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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.

2013v15n35p108

Artigo recebido em: 12/06/2011


Aceito em: 06/04/2012

AS CULTURAS ORGANIZACIONAIS TERRITORIALIZADAS


The Organizational Cultures Territorialized

Luciano Mendes
Professor Adjunto no Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá – Barretos – SP, Brasil. E-mail:
lucianobtos@yahoo.com.br

Neusa Rolita Cavedon


Professora Associada na Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS, Brasil. E-mail:
nrcavedon@ea.ufrgs.br

Resumo Abstract
O objetivo deste ensaio é estabelecer a articulação entre The key objective in this paper was to establish a
as noções de cultura organizacional e de território, para link between the concepts of organizational culture
analisar as manifestações culturais como fenômenos and territory, with the aim of analyzing the cultural
territorializados. Para tanto, inicialmente, teceu-se phenomena as territorialized. For that, initially, wove
considerações visando ao aprofundamento das considerations were aimed at deepening discussions on
discussões sobre cultura organizacional e espaço/tempo organizational culture and space/time in organizational
nos estudos organizacionais. Após esse percurso, o studies. After this journey, the purpose was to
propósito foi o de enfatizar as teorizações sobre território emphasize the theories about territory elucidating its
procurando elucidar suas peculiaridades, aprofundando peculiarities, deepening the convergences and
as convergências e as divergências existentes entre divergences between the concepts of territory, space
os conceitos de território, espaço e lugar. Finalmente and place. To finally articulate the intercross, aiming
articulam-se os intercruzamentos objetivando a to grasp the organizational culture territorialized.
apreensão da cultura organizacional territorializada. Some considerations, even partial, are shown at the
Algumas considerações, ainda que parciais, encontram- end of the article and point to the fact that production
se apresentadas no final do artigo e apontam para o fato in the symbolic and political statements about the
de que a produção simbólica e política nas assertivas organizational culture have actual meaning when
sobre a cultura organizacional apresentam significado located, bounded or allocated.
efetivo quando situadas, delimitadas ou alocadas.
Key words: Organizational Culture. Territory.
Palavras-chave: Cultura Organizacional. Território. Organizations.
Organizações.

Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.


As Culturas Organizacionais Territorializadas

1 INTRODUÇÃO das olimpíadas de Los Angeles, procurando mostrar


que o modo de gerenciamento possibilita objetivos
Um dos conceitos difusos nos estudos organi- comuns e um sentimento de identidade.
zacionais, assim como tantos outros, é o de cultura Já numa perspectiva da diferenciação, Rosen
organizacional. Como mostram Martin (1992) e Ca- (1991), ao estudar o ritual de “café da manhã” pro-
vedon (2008), o grande interesse entre os estudiosos movido em uma agência de publicidade, identifica, no
sobre cultura organizacional vem ampliando o caos conceito de cultura organizacional, aspectos simbólicos,
conceitual, limitando e/ou possibilitando compre- relações de poder e a existência de grupos que se ar-
ensões múltiplas desse fenômeno nas organizações. ticulam em torno de interesses comuns. Nessa mesma
No entremeio a esse caos conceitual, Martin (1992) linha, Bartukek e Moch (1991) observam que a ideia
identifica três perspectivas sobre os estudos da cultura de organização comporta a existência de múltiplas
organizacional: a integração, a diferenciação e a frag- culturas, diferentes e até mesmo com crenças, valores
mentação. No primeiro caso, a cultura organizacional e pressupostos incompatíveis, que permitem distinções
é vista numa perspectiva consensual, promotora da entre os grupos. Nesse enfoque, a cultura organizacio-
integração organizacional. No segundo caso, a cultura nal passa a ser vista como um emaranhado de relações
organizacional é observada como um emaranhado de simbólicas e políticas que ocorrem no contexto das or-
subculturas, que possuem consenso interno ao grupo, ganizações, possibilitando o desvendamento de grupos,
mas que apresentam conflitos intergrupos decorrentes hierarquias e conflitos entre os integrantes.
dessas culturas diferenciadas. Por fim, tem-se a pers- Meyerson (1991), que possui seu trabalho ar-
pectiva da fragmentação, que enfatiza a multiplicidade ticulado na perspectiva da fragmentação, realiza um
de visões, mostrando que consistência e inconsistência resgate do conceito de cultura organizacional, que
“puras” são situações raras dentro das organizações. lhe possibilita mostrar a ambiguidade das ações nas
Mesmo identificando essas três perspectivas, Martin organizações. Para Meyerson (1991), os estudiosos,
(1992) procura mostrar que as diferenças não se con- tradicionalmente, têm definido a cultura como a
figuram em problemas paradigmáticos, mas somente forma que uma comunidade de pessoas lida com os
em maneiras de focar a compreensão do ambiente problemas compartilhados. Nessa visão, o limite cul-
organizacional, podendo – como a própria autora fez tural é bem delimitado e depende apenas de como os
– num único caso, serem detectados postulados que membros definem quem está dentro e quem está fora.
sustentam as três perspectivas culturais. Na visão de Meyerson (1991), em algumas organiza-
Mas não cabe somente atentar para as diferen- ções, detectar esses limites e acreditar que todos os
ças na maneira de focar a compreensão do ambiente integrantes compartilham de uma mesma visão e de
organizacional, pois o próprio conceito de cultura um mesmo significado sobre os problemas e as ações
organizacional se altera de uma perspectiva a outra. nas organizações configura-se como concepções pro-
Precursor da visão integracionista, Schein (1991) ob- blemáticas e de difícil compreensão, posto que visões
serva a cultura como padrão de pressupostos básicos e significados apresentam-se permeados por uma série
compartilhados, que foi inventado, descoberto ou de ambiguidades. A autora desenvolveu sua pesquisa
desenvolvido por um grupo, como forma de lidar com em um hospital, mostrando que, por um lado, os mem-
os problemas de adaptação externa e de integração bros possuem alguns valores compartilhados, como
interna, transmitido aos novos membros, sendo a o de ajudar pessoas, mas, por outro lado, possuem
maneira corrente de perceber, pensar e de sentir em orientações diversas sobre o como ajudar e qual o
relação àqueles problemas. Nessa perspectiva, a cultura significado em si do ato de ajudar.
organizacional, apesar de ser pensada como valores, Resgatar essas concepções é algo importante
sentimentos, artefatos, etc., pode ser transmitida, para o que se pretende nesse ensaio. Isso pelo fato
aprendida, alterada e, por que não, gerenciada. É isso de que, por mais que as perspectivas sobre cultura
que Martin e Frost (1998) chamam de “engenharia organizacional sejam diversas, em alguns aspectos
de valor”. Esse fato fica claro também no trabalho de tais perspectivas estão enredadas no que se poderia
McDonald (1991), que estudou o comitê organizador chamar de “lugar comum”, permitindo dizer “cultura

