Você está na página 1de 20

A Amazônia Azul: recursos e preservação

Belmiro M. Castro
Frederico P. Brandini
Marcelo Dottori
João F. Fortes
Reprodução

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 7


dossiê amazônia azul Homenagem

resumo abstract

A área ocupada pela Zona Econômica The area encompassed by the Brazilian
Exclusiva (ZEE) brasileira e suas extensões Exclusive Economic Zone (EEZ) and its
é estimada em 4,5 milhões de quilômetros extensions is estimated to cover a total
quadrados, sendo mais do que a metade area of 4.5 million square kilometers,
da área do Brasil continental. Essa área which corresponds to more than half
marinha sobre a qual o Brasil exerce of continental Brazil. This sea area over
alguma forma de soberania tem sido which Brazil is entitled to have some
denominada “Amazônia Azul”. Apesar do sort of sovereignty has been named Blue
enorme potencial de recursos existentes Amazon. Despite the enormous potential
na ZEE, tais como recursos vivos, recursos of resources existing in this EEZ, such as
minerais, recursos energéticos e recursos living resources, mineral resources, energy
não extrativos, alguns já em exploração, resources, and non-extractive resources –
a percepção dos brasileiros a respeito some of which have already been exploited
do seu mar e dos seus recursos ainda – the perception of Brazilians as regards
é incipiente. Uma das consequências their sea and its resources is still incipient.
da falta de mentalidade marítima é a One of the consequences of the lack of
exploração nem sempre sustentável dos maritime mentality is that the exploitation
recursos da ZEE brasileira. of resources in the Brazilian EEZ is not
always carried out in a sustainable manner.
Palavras-chave: Amazônia Azul; Zona
Econômica Exclusiva; recursos marinhos; Keywords: Blue Amazon; Exclusive
conservação. Economic Zone; marine resources;
conservation.
Marcos Santos/USP Imagens

8 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


A
Convenção das Nações Uni- exercem direito de soberania para explora-
das sobre os Direitos do ção de recursos naturais, incluindo os recur-
Mar (CNUDM), criada em sos minerais, outros não vivos e, ainda, os
1982 e complementada em recursos vivos conectados ao fundo e ao
1994, definiu os limites do subsolo marinhos, que compõem o grupo dos
mar jurisdicional dos paí- bentos. Essa plataforma continental estende-
ses costeiros. A primeira -se desde o limite do mar territorial até a
faixa é o mar territorial, borda externa da margem continental. Evi-
que se estende desde a dentemente, há regiões em que a plataforma
costa, caracterizada pela continental assim definida é mais estreita do
linha da baixa-mar, até 12 que a ZEE, como na costa leste brasileira, e
milhas náuticas de distân- outras em que ocorre o contrário, possibili-
cia. Sobre o seu mar ter- tando uma extensão, conforme verificado nas
ritorial o Brasil, desde a promulgação da costas sudeste-sul e norte do Brasil.
Lei 8.617, de 1993, exerce plena soberania, A ZEE compreende tanto as áreas mari-
incluindo o leito e o subsolo marinhos, bem nhas situadas ao largo da porção continen-
como o espaço aéreo sobrejacente. tal do Brasil quanto aquelas localizadas ao
A segunda faixa, denominada Zona redor das ilhas oceânicas e rochedos, como
Econômica Exclusiva (ZEE), fica situada do Arquipélago de Fernando de Noronha e
entre o limite externo do mar territorial e das ilhas Trindade e Martim Vaz. Dado o
200 milhas náuticas de distância da costa.
NA ZEE o Brasil exerce soberania sobre a
exploração e aproveitamento, conservação e
gestão dos recursos naturais, vivos ou não
BELMIRO M. CASTRO, FREDERICO P.
vivos, das águas sobrejacentes ao leito do BRANDINI e MARCELO DOTTORI
mar e seu subsolo (Figura 1). são professores do Instituto Oceanográfico
da Universidade de São Paulo (IO-USP).
A CNUDM define ainda a plataforma
continental, sobre a qual os países costeiros JOÃO F. FORTES é mestrando do IO-USP.

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 9


dossiê amazônia azul Homenagem

figura 1

Mar Territorial, Zona Econômica Exclusiva


e Extensão da Plataforma Continental

LI M
ITE
EX
TE
RIO
LIMITE EX
TERIOR (20

R(
0 mn)

20
0m
n)

LIMITE EXTERIOR (200 mn)

LIMITE EXTERIOR (200 mn)

enorme comprimento da linha de costa do sobre a qual o Brasil exerce alguma forma
Brasil, 7.367 km segundo o IBGE, a área de soberania tem sido denominada “Ama-
ocupada pela ZEE é imensa, sendo estimada zônia Azul”, expressão esta introduzida pela
em 3,5 milhões de quilômetros quadrados. Marinha do Brasil para ressaltar a impor-
Somando-se a isso a área da extensão da tância estratégica e econômica dessa parte
plataforma continental, requerida às Nações do território brasileiro que é tão vulnerá-
Unidas como ZEE ao redor das ilhas oceâ- vel, ambiental e estrategicamente, quanto a
nicas e do remoto Arquipélago de São Pedro Amazônia continental, verde.
e São Paulo, chegamos a quase 4,5 milhões A área do Brasil continental é de apro-
de quilômetros quadrados. Essa enorme área ximadamente 8,5 milhões de quilômetros

10 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


quadrados (IBGE) e, adicionada à área da marinhos não apenas na Área, mas, também,
Amazônia Azul, caso os argumentos da na ZEE. Legislações internacionais, nacionais
diplomacia brasileira em relação aos nossos e regionais determinam as possíveis formas
direitos no Atlântico convençam as Nações de exploração dos recursos vivos e não vivos
Unidas, soma mais de 13 milhões de quilô- dos oceanos. No caso brasileiro especifica-
metros quadrados. Portanto, quase 35% do mente, uma revisão recente sobre essa legisla-
território brasileiro está no mar ou, de outra ção encontra-se em CGEE (2007, capítulo 2).
forma, a área da Amazônia Azul é equiva-
lente a mais da metade da área continental MENTALIDADE MARÍTIMA
do Brasil. Essa imensa área marinha contém
enorme quantidade de recursos importantes Apesar da reconhecida importância do
econômica, social e estrategicamente, sendo mar brasileiro no contexto histórico e socio-
ainda de fundamental relevância para a esta- econômico, ainda há muito desconhecimento
bilidade do clima no país e para a qualidade entre a população brasileira sobre essa rele-
ambiental das costas brasileiras. vância, isto é, não há uma mentalidade marí-
A CNUDM também estabeleceu que os tima desenvolvida e consolidada em nossa
países signatários têm direito de exploração, sociedade. A conquista do oeste durante a
por solicitação, dos recursos minerais do colonização do Brasil, após a chegada dos
leito marinho em regiões oceânicas situadas portugueses pelo mar, teve, como uma de
além da ZEE ou da extensão da plataforma suas consequências, a perda gradual da cone-
continental, e designou essas regiões por xão entre os brasileiros e o oceano.
“Área”. Os recursos minerais, geralmente Pesquisa recente sobre a percepção dos
situados em profundidades de milhares de brasileiros a respeito do mar, realizada em
metros, da Área são patrimônio comum da 2011 pelo Instituto Análise, indica que grande
humanidade e sua exploração é organizada parte da população reconhece a importância
e controlada pela Autoridade Internacional do mar, principalmente por ele ser fonte de
dos Fundos Marinhos. Nos fundos marinhos alimentos e de lazer. Essa é uma visão par-
da Área, além dos recursos minerais pro- cial sobre a importância socioeconômica do
priamente ditos, há materiais biotecnológi- oceano, pois na ZEE há uma grande diver-
cos que podem ser de grande valia para as sidade de recursos não alimentares e, além
indústrias farmacêuticas e bioquímicas. Ao disso, o mar brasileiro ofereceu, e oferece,
largo da costa brasileira, os recursos do leito oportunidades de integração nacional em
marinho da Área têm importância política áreas tão diversas quanto ciência, tecnologia
e estratégica para o país e, por isso, devem e cultura. Em síntese, a sociedade brasileira
ser investigados para que, eventualmente, ainda vê o mar de sua perspectiva terrestre,
possam subsidiar solicitações de lavra por enfatizando a zona litorânea e esquecendo-
empresas ou entidades nacionais, garantindo -se que nossa ZEE representa cerca de 1/3
dessa forma uma extensão ainda maior do do território nacional e está pronta para ser
nosso território economicamente ativo. desbravada cientificamente, para que pos-
Há um arcabouço legal bem definido que samos efetivamente nos apropriar de sua
regula e controla a exploração de recursos diversidade e riqueza.

