Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Grupo de Investigação em Neurociências Cognitivas (GNC), Instituto de Ciências da
Saúde (ICS), Universidade Católica Portuguesa (UCP).
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem aumentado o interesse da neuropsicologia infantil pelo
âmbito escolar (Hale & Fiorello, 2004; Lussier & Flessas, 2001). São muitos os
transtornos neuropsicológicos que se evidenciam neste contexto. Já no início dos anos
90 Obrzut e Boliek (1991) verificaram que 10% a 15% das crianças e jovens em idade
escolar apresentavam dificuldades de aprendizagem relacionadas com lesões ou
disfunções cerebrais. Actualmente, a nível internacional, as dificuldades de
aprendizagem escolar têm-se manifestado como um dos domínios de maior solicitação
em contextos de avaliação neuropsicológica (D’Amato, Fletcher-Janzen & Reynolds,
2005).
A avaliação neuropsicológica tem sido reconhecida como fulcral para a definição
de diagnósticos (Lezak, 2003), visto que cada vez mais é a partir deste procedimento
que se consegue analisar, de forma mais fidedigna, as condições das crianças com
alterações do desenvolvimento, bem como as suas dificuldades e/ou potencialidades. Os
vários estudos que se têm desenvolvido com recurso à neuropsicologia têm alterado de
forma significativa o modo de compreender determinados problemas de aprendizagem,
como é o caso da dislexia (Shaywitz et al., 2001).
Porém, e ao contrário do que se verifica com as capacidades linguísticas, o
raciocínio lógico-matemático é ainda um domínio não contemplado na maioria das
bateriais de avaliação neuropsicológicas. Situação esta que nos leva desde já a
identificar que na ciência da neuropsicologia cognitiva, muitos avanços são, ainda,
necessários para o aprimoramento de recursos de avaliação.
O estudo da matemática no cérebro é a área que actualmente mais tem intrigado
os cientistas, pelo que num futuro próximo se espera um aumento significativo da
literatura neurocientífica (Dehaene, 2009).
Embora a matemática seja historicamente muito antiga, a expectativa de que todos
os indivíduos sejam quantitativamente letrados é, fundamentalmente, uma exigência da
sociedade do séc. XXI. Apesar da vivência num meio social que se encontra cada vez
mais imerso em números e dados estatísticos, muitos cidadãos alfabetizados
permanecem matematicamente disfuncionais.
Os relatórios da OCDE (2006) têm apresentado dados preocupantes relativamente
a indicadores nacionais do (in)sucesso escolar a nível da escolaridade básica e
secundária. Os alunos portugueses são frequentemente classificados em níveis baixos de
competências académicas, especialmente nas matemáticas, quando comparados com os
seus pares de outros países europeus.
Agudizando este cenário, a maioria dos indivíduos reconhece que um baixo nível
linguístico pode tornar difícil as actividades diárias na vida adulta, mas, muitas vezes, é
assumido que a numeracia (ou seja, ser capaz de lidar com números, quantidades,
estimativas, cálculos) é menos importante que a literacia. No entanto, Parsons e Bynner
(2005) mostraram que as competências matemáticas têm grande expressão na vida
quotidiana dos sujeitos podendo inclusive condicionar percursos académicos e a escolha
de áreas profissionais menos qualificadas. Tanto para as coisas mais simples do dia-a-
dia, como ir às compras, ou para as grandes descobertas científicas das mais variadas
áreas, como a tecnologia, a matemática é indispensável (Cantlon, Platt & Brannon,
2009).
informação seja modificada de um código para outro, i.e., converter um número arábico
para uma palavra numérica (“1” para “um”) e vice-versa (Castro Caldas, 2006).
Recentemente Krajewski (2008) propôs um modelo de desenvolvimento
matemático precoce no qual pressupõe que a competência emergente de quantidade é
adquirida através de 3 níveis que levam a criança em direcção de uma maior
compreensão da quantidade para a ligação da palavra-número (Krajewski & Schneider,
2009). Com este modelo supõe-se que as crianças fazem uma transição processual para
uma compreensão cada vez mais conceptual das palavras numéricas. Embora estas
assumpções pareçam razoáveis, muitas são as questões por responder sobre as etapas de
desenvolvimento da cognição numérica.
A nossa compreensão do desenvolvimento numérico precoce é limitada devido à
ausência de validação empírica dos modelos de desenvolvimento do cálculo. As teorias
sobre a cognição numérica precoce são, na sua maioria, baseadas em modelos de
adultos e, actualmente, são ainda hipotéticas (Kaufmann, 2008; Wilson & Dehaene,
2007).
