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ÉTICA NA PRATICA DA HIPNODONTIA

Dr. Angel Olives (*)


Buenos Aires — Argentina

O que é a ética? É parte da Filosofia que trata da moral e das obrigações do homem para con-
sigo mesmo e em suas relações públicas e privadas. No exercício de nossa profissão, essas obrigações
são, em primeiro lugar, para com os pacientes e para com o grupo social do qual formamos parte:
os colegas.
A ética é um conjunto de normas que velam pela correção de procedimentos, que se devem rea-
lizar em um plano geral em benefício do paciente e também evitando que afetem o prestígio do pro-
fissional. Quando se não as cumpre, a ética estabelece sanções que são, sem dúvida, diferentes das jurí-
dicas.
Nos pacientes é clássico o temor ao dentista. Apesar dos progressos da técnica, apesar da eficá-
cia da anestesia química que habitualmente se usa, apesar da paciência e empenho que o profissional
demonstra para inspirar confiança, simpatia, segurança; apesar de tudo isso, não consegue muitas
vezes que o paciente domine seu terror à c jdeira dentária, seu medo ao motor, sua apreensão à picada
da agulha. Essas manifestações se exacerbam nas pessoas nervosas.
A hipnose é o único recurso isento de tóxicos, com o qual se pode já obter que tal apreensão e
ansiedade desapareçam, e se pode trabalhar sem temor e sem dor. Aspirações tão intensamente dese-
jadas justificam o entusiasmo pela citada disciplina. Sua difusão se estende cada dia mais.
Ao aplicá-la, cada praticante deve levar em conta que a relação interpessoal adquire com a hip-
nose maior hierarquia.
O indivíduo atua sempre como uma totalidade e toda nossa intervenção o afeta integralmente.
Os preceitos da ética se impõem com nais rigor. Descontando aqueles de ordem geral, que se aplicam
a todo profissional, referentes à publicidade, segredo profissional, etc. devemos considerar outros, que
poderíamos chamar de específicos, para os que praticam a hipnose.
Poderíamos citar:
1? — conhecimento científico desta disciplina;
2?— possuir um pleno domínio da metodologia: técnicas e aplicações sem espetaculosidade;
3? — usá-la com a prudência e discriminação necessárias para evitar todo trauma;
4?— aplicá-la só nos casos necessários;
59— nunca contra a vontade do paciente;
69— só com fins terapêuticos;
79 —com sentido de responsabilidade;
89— limitada à especialidade: Odontologia.

* Trabalho apresentado durante o / Congresso Pan-Americano de Hipnologia, Rio de Janeiro, 16 a 22 de julho,


1961.
Nota do editor: O autor é um dos mais bem conceituados hipnologistas da Argentina, tendo tido importante atua-
ção no referido Congresso. É autor de inúmeros trabalhos científicos.

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1? — Conhecimento científico da hipnose: utilizada sob outro aspecto e intsn '•'
ferentes, desde os tempos mais remotos, esteve misturada com a magia e o ocultismo. Era oonuv ad<
produto de poderes e dons especiais que só algumas pessoas possuíam.
Nos fins do séc. XVIII a destacada, ainda que discutida atuação de Mesmer, dá-ihe um ir
que adquire transcendência no mundo daquela época.
Em meados do século XIX, Braid procura explicar os fenómenos cientificamente, e nos fins cio
mesmo século Charcot consegue que a Academia de Medicina de Paris lhe confira a hierarquia de dis-
ciplina científica.
Homens de ciência, consagrados ao seu estudo, estabeleceram os fundamentos psicofisiológicos
da aplicação da hipnose com fins terapêuticos. O que o profissional necessita sãd conhecimentos de
psicologia, psicossomática, psicodinâmica e de hipnologia, suficientes para que-lhe permitam a ade
quada interpretação e controle dos estados emocionais que provoca, e das reações que se podem
desencadear na psique do paciente durante o processo hipnótico.
2? — Possuir um pleno domínio da metodologia: técnicas e aplicações sem espetaculosidade —
Porém, não é suficiente o conhecimento teórico; é indispensável conhecer uma metodologia que vai
levando o paciente, passo a passo, até a uma espécie de sono cada vez mais profundo.
Hoje estamos fundamentados no fato de que se deve atuar em colaboração com o paciente e,
portanto, toda técnica traumática, abrupta, espetacular ou imperativa deve ser descartada. Não há do-
minação por uma parte e subjugação por outra. Não se pode solicitar colaboração se não se baseia no
devido respeito. E diria mais, é necessário fazer notar ao paciente que será seu próprio EGO quem irá
obtendo os diferentes estados: a catalepsia de um braço, a insensibilidade da zona que vai ser operada,
etc, o que significará um estímulo para ele, se sentirá elogiado e colaborará com mais entusiasmo. O
mérito do profissional estará na habilidade para induzir-lhe a obter esses estados.
39 — Usar a hipnose com a prudência e a discriminação necessárias para evitar todo trauma —
A ética nos exige não prejudicar o paciente, porém para isto é mister, além do conhecimento cientí-
fico da hipnose, uma correta metodologia, conhecer o estado psíquico do paciente, os sintomas que o
afligem e a origem dos mesmos. As sugestões devem ser adequadas ao meio em que atuam, acessíveis à
sua compreensão, agradáveis se possível, respeitando em todo momento suas crenças religiosas e polí-
ticas, sua moral.
Porque causar-lhe a alucinação de um tigre que se atira sobre ele? Ou de uma ratazana entrando
na habitação de uma paciente?
Porém, sem chegar a esses extremos, devemos, além disso, ter presente que o que ao profissional
pode parecer prazeiroso, pode não sê-lo para o paciente; o que para um resulta inóquo, para outro
pode ser traumatizante.
As sugestões pós-hipnóticas nunca devem criar situações de violência ou de excitação.
49 — Aplicá-la só nos casos necessários — Há pessoas que comparecem ao consultório com toda
a tranquilidade, confiantes, sem preocupações, não apresentando qualquer inconveniente para serem
atendidas. Isto ocorre comumente quando é o mesmo profissional quem as atende durante longos
anos e também naquelas que são tranquilas por natureza. Com estas pessoas não há objeções à indu-
ção da hipnose.
Nosso entusiasmo nos impele, às vezes, a intentá-la indiscriminadamente. Devemos saber nos
conter, para propô-la só nos casos necessários.
59 — Nunca contra a vontade do paciente — Muitos pacientes não vêem com simpatia a hip-
nose: pelo que presenciaram no teatro e os impressionaram mal, e inclusive se sofreram algum trans-
torno por se terem deixado hipnotizar; por acreditarem que só são hipnotizáveis as pessoas ignoran-
tes ou deficientes de vontade, débeis ou histéricas; por temor de ficarem, a partir de então, sob a de-
pendência do profissional; por temor de falarem demasiadamente quando "adormecidos";por se sen-
tirem contrariados em suas crenças religiosas; por não inspirar-lhes confiança o profissional; enfim,
por um sem número de motivos repelem o emprego da hipnose nos seus respectivos casos.
Se, apesar de tudo, o profissional considera indicado o seu uso, deverá demonstrar, antes de
tudo, os erros de tais objeções, elucidar as dúvidas suscitadas, explicar os benefícios que podem ser
obtidos, etc, sendo de grande interesse sugerir a leitura de algum artigo ou livro adequado, colocar o
paciente em contato com outros já tratados com hipnose, etc, até alcançar uma mudança daquela