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 11


dossiê amazônia azul Homenagem

A perda da mentalidade marítima é A Comissão Interministerial para os


agravada pela pouca, ou quase nenhuma, Recursos do Mar criou um Programa de
ênfase com que o mar brasileiro é apresen- Mentalidade Marítima (Promar), que tem
tado no ensino fundamental e médio. Há como objetivo estimular uma mentalidade
muitos temas que podem ser trabalhados marítima na população brasileira, destacando
nas aulas de ciências, geografia, biologia, os interesses nacionais e enfatizando a neces-
física, química e matemática, por exemplo, sidade de um maior conhecimento do mar
mas que, em geral, não o são. Por exemplo: e de seus recursos, de formas racionais de
as características costeiras do mar territorial, exploração desses recursos e da necessidade
os recursos marinhos da ZEE, os processos da preservação do meio ambiente marinho.
de formação e de manutenção de estuários, Esse programa, que busca atingir pelo menos
de praias e de lagoas costeiras, a origem 1,2 milhão de brasileiros, tem como uma
da biodiversidade marinha, a descrição e de suas metas também a inclusão de temas
quantificação dos processos físicos oscila- ligados ao mar nas grades curriculares do
tórios, tais como as marés e as ondas, a ensino fundamental e médio.
origem dos sais e a composição química A falta de mentalidade marítima mais
da água do mar, e muitos outros. Também bem consolidada torna vulnerável a inte-
nas artes, a relação entre as obras de Jorge gridade física e biológica dos ecossistemas
Amado, Dorival Caymmi e Tom Jobim, entre marinhos, dos quais dependem comunidades
outros, e o mar pode ser explorada com o tradicionais e muitas indústrias e atividades
intuito de reforçar nos estudantes a noção econômicas. As rotas de navegação costeira
da importância cultural de sermos um país e nossa abertura para o mar foram fatores
costeiro com extensa área marítima. determinantes na forja da nossa cultura. Os
Cursos de divulgação e de especiali- dois maiores biomas brasileiros são o mar
zação voltados aos professores do ensino da Amazônia Azul e a floresta amazônica.
fundamental e médio podem contribuir Esses dois biomas suportam a maior biodi-
para a inclusão das ciências do mar como versidade do planeta.
temas transversais nos currículos tradi- Uma especulação possível é perguntarmos:
cionais. Outra forma de expandir a men- Como seria o Brasil sem o mar? Mais do
talidade marítima é estabelecer a opção que não termos a Amazônia, incluindo sua
licenciatura em complementação aos mui- bacia hidrográfica, que formam o principal
tos cursos de graduação em oceanogra- bioma terrestre de nosso país, não termos
fia existentes no Brasil. Devido ao cur- a Amazônia Azul e o seu bioma costeiro
rículo mínimo estabelecido para formar e marinho implicaria certamente enormes
um bacharel em Oceanografia, gradua- diferenças, principalmente geopolíticas, socio-
dos desses programas têm conhecimentos econômicas e culturais, comparativamente
suficientes para ministrar, por exemplo, com o que somos hoje. Em síntese, caso o
aulas de ciências em nossas escolas, desde Brasil não tivesse o imenso território no
que tenham, paralelamente à formação mar, nossa história, cultura e patamar de
em Oceanografia, também disciplinas e desenvolvimento socioeconômico seriam
treinamento didático-pedagógicos. radicalmente diferentes.

12 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


RECURSOS DA AMAZÔNIA AZUL e rochosos do mar aberto, em busca diária
por peixes, crustáceos e moluscos. A pesca
Os oceanos oferecem para a humanidade industrial em nosso país não prospera em
quatro classes de recursos: vivos, minerais, razão de uma série de fatores associados à
energéticos e não extrativos. limitação dos estoques e à infraestrutura.
Podemos dizer que a pesca em nosso
Recursos vivos país tem maior valor social do que econô-
mico. As características físico-químicas das
Tradicionalmente a expressão “recursos águas da Amazônia Azul não são totalmente
vivos” é usada para definir a produção pes- favoráveis ao desenvolvimento da cadeia ali-
queira, ou seja, os peixes, invertebrados mentar marinha, tornando, portanto, nossas
(moluscos e crustáceos) e algas comestíveis. costas oligotróficas em sua maior parte, isto
Na verdade, a produção pesqueira deveria é, relativamente pobres em nutrientes e com
representar, no Brasil, uma pequena fração pequena produção primária.
dos recursos vivos. A complexidade geomor- Tais características oligotróficas devem-se
fológica da costa brasileira abriga um estoque em sua maior parte à posição do Brasil no
genético de valor imensurável e ainda pouco extremo oeste do Oceano Atlântico. Tanto
explorado, uma vez que nossa quase única as costas norte-nordeste quanto as leste-
forma de exploração dos recursos vivos tem -sudeste-sul de nosso país contemplam ao
sido a pesca extrativista. largo, a distâncias de tipicamente 100 km
Conceitualmente, os principais recursos da linha de costa, correntes denominadas
vivos provêm da pesca e da biotecnologia de limite oeste: a Corrente Norte do Brasil,
marinha. As leis que regulamentam a pesca na primeira região, e a Corrente do Brasil,
no Brasil distinguem as práticas pesquei- na segunda. Grande parte das águas trans-
ras em duas categorias: pesca comercial e portadas por essas correntes nos primeiros
pesca de subsistência. A comercial, como 100-200 m da coluna de água, denomi-
o próprio nome diz, é aquela induzida pela nada água tropical, atravessou o Atlântico
demanda do mercado, e pode ser de pequena inteiro na região equatorial, desde a costa
escala (artesanal) ou de larga escala (indus- da África, chegando então empobrecida na
trial). Em média, a pesca industrial captura concentração de nutrientes ao largo da costa
anualmente entre 500 e 600 mil toneladas brasileira. Essas duas correntes brasileiras
de peixes, crustáceos e moluscos marinhos transportam ainda, abaixo da água tropical,
(Viana, 2013). Parece muito, mas isso repre- a chamada Água Central do Atlântico Sul
senta menos de 1% da produção mundial (ACAS), que tem origem diversa e é, sim,
(MPA, 2010), que é de aproximadamente rica em nutrientes. Entretanto, tal riqueza
100 milhões de toneladas. fica situada abaixo dos 100-200 m superiores
A pesca artesanal e de subsistência sus- da coluna de água, local onde praticamente
tenta aproximadamente um milhão de pesca- não há penetração da radiação solar. Nessa
dores e suas famílias. Estes vivem da explo- camada escura a fotossíntese é sobremaneira
ração de manguezais, de recifes de coral, de dificultada pela ausência de luz, embora haja
estuários, lagoas costeiras, fundos arenosos nutrientes disponíveis.

