conta a imersão nos contextos de
prática (ANDION; SERVA, 2006). A pesquisa teve a particularidade de uma das autoras ter
ocupado a coordenação da organização pesquisada de 2017 a 2019, evidenciando-se, assim, o
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caráter autoetnográfico do trabalho (ALVESSON, 2003; ARAUJO; DAVEL, 2018). Em


termos de postura de pesquisa, nos inspiramos na etnografia de arenas públicas proposta por
Cefaï (2007, 2012). Trata-se, segundo o autor, da realização de uma ecologia das experiências
públicas, captada a partir de uma “etnografia política” (Cefaï, 2017b, p. 698) que focaliza nas
“cenas públicas”, lançando luz às diferentes formas como os coletivos enquadram as situações
cotidianas, organizam suas experiências e ordenam as suas interações ao longo do tempo, se
interessando pelas situações de co-presença e os encontros face a face. O caminho metodológico
adotado em cada um dos momentos para atingir os objetivos da pesquisa será mais detalhado a
seguir em cada uma das seções que discutem os resultados do estudo.

CONFIGURAÇÃO DO FÓRUM, SUA REDE E FORMAS DE PARTICIPAÇÃO


Para compreender a configuração do FPPF - associada à autoetnografia (que envolveu
a participação de uma das pesquisadoras em 173 atividadesi do FPPP de 2017 a 2019 - foi
realizada ampla análise documental (CELLARD, 2008) de 31 atas e 27 listas de presença das
assembleias gerais ordinárias (AGO) (a análise das listas de presença faltantes foi
complementada pelo registro de participação das atas correspondentes). De acordo com a
presença nessas reuniões, foram identificadas, de acordo com os critérios estabelecidos, 54
organizações que participaram de forma mais intensa nos últimos três anos (2016 a 2018), que
compõem efetivamente a rede do Fórum, além de outras 97 que estiveram presentes em algumas
reunião e foram denominadas satélites. O perfil e as características dessas organizações foram
construídos com base nas informações da plataforma da pesquisaii. Somado a isso, foram
aplicados questionários (CHIZZOTTI, 2003) com 40 participantes a fim de complementar a
análise sobre as formas de participação, em que se buscou identificar as três dimensões do Cubo
da Democracia de Archon Fung (2006): autoridade eiii poder, modo de comunicação e tomada
de decisão e forma de seleção dos participantes.
Por meio da plataforma da pesquisa na qual este estudo se insere, foi possível
reconstituir a rede que forma o FPPF. Chegou-se a um total de 54 organizações participantes,
sendo que dessas 04 estavam inativas no momento da pesquisa e outras 97 que orbitaram
o fórum em algum momento (participando de pelo menos uma reunião). Do centro para fora
da rede, as 50 organizações participantes ativas foram classificadas e representadas na Figura
1, respectivamente: 12 Protagonistas Atuais: que participaram minimamente de cerca de 50%
das AGOs nos últimos três anos; 15 Protagonistas Passadas que participaram minimamente
de cerca de 50% das AGOs no anos de 2016 e 2017, porém, baixaram ou até anularam a sua
participação nas AGOs no ano de 2018; 2 Participante Ativas: que mantiveram sua
participação mínima de cerca de 30% das AGOs nos últimos três anos; 13 Participantes
Esporádicas: que mantiveram sua participação mínima de cerca de 10% nas AGOs nos últimos
três anos; 12 Participantes Notáveis: que participaram minimamente de cerca de 50% das
AGOs no ano de 2016 e que baixou consideravelmente ou anulou a participação nos anos de
2017 e 2018.
A análise da rede que constitui o FPPF permitiu tecer algumas considerações
esclarecedores sobre a participação nesse espaço e suas características, as quais são resumidas
a seguir.

Quem participa e quem deixa de participar?


Os resultados levantados permitem constatar que a rede do FPPF é formada por 50
organizações da sociedade civil (OSCs) ilustradas na Figura 1. Dessas, apenas 12 (24%) tem
uma participação mais regular (de até metade das AGOS em cada ano), sendo
caracterizadas neste estudo como protagonistas atuais. 38 OSCs tiveram uma participação
de pelo menos 10% das AGOs nos últimos três anos e 12 OSCs que participaram de até 50%
das AGOs em 2016 e diminuíram ou zeraram essa participação em 2017 e 2018. Desse modo,
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conclui-se que a participação no FPPF é assistemática e pulverizada para a grande maioria


das organizações que participam incluindo 97 que participaram somente de uma das reuniões
nos anos analisados.