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atitude. Muito melhor será, sem dúvida, se conseguir despertar no paciente um verdadeiro interesse
para que a experiência se realize. Nossa norma deve ser: nunca atuar contra a vontade do paciente.
69 — Só com fins terapêuticos — Em nossa situação de profissionais, nos ocorreria em algum
momento, frente a amigos ou familiares em uma pequena ou grande reunião, injetar um anestésico
para demonstrar que a pele de uma certa zona se torna insensível? — Não, evidentemente, não o fa-
ríamos. Com a hipnose devemos proceder com a mesma circunspecção. Não pode ser utilizada como
entretenimento.
A hipnose deve ser utilizada somente com um fim terapêutico, antes, durante e depois de nossas
intervenções. No pré-operatório, eliminar todo temor, ansiedade ou apreensão; durante a intervenção,
para evitar a dor e qualquer outro inconveniente; no pós-operatório, toda a sugestão que é dada para
ser cumprida fora do consultório não deve ter outro objetivo que o terapêutico.
79 — Com sentido de responsabilidade — Temos dito que o emprego da hipnose dá maior realce
às relações interpessoais entre paciente e operador, o que obriga a este último a proceder com um alto
sentido de responsabilidade. Não só deve saber interpretar as emoções que pode despertar no trans-
curso do processo hipnótico, como também saber controlar suas próprias emoções.
A hipnose, como qualquer conhecimento, pode ser bem ou mal empregada, porém, mesmo no
caso de ser bem empregada, será necessário tomar as devidas precauções para evitar que seu uso seja
distorcidamente interpretado. Cada profissional deverá proce'der de tal forma que sua atuação de-
monstre ser provinda de alta e inspirada fonte.
89 — Limitada à especialidade: Odontologia — Tanto médicos como odontólogos necessitam
de uma base sólida de preparação teórico-prática para exercer a hipnose. Tem-se dito que a hipnose é
uma só, e assim vemos que os cursos são ministrados habitualmente para uns e para outros de forma
conjunta. Tampouco é raro ver-se um texto de hipnose médico-odontológica. Disto pode resulta; uma
certa confusão para o odontólogo. Até onde está autorizado a exercê-la? — Sem dúvida, se levarmos
em conta que utilizamos a hipnose como um recurso terapêutico, é fácil compreender que seu campo
de atuação não se alarga em quantidade, sendo mais em qualidade. O profissional atuará em melhores
condições de eficiência porque conta com mais um recurso terapêutico.
Um exemplo nos esclarecerá. Assim, suponhamos que um paciente vem à nossa consulta com
certo nervosismo, cefaléia, mal-estar. Com a hipnose não é difícil obter uma sedação e o desapareci-
mento destes sintomas, provocados muitas vezes pela mesma dor que o traz ao consultório e peia
preocupação do que lhe vai ser feito.
Todavia, quando esse estado de nervosismo se manifesta não só como reação, devido à visita ao
dentista, mas também perdura no decurso do dia ou da noite, ou por qualquer outro motivo aparente,
deve-se presumir que outras causas estão influenciando o mal que o aflige. Excede, então, os limites
de nosso ministério, e devemos encaminhá-lo ao médico.
Que estes preceitos de ética brevemente enunciados e fundamentados, nos sirvam de norma, e
assim trabalharemos pelo prestígio da hipnose, fazendo-a merecedora do apreço e respeito de nossos
semelhantes.

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