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 13


dossiê amazônia azul Homenagem

A quebra da plataforma continental, nativas para compor a renda familiar. A esta-


região onde se inicia o talude continental, bilidade social dessa comunidade está seria-
em quase toda a costa brasileira, fica situ- mente ameaçada pela degradação ambiental
ada no máximo a 200 m de profundidade. da região costeira, pelos conflitos com a
Ambas as correntes, Corrente Norte do Bra- pesca industrial e, ainda, pela especulação
sil e Corrente do Brasil, fluem ao longo do imobiliária nas zonas litorâneas.
talude continental e na parte externa da Em muitos locais, a pesca industrial
plataforma continental, nesse último caso explora os mesmos recursos que a pesca
em profundidades em geral pouco inferio- artesanal recebendo, desde 1970, subsídios
res a 200 m. Portanto, em nossas regiões governamentais (Abdallah & Sumaila, 2007).
mais costeiras, onde as pequenas profundi- No início deste século, mais de 1.600 embar-
dades possibilitam a penetração da radiação cações industriais pescavam em toda a pla-
solar até o fundo do mar, isto é, onde a taforma continental do Brasil (FAO, 2012)
zona eufótica atinge o fundo, não há, em com redes de arrasto de camarões e redes de
geral, águas ricas em nutrientes (ACAS). cerco para captura de cardumes pelágicos,
Consequentemente há uma separação espa- sobretudo sardinha. Em 2009, entretanto, res-
cial entre as águas ricas em nutrientes e tavam apenas cerca de 900 embarcações.
as águas iluminadas pelo Sol: onde há luz O que explica esse declínio, dentre outras
(zonas costeiras) não há nutrientes suficien- coisas, é o impacto sobre o ecossistema da
tes (ausência de ACAS) e, ainda, onde há pesca industrial e, também, da pesca comer-
nutrientes (ACAS abaixo da água tropical) cial de pequena escala. Esta última arrasta
não há luz suficiente (profundidades maiores e causa o mesmo tipo de estragos que a
do que 100-200 m). Na costa do Peru, por pesca industrial, só que em menor escala,
exemplo, as águas ricas em nutrientes atin- em áreas sensíveis e importantes para os
gem a superfície do mar nas regiões costei- ciclos de vida das espécies.
ras, por causa do fenômeno conhecido como No caso do arrasto camaroeiro, por exem-
ressurgência, acelerando o desenvolvimento plo, a integridade física e biológica do fundo
da cadeia alimentar pela grande produção marinho é seriamente comprometida. As
de fitoplâncton e tornando esse país situ- redes varrem e revolvem o assoalho mari-
ado na costa leste do Pacífico Sul um dos nho, munidas de correntes, capturando indis-
maiores produtores mundiais de pescado. criminadamente qualquer organismo. Dessa
Assim, apesar da grande biodiversidade forma, a estrutura física e biológica do fundo
da Amazônia Azul, a verdade é que aqui há marinho é destruída, de forma análoga à
pouco peixe, isto é, a biomassa é pequena. E utilização de tratores em terra firme para
esse pouco vem sendo disputado por cerca a derrubada de florestas e exploração da
de um milhão de pescadores “artesanais”, madeira (McAllister et al., 1999; Thrush
que praticam uma pesca de subsistência e & Dayton, 2002; Kumar e Deepthi, 2006).
que estão registrados pelas associações e As redes não são seletivas na captura do
colônias de pesca ao longo da costa bra- camarão, que é o alvo comercial. Captu-
sileira. Esses pescadores dependem quase ram também uma fauna acompanhante, sem
exclusivamente da pesca, com poucas alter- valor comercial, que é descartada de volta

14 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


para o mar. Frequentemente esse descarte é logia é um dos ramos da ciência aplicada
acima de 50%, e não raras vezes de 100% que mais se desenvolvem. O mar é uma
(Kaiser, 1998; Johnson, 2002). O impacto fonte inexplorada de substâncias bioativas
indireto é de longo prazo, uma vez que o produzidas principalmente por inverte-
arrasto destrói a estrutura do sedimento e brados sésseis (esponjas, ascídias, micro-
sua comunidade biológica, comprometendo o -organismos), com inúmeras aplicações
ciclo de vida de centenas de animais impor- médicas e industriais. Esses organismos,
tantes do ponto de vista ecológico, além do imóveis que são, se defendem com substân-
próprio camarão, que depende desse ecos- cias que afastam predadores, sendo a base
sistema natural. Isso explica, em grande da biotecnologia marinha para extração de
parte, o declínio de estoques comerciais e, substâncias bioativas. Portanto, também são
consequentemente, o aumento do preço do recursos vivos. A biotecnologia marinha é
pescado. Com o aumento do preço, a cor- particularmente promissora, mas no Brasil
rida pela pesca aumenta, provocando mais as pesquisas nesse campo ainda são feitas
impacto ambiental e mais decréscimo do por pequenos grupos acadêmicos.
estoque, em um círculo vicioso que só ter- Infelizmente, a exploração da biodiver-
mina quando não há mais alvos de interesse sidade como recurso vivo também segue o
comercial para a pesca, de forma similar modelo extrativista, em oposição ao muito
ao garimpo em regiões continentais. A mais adequado cultivo dos organismos, ao
redução dos estoques obriga a transferên- contrário do que ocorre na região continen-
cia do esforço pesqueiro para outras áreas, tal, no interior do país. Com poucas exce-
ampliando cada vez mais a escala geográfica ções, a pesca, o turismo e, mais recente-
do impacto sobre o ecossistema. mente, a maricultura ainda são atividades
A biodiversidade por si só já é um recurso impactantes ao meio ambiente e aos ecos-
vivo. Por exemplo, tudo o que se admira sistemas, e desordenadas.
em um aquário marinho tem valor comer- Nossa política de ordenamento pesqueiro
cial. Um pequeno peixe ornamental já nasce ainda é deficiente porque as leis existentes,
com valor agregado. A aquariofilia global muitas vezes adequadas, nem sempre são
explora esse filão biotecnológico, movendo obedecidas na imensidão da Amazônia Azul,
até US$ 30 bilhões por ano. Só que, com inclusive pela dificuldade de monitoramento
poucas exceções, o faz de forma predatória. e de fiscalização numa área tão extensa. A
O roubo de organismos ornamentais e de legislação que estabelece o defeso espacial e
“rochas vivas” nos bancos de coral do Brasil temporal da pesca (período em que a pesca
para exportação é ainda um problema para de qualquer tipo fica proibida), ainda que
a conservação da biodiversidade. nem sempre leve em conta características do
A biotecnologia marinha tem enorme ciclo de vida de cada espécie, tenta proteger
potencial no fornecimento de insumos para estoques pesqueiros e resolver conflitos entre
a indústria médica, farmacêutica, alimentar a pesca artesanal e a industrial. Entretanto,
e de cosméticos. Nosso mar tem, em sua a fiscalização nem sempre é suficiente para
maior parte, características tropicais, com controlar a pesca predatória em áreas e em
hábitats e nichos diversificados. A biotecno- períodos legalmente excluídos do arrasto.