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organizacional”, independente da maneira como os entre espaço e cultura e que tal articulação pode vir
estudiosos acreditam que ela se manifesta. Talvez por a ser teoricamente aprofundada de modo a convergir
esse motivo, Martin (1992) identificou nítidas relações para o que já vem acontecendo com os estudos que
entre as três perspectivas teóricas nos estudos sobre buscam compreender as relações de poder e cultura
cultura organizacional. organizacional.
Além disso, quando há a enunciação do vocábulo Apesar de os estudiosos, que advogam pela
cultura organizacional, desde o início, ele toma forma perspectiva da integração da cultura organizacional, se
e lugar já constituído, o que permite pensar os fatores absterem de enfocar as relações de poder, nas perspec-
culturais em um espaço delimitado. Mesmo que na tivas da diferenciação e da fragmentação essas relações
concepção apresentada por Martin (1992) sobre a passam a ter um papel central. Dessa forma, o segundo
perspectiva da fragmentação haja a dissolução do que pressuposto é de que se nos espaços organizacionais
se poderia chamar de fronteira, essa dissolução não se ocorrem manifestações culturais que estão imbricadas
configura em eliminação – pois senão a diversidade com o poder, há que se discorrer teoricamente sobre
cultural estaria submersa num todo homogêneo – mas aspectos atinentes ao território, de modo a clarificar as
na existência de uma zona cinzenta, permitindo trocas manifestações culturais territorializadas, cuja articula-
simbólicas, sem que ocorra nessas trocas a anulação ção configura-se como fulcral nesse ensaio. Enfatizando
ou a incorporação de uma cultura pela outra. Não as discussões sobre território no entremeio aos debates
há manifestações culturais – principalmente nas or- sobre cultura organizacional, há a possibilidade de
ganizações – que se dão fora de um lugar ou de um unir, em uma só discussão, três fatores importantes nas
espaço, por mais difusas que sejam. Até mesmo numa ações humanas organizadas: cultura, espaço e poder.
das acepções mais antigas sobre o conceito de cultura Primeiro que a existência de espaços – e isso ficará claro
organizacional – que Young (1991) retoma em seu mais adiante – pressupõe fatores simbólicos. Segundo
texto – de que cultura é a maneira como se fazem as que as manifestações culturais – e esse será o ponto
coisas por aqui, há sempre essa visão localizada. defendido aqui – ocorrem sempre tendo por pano de
De posse dessas considerações é necessário ir fundo o espaço, mesmo que ele seja virtual. Terceiro
além. Se há nas discussões sobre cultura organizacional que tanto nas discussões sobre cultura organizacional
o fato de ela estar situada, então há a possibilidade – quanto sobre território, as relações de poder, em alguns
no entremeio a essas discussões espaciais da cultura pontos, tomam-se central.
organizacional – de verificar esse fenômeno como ter- Essas discussões territoriais nos estudos organi-
ritorializado. Essa relação entre cultura e espaço ocorre zacionais não são recentes, Pereira e Carrieri (2005)
de forma tão articulada que muitos autores, nos últi- já estabeleceram essas aproximações, ao elucidar os
mos anos, não chegam nem a mencionar tal aspecto, processos de territorialização, desterritorialização e re-
provavelmente por acreditarem que seria quase uma territorialização, em uma empresa de telecomunicações
tautologia realizar essa articulação. Se nas discussões de Minas Gerais. Apesar de salientarem aspectos atre-
sobre cultura os aspectos espaciais são tangenciados, lados à identidade e a significações simbólicas, esses
nas análises sobre as organizações esses aspectos são autores vinculam tais discussões, assim como fizeram
constantemente reavivados, pois esse é um dos fatores Aktouf (1991) e Chanlat (1992), à organização e não
que concede distinção às organizações. No trabalho especificamente à cultura organizacional, algo que se
de Chanlat (1992) isso é exposto, quando o referido pretende realizar por meio deste ensaio.
autor conceitua organizações como espaços de expe- Tendo por objetivo avançar nessa direção, a
riência humana, assim como Aktouf (1992), ao dizer intenção inicial é de se aprofundar as discussões
que as organizações são espaços onde se processam sobre cultura organizacional. Para tanto, realizou-se
elementos humanos de identidade e identificação. uma revisão de literatura (MARTIN, 1992; MARTIN;
Os autores apontam para as condições espaciais nas FROST, 1998; CAVEDON, 2008, dentre outros), com
discussões sobre as organizações, todavia o foco de o intuito de explorar os trabalhos que focaram mais
seus trabalhos encontra-se num contexto cultural. Com a análise do conceito de cultura organizacional do
isso, o primeiro pressuposto é de que há uma relação que, necessariamente, aqueles que evidenciaram a

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dinâmica da cultura organizacional nas práticas orga- trabalhos e variadas possibilidades de análises, po-
nizadas. Espaço e tempo, na perspectiva dos estudos dendo o conceito de cultura organizacional expressar,
organizacionais também serão considerados, pois por exemplo: as ideias e as cognições, os símbolos e
são de suma importância para compreensão sobre o os significados, os valores e as ideologias, as regras
deslocamento de que não apenas a organização se e as normas, o inconsciente coletivo, as regras de
constitui como espacializada, mas também as manifes- comportamento, as estruturas e as práticas etc.; que
tações culturais. Como a ideia de território congrega se manifestam nas organizações. Com esse resgate,
o espaço e as relações de poder, o próximo passo foi Alvesson (2002) mostra que o conceito de cultura orga-
retomar a essas discussões para subsidiar o conceito nizacional acaba sendo um conceito “guarda-chuva”,
proposto de “culturas organizacionais territorializadas”. que comporta uma série de estudos interessados em
Para isso, buscou-se aprofundar as convergências e as observar nas organizações os fenômenos simbólicos –
divergências existentes entre os conceitos de: território, rituais, mitos, histórias e lendas.
espaço e lugar, para logo em seguida o objetivo deste Na visão de Alvesson (2002), a cultura organiza-
ensaio se tornar evidente, na medida em que serão cional deve ser analisada numa concepção que inclui
estabelecidas relações entre cultura organizacional e mais os significados e o simbolismo da vida organi-
território de modo a se articular esses saberes. Por fim, zacional do que os valores e as regras como aspectos
algumas considerações finais sobre as contribuições centrais. Nesse sentido, Alvesson (2002) relaciona
que a observação das manifestações culturais nas significado com interpretação, procurando elucidar
organizações como fenômenos territorializados pode que o significado em cultura organizacional – apesar de
gerar no âmbito das temáticas em questão. sua referência subjetiva – é construído socialmente. Já
como símbolo, o referido autor define algo – palavra ou
declaração, tipo de ação ou fenômeno material – que
2 CULTURA ORGANIZACIONAL: AMPLIANDO representa e que vai além do objeto em si.
O ARSENAL DE ANÁLISES Czarniawaska-Joerges (1991), observando a
cultura organizacional como aspecto simbólico e
Se num primeiro momento o intuito de trazer à significado da vida organizacional, além da noção
reflexão as discussões sobre a cultura organizacional de que essa cultura é que possibilita o sentido nas
buscou elucidar suas perspectivas e a amplitude con- ações – símbolos – dentro do contexto organizacional,
tida nas possibilidades do estudo desse fenômeno nas salienta que nas organizações a cultura deve ser vista
organizações, num segundo momento, o foco centrar- em três dimensões compostas por: interação simbóli-
-se-á na ampliação dessa discussão ao se procurar ca, aspectos práticos e ações políticas. Nessa linha, a
detectar o que subjaz aos estudos sobre o fenômeno referida autora procura mostrar que, até mesmo em
cultural nas organizações. Nas três perspectivas (inte- ações mais racionais, como por exemplo, no caso de
gração, diferenciação e fragmentação) será possível um orçamento, há características simbólicas e processos
atribuir à cultura organizacional um lugar ou espaço, ritualísticos. Além disso, Czarniawaska-Joerges (1991)
mas será impossível delimitá-lo claramente, pois essas enfoca que as ações humanas devem ser consideradas
perspectivas o simbolismo atua de forma a extrapolar sob a perspectiva das relações de poder e por isso
os limites, na medida em que o simbólico faz com que há que se considerar essa ótica no âmbito da cultura
haja interação com o contexto mais abrangente. Por organizacional.
esse motivo, nos próximos tópicos, a intenção será de Se há, nas organizações, ações políticas e simbóli-
mostrar que as culturas organizacionais são heterogê- cas, então existem aí limites que possibilitam detectar a
neas, em espaços delimitados, o que permite visualizar “cultura de onde” e “a cultura do que”. Nesse sentido,
as manifestações de poder. Czarniawaska-Joerges (1991) realiza uma discussão
Como já apresentado nos estudos de Martin interessante, procurando desvendar – diante das três
(1992), Alvesson (2002) afirma que as pesquisas sobre dimensões destacadas anteriormente – o contexto cul-
cultura organizacional se apresentam como um campo tural do processo de organização. Essa autora retoma
muito heterogêneo, que comporta uma amplitude de uma clássica dicotomia entre organização e ambiente,