Figura 1 – Rede do Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis

Legenda:
Status Símbolo Descrição da Classificação

Mapeada Foi indicada e possui as informações básicas cadastradas

Observada Possui informação já validada e completa

Acompanhada Além de observada, está sendo acompanhada pela equipe do OBISF

Suporte de articulação Articuladores de iniciativas ou redes de Inovação Social (Ponte)

Suporte de Apoio Oferece apoio e assessoria técnica para as Iniciativas de Inovação


Técnico Social

Suporte Financeiro Oferece crédito para Iniciativas de Inovação Social

Fonte: Elaborado pelos autores por meio da plataforma da pesquisa 2019

Tendo em vista a composição dessa rede em relação aos participantes previstos no


regimento interno do FPPF, pode-se constatar que a participação envolve principalmente o
grupo descrito no inciso A do Art 6º referindo-se a representantes de OSCs registradas e
inscritas em alguns conselhos de políticas públicas (em sua grande maioria CMDCA e
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CEMAS). Nesse sentido, outras categorias que tem voz e voto, como OSCs inscritas em outros
conselhos de políticas públicas, representantes de usuários, organizações de usuários e
movimentos sociais têm uma participação pontual nas AGOs, sendo aqui considerados
“satélites” da rede , por atuarem mais como interlocutores em momentos específicos, do que
como participantes regulares. Ainda outros possíveis participantes sem voz e voto como aqueles
de categorias profissionais, da câmara municipal, do Ministério Público, dos Conselhos
Tutelares, de Universidades e espaços de controle social também estão inseridos entre esses
participantes satélites (tendo participado de pelo menos uma das AGOs dos últimos três anos).
Somado a isso, contata-se que - apesar de haver um aumento de participação nas AGOs
de 2016 (em 61% das OSCs) - essa ampliação se reduziu nos últimos dois anos. Apenas 17
OSCs aumentaram sua participação em 2017 e 4 em 2018. Além disso, mais da metade das
OSCs (27) diminuíram sua participação nas AGOs em 2017 e 2018. Todos esses dados
indicam uma desmobilização na rede do FPPF nos últimos dois anos de OSCs que têm
uma efetiva atuação junto as PPs municipais, as quais foram citadas anteriormente. Tal
constatação nos leva à pergunta do porquê que isso está ocorrendo, indagação central para qual
alguns elementos de resposta poderão ser elencados na próxima sessão que discute a trajetória
do FPPF. Além disso, percebe-se claramente a necessidade de maior mobilização “chamando
mais para junto” na rede tanto as 38 OSCs que constituem as protagonistas passadas, as ativas,
as esporádicas e as notáveis, quanto também, aqueles representantes e instituições que se
colocam no grupo dos “satélites” e que os mesmos já mantém uma interlocução com o FPPF,
como descrito.

Como se caracteriza essa rede?


A rede que forma o FPPF nos fornece um retrato de um importante grupo de OSCs que
atuam principalmente junto as políticas públicas de DCA, AS e Educação infantil no município.
Apesar de não representar a pluralidade da sociedade civil municipal, a rede do FPPF constitui
uma amostra significativa desse universo, já que esta corresponde a um importante e majoritário
grupo no Ecossistema de Inovação Social (EIS) de Florianópolis que atua junto as políticas
públicas de proteção social no município. Isso faz com que os resultados desse estudo sejam
relevantes não apenas no caso dessas OSCs estudadas, mas para compreender a realidade da
relação/interface entre OSCs e essas políticas públicas em âmbito municipal.
Tratando mais especificamente das características de 33 OSCs (66%) das 50 que
formam a rede que foram observadas (Quadro17), pode-se destacar: (1) Mais da metade (18)
foi criada a partir de congregações religiosas, confirmando o padrão de configuração da
sociedade civil do município e do Sul do Brasil apontado em outras pesquisas locais e nacionais;
67% das OSCs tiveram sua origem antes dos anos 2000, tendo mais de 20 anos de atuação,
o que indica que essa rede é formada por OSCs experientes, profissionalizadas e legitimadas
em seus campos de atuação; A grande maioria (31 das 33) atua junto às políticas públicas
de DCA e de AS, assumindo um duplo papel junto a essas políticas. Essas OSCs ao mesmo
tempo que recebem e até gerem recursos da política, atuando na sua implementação, com
promoção de serviços públicos, elas também têm o papel de exercer o controle e a fiscalização
sobre a mesma, por meio da sua participação nos conselhos de políticas públicas.

Quem compõe o grupo das protagonistas atuais?