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 15


dossiê amazônia azul Homenagem

Recursos minerais rais represente quase 4% do PIB nacional e


apresente sistematicamente saldo comercial
A exploração de recursos minerais existen- positivo, não há dados concretos sobre qual
tes no leito ou no subsolo marinho depende é a contribuição real dos recursos marinhos
de vários fatores. O principal é a viabilidade para esse número. Entretanto, acredita-se que
econômica. Caso existam recursos semelhan- essa contribuição ainda seja pequena.
tes abundantes em regiões continentais, com Areia e cascalho são os recursos que
custos financeiros de exploração menores, apresentam maior potencial para exploração
não há possibilidade de investimentos para marinha na ZEE, excedendo, em volume, o
que a mineração marinha torne-se realidade. valor de qualquer outro recurso não vivo
Entretanto, tal balanço reflete muitas vezes excluindo óleo e gás (CGEE, 2007, capítulo
a situação do mercado a médio prazo, pois 3). A indústria da construção civil é a grande
sempre há possibilidade de que os recursos utilizadora desses recursos, que são extraídos
continentais entrem em declínio, em rota de de regiões costeiras da ZEE para baratear
esgotamento, com consequente aumento do custos, dado o baixo valor do insumo. Por
valor do insumo. Esse incremento no valor causa principalmente dessa proximidade da
de mercado pode, em poucos anos, tornar a costa, os custos ambientais dessa exploração
lavra em regiões marinhas financeiramente são relativamente altos. As dragagens podem
atraente. Outro fator que deve ser conside- comprometer a estabilidade das regiões cos-
rado, e que não está dissociado dos custos teiras e o aumento da turbidez das águas
de exploração, é a existência de tecnologia marinhas pode dificultar o desenvolvimento
confiável e ambientalmente adequada para do fitoplâncton, base da cadeia alimentar nos
a exploração do recurso mineral marinho. oceanos. Além disso, há a destruição dos
Como essas tecnologias nem sempre estão hábitats recifais, de moluscos e de crustáceos.
prontas, disponíveis no mercado, é necessário Por essas razões, internacionalmente há leis
arcar, pelo menos no início do empreendi- rígidas para o controle da exploração desses
mento, com os custos de desenvolvimento de recursos. O aspecto estratégico dos recursos
métodos e de sistemas que permitam acesso arenosos da plataforma continental brasileira
e lavra dos recursos com o menor impacto foi destacado por vários autores, tais como
ambiental possível. Os custos ambientais são Martins e Toldo Jr. (2006).
um outro fator determinante, pois as ati- As formas livres de algas calcárias, tais
vidades de mineração marinha geralmente como rodolitos, têm viabilidade econômica
revolvem o fundo do mar, impactando direta- para extração através de dragagens (CGEE,
mente os organismos bentônicos, que vivem 2007, capítulo 3). Contendo altas concentra-
junto ao fundo oceânico, e outros, e, através ções de carbonato de cálcio e de magnésio,
deles, toda a cadeia alimentar no oceano. esses recursos são de grande interesse para
De qualquer forma, a exploração de recur- a agroindústria, mas são também utilizados
sos minerais marinhos no Brasil ainda é pelas indústrias farmacêuticas e de produ-
incipiente, ficando restrita a alguns poucos tos dietéticos, bem como para implantes
recursos e a algumas poucas regiões da ZEE. ósseos, nutrição animal e tratamento de
Embora a exploração total de recursos mine- água (Dias, 2000).

16 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


Segundo o CGEE (2007, capítulo 3), a na região do platô de Pernambuco e na cadeia
ZEE brasileira contém a mais longa plata- Vitória-Trindade (Cembra, 2012, capítulo 5).
forma contínua dominada por sedimentos As crostas cobaltíferas ocorrem em mon-
carbonáticos no mundo, estendendo-se desde tes submarinos, como na Elevação do Rio
a costa do Pará até Cabo Frio, no Rio de Grande. Além do cobalto, essas crostas con-
Janeiro. Apenas ao largo da costa de Per- têm quantidades de outras substâncias, tais
nambuco, Montalverne e Coutinho (1982) como titânio, níquel, platina e manganês. Os
estimaram reservas de mais de 1 bilhão sulfetos polimetálicos, ricos em zinco, cobre,
de toneladas entre as isóbatas de 20 m e chumbo, ouro e prata, são outro recurso
de 30 m. Entretanto, os possíveis impactos mineral da Área, ocorrendo principalmente
ambientais da exploração desse calcário são nas regiões das cordilheiras meso-oceâni-
similares àqueles já discutidos, associados à cas. Há indicações ainda da presença desses
exploração de areias e cascalhos. materiais nas proximidades do Arquipélago
Metais nobres como ilmenita, monazita, de São Pedro e São Paulo (Souza, 2000).
zirconita e rutilo ocorrem praticamente em
toda a faixa litorânea da Amazônia Azul Recursos energéticos
(Cembra, 2012, capítulo 5). Há exploração
comercial desses metais pesados nas costas Petróleo e gás natural retirados do mar
do Rio de Janeiro e da Bahia, principal- representam cerca de 40% da matriz ener-
mente na área litorânea emersa. Explora- gética global. A maior parte das reservas
ções na zona litorânea imersa apresentarão de petróleo nacionais está em campos marí-
os mesmos impactos ambientais associados timos, havendo previsão para a produção
ao revolvimento do fundo. de 3 milhões de barris por dia para 2020
Foram observadas ainda ocorrências de (Tolmasquim et al., 2007). As descobertas
diversos outros minerais na ZEE brasileira, na área do pré-sal da Bacia de Santos, por
tais como fosfatos, potássio, magnésio, enxo- exemplo, já fornecem cerca de 1 milhão de
fre e carvão. Hidratos de metano foram barris por dia para o nosso país.
observados por Tanaka e Silva (2003) na Sem desconsiderar toda a pujança da
parte norte da Amazônia Azul. indústria petroleira brasileira, há também
Na área internacional do Atlântico contí- recursos energéticos alternativos associados
gua à Amazônia Azul há recursos minerais ao mar que estão sendo seriamente conside-
de grande potencial e interesse para o Brasil, rados por países industrializados, principal-
embora a exploração comercial dos mesmos mente do hemisfério norte, com o intuito de
a curto e médio prazos não apresente viabili- reduzir suas dependências dos combustíveis
dade econômica. Esses recursos revestem-se, fósseis, esgotáveis, e, ainda, contribuir para
no presente, principalmente de importância desacelerar o aquecimento global. Em razão
político-estratégica, dada a proximidade dessas da grande extensão da ZEE brasileira e da
reservas à ZEE brasileira (Souza, 2000). Os variedade dos processos físicos hidrodinâmi-
nódulos polimetálicos, ricos em manganês, cos que nela ocorrem, há um grande poten-
cobre, níquel e cobalto, são encontrados a cial para aproveitamento de recursos energé-
profundidades de milhares de metros, como ticos marinhos além do dueto petróleo-gás.