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dizendo que tal dualidade limita as possibilidades de podem ser isolados uns dos outros, como bem expõe o
relacionamentos e procura imputar fronteiras claras próprio Aktouf (1992), porque a cultura organizacional
entre esses contextos. Fica claro que o trabalho dessa não se constitui em um espaço em que os indivíduos
autora está consoante com a perspectiva da fragmen- ao interagirem se despem, deixando do lado de fora
tação, sendo assim impossível a definição de limites. os valores e crenças compartilhados socialmente. Por
Todavia, Czarniawaska-Joerges (1991) mostra que nas esse motivo, as fronteiras são nebulosas e de difíceis
organizações existem peculiaridades que congregam limitações, mas isso não anula a existência de culturas
espaços e tempos coletivos. Nessa linha, uma das organizacionais. Então, o que subjaz a existência de
formas encontradas pela autora para detectar esses várias culturas organizacionais? Um dos indícios mais
aspectos diferenciados é a ideia dos processos de importantes está na própria constituição de espaços
estruturação do campo organizacional, que ela extrai, sociais de cooperação e luta. A capacidade humana
por exemplo, das teorizações de estrutura social desen- – como ficará claro nas considerações de Kant (2001)
volvidas por Giddens (2003). – de constituir espaços e possibilitar significados ge-
Por outro lado, Alvesson (2001) realiza uma análi- rados nas interações simbólicas permite a existência
se sobre a distinção entre cultura e estrutura social. Para de manifestações culturais, cujos aspectos materiais e
esse autor, a cultura funciona como um sistema mais ou imateriais ganham significados próprios.
menos coerente de significados e símbolos que ocorre Quando Alvesson (2001) e mesmo Czarniawaska-
em um determinado lugar. Enquanto a estrutura social -Joerges (1991) elaboram pressupostos sobre cultura
funciona mais ou menos como padrão nas interações organizacional, é visível que a análise desses autores se
sociais. É interessante salientar – e isso ficará claro constitui como manifestação cultural que ocorre em um
mais adiante – que nos referenciais teóricos sobre ter- lugar específico: a organização. Nessa linha, as ideias
ritório essa dicotomia feita por Alvesson (2001) é algo de espaço e localização são atribuídas às organizações,
que não se configura, o que impõe a necessidade de como foi possível observar nas discussões de Chanlat
repensá-la. Apesar das peculiaridades, há a influência (1992), enquanto os atributos simbólicos gerados nes-
de um sistema no outro, além de que – seguindo as ses lugares específicos se constituem nas manifestações
considerações de Czarniawaska-Joerges (1991) – há culturais. Mesmo Aktouf (1992), que ao denunciar o
a possibilidade de detectar estruturas também no con- isolamento de atributos manifestos no contexto das
texto das organizações. organizações (por exemplo, estrutura social e cultura),
Apesar dessa diferença estabelecida em Alvesson incorre no ato de exacerbar em suas análises aspectos
(2001) entre estrutura social e cultura, Aktouf (1992) como os mitos e os heróis, minimizando as discussões
acredita que essa dissociação pode limitar a apreensão espaciais nos estudos sobre as culturas organizacionais.
dos pressupostos culturais. Para esse autor, é necessá- No trabalho de Aktouf (1992), algumas consta-
rio – nos estudos sobre cultura – considerar a estrutura tações sobre o conceito de cultura, permitem observar
social (sistemas de posicionamentos na sociedade, que as discussões espaciais estão à margem dos fatores
regulamentos que disciplinam as interações), a história, culturais. De início, Aktouf (1992, p. 50) resgata um
seu desenvolvimento, seu futuro, assim como as experi- conceito clássico estabelecido por Edward Tylor em
ências vividas pelos membros dessa sociedade. Por esse seu texto sobre a cultura primitiva, que diz a cultura
motivo, Czarniawaska-Joerges (1991), procurando como um “[...] todo complexo que inclui os saberes,
avaliar os elementos dos processos culturais, enfatiza as crenças, a arte, as leis, a moral, os costumes etc.”.
a necessidade de observar as interações simbólicas, Nesta mesma linha, Aktouf (1992, p. 50) cita o conceito
os aspectos práticos e as ações políticas. Isso por que, constituído por Ralph Linton, onde a “[...] cultura é
como mostra Aktouf (1992), a cultura é um complexo a configuração de condutas aprendidas”, assim como
coletivo feito de “representações mentais” que ligam o o conceito gerado por Ruth Benedict, ao dizer que a
imaterial (magia, religiões, símbolos, crenças etc.) ao cultura promove “as ideias e os padrões que eles, os
material (bens e mercadorias, técnicas, trocas, ciência homens, têm em comum”.
etc.). Apesar de esse autor articular Tylor (Evolucionis-
Nessa linha, a simbiose entre o material e o ima- ta) com Benedict e Linton (Escola Americana), esse
terial é perceptível, de modo que tais processos não resgate permite a Aktouf (1992) afirmar que a cultura

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é um conjunto de elementos em relações dialéticas muitas vezes por barreiras físicas, mas que hoje tendem
constantes: relações concreto-econômicas, sociais e a se diluir em face do mundo virtual. Para o referido
simbólicas. Assim como, numa mesma comunidade, autor, o espaço organizacional também se constitui
a cultura pode ser de oposição ou de clivagem. como um espaço controlado seja pela presença física
Desde o resgate das três perspectivas da cultura de um supervisor; seja pelo monitoramento por meio
organizacional até os conceitos e opiniões constituídos de uma câmera de vídeo; seja pelo controle eletrônico
no trabalho de Alvesson (1992), Czarniawaska-Joerges exercido por um gerente; ou ainda pelas três possibi-
(1991) e Aktouf (1992), a cultura organizacional é vista lidades ao mesmo tempo. O espaço organizacional é
como esse emaranhado de relações sociais e simbóli- imposto e hierarquizado, sendo essa hierarquização,
cas que comporta as crenças, os valores, os mitos, os via de regra, visível na medida em que o tamanho
rituais, os heróis, os símbolos, as linguagens, as lendas, dos escritórios, o número de janelas, vai determinar
as leis, as regras, as metáforas, as histórias, as sagas o status de seu ocupante. A organização é um espaço
etc. Observando essas características no conceito de produtivo, pois é aí que os objetivos organizacionais
cultura, há que se ressaltar que, desde o início, as pre- precisam ser atingidos, daí o porquê da organização do
ocupações estavam precariamente assentadas sobre os espaço de uma universidade ser diferente daquela de
aspectos espaciais das manifestações simbólicas, o que um hospital; objetivos distintos exigem espacialidades
torna mais problemática a delimitação, as localizações, diversas. O espaço organizacional ganha personali-
as diferenças, enfim, as fronteiras das culturas. Se esse zação por parte daqueles que nele atuam em razão
fenômeno não fosse constituído desde a sua origem dos investimentos afetivos realizados de modo a se
numa acepção espacial, tão substancial nas ações hu- apropriarem do espaço para nele conseguirem viver
manas como o próprio ato cultural, a visão homogênea e transformá-lo, dando conotações particulares às
dominaria a cena das manifestações simbólicas. mesas, aos gabinetes, aos computadores etc. O espa-
Sendo assim, seguindo as considerações de ço organizacional é um espaço simbólico na medida
Aktouf (1992), há a necessidade de, juntamente como em que possui uma cultura particular que alimenta a
a estrutura social, sua história, seu desenvolvimento e configuração espacial e a identidade organizacional,
as experiências vividas, levar em consideração também sendo assim, o espaço possibilita a construção de sig-
as formações e transformações espaciais no âmbito nificados. O espaço organizacional como um espaço
da cultura organizacional. Para isso, antes de tudo, social apresenta as diferentes relações de poder que
é necessário aprofundar essas discussões espaços- se instauram entre os atores sociais.
-temporais nos estudos organizacionais, com a intenção Chanlat (2010) além de trazer à tona as diferen-
de compreender como essas discussões se dão no con- tes lentes que permitem a compreensão do espaço
texto das organizações. Pela amplitude e abrangência organizacional, também faz uma breve incursão pelas
descrita no trabalho de Chanlat (2010) sobre o espaço teorias organizacionais visando a verificar de que modo
e o tempo nos estudos organizacionais, essa foi a obra o espaço se apresenta em cada uma delas. O espaço
referência nesta parte, mesmo porque essa discussão na abordagem científica de Taylor não é abordado de
tem o intuito apenas de contextualização de como o modo explícito, embora implicitamente se faça presente
espaço e o tempo surgem no âmbito destes estudos. mediante o controle, a divisão de tarefas, a produtivida-
de e a hierarquização. Nos estudos de Fayol, o espaço,
segundo Chanlat (2010, p. 103): “[...] é naturalmente
3 ESPAÇO E TEMPO NOS ESTUDOS dividido, controlado, disciplinado, hierarquizado e,
acima de tudo, é um ambiente administrativo e social
ORGANIZACIONAIS
em que a obrigação é colocar a pessoa certa no lugar
certo”. Com Ford, o espaço também se mostrou divi-
Chanlat (2010) procura traçar um painel sobre o
dido, controlado e hierarquizado.
espaço organizacional e suas diferentes facetas e inter-
cruzamentos. O primeiro ponto a ser desnudado é do Na burocracia, o espaço do serviço público é o
espaço organizacional como um espaço dividido entre que granjeia a atenção, sendo o mesmo consoante com
os de fora e os de dentro, separação essa constituída a visão clássica de Taylor, Fayol e Ford no que concerne