12 organizações compõem atualmente o “núcleo central” do FPPF. O perfil dessas
OSCs acompanha as características da demais observadas, sendo que nesse grupo de
protagonistas há algumas particularidades que é importante ressaltar: (1) há um número
equivalente de OSCs de origem religiosa e outras ligadas ao investimento social privado,
o que pode indicar um processo de mudança em termos das lideranças do FPPF e na composição
da sociedade civil local; (2) algumas das protagonistas atuais tiveram um papel importante
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também na trajetória do FPPF (quatro delas com participação nas mobilizações para sua
criação) e a maioria delas (8) participaram da composição do colegiado do FPPF, o que
confirma a posição de liderança das mesmas junto a esse espaço de articulação e na sociedade
civil do município.

Quais formas de participação predominam?


De acordo com a percepção dos participantes predomina a participação por meio de
representação de profissionais encaminhadas por organizações que se articulam em conselhos
e/ou possuem vínculo financeiro com o poder público municipal. Assim o FPPF caracteriza-se
sobretudo como um espaço de participação para “stakeholders profissionais” (FUNG,
2006), sendo esses representantes na sua maioria mulheres (24), com mais de 30 anos de idade
e com ensino superior completo.
O Fórum é percebido como sendo um espaço de deliberação e negociação (25
respostas), no qual, os participantes deliberam para descobrir o que querem individualmente e
como um grupo que desenvolve suas visões e descobrem seus interesses. Os seus participantes
(30 respostas) entendem que o FPPF influencia de forma indireta a gestão das políticas
públicas, por meio da publicização dos debates que influenciam a opinião pública, ou seja,
forma públicos (DEWEY, 2004). Por fim, o resultado da pesquisa indica que na visão
majoritária dos respondentes (25) percebem o Fórum com um espaço de garantia de direitos
por meio de mediação e incidência política.
As conclusões obtidas nesse estudo nos permitiram retraçar e caracterizar essa rede que
compõe atualmente o FPPF, mas esse retrato (análise sincrônica) nos diz pouco sobre como os
atores dessa rede atuam e quais os desdobramentos dessa ação nas políticas públicas. A seguir,
como forma de ampliar a compreensão sobre o processo de “investigação pública” gerado pelo
FPPF e seus desdobramentos junto as políticas públicas, exploraremos a trajetória desse espaço
de articulação, buscando reconstituir suas “cenas públicas” (análise diacrônica) e a partir disso
compreender melhor que diferença essa atuação faz junto as políticas públicas do município.

TRAJETÓRIA DO FÓRUM DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE FLORIANÓPOLIS: A


CO-CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO PÚBLICO
Para a reconstituição da trajetória, da mesma forma, prevalece o estudo etnográfico com
as particularidades já descritas. Entretanto, aqui outras estratégias foram utilizadas em
complemento. Uma das estratégias foi novamente a análise documental, agora de um universo
maior de documentos. Foi levantado e organizado um acervo de cerca de 3.000 documentos.
Apesar de todos terem sido lidos e organizados foram selecionadas as atas de plenárias do
Fórum, complementadas por outros documentos nos anos em que não estavam disponíveis,
como exemplo o relatório do Encontro do Fórum Integrado (FPPF, 2004), chegando-se a um
recorte de 100 documentos. Elaborada uma primeira versão da trajetória com base na
observação e os documentos, essa foi submetida a um grupo focal (TRAD, 2009) composto por
10 representantes de organizações protagonistas ou fundadoras do FPPF. Por fim, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com as outras duas coordenadoras do FPPF que tiveram
importante papel nessa trajetória.
Após esse percurso, a trajetória foi reconstruída em 4 cenas, que destacam o cenário, os
protagonistas e demais personagens, os principais acontecimentos, quais as principais
controvérsias e como ocorria o debate público, ou seja, os argumentos, ações e desdobramentos
dos problemas públicos. Para esse último elemento, utilizou-se como base a ideia de “balística
sociológica” (CHATEAURAYNAUD, 2011a; 2011b).

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Cena 1 - Do distúrbio à necessidade de criar o FPPF: a emergência do problema público