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 17


dossiê amazônia azul Homenagem

Em princípio, é possível gerar energia de uma usina de barragem no estuário do


elétrica a partir dos processos marinhos Rio Severn. Evidentemente, a construção de
dinâmicos, como ondas, correntes e marés, barragens em regiões costeiras e estuarinas
e termodinâmicos, como gradientes verticais tem custo ambiental elevado por causa da
de temperatura e horizontais de salinidade, deterioração dos hábitats marinhos. Outra
além dos processos eólicos que ocorrem forma de utilização da energia das marés é
sobre a ZEE. Internacionalmente, existem através de turbinas subaquáticas, que apro-
projetos e protótipos em estágios avançados veitam a energia cinética das correntes de
de desenvolvimento ou de funcionamento. maré gerando até 1.500 kW com uma única
O fenômeno de marés, por seu determi- turbina, usando a tecnologia atual; depen-
nismo, tem sido utilizado para a criação de dendo da corrente local, são como verdadei-
usinas, com aproveitamento dessa energia ros “moinhos de vento submersos”.
mecânica dos oceanos através de barragens Ambientes costeiros com grande ampli-
e de turbinas submarinas. Nas barragens, o tude de marés na costa brasileira ficam
desnível entre as águas represadas em regi- restritos à região Norte, como o Golfão
ões litorâneas e aquelas situadas imediata- Maranhense e a costa nordeste do estado
mente ao largo da barragem é aproveitado do Amazonas, ao norte da foz do Rio Ama-
para transformar essa diferença de energia zonas, em razão do fenômeno de ressonância
potencial em energia elétrica, de forma entre a onda de maré do oceano profundo
muito semelhante àquela existente nas usi- e os modos naturais de oscilação da pla-
nas hidroelétricas continentais. A primeira taforma continental. Nessas duas regiões
usina de barragem de maré foi construída no as correntes de maré também são intensas,
estuário do Rio Rance, no norte da França, principalmente no Golfão Maranhense, onde
em 1966, com capacidade para gerar até 40 chegam a atingir valores superiores a 2 m/s.
MW, energia suficiente para iluminar 130 O potencial de geração de energia pelas
mil casas. Foi a maior barragem durante ondas de alta frequência (período típico de 10
muito tempo, até a construção da Sihwa s), usualmente geradas pelo vento, em todos
Lake Tidal Power Plant na Coreia do Sul, os oceanos é estimado em aproximadamente
em 2011, com potência instalada de 254 MW. 2 mil GW. Estudos feitos na costa oeste ame-
Uma outra barragem está sendo construída ricana estimam que, em média, tais ondas
próximo à Ilha de Ganghwa (Coreia do Sul) produzam entre 40 e 70 kW/m. Projetos de
com capacidade instalada de 812 MW, que extração de energia diretamente da oscilação
poderá produzir o equivalente a 862 mil vertical da superfície do mar durante a passa-
barris de petróleo por ano. Outros países, gem das ondas, ou das variações de pressão
como Canadá e China, também possuem em subsuperfície decorrentes desse mesmo
usinas desse tipo. Para contribuir com o aten- movimento ondulatório, vêm sendo investi-
dimento ao Protocolo de Quioto, que regula gados em vários países, inclusive no Brasil.
a emissão de carbono para a atmosfera, a Desenvolvida na Coppe/UFRJ, a usina de
Grã-Bretanha estuda como alternativa a pos- ondas brasileira foi testada no Porto de Pecém,
sibilidade de gerar um quinto da demanda no Ceará, constituindo-se na primeira estru-
de eletricidade do país com a construção tura da América do Sul a utilizar a energia

18 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


das ondas do mar para produção de energia Continental Sudeste, as diferenças de tempe-
elétrica. Estudos recentes do Instituto Oce- ratura entre a superfície e o fundo podem
anográfico da USP (IO-USP) indicam que, ser superiores a 10ºC em profundidades de
ao largo da costa do estado de São Paulo, o cerca de 50 m ou até mesmo menores. O
potencial para extração da energia das ondas aproveitamento desses gradientes verticais de
é, tipicamente, de até 15 kW/m (Gomes, 2014); temperatura envolve o ciclo de evaporação-
na zona costeira, entretanto, a região com -condensação de uma substância, como a
maior potencial é aquela situada no lado amônia, por exemplo, num processo similar
externo da Ilha de São Sebastião, com valo- ao Ciclo de Carnot. Nesse caso, a amônia é
res médios de até 10 kW/m. De fato, quase evaporada pela água quente superficial, movi-
toda a ZEE brasileira possui regime de ondas mentando turbinas que geram energia elétrica
de alta frequência em faixa de energia entre no processo. Parte da energia gerada é utili-
10 e 30 kW/m, considerada ótima para sua zada para bombear águas frias das maiores
exploração, capaz de manter a extração sem profundidades, sendo estas empregadas para
submeter os equipamentos a grandes tensões. resfriar a amônia, retornando a mesma ao
Além das correntes de maré, no oceano estado líquido. Experimentos pioneiros rea-
há diversos outros tipos de correntes, gera- lizados com tal processo no final do século
das por distintas forçantes. Na plataforma XIX e na primeira metade do século XX,
continental, em geral, a principal forçante principalmente nas regiões costeiras de Cuba
das correntes é o atrito entre o ar (vento) e e do Brasil (Rio de Janeiro), mostraram que,
a camada superficial de água. Em pratica- com a tecnologia então existente, o custo ener-
mente toda a região mais costeira da Ama- gético para manter o sistema operando era
zônia Azul, as correntes geradas pelo vento maior do que a quantidade de energia gerada.
são as que possuem maior energia cinética. A partir de 1974, os Estados Unidos assu-
Essa energia pode ser aproveitada para gerar miram a liderança na pesquisa de extração
eletricidade utilizando os mesmos moinhos de energia a partir de gradientes térmicos
de vento submarinos já discutidos. Pequenas oceânicos. O projeto Ocean Thermal Energy
estações costeiras poderiam transformar a Conversion (Otec), além de aplicar o sistema
energia cinética das correntes geradas pelo fechado com amônia, também mantém um
vento em energia elétrica suficiente para sistema de bombeamento aberto no qual a
abastecer bairros ou cidades menores de água quente da superfície é bombeada para
forma integral. Novamente, pesquisas recen- uma câmara de vácuo, evaporando e expan-
tes do IO-USP mostram que a costa norte dindo-se, movimentando turbinas. A água fria
do estado de São Paulo, particularmente a profunda bombeada para o sistema condensa
região de São Sebastião, é a mais adequada o vapor formando água doce, que é aprovei-
para esse tipo de aproveitamento de energia tada para consumo. Em 1979, uma parceria
marinha no estado. entre o governo americano e empresas pri-
A água do mar tem maiores temperatu- vadas viabilizou um pequeno sistema Otec
ras na superfície, com os valores diminuindo em um navio ancorado ao largo do Havaí.
em direção ao fundo. Em determinadas regi- O sistema produziu energia suficiente para
ões da Amazônia Azul, como na Plataforma iluminar o navio e manter os computadores