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à divisão, hierarquização e controle, essa noção de Na corrente cultural/simbólica, o espaço se faz


espaço vai auxiliar na construção da identidade dos explicitamente presente como fator de construção
“funcionários públicos”. de identidades e significados atrelados ao trabalho.
Na Escola das Relações Humanas, o espaço orga- É um espaço que produz estruturas, relações sociais,
nizacional vai forjar as relações formais e informais, no constituído de história, é um lugar antropológico por
dizer de Chanlat (2010, p. 108): “A empresa torna-se excelência, sendo que as diferenças de significados
o locus de integração social e realização e, por isso, geram a diversidade no âmbito pensamento gerencial
uma organização eficiente”. Essa noção de espaço vai e de outras instâncias organizacionais.
implicar a criação de um sentimento de pertencimen- A corrente política enfatiza a organização como
to. O espaço organizacional vai se transmutar em um um sistema social e cultural mantido por relações de
espaço social que permite a negociação. poder, mediante o desenvolvimento de estratégias, em
Nas teorizações relativas ao pensamento geren- que pessoas e grupos se mobilizam para alcançar os
cial de Mary Follet, ainda que de maneira implícita, o seus objetivos.
espaço organizacional configura-se como um espaço Já a perspectiva da psicossociologia vai advogar
de experiência social onde o observador insere-se na acerca do espaço organizacional como um elemento
experiência como parte integrante. As decisões no importante na vida psíquica dos indivíduos que inte-
espaço organizacional na perspectiva de Follet não gram a organização, ou seja, o espaço organizacional
se restringiam aos ditames gerenciais, sendo fruto das permite as projeções, as identificações e as idealizações
interações entre os diferentes atores. Havia em suas dos sujeitos.
concepções a ideia da cooperação como mote para Chanlat (2010, p. 132 e 137) também vai traçar
a sobrevivência da organização em um ambiente uma retrospectiva sobre a noção de tempo presente
mutável. nas diferentes correntes dos estudos organizacionais,
Os teóricos da corrente sistêmica, por seu turno, mostrando nos primórdios a temporalidade que exigia
vão insistir na relação organização/ambiente, focando do sujeito “fazer a produção máxima em tempo míni-
na capacidade de adaptação, homeostasia, entropia, mo” e, atualmente, a isso foi acrescida a flexibilidade,
neguentropia, equifinalidade. O ambiente é enfocado “o tempo do nomadismo profissional contínuo”.
como limitado em termos de recursos naturais. Todo esse resgate mostra que as ideias de espaço
Já no pensamento organizacional apresentado e tempo sempre estiveram associadas à organização.
por Hebert Simon, gerencial cognitivista, a tomada Nesse sentido, a maneira de observar esse espaço
de decisão nas organizações configura-se como um que é a organização possibilitou inserir as discussões
processo espacial incorporado. De acordo com Chanlat realizadas na teoria clássica, nas relações humanas e
(2010, p. 114) nessa corrente teórica, também nas discussões culturais. Como ficaram visíveis
no percurso traçado nesta parte, os aspectos culturas se
É por meio da partilha de um espaço mental expressam como manifestações que permitem, destro
comum que os atores podem compreender-
desse espaço que é a organização, a construção de
-se e desenvolver ações coletivas. É também
quando o espaço mental permite transgressões identidades e dos significados atrelados ao trabalho.
dos espaços físicos e sociais que novas ideias Ora, observar a cultura desta forma é negligenciar
e possibilidades podem existir. Mas o espaço peculiaridades na apropriação dos espaços organiza-
mental pode ser conservador também, e isto cionais pelas diversas pessoas e grupos que integram
quando ele contribui para a consolidação dos
as organizações. Isso implica que não somente as
padrões existentes.
organizações necessitam ser observadas a partir dos
Na corrente crítica, o espaço organizacional é per- aspectos espaciais, mas também as culturas. Um exem-
cebido como um espaço de dominação, exploração e plo, evidente no trabalho de Flores-Pereira (2007),
alienação, um espaço de relações de poder, com a pos- é a discussão que essa autora faz sobre a existência
sibilidade de emergirem movimentos, a exemplo das de dois grupos bem definidos existentes no espaço
feministas, portanto admite a existência de conflitos. organizacional de uma livraria, que os próprios sujei-
tos pertencentes a esses grupos os denominam como

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As Culturas Organizacionais Territorializadas