A Cena 1 acontece em Florianópolis, de 2001 a 2005, mas é marcada por uma série de
antecedentes geradores de inúmeras mudanças com consequências na constituição do Fórum.
Incluem-se nesse cenário a mobilização para a constituinte e a própria promulgação da
Constituição de 1988, a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e a
aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) de 1993. Todo esse arcabouço legal
passa a exigir e visa garantir a participação da sociedade civil junto às políticas públicas.
Destaca-se, ainda, o estabelecimento da necessidade de promoção da intersetorialidade nas
políticas públicas, fato reforçado pelo Plano de Metas aprovado na 5ª Conferência Nacional de
Assistência Social. Isso faz com que a as mudanças na política de assistência social constituam
o pano de fundo da criação do FPPF, assim como a própria história de luta pelos direitos da
criança e do adolescente
Desse modo, trata-se de uma cena marcada pelo início de mudanças estruturais que
levaram a vários desdobramentos nas três esferas do governo. Em Florianópolis, isso repercutiu
com a criação do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e dos Conselhos Tutelares (CTs), além dos
Fórum Municipais de Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esses
últimos, foram criados inicialmente para atender a orientação da criação de Fóruns próprios
eletivos da sociedade civil, visando a organização e a realização das eleições para representantes
nos conselhos. A pesquisa mostra que esses fóruns eletivos, seguiam sendo construídos também
com um caráter permanente, para que a sociedade civil, pudesse seguir na sua atuação de forma
articulada e fortalecida em espaço próprio.
Dentre os protagonistas dessa cena, destaca-se nominalmente Elisabeth Bahia, que
posteriormente seria coordenadora colegiada do Fórum, tendo participado das mobilizações da
constituinte e, como assistente social, das diversas mudanças na política de assistência nos anos
anteriores e que se seguiriam. Além dela, representante do Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua, que participou da mobilização nacional para aprovação do ECA e
posteriormente da fundação do FPPF. Esses personagens tem em comum o fato de atuarem
ativamente junto aos movimentos sociais nacionais e a partir dessas articulações, e das
prerrogativas das Políticas Públicas (PPs) nas quais atuavam, observaram a necessidade de
pensar espaços intersetoriais de articulação das políticas públicas.
Assim, a ideia de criar um Fórum Intersetorial, como relatado por esses atores, teve por
inspiração outras experiências de articulação e mobilização estaduais, espaços de articulação
como a Conferência Nacional de Assistência Social, mas, também a atuação local de
organizações locais que compunham sobretudo o CMDCA e CMAS, mas também o Conselho
Municipal de Educação. Destaca-se que havia muitos atores que participavam desses três
espaços simultaneamente. Assim, emerge a necessidade de intersetorialidade, tanto pela
natureza das políticas e dos problemas públicos, quanto pela demanda de otimização do tempo
ou pela necessidade de compartilhar aprendizados e fortalecer a atuação dos conselhos. Emerge
daí um “incômodo” que se transformará em problema público mais tarde (Cefai, 2017a; 2017b).
Esse incômodo inicial se desdobrará na realização do “Encontro da Sociedade Civil -
integrando Lutas Criança e Adolescente, Assistência Social e Educação”, em 2004, que se
constitui no principal acontecimento do período. Nessa época já emerge a tríade de causas que
permanecerá até a Cena 4 e foi estruturante na fundação e condução das atividades do FPPF,
assim como uma série de organizações que até hoje compõem os seus quadros.
Em relação ao debate público, o que mobilizava os atores engajados para criar o FPPF,
nesse primeiro momento, referia-se especialmente à necessidade de garantir o pleno
funcionamento dos conselhos e dos fóruns setoriais e sua articulação, permitindo a
implementação das políticas públicas, segundo as normas vigentes. Mas que já surgiam

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questões relacionadas a interlocução com o poder público e de garantia de maior legitimidade


e espaço para participação da sociedade civil junto às políticas públicas.