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 19


dossiê amazônia azul Homenagem

ligados. O sistema Otec também canaliza a que a superfície do mar é muito mais plana
água fria profunda para sistemas de refrige- e homogênea do que a do continente. Em
ração e resfriamento de solos, viabilizando a muitos países, o caminho natural de desen-
agricultura de espécies de clima temperado volvimento dos aproveitamentos eólicos foi
em clima tropical. Aplicações similares ao no rumo do continente para o oceano, tanto
sistema Otec poderiam ser analisadas para impulsionado pelos altos custos dos terre-
emprego, em princípio, nas ilhas oceânicas da nos ou pela busca de maiores potenciais,
ZEE brasileira, onde as diferenças verticais quanto pela necessidade de geração próximo
de temperatura da água podem atingir 20°C; a centros consumidores costeiros. No final
também na Plataforma Continental Média de 2016, a região do Mar do Norte, com
dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, seus fortes ventos, já contava com mais de
Paraná e Santa Catarina essas diferenças 3 mil turbinas offshore, localização facili-
são altas, embora não tão grandes quanto tada pelas pequenas profundidades da extensa
nas ilhas oceânicas. Principalmente porque plataforma continental da região. A maior
os desenvolvimentos tecnológicos obtidos parte dessas estruturas está fixada no leito
pelos engenheiros e empresas brasileiros do oceano, mas já existem modelos e cada
na exploração de óleo e gás em grandes vez mais pesquisas em plataformas flutuan-
profundidades poderão ser utilizados para tes. No Brasil, essa será provavelmente uma
viabilizar novos experimentos na ZEE para alternativa interessante para estados como
aproveitamento desses gradientes verticais São Paulo e Paraná, que têm uma grande
de temperatura marinhos. demanda próximo à costa, mas com pequeno
Gradientes osmóticos são comuns no mar, potencial em terra.
sobretudo nos estuários, onde o encontro da As diversas formas de aproveitamento da
água doce com a água salgada forma gra- energia mecânica ou termodinâmica do oce-
dientes salinos quase-horizontais marcantes, ano geram energia limpa, com relativamente
que podem gerar energia através da osmose. pequeno impacto ambiental. Entretanto, os
O fluxo de água através de membranas semi- processos de construção das estruturas e dos
permeáveis para equilibrar a pressão osmó- sistemas necessários para esse aproveitamento
tica pode ser usado para girar turbinas. A certamente terão impactos ambientais locais
tecnologia poderia ser estudada para aplica- e, por isso, permissões para implantação e
ção em nossos maiores sistemas estuarinos, funcionamento pelas agências reguladoras
como, por exemplo, o do Rio Amazonas e deverão ser rigorosas, necessitando de estudos
o da Lagoa dos Patos. completos de impacto ambiental.
A força dos ventos em terra para geração
de eletricidade já é uma realidade no Bra- Recursos não extrativos
sil, com uma participação de 7% na matriz
elétrica atual e tendência de crescimento. (ecossistêmicos)
Sobre a Amazônia Azul, evidentemente,
sopram os mesmos ventos de larga escala; Serviços ecossistêmicos são recursos ma-
entretanto, nas regiões oceânicas os ventos rinhos inerentes ao meio, não mensuráveis.
são, em geral, mais intensos e constantes, já Do ponto de vista socioeconômico, os recur-

20 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


sos não extrativos podem ser tão importan- a temperatura do ar. Apenas para compa-
tes quanto os demais, mas, em virtude do ração, todo o calor contido na atmosfera
pequeno índice de mentalidade marítima de pode ser armazenado nos primeiros metros
nossa sociedade, muitas vezes não são per- da coluna de água oceânica. Este essencial
cebidos nem sequer avaliados. serviço ecossistêmico, propiciado pelo oceano
O mar é a nossa principal via de trans- ao planeta Terra, dificilmente será perdido,
porte. Pelo menos 95% do comércio exte- a não ser que o mar desapareça.
rior é feito por via marítima. A indústria No entanto, alterações no delicado equilí-
nacional importa matéria-prima e exporta brio termodinâmico existente entre o oceano
seus produtos essencialmente através do e a atmosfera, com pequenos aquecimentos
transporte marítimo. sistemáticos desta última, podem ser catastró-
O turismo ao longo do litoral brasileiro ficas para a sociedade global. A manutenção
é outro recurso não extrativo, baseado na do clima na Terra, e das temperaturas que
paisagem costeira e nas formas de lazer possibilitaram o desenvolvimento da vida em
por ela oferecida. Atualmente, este último nosso planeta, dependem desse equilíbrio,
recurso está contribuindo com cerca de 10% que é regulado principalmente pela concen-
do PIB nacional, incluindo a hotelaria, gas- tração de gases de efeito estufa, como o gás
tronomia, pesca esportiva, esportes mari- carbônico, na atmosfera.
nhos, turismo subaquático e outros serviços O oceano ocupa quase 71% da superfície
que sustentam uma parcela significativa da da Terra e, portanto, participa ativamente
socioeconomia litorânea. do ciclo global do carbono, absorvendo e
O mar controla o clima global e a tem- emitindo diariamente milhões de toneladas
peratura média do planeta em razão da alta de gás carbônico através de seus processos
capacidade que a água tem de conservar a físicos e biológicos. A “bomba biológica”
energia térmica oriunda do Sol, propiciada oceânica é a capacidade que o mar tem de
pelo seu relativamente alto calor específico. absorver gás carbônico da atmosfera para
Essa capacidade de armazenamento mantém formar biomassa vegetal através da fotos-
diariamente uma enorme quantidade de calor síntese das microalgas (fitoplâncton), trans-
nos oceanos, que, por sua vez, aquecem a portando ao final essa massa para o fundo
atmosfera, propiciando que as temperaturas marinho, onde ela permanece estocada por
médias da Terra fiquem em torno de 14ºC e centenas de anos. O carbono fitoplanctônico
possibilitando a manutenção da vida como flui pela teia alimentar, distribuindo-se por
a conhecemos. O oceano, na sua camada todos os níveis tróficos marinhos. Nesse pro-
mais superficial, é aquecido diretamente cesso, existe sempre perda de carbono sob
pelo Sol, enquanto a atmosfera é aquecida a forma de detritos. Ao contrário de uma
essencialmente pelo oceano, isto é, o oceano floresta, onde tudo que morre cai rapida-
é aquecido por cima enquanto a atmosfera mente e se acumula em uma fina camada de
é aquecida por baixo. Também, quando há solo, o mar exporta mais detritos. Bilhões de
excesso de calor na atmosfera, o oceano é toneladas de detrito marinho sedimentam-se
capaz de absorver parte do mesmo sem gran- anualmente no fundo dos oceanos, desfa-
des alterações em sua temperatura, regulando zendo-se através de regeneração microbiana