“Lado A” e “Lado B”. O interessante de detectar e de vem produzindo algumas confusões. Na visão desse
observar no funcionamento destes grupos está dire- autor, para construir um território, “[...] o ator projeta
tamente associado à dominação dos espaços dentro no espaço um trabalho, isto é, energia e informação,
da livraria. No espaço dominado e apropriado pelos adaptando as condições dadas às necessidades de uma
integrantes do grupo “Lado A” não transitam e muito comunidade ou de uma sociedade”. Com o intuito
menos permanecem os integrantes do grupo “Lado de estabelecer as diferenças entre espaço e território,
B”. Essas dominação e apropriação dos espaços Raffestin (2009) salienta que o espaço é “prisão ori-
organizacionais apenas se tornam evidentes quando ginal”, enquanto o território é prisão que os homens
compreendidas a partir dos pressupostos culturais e não constroem para si, reorganizando as condições iniciais.
das delimitações físico-espaciais das organizações. Mas Tendo em vista a necessidade de estabelecer as
antes de continuar essa discussão, devido ao objetivo diferenças entre espaço, lugar e território – para dar
deste ensaio, é necessário se entremear nas discussões ênfase a este último neste ensaio – Certeau (2008)
sobre território. permite demarcações interessantes sobre os termos
espaço e lugar. Observando as diferenças e relações
entre lugar e espaço, Certeau (2008) relata que o lugar
4 TERRITÓRIO, ESPAÇO E LUGAR: SITUANDO é a ordem que possibilita a distribuição de elementos
AS RELAÇÕES E DIFERENÇAS nas relações de coexistência, em que os elementos se
acham distribuídos um ao lado do outro, situados em
As teorizações sobre territórios surgem no contex- lugares próprios e distintos que os definem. Definido
to da Geografia, assim como as definições de cultura o lugar, Certeau (2008) mostra que o espaço é o
emergem da Antropologia. De início, apesar de já lugar praticado, ou seja, um cruzamento de móveis.
estarem manifestos os aspectos políticos dos territórios, Como exemplo, Certeau (2008) diz que uma rua
os aspectos abordados se davam como delimitações geometricamente definida é transformada em espaço
geográficas, com ênfase maior no território funcional pelos pedestres, ou seja, o espaço é o lugar da ação,
do que o território simbólico. Esse cenário se alterou conceituação que guarda semelhança com a definição
radicalmente nos estudos territoriais desenvolvidos no de território construída por Raffestin (1993).
contexto da Geografia Humanística nos últimos anos. Mas Certeau (2008) não fica estagnado nessa de-
Um dos principais autores dessa corrente é Claude finição, ele avança ao pensar o espaço e o lugar como
Raffestin (1993). O referido autor tenciona a relação coexistindo em duas dimensões: uma sobre o estar-aí,
entre espaço e território, dizendo que é necessário que denota o lugar; e outra sobre as operações, que
compreender que o espaço vem antes do território e especificam os espaços pelas ações dos sujeitos histó-
que este último apenas se forma no espaço. Na sua ricos. O que Certeau (2008) salienta é o espaço, como
ótica, o ato de se apropriar, concreta ou simbolicamen- uma produção que ocorre historicamente, definido e
te, do espaço é em si uma forma de territorializar. Ele delimitado temporalmente, através da ação humana.
destaca que uma das primeiras manifestações em torno Nesse sentido, se o espaço é definido e delimitado
da ideia de território é o poder, posto que os atos de temporalmente, então há sempre a transgressão de
apropriação e de dominação do espaço se constituem fronteiras, que transformam espaços em lugares ou
como manifestações de poder. lugares em espaços. É diante dessas considerações que
Diante dessas constatações, Raffestin (1993, p. lugares e espaços ganham características simbólicas.
144) conceitua o território como “[...] o espaço onde Certeau (2008) diz que os relatos possibilitam a fabri-
se projetou um trabalho e, por consequência, revela cação e o fazer dos espaços, permitindo delimitações
relações de poder”. Assim, o território é uma produção e demarcações sem, no entanto, limitá-los claramente.
a partir do espaço que se inscreve em um campo de Certeau (2008) permite entender a dinâmica
poder. Apesar de observar essa proximidade entre espacial, a produção de lugares, a implantação de
espaço e território, Raffestin (2009, p. 26) será categó- fronteiras e a configuração de pontes. Mas se o espaço
rico ao afirmar que espaço e território não são termos é constituído de ações, existe uma dinâmica inerente
equivalentes e nem sinônimos, pois essa proximidade à produção dessas fronteiras e à implantação de pon-

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tes, que estabelece a contradição entre aquilo que é o interessante articular as discussões sobre culturas or-
espaço (legítimo) e sua exterioridade (estranha). Con- ganizacionais com as de território.
soante com esse pensar, Certeau (2008) destaca que a Etimologicamente, a palavra território – na aná-
fronteira representa o terceiro, ou seja, o espaço entre lise estabelecida por Haesbaert (1994) – possui dupla
dois. A quem ela pertence? A nenhum dos dois? Muito conotação, material e simbólica, podendo exprimir
pelo contrário, a fronteira estabelece o ponto comum, terra-territorium, assim como terreo-territor (terror).
que para Certeau (2008) não situa um não lugar no Portanto, o território está diretamente vinculado às
limite, mas possui um papel mediador, ou seja, possui relações de poder e às ações políticas, pois se o terri-
a função de junção e de disjunção ao mesmo tempo. tório exprime, por um lado, uma conotação material
Se a fronteira permite esse papel mediador, então, em uma delimitação geográfica, por outro lado, há
a ponte possibilita um papel integrador? E Certeau também uma conotação simbólica do território como
(2008) responde que – assim como a fronteira – a algo dominado, conquistado, possuído e incorporado.
ponte também possui uma contradição inerente, pois Por esse motivo, Lefebvre (2008) diz que o espaço é
ao mesmo tempo em que ela livra do fechamento, ela algo produzido socialmente, devido ao fato de que os
destrói a autonomia. É ai que há a transgressão de indivíduos ou grupos estão produzindo constantemente
limites, a desobediência à lei do lugar, a ambição do seus espaços e demarcando seus territórios. Como bem
poder conquistador ou a fuga do exílio. Por esse motivo, considera Boisier (1996) em uma das mais primitivas
ao mesmo tempo em que o relato demarca o espaço relações entre território e indivíduo, o homem é um
e determina o lugar, ele entrega o lugar ao estranho, animal territorial – fazendo alusão ao homem político
pois abre o dentro para seu outro. Para tanto, Certeau de Aristóteles.
(2008) diz que o espaço é feito de movimentos que Diante desses postulados é que a relação entre
marcam uma parada, mas não são estáveis, podendo espaço e território passa a ser delineada. Isso pelo fato
observar nas demarcações os limites transportáveis e de que a assertiva sobre o território só se concebe por
o transporte de limites. meio da produção dos espaços. Mas enquanto o es-
Esse resgate sobre as diferenças que Certeau paço se dá como lugar do móvel, seguindo a ideia de
(2008) destaca na relação espaço e lugar possui uma Certeau (2008), o território se dá como lugar espacial
importância central neste ensaio, pois como ficou visí- das lutas e disputas, da dominação e da incorporação.
vel no tópico anterior, as discussões espaciais sempre Como no exemplo exposto por Certeau (2008) sobre
estiveram vinculadas às organizações. Mas nos estudos a diferença entre lugar e espaço, ou seja, a rua como
desenvolvidos neste contexto possuem distanciamento lugar geometricamente delimitado e a movimenta-
dessas delimitações salientadas por Certeau (2008), ção dos indivíduos como produtora do espaço, esse
dado o fato de que a organização em si é que se consti- espaço passaria a ser um território no momento do
tui o espaço em que as ações e os agentes estabelecem reconhecimento de seu domínio, de seu governo, de
relações. O que ficou evidente nas discussões de Certe- sua apropriação etc. No território não há apenas fron-
au (2008) foi que há uma multiplicidade de produções teiras, mas barreiras e bloqueios, que procuram impedir
de espaços devido às ações humanas e isso produzido invasões, assim como acolhem e protegem aqueles
a partir das manifestações simbólicas mais do que por que lhe pertencem. Barreiras e bloqueios podem ser
lugares definidos e geometricamente articulados. Com de ordem física e/ou simbólica. Isso fica aparente no
isso, em um lugar geometricamente articulado de uma relato de Certeau (2008, p. 213) sobre a clausura ou
organização ocorre a produção de vários espaços, que recinto fechado do poema de Morgenstern, quando
podem estar cerceados pelos limites físicos e também este último descreve:
ampliados pelas possibilidades virtuais. Além disso,
essa produção de espaços em contextos específicos [...] era uma vez um recinto fechado, com cla-
rabóia/ com espaços para se ver através/ Um
permite constatar também a existência das relações
arquiteto, que viu aquilo/ veio certa tarde até
de poder. Por esse motivo, mais do que trabalhar com lá/ e se apoderou dos espaços/ para fazer uma
o conceito de espaço – que sempre esteve associado moradia enorme/ Então o Senado se apropriou
nos estudos organizações com a organização – seria dele/ enquanto o arquiteto fugiu/ para a Afri-
-ou-América.