Cena 2 - Nascimento do FPPF para o público e inserção comunitária


Já a Cena 2, acontece também em Florianópolis, de 2006 a 2010, quando o FPPF é
criado e começa a se legitimar. Destacam-se a criação da Norma Operacional Básica de
Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS, a criação de
diversos outros conselhos municipais, a Lei de Utilidade Pública Municipal e a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais, que incidiram quase que de imediato na atualização
do CMAS e do CMDCA.
A fundação do Fórum se deu em 2006, através da integração das discussões e fóruns da
tríade já referida e foi acompanhada de sua inserção comunitária junto à atuação de Rede do
Monte Cristo. Não houve um evento específico de fundação, a articulação foi se desdobrando,
especialmente com a chegada na cidade de novos atores com experiência na área. A primeira
Carta de Princípios, documento que orientava a atuação dentro do Fórum, foi aprovada no ano
de 2007 e o nome oficial teve variações que só foram se estabilizar em 2016 como Fórum de
Políticas Públicas de Florianópolis (FPPF).
Alguns acontecimentos da cena merecem destaque: (1) a capacitação em gestão
comunitária feita junto com a rede do Monte Cristo em 2006; (2) a criação do Fórum (2006) e
sua carta de princípios (2007); (3) a 1ª Conferência do Monte Cristo e Marcha pela Paz (2007);
(4) a visita de alguns fundadores ao Fórum municipal de Porto Alegre (2008) que resultou na
elaboração da resolução nº 175/2009, que inclui a obrigatoriedade de participação mínima de
70% nas AGOs do FPPF como uma das condições para as OSCs pleitearem recursos do FIA;
(5) a participação do Fórum nos processos de eleição da sociedade civil para composição de
diversos conselhos municipais, na (6) revisão da lei do Conselho Tutelar (2010), (7) na
atualização das leis do CMDCA e do CMAS. Cabe dar destaque à eleição do CMAS para a
gestão 2010-2012, em que o FPPF foi eleito como representante dos usuários e fez indicações
para a mesa diretora.
Cerca de 40 organizações integram o FPPF nessa cena. Dessas, cerca de 83%
registraram algum tipo de participação nos últimos 3 anos. Porém, apenas quatro tiveram
participação relevante sendo consideradas protagonistas atuais, o que reforça o caráter de
desmobilização e resistência na última cena.
O debate público a essa época começa a se complexificar e incluei ainda de maneira
intensa questões relativas à estrutura e funcionamento dos conselhos, ao fortalecimento da
sociedade civil e de sua interlocução com o poder público e a atuação pela efetivação das
políticas públicas. Duas questões, entretanto, emergem nessa época: a primeira diz respeito à
mobilização de recursos, algo que, a partir daqui, vai acompanhar as discussões até a cena mais
atual, com destaque a questões relativas ao FIA. Além disso, surgem situações de autorreflexão
sobre o papel, a atuação e a legitimidade do próprio Fórum. Isso se expressa com a necessidade
de se diversificar os conselhos e organizações representados ou com discussões a respeito de
critérios de presença nas reuniões. Além disso, a questão da legitimidade gera controvérsias,
como quando decisão acordada em plenária sobre a mesa diretora do CMDCA corre risco de
ser desrespeitada.
Todas essas evidências permitem afirmar que nessa cena pública o Fórum passa a existir
para o público. Nesse sentido, nessa cena pública, o Fórum já começa a ser reconhecido como
espaço de articulação, diálogo, crítica e ação pública da sociedade civil junto às políticas
públicas municipais, constituindo-se não apenas como um espaço de crítica técnica e
procedimental, mas também como um espaço de acusações, denúncias e proposição de
alternativas às situações problemáticas identificadas

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Cena 3 - Consolidação institucional do FPPF e seus desafios