3.2. De que forma os testes neuropsicológicos podem ser utilizados para predizer as
capacidades matemáticas das crianças?
Antes da idade escolar, a sociedade promove algumas competências que precedem
o ensino da simbologia, nomeadamente as de mediação verbal para as operações de
compreensão de quantidades e de contagem, estabelecendo também uma ligação com
elementos do corpo (contagem de dedos) ou a ele externos (objectos) (para uma revisão
compreensiva ver Castro Caldas, 2006). De acordo com estudos recentes, os elementos
do corpo, i.e., a representação dos dedos (finger gnosia), são bons preditores do
desempenho matemático das crianças (Penner-Wilger et al., 2008; Penner-Wilger et al.,
2007).
Noël (2005) verificou no seu estudo que as tarefas neuropsicológicas aplicadas, e
ao contrário das medidas gerais de desenvolvimento cognitivo, permitiram identificar o
poder preditivo da representação dos dedos nas capacidades numéricas de crianças
escolarizadas. As tarefas neuropsicológicas parecem assim fundamentais para o estudo
dos precursores que suportam as capacidades matemáticas.
As capacidades visuo-espaciais, as funções executivas e a percepção de
quantidades (subitizing) são exemplos das tarefas neuropsicológicas ultimamente
testadas (Rips, Bloomfield, & Asmuth, 2008; Cordes & Gelman, 2005). Estas áreas têm
igualmente evidenciado associações significativas com algumas habilidades
matemáticas, mas ainda não são totalmente claros os seus índices preditivos. No
entanto, a análise integrada de todas estas funções neuropsicológicas com as
competências matemáticas emergentes ainda não foi explorado.
jogo que remete para um menino, o Henrique, que entrou num labirinto e não consegue
sair sem ajuda. A criança é incentivada a fazer as várias tarefas com a finalidade de
ajudar o Henrique a sair do labirinto. Utilizámos o SuperLab 4.0 para as actividades
computorizadas. No nosso protocolo são também aplicadas tarefas não-computorizadas,
manipuláveis, sendo que as instruções advêm sempre do jogo “Ajuda o Henrique”.
Legenda: (a) Instruções do jogo “Ajuda o Henrique”; (b) Tarefa “Quantos dedos?”; (c) Tarefa
“Onde há mais pontos?”.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) pela concessão da bolsa
de doutoramento SFRH/BD/46767/2008.
Agradecemos a colaboração da Designer Ruth Ferreira na concepção da imagem do jogo
“Ajuda o Henrique”. Um especial agradecimento à Professora Doutora Ana Maria Abreu pelos
seus preciosos comentários e sugestões que permitiram melhorar este trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anderson, M. L., & Penner-Wilger, M. (2007). Do redeployed finger representations
underlie math ability? In D. S. McNamara & J. G. Trafton (Eds.), Proceedings of
the 29th Annual Cognitive Science Society (p. 1703). Austin, TX: Cognitive
Science Society.
Ansari, D., Donlan, C., Thomas, M. S. C., Ewin, S. A., Peen, T., & Karmiloff-Smith, A.
(2003). What makes counting count? Verbal and visuo-spatial contributions to
typical and atypical number development. Journal Experimental Child
Psychology, 85, 50–62.
Bannoff, S., LeFevre, J., Bisanz, J., Fast, L., Kamawar, D., Smith-Chant, B. L., &
Skwarchuk, S.-L. (2006, June). The Corsi block-tapping task in children:
Exploring performance, stimulus variations, and relations to early mathematical
ability. Poster presented at the annual meeting of the Canadian Society for
Brain, Behaviour, and Cognitive Science, Saskatoon, SK.
Baron, I. S. (2004). Neuropsychological Evaluation of the Child. New York: Oxford
University Press.
Barth, H., La Mont, K., Lipton, J., & Spelke, E. S. (2005). Abstract number and
arithmetic in preschool children. Proceedings of the National Academy of
Sciences, U.S.A., 102, 14116-14121.
Blakemore, S-J. & Frith, U. (2009). O cérebro que aprende. Lições para a educação.
Lisboa: Gradiva Publicações.
Brannon, E., Wusthoff, C., Gallistel, C., & Gibbon, J. (2001). Numerical subtraction in
the pigeon: Evidence for a linear subjective number scale. Psychological
Science, 12, 238–243.
Bisanz, J., Sherman, J. L., Rasmussen, C. & Ho, E. (2005). Development of arithmetic
skills and knowledge in preschool children. In J. I. D. Campbell (Ed.), Handbook
of mathematical cognition (pp. 43-54). New York: Psychology Press.