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 21


dossiê amazônia azul Homenagem

e liberando o gás carbônico. Este último ou na costa leste da África, por exemplo.
mantém-se dissolvido sob as altas pressões Ao atingirem a superfície, essas águas são
e as baixas temperaturas das grandes pro- aquecidas pela radiação solar, diminuindo
fundidades. Este é um processo contínuo sua capacidade de armazenar gás carbônico
que há milhões de anos mantém um reser- por causa da elevação da temperatura. Nes-
vatório enorme de carbono dissolvido no ses locais, o excesso de gás carbônico é
fundo dos oceanos. devolvido para a atmosfera.
A “bomba física oceânica” ou “bomba de O ciclo do gás carbônico através da
solubilidade” é uma outra forma de absorção “bomba física oceânica” é lento, demorando
de gás carbônico que ocorre nos ecossiste- centenas de anos para se completar, ou seja,
mas oceânicos. Trata-se da capacidade que para entrar nos oceanos nos mares gelados de
a água do mar tem, regulada pela sua tem- altas latitudes e sair de volta para a atmos-
peratura, de manter uma certa quantidade fera nos mares quentes das regiões tropicais.
de gás carbônico dissolvido. Quanto menor Evidentemente, quanto mais gás carbônico
for a temperatura da água, maior será a sua é introduzido na atmosfera pela queima de
capacidade de reter o gás dissolvido. Nas combustíveis fósseis, por exemplo, maior
altas latitudes polares a água da superfície será a quantidade desse gás mantido pela
é muito fria, permitindo o armazenamento “bomba física” no interior do oceano, dimi-
de grandes quantidades de gás carbônico nuindo os efeitos dos gases-estufa de elevar
atmosférico. Como o processo de resfria- a temperatura do nosso planeta. Entretanto,
mento superficial nessas latitudes é prati- não sabemos ainda quanto o mar suportará
camente constante, essa água torna-se mais desse excesso de gás carbônico na “bomba
densa e desloca-se verticalmente para níveis física”. Evidências recentes sugerem que a
mais profundos, em processo contínuo. Por capacidade de absorção de gás carbônico
continuidade, as águas que afundam em atmosférico pelo oceano está chegando ao
regiões de altas latitudes têm que se des- limite, o que terá como consequência o acú-
locar quase horizontalmente em direção ao mulo ainda maior desse gás na atmosfera.
equador terrestre, transportando com elas O aquecimento global pode derreter as
o gás carbônico armazenado para grandes calotas de gelo polares, com evidências já
profundidades em todas as bacias oceânicas. irrefutáveis na Groenlândia e no Alasca.
Eventualmente, a água fria profunda com Além da perda de hábitat polar, fundamental
alta concentração de gás carbônico pode para a sobrevivência dos animais marinhos
retornar à superfície em latitudes tropicais, do topo da pirâmide alimentar (ursos, focas
em razão da divergência das correntes super- e baleias) e para a integridade da teia ali-
ficiais causada pela variabilidade espacial mentar dos mares polares, o derretimento
dos ventos que sopram sobre a superfície das geleiras poderá aumentar a fonte de
do mar. Regionalmente, esse processo de água doce na superfície dos oceanos. No
ascensão de águas do fundo, frias e ricas em Atlântico Norte, por exemplo, a superfí-
gás carbônico, também denominado ressur- cie do mar poderá se tornar menos salina,
gência, pode ocorrer de forma praticamente dificultando o transporte de águas superfi-
contínua, como nas costas do Peru e Chile ciais tropicais quentes em direção ao norte

22 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


pela Corrente do Golfo, que flui pelo lado das mudanças climáticas globais previstas
oeste dessa bacia e que se separa da costa e para as próximas décadas.
deflete para leste, atingindo a Europa. Essa Ainda há poucas pessoas que compre-
advecção de água quente reduz o rigor do endem os estragos que, por exemplo, uma
inverno em países do norte da Europa e a rede camaroeira faz na biodiversidade do
sua diminuição é uma das explicações para sedimento submerso, ou aqueles causados
a “Pequena Era do Gelo” que ocorreu entre pela substituição de manguezais, criadouros
os séculos XVII e XVIII, quando a inten- do mar, por tanques de camarões exóticos
sidade da Corrente do Golfo foi cerca de que infectam a biodiversidade local com seus
10% menor e a temperatura nesses países, vírus também exóticos, ou ainda uma das
aproximadamente 1°C menor. fontes de contaminação marinha que são
Cerca de 90% da água que existe na os fármacos (anticoncepcionais, antidepres-
superfície da Terra está congelada em altas sivos, anti-inflamatórios, por exemplo), os
latitudes, principalmente no continente cosméticos e os produtos de higiene pes-
Antártico, nas terras ao redor do Oceano soal. Ao final, parte dos resíduos gerados
Ártico e nas grandes cordilheiras da Ásia e pela utilização desses processos e produtos
das Américas. A fusão de parte desse gelo pela população que vive em regiões costeiras
pelo aumento da temperatura causado pelo acaba penetrando no mar, que, embora tenha
aquecimento global terá como consequên- um volume enorme e uma capacidade de
cia pequeno aumento do nível médio do depuração gigantesca, não pode ser tratado
mar, destino final da água líquida gerada. como se infinito fosse.
Uma consequência imediata dessa elevação O capítulo XVII da Agenda 21 recomenda
da superfície do mar seria o alagamento o uso sustentável do mar e de seus recursos
de muitas das regiões costeiras baixas e, por meio de várias ações governamentais
também, a intensificação dos processos de e sociais, dentre elas, a criação de Planos
ressacas na costa sudeste do Brasil. Nacionais de Unidades de Conservação
Marinha, genericamente chamados de Áreas
CONSERVAÇÃO E PROTEÇÃO Marinhas Protegidas (AMPs). São espaços
aquáticos, geralmente costeiros, nos quais a
DE RECURSOS MARINHOS:
estrutura biológica e os processos naturais
REALIDADE OU UTOPIA? que os mantêm são protegidos por lei, por
meio da restrição de atividades antrópicas
A conservação marinha envolve proces- potencialmente impactantes, como a pesca
sos complexos e de implementação lenta. sem manejo integrado e ecossistêmico. O
O incremento da mentalidade marinha na ecossistema marinho é evidentemente vul-
nossa sociedade, principalmente a partir dos nerável a todo tipo de poluente orgânico
ensinos fundamental e médio, permitirá a persistente, aos metais pesados oriundos
gradual mudança de postura dos brasilei- das atividades industriais na zona costeira
ros frente à Amazônia Azul, que abriga e ao lixo sólido não biodegradável. Somada
um bioma único, indivisível e frágil, tanto a isso, a perda de hábitats sensíveis causada
diante da contaminação ambiental quanto por obras costeiras mal planejadas compro-

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 23


dossiê amazônia azul Homenagem

mete ainda mais a diversidade biológica e a ser conservados apenas porque os estoques
diversidade cênica da zona costeira. comerciais de peixes estão condenados a se
Aos poucos a sociedade global vai se extinguirem nas próximas décadas caso a
conscientizando sobre as questões ambien- captura continue nos níveis atuais. É impor-
tais, principalmente aquelas associadas às tante lembrar que, por exemplo, os oceanos,
mudanças climáticas que nos afetam mais através da fotossíntese, produzem pelo menos
diretamente com a ameaça do colapso dos metade do oxigênio que respiramos. Saber
estoques pesqueiros comerciais, como a Con- que eles aquecem a atmosfera, regulam a
ferência Mundial para o Desenvolvimento temperatura do ar e que são responsáveis
Sustentável em 2002, o Congresso Mundial pela manutenção do clima que herdamos, que
de Parques em 2003 e, recentemente, a Con- permitiram a proliferação da vida e o grande
venção de Diversidade Biológica, por meio desenvolvimento socioeconômico das últimas
das metas de Aichi (Japão), recomendou a décadas. Lembrar que os oceanos todos os
criação de um sistema mundial de AMPs anos fornecem quase 100 milhões de tonela-
e a proteção integral de no mínimo 20% das de proteína animal para a humanidade.
dos oceanos contra a pesca predatória até Saber também que os oceanos retardam o
o fim de 2020. Atualmente, existem cerca aquecimento global, absorvendo quase um
de 1.300 AMPs ao redor do mundo, número terço da emissão anual de gás carbônico,
que parece elevado, mas que representa na resultante principalmente da queima de com-
verdade apenas 1% dos oceanos. bustíveis fósseis. E, no entanto, apesar de
No Brasil, existem inúmeras unidades de todos esses serviços ambientais ofertados
conservação terrestres ao longo da zona cos- gratuitamente, recebem em troca, anualmente,
teira, sobretudo na região Sudeste-Sul. São mais de seis bilhões de toneladas de lixo
mais de 30 só nos estados de São Paulo e sólido e mais alguns bilhões de litros de água
Paraná. Mas, novamente, no espaço marinho contaminada com um coquetel de poluição
a situação é crítica e segue o mau exemplo venenosa produzida pela atividade humana
global, tendo apenas 0,6% do espaço oce- ao longo das zonas costeiras.
ânico protegido. Aqui, as AMPs existentes Existem métodos diretos e indiretos para
têm a categoria de parques, reservas e APAs proteger os recursos marinhos do mar ter-
(veja as definições no Sistema Nacional de ritorial e da ZEE brasileiros, explorando-os
Unidades de Conservação – Snuc), tais como com responsabilidade socioambiental e per-
Fernando de Noronha, Abrolhos, Atol das petuando esse legado para as gerações futu-
Rocas, Ilha do Arvoredo, APA dos Corais, ras. Por exemplo: manter o esforço de pesca
etc. Juntas, somam 1,57% de toda a extensão abaixo da capacidade máxima sustentada,
de nosso mar territorial e ZEE. extinguir a pesca predatória e usar tecno-
Vale ressaltar que grande parte do esforço logias alternativas de baixo impacto para a
global de conservação marinha está associada produção artificial de recursos vivos podem
ao esgotamento dos recursos pesqueiros. Na ser exemplos de métodos diretos. Métodos
verdade, é necessário retirar a questão pes- indiretos podem ser exemplificados com o
queira do centro das atenções no palco da aumento da educação ambiental e da men-
conservação marinha. Os oceanos não devem talidade marítima da população brasileira,