Essa cena abrange o período de 2011 a 2016 e se constitui pelo processo de crescente
consolidação institucional do FPPF e atuação mais abrangente junto às políticas públicas no
município. Tem como pano de fundo a implementação do “reordenamento dos serviços do
SUAS”, visto na cena anterior e a Lei nº 13.019/2014 , que marca o início da mobilização para
garantia de participação na instituição do Novo Marco Legal das Organizações da Sociedade
Civil (MROSC) em Florianópolis, que se efetiva no ano de 2017 (ano de obrigatoriedade para
readequação nos municípios), o que provocou inúmeros desdobramentos. Houve ainda a
aprovação da Lei Nacional nº 12.696/2012 que atualizou o ECA e dispôs sobre o Conselho
Tutelar (CT) e seu processo eletivo.
No final desta cena, em 2016, ocorre o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Em
decorrência disso, Michel Temer, a partir daí presidente, anuncia o rompimento governamental
em relação às estratégias de participação e propõe uma série de reformas impopulares, como
por exemplo a PEC 55 de 2016, que estabeleceu um teto para os gastos públicos com políticas
públicas para os 20 anos seguintes, e o Programa Criança Feliz, descolado do SUAS, o que
afetou as ações do FPPF.
Como acontecimentos do período, destaca-se: (1) a manutenção do Fórum como espaço
para a eleição dos representantes da sociedade civil em diversos conselhos municipais; (2) o
início de uma articulação mais intensa com a Câmara Municipal de Florianópolis (CMF), que
leva a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Social, em 2011, este
configurando-se como um espaço de referência na luta para a implementação do SUAS no
município e interlocução com o poder público municipal; (3) a aprovação da Lei nº 9298 de
2013, que inclui o FPPF entre os "órgãos e instrumentos" da Política Municipal de
Atendimentos dos Direitos da Criança e do Adolescente; e (4) a mobilização pela aprovação da
atualização da política municipal de assistência social por meio de projeto de lei formulado e
aprovado no poder legislativo, incluindo um percentual mínimo de 10% da receita do município
a ser investido nessa política. Essa lei, contudo, retorna do poder executivo como Lei nº 9863
de 2015 para aprovação da Câmara Municipal de Florianópolis sem o percentual, pauta que
estará na agenda de mobilizações do Fórum até os dias atuais.
A respeito da sua organização, o FPPF passa a ter as atas escritas de forma mais
detalhada e uma logo própria (Figura 2). Esta logo, contudo, diverge em relação ao seu nome
oficial. Há ainda um esforço em melhorar a comunicação com a criação de e-mail próprio,
grupo de e-mails e um blog para ampliar campanha pela garantia de 10% de recurso para o
SUAS municipal. O processo interno de funcionamento e de comunicação se organiza,
ocorrendo o registro de todas as reuniões em atas, nas quais se registram, detalhadamente, os
argumentos e encaminhamentos. Cria-se um rito de funcionamento que passa a se repetir e a
constar nas atas, contendo: apresentação dos participantes, leitura e aprovação da ata anterior
(encaminhada com antecedência por e-mail aos membros participantes para as devidas
correções) e aprovação da pauta do dia. Há uma redefinição da dinâmica de assembleias, que
passa a incluir reuniões das comissões temáticas no primeiro momento e, no segundo,
representantes das comissões trazem os debates e propostas de encaminhamentos para
problematização e aprovação ou não na plenária. Há, ainda, uma aproximação com o Curso de
Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
É possível estimar que participaram dessa cena, sem entrar no mérito de classificação
de acordo com a quantidade de frequência, cerca de 180 representantes, o que, somado a outras
questões, permite constatar que esta cena compreende o período de maior mobilização do FPPF.
Assim, os acontecimentos e dispositivos que marcaram essa cena, a forma de auto-organização
e a quantidade de participantes do FPPF, denotam sua crescente institucionalização e ampliação
da incidência política, inclusive em termos de deliberação. Porém, outros acontecimentos
demonstram a emergência de controvérsias e situações de prova relativas ao seu papel e sua
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representatividade, como a denúncia relatada acima. Tudo isso estimulou reflexões e debates
coletivos que geraram reenquadramentos na sua forma de atuação, o que se materializa nas
contínuas atualizações de sua Carta de Princípios em três anos (2011, 2013 e 2016).
Analisando o debate e a ação pública nessa cena, percebe-se que as temáticas e a forma
de interlocução junto ao poder público se diversificaram, bem como sua atuação. Permanece
uma preocupação com a sustentabilidade da política pública, incluindo a questão da
organização dos conselhos e a mobilização de recursos para a política e para as OSCs, como as
mobilizações para a contratação de concursados e as discussão intensas a respeito do FIA.
Também consolida nessa cena, sua atuação não apenas na mediação para garantia de direitos,
por meio de denúncias, formações, debates e construção de opinião pública, mas também na
deliberação no âmbito das políticas públicas de DCA e de AS.
A partir dessa cena, o FPPF passa a ser um ator que, por meio de sua incidência,
influencia nas decisões e na criação de dispositivos que regulamentam políticas públicas
municipais. Em certa medida, o conhecimento construído ao longo do tempo, parece tornar essa
ação mais efetiva, porém, esse aprendizado não é linear, nem se move apenas por consensos,
como discutido anteriormente. Dessa forma persistem dilemas quanto a atuação do FPPF e
também sobre as formas de participação: em alguns momentos e para algumas organizações, o
mais importante é a garantia da sustentabilidade da política e sobretudo, das OSCs, buscando
defender as pautas mais específicas, a partir de uma lógica de barganha, (FUNG, 2006). Em
outros momentos e para outros atores, o mais relevante é levantar pautas coletivas relacionadas
com a garantia de direitos, visando avançar na efetividade das políticas públicas. Essas
reflexões podem agregar para fortalecer o processo de formação dos participantes no FPPF,
ampliando a compreensão sobre o que significa fazer parte dele, bem como sobre a pluralidade
de lógicas e regimes de ação que permeiam esse espaço de articulação.