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As Culturas Organizacionais Territorializadas

Nas considerações de Certeau (2008), a mutação foco no espaço e não no tempo, retoma algumas consi-
do vazio exercida pelo Arquiteto acaba por gerar a lei, derações de Michel Foucault e diz que desde a metade
possibilitando o congelamento político dos lugares. final do século XX a preocupação com o espaço passou
Esse é um fato a ser considerado, pois quando Lefebvre a suplantar aquela, dominante, que colocava o tempo
(2008) enuncia o espaço como político é a conotação como o centro dos debates filosóficos. Na visão desse
territorial que ele permite detectar. No território existe autor, o pensamento de filósofos como Michel Foucault
a ideia de governo, por esse motivo durante anos a pa- esteve focado nas relações espaciais, o que tornou seus
lavra esteve associada ao território nacional (SANTOS, escritos mais alinhados com as preocupações atuais.
1988). Assim como, há a concepção de política como Além de Haesbaert (2009), Saquet (2009) tam-
manifestação do poder e também – um dos pressupos- bém traz essa articulação tempo/espaço e diz que o
tos que diferencia os termos espaço e território – um tempo, nos estudos geográficos, é considerado de
espaço dominado e incorporado. Por esse motivo, as diferentes maneiras: ora destacando os processos his-
relações de poder são de fundamental importância tóricos, ora os relacionais. Nessa linha, Saquet (2009)
nas altercações sobre o território, como já havia sido enfatiza que o tempo toma conotações particulares nos
ressaltado. Não somente um poder comportamental estudos sobre territórios, vinculado ao tempo histórico
(A exerce poder sobre B), mas também um poder e de coexistência através das relações sociais. O tempo
estratégico que cria possibilidades e territórios. Como surge, nos compêndios dos estudos sobre territórios,
bem lembra Haesbaert (1994), o território tem a ver sob uma temática muito próxima daquela discutida
com o poder, mas não se restringe ao poder político, por Saussure (1969), entre os critérios diacrônicos e
pois existe a evidência tanto do poder no sentido mais sincrônicos. Na perspectiva traçada por esse autor, o
concreto, o de dominação, assim como no sentido mais critério diacrônico ou histórico se refere à possibilidade
simbólico, o de apropriação. de, em qualquer momento no tempo, dividir os ele-
Apesar de central a ênfase sobre o poder na te- mentos constituintes e que são compreensivos somente
mática territorial, ele ainda continua coexistindo numa segundo o seu próprio passado. Já o critério sincrônico,
noção de senso comum, comportando, muitas vezes, que terá uma centralidade no trabalho estrutural de
mais características negativas (dominação, apropria- Lévi-Strauss (1977), não leva em consideração essa
ção, incorporação etc.) do que estratégicas. Haesba- historicidade, mas a evidência de relação entre os
ert (2009) é quem procura ir além nessa discussão, elementos a qualquer momento. Saussure (1969) cita
ampliando as conotações sobre o poder a partir da como exemplo do tempo sincrônico o jogo de xadrez,
leitura das obras de Michel Foucault e Gilles Deleuze, onde o indivíduo pode entrar a qualquer momento do
trazendo à reflexão as teorizações sobre a sociedade jogo e entender perfeitamente o que está acontecendo,
disciplinar e a sociedade do controle. Nessa linha, sem a necessidade de saber onde estava cada peça
Haesbaert (2009) – sem a intenção de aprofundar as antes dele chegar.
apropriações que esse autor faz das obras desses filó- Esses dois critérios de tempo diacrônico/sincrôni-
sofos – possibilita também a ampliação de um termo co é que permitem observar, no contexto dos estudos
muito importante nas discussões sobre o espaço e o sobre território, o tempo histórico (diacronia), assim
território: o tempo. Esse conceito se faz ausente nos como as coexistências (sincronia). Apesar de essas
postulados desenvolvidos pelos autores abordados até temáticas serem centrais nos estudos sobre territórios
aqui, como se o espaço em si pudesse coexistir fora de – principalmente o tempo histórico, ainda assim exis-
uma dinâmica do tempo. tem outras duas vertentes nos estudos sobre tempo
Mesmo Haesbaert (2009) que traz à discussão e que possibilitam maneiras diversas de reconhecer
a temporalidade para falar de fluidez e fixação, assim os espaços, que são: o tempo linear-quantitativo e
como de mobilidade e imobilidade, acaba por proceder o tempo cíclico-qualitativo. Hassard (2001), um dos
a uma referência, ainda que limitada, ao dizer que a principais estudiosos nessas duas vertentes sobre o
ideia de tempo não é mais um tempo de confinamento, tempo, salienta que no tempo linear-quantitativo há a
de estrita “reclusão” territorial, mas de “contenção”. Por ideia de cronologia do tempo, do tempo transcorrido
outro lado, Haesbaert (2009), num ato justificado de em modalidades elementares, do tempo mensurável

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e divisível. Essa conotação temporal – dominante nas anteriores, pois é inconcebível – na análise de Kant
sociedades modernas – é que possibilitou a própria (2001) – que os seres humanos possam pensar, por
vertente do tempo histórico (diacrônico), instilado e exemplo, a não existência do espaço, por mais que
disseminado com o surgimento do relógio mecânico a nele não exista nenhum objeto. Kant (2001) salienta
partir do século XVIII. Nessa temática, tempo e espaço que é impossível a realidade dos fenômenos sem que
possuem regularidades próprias, onde, muitas vezes, a estes estejam inseridos no tempo. Com isso, tempo
conotação espacial está submersa à regularidade ditada e espaço são categorias que se furtam, de início, ao
pela cronologia do tempo. conhecimento, são formas a priori inscritas na razão e
Na vertente do tempo cíclico-qualitativo, Hassard que permitem o conhecer. Kant (2001) é um dos pri-
(2001) retoma algumas concepções mais primitivas meiros estudiosos a enfatizar a possibilidade que temos
sobre o tempo, elucidando que antes da constituição do de representar coisas num mesmo tempo (simultânea),
relógio mecânico, o controle sobre a regularidade nas ou em tempos diferentes (sucessivas). Essa capacidade
ações humanas se dava, muitas vezes, pela observação de representar ocorre a posteriori e só é possível nessa
dos fenômenos da natureza. Nesta linha, o tempo não forma a priori da capacidade de perceber e pensar
é quantificável, muito menos mensurável ou divisível, do ser humano. Além disso, nessa forma a priori está
mas estabelecido em face das estações do ano. Isso submerso o que Kant (2001) chama de tempo e espaço
traz, no entremeio de uma concepção qualitativa do abstratos e a-históricos.
tempo, aquilo que Mircea Eliade, salienta Hassard Com essa retomada da concepção kantiana de
(2001), chamou de o “mito do eterno retorno”. Por tempo e espaço, é perceptível que, mesmo distante de
esse motivo, ao elucidar essa modalidade de tempo uma análise histórica, as ações humanas são sempre
como cíclico-qualitativo, o termo cíclico se relaciona temporais e espaciais, permitindo conceber tanto a con-
a esse retorno constante, comprovado, por exemplo, tinuidade quanto a descontinuidade nessas ações, pois
pelas estações do ano. Mesmo atrelados a um tempo as temáticas de tempo e espaço coexistem num plano
linear-quantitativo, Hassard (2001) afirma que, na que vai do diacrônico ao sincrônico, do linear-quan-
nossa sociedade, os grupos humanos desenvolveram titativo ao cíclico-qualitativo. Claro que é bem mais
maneiras peculiares de tempo cíclico-qualitativo, como evidente, principalmente pelo domínio na sociedade,
forma de representar as situações cotidianas de uma observar as temáticas territoriais e espaciais sob uma
forma que escape à lógica linear-quantitativa. conotação de tempo histórico, mas isso não anula a
Mas, como se dão as teorizações sobre território/ possibilidade de observar a produção dos espaços, das
espaço na perspectiva do tempo cíclico-qualitativo? pontes, das fronteiras e das demarcações ocorrendo
Se no tempo cíclico-qualitativo a historicidade e a numa dinâmica que escapa a essa historicidade. Esse é
linearidade do tempo desaparecem, como se dá a ma- um fato importante – e um dos fundamentos da crítica
nifestação do território? Como se dão, transitando pelo instituída por Hassard (2001) – pois a produção dos
pensamento de Certeau (2008), as ideias de ponte, de espaços ocorre de uma forma tal que escapa a lógica
fronteiras e de demarcações, se esses fatos são possíveis linear-quantitativa do tempo.
apenas de serem pensados na continuidade temporal? Outro fato interessante é que, não é porque o
Talvez fosse necessário retomar a célebre discussão tempo cíclico-qualitativo foi instituído como a-histórico
kantiana do tempo e do espaço, com a intenção ape- – nesse sentido moderno dado ao termo histórico – que
nas de possíveis respostas. Por mais que tal discussão a ele não foi tributada uma regularidade, seja seguindo
tenha sido – nos últimos anos – alvo de inúmeras crí- o movimento dos ciclos cósmicos, seja perseguindo as
ticas, não há como negar que o pensamento de Kant estações do ano. Essa viabilidade da conta de que nas
(2001) influenciou decisivas discussões modernas sobre análises desenvolvidas sobre territórios e espaços há
essa temática tempo/espaço. Esse filósofo concede ao também a possibilidade de se observar tais produções,
tempo, assim como ao espaço, formas a priori de nossa sem ter a necessidade de recorrer a uma historicidade
capacidade de perceber e pensar. contínua. Nesse sentido, muitos dos aspectos simbóli-
Na concepção kantiana, tempo e espaço não cos manifestos nas discussões sobre território e espaço
são conceitos empíricos, derivados de experiências são produzidos e reproduzidos constantemente, o que