24 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017


particularmente daquela que vive em regiões amento consiste na produção de juvenis de
costeiras, aumento da renda dessas comunida- espécies exploradas comercialmente para
des costeiras, desviando-as da pesca quando serem reintroduzidas na natureza, aumen-
necessário, e o controle da poluição terrestre tando o recrutamento e recuperando esto-
que acaba atingindo o mar. ques. É um método eficiente de recuperar
Uma das alternativas para aumentar a estoques naturais degradados, usado em
produção de proteína animal marinha e ali- diversos países, especialmente no Japão.
viar os estoques pesqueiros em declínio é a O repovoamento de moluscos, crustáceos e
maricultura. Entretanto, no Brasil, a mari- peixes de valor comercial é factível regio-
cultura tradicional está se desenvolvendo nalmente onde há conhecimento definido
com um custo ambiental muito elevado, em dos ecossistemas e dos processos oceano-
razão da poluição marinha que ocasiona, e, gráficos. Esse repovoamento deveria ser
além disso, muitas vezes apresenta conflitos incentivado nas regiões estuarinas e de
com o desenvolvimento urbano, o turismo lagoas costeiras de todo o país que ainda
e o transporte na zona costeira. A criação mantêm razoáveis condições ambientais.
de camarões, ostras e mexilhões começou A manipulação do ambiente com hábitats
timidamente em meados de 1980, nas costas artificiais também é uma tecnologia usada
de Santa Catarina, e se espalhou por estu- em vários países, e também no Brasil, para
ários e zonas costeiras abrigadas do litoral a proteção dos recursos marinhos, repovoa-
brasileiro, aumentando (um pouco) a renda mento de estoques degradados e conservação
de centenas de famílias de pescadores. Os da biodiversidade. Estruturas de grande porte
impactos causados por essa indústria, entre- feitas de concreto ou navios descomissiona-
tanto, prejudicam suas próprias atividades. dos, quando assentados no fundo marinho
Uma possível solução alternativa e ambien- em locais apropriados, oferecem hábitats
talmente sustentável é produzir em áreas situ- novos, nos quais se desenvolve uma comu-
adas a dezenas de quilômetros das costas. nidade biológica semelhante à encontrada
Essa maricultura de moluscos e algas em nos hábitats rochosos adjacentes. Essa nova
mar aberto é uma alternativa promissora, comunidade pode ser explorada economi-
com baixo custo ambiental, uma vez que a camente, diminuindo a pressão do homem
capacidade de depuração das águas da pla- sobre as comunidades naturais. A mani-
taforma aberta é incomparavelmente maior pulação artificial do hábitat torna-o mais
do que aquela das águas de áreas costeiras, favorável como abrigo e concentração de
em geral confinadas, onde a advecção e a alimento do que o próprio meio adjacente.
difusão dos poluentes são restritas. Hábitats artificiais também têm forte apli-
Podemos dizer que o que a pesca retira, cação turística, servindo como mitigadores
o repovoamento devolve e recupera. A apli- de impactos turísticos nos hábitats naturais.
cação de conhecimentos robustos adquiri- Os norte-americanos conseguiram diminuir
dos pelas pesquisas oceanográficas e dos em 50% o impacto do turismo nos recifes
processos biológicos de uma determinada de coral de sua ZEE, atraindo turistas para
região é fundamental para a recuperação de hábitats artificiais, principalmente navios
estoques pesqueiros em declínio. O repovo- descomissionados e afundados propositada-

Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017 25


dossiê amazônia azul Homenagem

mente, mas preparados para isso de acordo Além de atraírem peixes, hábitats artificiais
com protocolos rigorosos de limpeza e eli- colonizam-se rapidamente e podem ajudar
minação de riscos ao mergulho esportivo. a preservar as populações naturais.

Bibliografia

ABDALLAH, P. R.; SUMAILA, U. “An Historical Account of Brazilian Public Policy on


Fisheries Subsidies”, in Marine Policy, 31(4), 2007, pp. 444-50.
CEMBRA (Centro de Excelência para o Mar Brasileiro). O Brasil e o Mar no Século XXI.
2a ed. Rio de Janeiro, s. e., 2012.
CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos). Mar e Ambientes Costeiros. Brasília,
s. e., 2008.
DIAS, G. T. M. “Granulados Bioclásticos: Algas Calcárias”, in Revista Brasileira de Geofísica,
18(3), 2000, pp. 307-19.
FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). “The State of World
Fisheries and Aquaculture”, 2012.
GOMES, C. P. “Caracterização do Regime de Ondas da Costa Brasileira: Base para o
Desenvolvimento de um Gerador Elétrico para Extração de Energia de Ondas”.
Trabalho de graduação. São Paulo, Instituto Oceanográfico da USP, 2014.
KUMAR, A. B.; DEEPTHI, G. R. “Trawling and By-Catch: Implications on Marine Ecosystem”,
in Current Science, 90(7), 2006, pp. 922-31.
MARTINS, L. R.; TOLDO Jr., E. E. “Estoque Arenoso da Plataforma Continental: Um Recurso
Estratégico”, in Gravel, 4, 2006, pp. 37-48.
MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura). Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília,
2010.
SOUZA, K. G. “Recursos Minerais Marinhos Além das Jurisdições Nacionais”, in Revista
Brasileira de Geofísica, 18(3), 2000, pp. 454-5.
TANAKA, M. D.; SILVA, C. G. “Gas Hydrates on the Amazon Submarine Fan, Foz do
Amazonas Basin, Brazil”, in Proceedings of the American Association of Petroleum
Geologists Annual Meeting. Salt Lake, s. e., 2003.
THRUSH, F.; DAYTON, P. K. “Disturbance to Marine Benthic Habitats by Trawling and
Dredging: Implications for Marine Biodiversity”, in Annual Review of Ecology and
Systematics, 33, 2002, pp. 449-73.
TOLMASQUIM, T.; GUERREIRO, A.; GORINI, R. “Matriz Energética Brasileira”, in Novos
Estudos, 79, 2007, pp. 47-69.
VIANA, J. P. “Recursos Pesqueiros do Brasil: Situação dos Estoques, da Gestão e Sugestões
para o Futuro”, in IPEA Boletim Regional, Urbano e Ambiental, 7, 2013, pp. 45-59.

26 Revista USP • São Paulo • n. 113 • p. 7-26 • abril/maio/junho 2017

Você também pode gostar