Cena 4 - Resistência e desmobilização


A cena mais recente ocorre nos anos de 2017 e 2018 e é marcada pela mudança de gestão
municipal e, por consequência, nas práticas de governança da Prefeitura Municipal, com menor
abertura para a participação como vinha ocorrendo. Evidencia-se, assim, uma ruptura, que
gerou uma postura de enfrentamento, resistência e de reorganização da sociedade civil, diante
de um cenário sociopolítico de profunda crise e de novos desafios para a realização da
democracia, não apenas na cidade, mas no cenário nacional, marcado pela crise e polarização
pós-impeachment e pelos efeitos do governo de Michel Temer, acima levantados, nas políticas
públicas, polarização está que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e teve
repercussões dentro do próprio FPPF.
Em âmbito municipal, essa ruptura se expressa em algumas ações do governo municipal,
quais sejam: (1) envio de um “pacote’ com 40 medidas em caráter de “urgência urgentíssima”
no mês de janeiro de 2017, período de recesso da Câmara Municipal de Florianópolis (CMF),
para aprovação dos vereadores, com muitas mudanças legais em diversas áreas, sem garantir o
tempo necessário para realização dos devidos debates; (2) o anúncio de um corte de 50% de
recursos para a políticas de assistência social; (3) o comando da política de assistência, no início
da gestão, pela primeira dama do município, seguido do lançamento da "Somar Floripa" para
organizar o voluntariado da cidade, organização que foi fundada e segue sendo dirigida pela
esposa do Prefeito; (4) tentativa sem sucesso de implementação do Programa Criança Feliz, do
Governo Federal; e (5), por fim, a publicação do decreto municipal para regulamentação do
MROSC no município, ignorando o debate conjunto construído desde 2015, assim como
descumprindo o compromisso de implementação assumido.
Tais controvérsias dominaram o debate e a atuação do FPPF no ano de 2017, incluindo
uma série de ações como: (1) audiência pública sobre o MROSC, na CMF, em 2017, (2)
Plenária Ampliada com a ABONG, em 2017, (3) elaboração de um Mandado de Segurança,
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assinado por 18 organizações da Sociedade Civil, além de dois conselhos municipais e do


próprio Fórum, protocolado, em outubro de 2017, no MP, visando reverter a restrição de
participação em conselhos de PPs, bem como, contestar a legalidade do decreto como um todo,
(4) incidência para elaboração de decreto legislativo com o objetivo de revogar o decreto
municipal do MROSC, assinado por sete vereadores.
Todos os acontecimentos narrados ajudam a compreender melhor o processo de
desmobilização da participação e de resistência que enfrenta o FPPF nessa cena. Mas um fato,
em especial, merece destaque: a Resolução do CMDCA nº 679/2017 motivada, inicialmente,
pela necessária atualização da gestão do Floricriança de acordo com o MROSC, mas que incluiu
a retirada da obrigatoriedade de participação no FPPF para acesso aos recursos deste fundo,
dispositivo que já foi considerado como uma das maiores conquistas para o avanço da
participação no Fórum, conforme relatado na Cena 2.
Como consequência, o debate e a ação pública do FPPF volta-se para garantia do básico,
ou seja, da sustentabilidade da política e das OSCs. Percebe-se nessa cena uma desmobilização,
ao mesmo tempo em que há um movimento de resistência para garantia da estrutura e
funcionamento dos conselhos, dado que muitos pararam as atividades por falta de recursos, e
sustentabilidade das OCSs, já que a interlocução com o poder público se tona mais difícil. Além
disso, coloca-se a emergência de disputas internas, especialmente envolvendo recursos das
Casas de Acolhimento, o que enfraqueceu o movimento de articulação coletiva.
Alguns reflexos são observados na análise dos principais temas trazidos pelo debate e
ação pública do FPPF, nessa cena, caracterizados pela recursividade de antigas temáticas e
controvérsias ligados ao funcionamento dos conselhos, cada vez mais precarizados, a
mobilização de recursos e denúncias ligadas, sobretudo, à política de assistência social. Trata-
se, por fim, menos de lutar, incidir ou deliberar em relação políticas públicas e mais de atuar
na resistência aos desmontes da participação e das políticas em si.
Todos os elementos aqui levantados permitem tecer considerações não apenas sobre o
caso do FPPF, mas sobre os avanços, limites e dilemas da participação democrática e,
consequentemente, do próprio Estado democrático. É o que será discutido a seguir, na última
parte do artigo.

4. EXPERIMENTAÇÃO DEMOCRÁTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS: O QUE PODE-


SE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA DO FPPF?
O presente trabalho parte de um enfoque teórico pragmatista da democracia, destacando
o papel desempenhado pela ação coletiva dos públicos nesse reenquadramento. A partir disso,
foi proposto a abordagem do “experimentalismo democrático”, com ênfase na investigação
pública e na aprendizagem compartilhada, como chaves para religar os processos de ação
coletiva com a ação das instituições e das políticas públicas, promovendo e coordenando a
aprendizagem local para responder aos problemas públicos, de maneira mais eficaz e legítima
(ANSELL, 2011; 2012; FREGA, 2019).
Em seguida, esses processos de investigação, aprendizagem e experimentação foram
examinados empiricamente, a partir da experiência do FPPF. Em dois movimentos, foi
redescoberta e analisada a organização e seus efeitos. Com o primeiro, reconstituiu-se a sua
rede, a fim de determinar quem de fato é o Fórum, seus participantes e suas formas de
participação. Com o segundo, reconstruiu-se a trajetória, a fim de compreender o seu processo
de instituição e a sua situação na cena mais atual.
Em relação à rede que forma o Fórum, observou-se que é composta por 50 organizações
da sociedade civil que atuam tanto na implementação, quanto no controle e, portanto,
influenciam diretamente na gestão das políticas públicas de defesa dos direitos da criança e do
adolescente, de assistência social e de educação. Esse duplo papel permeia toda a trajetória e
atuação do FPPF e é composto por diferentes lógicas, que às vezes se chocam e contradizem.
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Considerar as particularidades dessas lógicas de atuação e acolhê-las parece ser um desafio