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As Culturas Organizacionais Territorializadas

suscita uma série de rupturas, uma série de transfor- tendida entre as culturas organizacionais e os territórios
mações que, numa lógica linear-quantitativa, se quer não ocorreu ao acaso, mas pela convergência que estes
poderiam ser pensadas. termos possuem entre si. Nesse percurso fica evidente
Mesmo assim, Saquet (2009) deixa nítida a também que a concepção de cultura organizacional
centralidade do tempo histórico nos postulados sobre trabalhada neste ensaio está distante da perspectiva da
território, ao argumentar que os conceitos de tempo integração, comportando elementos das perspectivas
histórico, sincronia e espaço são centrais, da mesma da diferenciação e da fragmentação. Feito essas consi-
forma que a necessidade de se entender o território derações, a seguir serão apresentadas as imbricações
como produto social formado histórica, econômica, entre cultura organizacional e território, num esforço
política e culturalmente. Por outro lado, é necessário de se avançar os postulados até aqui apresentados.
pensar que as formas históricas constituídas nas so-
ciedades modernas limitam a apreensão de aspectos
simbólicos, políticos e até mesmo econômicos em 5 AS CULTURAS ORGANIZACIONAIS
muitas das manifestações territoriais. Assim, mesmo TERRITORIALIZADAS
que território e espaço não sejam termos sinônimos,
numa análise territorial é necessário realizar a devida Essa ampla discussão sobre termos como terri-
sintonia entre o trinômio território/espaço/tempo, para tório, espaço e lugar permite abordar o conceito de
um exame coerente. Essa não foi a intenção aqui, pois cultura organizacional de uma forma peculiar. Ao reto-
o foco foi trazer à reflexão os conceitos de território, mar a relação estabelecida por Czarniawaska-Joerges
espaço e lugar, em especial sobre o território, como (1991) sobre cultura e ambiente, assim como Schein
subsídio para uma análise das manifestações culturais (1991), existe a evidencia dos aspectos espaciais nas
nas organizações como um fenômeno territorializado. discussões culturais, mas ela não toma centralidade
Mas de que forma essas considerações sobre o em nenhuma das formas conceituais difundidas no
tempo, evidente nas discussões territoriais, surgem nos campo dos estudos culturais. Se nos estudos sobre
compêndios das culturas organizacionais? Como visto cultura organizacional as discussões espaciais foram
anteriormente, a ideia de tempo nos estudos organiza- minimizadas, as teorizações sobre poder tomaram
cionais também esteve vinculada à organização. Como centralidade em perspectivas como a fragmentação e,
ficou evidente anteriormente, o território possui um principalmente, a diferenciação. Um fato interessante é
substrato material e também simbólico, o que permite a que as discussões espaciais passam a ser fundamentais
interconexão entre culturas organizacionais e território. quando se enfatiza o conceito de organização, pois esse
Além disso, nas discussões sobre o substrato simbólico é um dos aspectos mais importantes e que comprova
há sempre a ideia de mudança, fluidez, estagnação, sua existência. Nessa linha, apesar de cultura organi-
entre outras, que apenas são plausíveis de serem ava- zacional e organização serem dois conceitos com certa
liadas a partir das concepções de tempo. Nas discussões independência, ainda sim fica difícil separar o que é
sobre as culturas organizacionais o tempo é fundamen- da organização e o que é da cultura, principalmente,
tal, pois somente observando a relação tempo/espaço em termos simbólicos.
é que há a possibilidade de dizer cultura de onde Por outro lado, essa separação entre cultura e
(espaço), mas também quais são os pressupostos fun- organização possibilitou especificidades e apropriações
damentais das culturas organizacionais que permitem peculiares nos estudos sobre a cultura organizacional,
a identidade, a disseminação, a mudança, a fixação e sem incorrer na necessidade de explicar o fenômeno
a fluidez dos valores, mitos, ritos, heróis, pressupostos organizacional por completo, o que seria um ato
básicos, entre tantos outros aspectos simbólicos e ma- ilusório, dada a complexidade das relações. Esse
teriais que permitem dizer cultura organizacional. Se fato permitiu apropriações conceituais específicas de
não houvesse a possibilidade do espaço e do tempo cultura organizacional. Assim como possibilitou rela-
estarem integrados, como no caso dos territórios, às ções com conceitos elaborados em outras áreas do
discussões das culturas organizacionais, não haveria conhecimento, como Cavedon (2008) fez, ao relacionar
possibilidade de análises diversas. A proximidade pre- representações sociais e cultura organizacional, e Car-