Bull, R., Espy, K. A., & Wiebe, S. A. (2008). Short-term memory, working memory
and executive functioning in preschoolers: Longitudinal predictors of
Penner-Wilger, M., LeFevre, J., Fast, L., Smith-Chant, B. L., Skwarchuk, S., Bisanz, J.,
& Kamawar, D. (2007, March). Putting your finger on it: How
neuropsychological tests predict children’s math performance. Poster presented
at the Society for Research in Child Development biennial meeting, Boston,
MA.
Plaisier, M. A., Tiest, W. M. B., & Kappers, A. M. L. (2009). One, two, three, many –
Subitizing in active touch. Acta Psychologica, 131, 163-170.
Rey-Casserly, C. (1999). Neuropsychological assessment of the preschooler. In E. V.
Nuttall, I. Romero, & J. Kalesnik (Eds.), Assessing and screening preschoolers:
Psychological and educational dimensions (pp. 281–295). Boston: Allyn &
Bacon.
Reynolds, C., & Fletcher-Janzen, E. (Eds.) (2009). Handbook of clinical child
neuropsychology (3rd ed.). New York: Springer.
Rips, L., Bloomfield, A. & Asmuth, J. (2008). From numerical concepts to concepts of
number. Behavioral and Brain Sciences, 31, 623-687.
Rhodes, R. L., D’Amato, R. C. & Rothlisberg, B. A. (2009). In Reynolds, C., &
Fletcher-Janzen, E. (Eds.) Handbook of clinical child neuropsychology (3rd ed.,
pp. 321-348). New York: Springer.
Rodrigues-Rato, J. (2009). Competências matemáticas emergentes: Desempenho
neuropsicológico de crianças em idade pré-escolar. Projecto de investigação
submetido à Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Manuscrito não publicado.
Sarnecka, B.W., & Carey, S. (2008). How counting represents number: What children
must learn and when they learn it. Cognition, 108, 662-674.
Sequeira, M. J. (1990). Contributos e limitações da teoria de Piaget para a educação em
ciências. Revista Portuguesa de Educação, 3, 2, 21-35.
Simões, M. R., & Castro-Caldas, A. (2003). Nota de apresentação. Edição Especial
Neuropsicologia. Psychologica, 34, 7-8.
Shaywitz, B. A., Shaywitz, S. E., Pugh, K. R., Fulbright, R. K., Mencl, W. E.,
Constable, R. T., Skudlarski, P., Fletcher, J. M., Lyon, G. R., & Gore, J. C.
(2001). The neurobiology of dyslexia. Clinical Neuroscience Research, 1, 4,
291-299.
Shinskey, J. L., Chan, C. H., Coleman, R., Moxom, L., & Yamamoto, E. (2009).
Preschoolers’ nonsymbolic arithmetic with large sets: Is addition more accurate
than subtraction? Journal of Experimental Child Psychology, 103, 409-420.
Strauss, E., Sherman, E.M.S., & Spreen, O. (2006). A Compendium of
Neuropsychological Tests: Administration, norms, and commentary. (3rd. ed.).
NY. Oxford University Press.
Wilson, A., & Dehaene, S. (2007). Number sense and developmental dyscalculia. In D.
Coch et al. (Eds.), Human Behavior Learning and the Developing Brain:
Atypical Development (pp. 212–238). NY: Guilford.
Wynn, K. (1998). Psychological foundations of numbers: Numerical competence in
human infants. Trends in Cognitive Sciences, 2, 296–303.
Wynn, K. (1992). Addition and subtraction in infants. Nature, 358, 749-750.
Wynn, K. (1990). Children's understanding of counting. Cognition, 36, 155-193.
Van de Rijt, B. A. M., & Van Luit, J. E. H. (1999). Milestones in the development of
infant numeracy. Scandinavian Journal of Psychology, 40, 65–71.
Van Nes, F. & de Lange, J. (2007). Mathematics Education and Neurosciences:
Relating Spatial Structures to the Development of Spatial Sense and Number
Sense. The Montana Mathematics Enthusiast, 4, 2, 210-229.
Varma, S., & Schwartz, D. L. (2008). How should educational neuroscience
conceptualize the relation between cognition and brain function? Mathematical
reasoning as a network process. Educational Research, 50, 149-161.
Xu, F. & Carey, S. (1996) Infants' metaphysics: the case of numerical identity.
Cognitive Psychology, 30, 111-153.
Xu, F. & Spelke, E. S. (2000). Large number discrimination in 6-month-old infants.
Cognition, 74, B1-B11.