atual do FPPF.
Relacionado a isso, um dos principais limites da atuação do FPPF junto às políticas
públicas consiste na concentração dessa participação: tanto em termos de políticas e causas
representadas, quanto em termos de número de participantes que sustentam as atividades. Essa
análise permitiu identificar uma intensa desmobilização dos atores que compõem a rede,
compreendida em seguida pela reconstrução da trajetória.
Já na análise da trajetória, ficou evidente um processo longo e contínuo de aprendizagem
e de incidência nas políticas públicas no município, que só ocorreu devido ao trabalho e à
organização dos atores que se comprometeram com a participação. Ao longo das cenas
estudadas, foi possível observar as aprendizagens coletivas e seus desdobramentos por meio de
“reenquadramentos” na atuação de uma cena para outra, de um ano para o outro, ou até mesmo
de uma ata para outra. A construção dessa narrativa, densa em detalhes e desafiadora, permitiu
colocar luz no processo de construção do FPPF, mostrando que este se constitui a partir de e
também é constituído pelas formas de participação democrática no município ao longo do
tempo. Com isso pôde-se produzir evidências que a atuação do FPPF influencia não apenas nas
PPs, mas no próprio exercício da democracia no município.
Todo esse processo permite afirmar que o FPPF consiste num espaço formador de
públicos, mesmo que esses não tenham a extensão desejada. Sua atuação produz consequências
desejáveis, bem incide nas consequências indesejáveis, ou seja, produzem respostas aos
problemas da cidade, num claro movimento de produção cotidiana contínua do Estado
Democrático, conforme coloca Dewey (1927). No entanto, pode-se constatar, como afirmam
os autores pragmatistas como Cefai (2007), Chateauraynaud (2011a) e Latour (2012), esse
movimento do “social sendo construído” não é linear, evolutivo. Ele é permeado de inúmeros
avanços e retrocessos, de idas e vindas. Nesse sentido, esse trabalho permite confirmar que a
construção da democracia é um processo contínuo e constante que dá trabalho e exige dedicação
contínua.
É perceptível a profundidade com que os debates públicos vão ocorrendo e a forma
como os atores do FPPF vão realizando autocrítica e se reconfigurando na medida em que
avança com sua legitimidade na mediação e deliberação sobre as políticas públicas. Esse fato
pode ser confirmado pelas diversas interlocuções que o FPPF promove junto ao executivo e
legislativo municipais, com os Conselhos de PPs, com as OSCs, MP e TCE. Conclui-se, assim,
que o FPPF constitui-se em um espaço de experimentação e de fortalecimento democrático,
mas existem evidências claras de que, principalmente nos últimos anos, isso vem se
arrefecendo, vem se concentrando em algumas organizações e que o debate volta a se dar mais
em torno da questão da sobrevivência e da garantia de condições de sustentação da política e
da própria participação.

REFERÊNCIAS
ABERS, R.; SERAFIM, L.; TATAGIBA, L. Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado
Heterogêneo: A Experiência na Era Lula. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, p.325-
357, 2014.
ALEXANDRE, A. Sociologia da Ação Coletiva. Florianópolis: Editora da UFSC, 2018.
ALVESSON, M. Methodology for close up studies: struggling with closeness and closure. Higher Education, v.
46, n. 2, p. 167-193, 2003.
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XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020
Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online

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i
Essas atividades estão listadas em XXXXXX (2019) e incluem assembleias ordinárias e extraordinárias, reuniões de comissões de trabalho,
mobilizações, audiências, elaboração de diagnósticos, relatórios, ofícios, entre outras
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Consiste no projeto de pesquisa e extensão mais amplo no qual esse estudo se insere que se materializa por uma plataforma online
colaborativa que auxilia no mapeamento e compreensão do Ecossistema de Inovação Social (EIS) no município. Para mais informações
conferir em XXXXX.

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