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rieri, Almeida e Fonseca (2004), ao interligar cultura, perceber e sentir a realidade congrega formas específi-
identidade e imagem organizacional. cas de ações nas organizações. Ora, se no contexto das
Não muito distante dessas aproximações, Gagliar- organizações os códigos culturais possibilitam maneiras
di (2001), ao discutir o lado estético nas organizações, próprias de significados das coisas, das ações e das
realiza uma análise específica do termo cultura. O ideias, então, seguindo as considerações de Certeau
conceito de estética é usado no trabalho desse autor (2008), as manifestações culturais são, desde o início,
num sentido geral, vinculado a todos os tipos de experi- promotoras e geradoras dos espaços como lugares
ências sensíveis, congregando formas de conhecimento praticados.
(tácito), de ação (desinteressada) e de comunicação Esse fato mostra que, no entrecruzamento das
(transmitida e compartilhada). Para Gagliardi (2001, p. teorizações sobre território, os aspectos simbólicos
135), a “percepção instantânea das coisas está ligada à são manifestações culturais. Essa constatação esteve
ideia de espaço, sendo o espaço físico da organização o expressa no texto de Almeida (2009) que, ao estudar a
retrato mais fiel de sua identidade cultural”. Na corrente situação de brasileiros trabalhando na Espanha, tinha
estabelecida por esse autor, aparece a dificuldade de como ponto central a vivência entre territórios como
se pensar a organização e suas manifestações culturais também uma vivência entre culturas. Nessa linha, a
sem que seja estabelecida a conotação de espaço or- autora diz que a manifestação da identidade cultural
ganizacional. Com essa observação, Gagliardi (2001) se dá numa dinâmica e a territorialidade num processo.
afirma que a manifestação suprema de uma cultura é a Isso significa que, mesmo estando em territórios dife-
paisagem, significando que em uma realidade cultural rentes, os sujeitos “preservam” – se é possível assim
há a inscrição de um código cultural, sem o qual não dizer – aspectos de sua cultura de origem. A ideia que
existe o significado das coisas, das ações e das ideias. perpassa a afirmação inicial não é de que os sujeitos,
A espacialidade dos artefatos culturais, no enten- ao adentrarem territórios diferenciados, deixem – ou
der de Gagliardi (2001), mostra que uma paisagem é se dispam, como salientou Aktouf (1992) – dos pres-
“esteticizada” de duas formas diferentes: uma in situ supostos culturais compartilhados em outro contexto.
(no local físico), em que o código estético está aloca- Realmente a existência dos espaços possibilita maneiras
do sob a “fisicalidade” do lugar; e outra in visu (aos particulares de ações.
olhos), pois há uma educação do olhar que mobiliza Retomando o conceito de território, Raffestin
esquemas específicos de percepção e gosto. Ora, se (1993) salienta que tal conceito se constitui numa
essa mobilização é gerada pelo espaço, então existe forma de apropriação simbólica do espaço. Aqui cabe
mobilização diferenciada em espaços distintos, o que uma questão para reflexão: será que essa apropriação
gera códigos culturais e estéticos peculiares. Esse fato acontece apenas na vontade do sujeito ou a apro-
já em si abre a efetividade das manifestações culturais priação é um fator manifesto nas relações simbólicas?
como fenômenos territorializados, mas é necessário Provavelmente, a noção de apropriação estabelecida
ir um pouco além e o trabalho de Gagliardi (2001) por Raffestin (1993) se dá na dinâmica de constituição
continua apresentando uma contribuição relevante. dos significados simbólicos e não na vontade inicial do
Além dessa discussão, Gagliardi (2001) salienta sujeito em se apropriar. Se num segundo momento essa
um fato importante sobre o reconhecimento da cultura apropriação pelo sujeito pode ser manifesta, de onde
organizacional, dizendo que esta é reconhecida pela surgem as relações de poder, num primeiro momento
especificidade de sua crença (o logos, que pertence não há como existir essa modalidade de apropriação
à experiência cognitiva), e de seus valores (o ethos, sem que os sujeitos compartilhem os significados dis-
que pertence à experiência moral), mas também pela seminados naquele espaço, que é da ordem cultural.
especificidade de perceber e de sentir a realidade (o Isso é presente na socialização de um novo funcionário
pathos, que pertence à experiência estética). Portanto, ao quadro existente. Por esse motivo, o conceito que
fica nítido que há no contexto das organizações formas Raffestin (1993) emite sobre território é o espaço onde
específicas de relações entre espaço e tempo, o que se projetou um trabalho (energia e informação) e que,
as torna peculiares – por mais similares que possam por consequência, revela manifestações de poder.
parecer – pois as crenças, os valores e a maneira de

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As Culturas Organizacionais Territorializadas

Esse fato possibilita algumas implicações para a supostos simbólicos peculiares (ritual em uma festa,
manifestação do poder, pois no contexto de discussão relações entre grupos, mito fundador, performance
dos territórios essas manifestações não podem ser vistas organizacional, etc.), que não se configuram em expli-
apenas sob um prisma negativo, de dominação, incor- cações totalizantes de uma organização, mas apenas
poração, manipulação etc., que de modo recorrente numa parte do simbolismo organizacional. Isso mostra
vem tendo destaque nos postulados dos geógrafos. Isso que as discussões territoriais estão mais concernentes
porque, no próprio processo de apropriação de signifi- com os pressupostos culturais do que com a organi-
cados, há um jogo estabelecido, que insere o indivíduo zação em si.
numa dinâmica tal, cujas ações funcionam de forma
a sustentar os pressupostos compartilhados, mais do
que manifestar a luta desses indivíduos pelo domínio 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
e pela manipulação. Se num segundo momento a
apropriação pode estar concentrada na vontade do Retomando o objetivo pretendido neste ensaio
sujeito, essa vontade não surge de um desejo próprio, – realizar a articulação entre cultura organizacional e
mas do contexto e dos pressupostos compartilhados território – foi possível detectar que, apesar de muitos
(cultura). Não é por acaso que Gagliardi (2001) diz que estudiosos da cultura nas organizações darem pouca
a manifestação suprema de uma cultura é a paisagem, ênfase às discussões sobre território, espaço ou lugar,
pois numa realidade cultural há o código, sem o qual essas discussões são de suma importância para se
não existem significados das coisas, ações e ideias. entender a dinâmica cultural no contexto das organi-
Diante disso, cumpre destacar que nas conside- zações. Isso pelo fato de que a produção simbólica e
rações sobre cultura organizacional não há como se política nas assertivas sobre a cultura organizacional
safar de sua manifestação espacial. Sendo o território, apresentam significado efetivo quando situadas, de-
o espaço onde se projetou um trabalho (energia e in- limitadas ou alocadas, ou seja, no momento em que
formação) e que manifesta relações de poder, então, for possível se evidenciar nas teorizações sobre cultura
as discussões sobre cultura organizacional possuem organizacional a existência de territórios, espaços
mais sintonia com os pressupostos gerados nos estu- e lugares articulados nas relações de poder que os
dos territoriais do que sobre o espaço. Isso ocorre pela constituem.
constatação de que o código cultural estabelecido na Essa discussão não se limita a uma perspectiva
realidade organizacional permite não somente aquilo espacial ou de localização, mas é enredada para o
que Certeau (2008) chama de lugar praticado ou âmbito territorial por meio da manifestação do poder,
lugar de ação, mas também manifestações de poder, da cultura como domínio, do território como expressão
de dominação, de incorporação, de apropriação etc., de um grupo etc. É aí também que os espaços são
instilando significados não somente nas ações, mas delimitados, assim como invadidos; que os espaços
nas coisas e nas ideias. Além disso, essa possibilidade estabelecem vínculos de valor, assim como de desi-
apresenta-se visível na própria ênfase dos aspectos gualdade; que os espaços permitem integração, assim
simbólicos manifestos nas discussões territoriais. como segregação e luta; que os espaços permitem
Nessa dinâmica, quando se discute culturas or- manifestações ritualísticas, assim como descaracteri-
ganizacionais o pressuposto básico da diferenciação zam normas e valores. É sobre essa explícita relação
está contido na relação espacial, o que permite dizer com territórios que é possível falar de culturas, que é
“cultura do que” e “cultura de onde”. Se num primei- possível detectar diversidades culturais, que é possível
ro momento fica evidente a interferência cultural na observar a (re) produção simbólica.
constituição dos significados compartilhados nas ações, Essa articulação visa algumas contribuições
coisas e ideias; num segundo momento é essa mesma aos estudos sobre as culturas organizacionais. Uma
dinâmica cultural que continua gerando efeitos de primeira contribuição é (re) colocar no centro dessas
poder, dominação, incorporação e apropriação. Além discussões o espaço para se pensar culturas organiza-
disso, as manifestações culturais nas organizações são cionais. A segunda contribuição é que, ao observar a
explicadas pelos estudiosos, muitas vezes, sob pres- cultura organizacional como fenômeno territorializado,

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há a própria espacialidade nas relações de poder, e CHANLAT, Jean-François. Gestão empresarial: uma
isso permite constatar que essas relações significam perspectiva antropológica. São Paulo: Cengage Learning,
e ocorrem sempre localizadas. Isso não se constitui 2010.
numa novidade, mas nos estudos sobre culturas or-
CHANLAT, J. F. Por uma antropologia da condição
ganizacionais esse fato torna visível que há a nítida
humana nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Coord). O
limitação na transposição das relações de poder de um
indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São
contexto cultural ao outro. Uma terceira contribuição é
Paulo: Atlas, 1992. (v. I)
a de possibilitar certa convergência entre as discussões
sobre cultura organizacional e território, desenvolvidas
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em contextos científicos diferentes, posto que várias
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