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A Estranha Passageira

- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo - e
riu nervosinha, coitada.
Depois me pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria
fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no
aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às
suas ordens.
Madame entrou no avião carregando um monte de embrulhos, que segurava
desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos
aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa
operação em sua farta cintura.
Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às
minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia
aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando
ridícula:
- Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que
ela estava no Rio e eu em São Paulo.
- É para a senhora usar em caso de necessidade - respondi baixinho.
Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi,
porque ela arregalou os olhos e exclamou:
- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?
Alguns passageiros riram, outros - por fineza - fingiram ignorar o lamentável equívoco da
incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com tantas
carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para
cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o
encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.
O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens
para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e
lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:
- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?
Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em
caso de necessidade, saía-se por ela.
Madame sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do
"show". Mesmo os que mais de divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se
acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madame deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado
da janela para ver a paisagem) e gritou:
- Puxa vida!!!
Todos olharam para ela, inclusive eu. Madame apontou para a janela e disse:
- Olha lá embaixo.
Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal
lá embaixo até parece formiga.
Suspirei e dissei:
- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.

Stanislaw Ponte Preta


A Velha Contrabandista

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela
fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da
Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela
parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que
diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela adquirira
no odontólogo, e respondeu:
- É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar
da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só
tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na
lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro
com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta
com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no
saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês
seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa
de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal
propôs:
- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não
conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora
está passando por aqui todos os dias?
- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha.
- Juro - respondeu o fiscal.
- É lambreta.

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